Massillania Ferreira Gomes - Bolsista PET-Letras
- Universidade Federal de Campina Grande - UFCG
José Hélder Pinheiro Alves - Orientador - Universidade Federal
de Campina Grande - UFCG
1. Poesia não é para compreender, mas para
incorporar.
Ao longo de nossas experiências com a poesia de
Manoel de Barros, percebemos que as pessoas demonstram dificuldade em
entender os poemas escritos por este autor. Isso talvez se dê pelo
fato de elas buscarem sempre compreendê-los e interpretá-los,
ao invés de seguir a lição do poeta que é
a de sentir os poemas, a partir de seus versos e da experiência
que neles é relatada.
Um exemplo dessa falta de compreensão diz respeito, por exemplo,
a um trecho de um de seus poemas, do livro Poeminhas pescados numa fala
de João (2001): “Veio Maria-preta fazeu três araçás
pra mim/ Meu bolso teve um sol com passarinhos...”. A beleza estética
destes versos, alcançada através do estilo do poeta (que
preza pelas coisas simples da natureza e pelo falar despropositado das
crianças), autoriza-nos a afirmar que eles buscam ser, ao invés
de entendidos, sentidos.
Em seu capítulo “Poesia e Resistência”, Alfredo
Bosi, em O ser e o tempo da poesia (2000), chama a atenção
do leitor para o lugar da poesia na sociedade atual e destaca o fato de
que ela “há muito que não consegue integrar-se, feliz,
no discurso corrente da sociedade. Daí vêm as saídas
difíceis: o símbolo fechado, o canto oposto à língua
da tribo, antes brado ou sussurro que discurso pleno, a palavra-esgar,
a autodesarticulação, o silêncio. O canto deve ser
‘um grito de alarme’ (...). E os expressionistas alemães
queriam ouvir no fundo do poema o ‘urro primitivo’ (...).
Essas formas estranhas, pelas quais o poético sobrevive em um meio
hostil ou surdo, não constituem o ser da poesia, mas apenas o modo
historicamente possível de existir no interior do processo capitalista”
(p.165).
Em busca de perpetuar a “voz” da poesia, o poeta, arauto de
todos os sentimentos, persiste em usar as palavras como instrumento para
falar do silêncio inexplicável que habita cada um de nós,
numa tentativa de representar esse “vazio”, conseqüência
dos moldes pelos quais se constrói a sociedade atual e que é
comunicável, às vezes, apenas por meio de um “deformante
para a voz”. Tal “deformante” transforma as palavras,
faz com que atentemos para o significado de cada uma delas, agora no silêncio
ressonante do papel em que repousa a poesia.
Manoel de Barros defende, em sua poesia, a “desautomatização”
dos sentidos, baseado na idéia de que o ser humano, na sociedade
atual, esqueceu da sensibilidade, dando maior valor ao uso da razão,
isto porque ele acredita que é necessário, para a sua sobrevivência,
que reaja de forma mais mecânica e automática aos estímulos
da vida, do trabalho, nas relações com as pessoas.
O poeta quer que os leitores passem a olhar para as coisas que não
são valorizadas na sociedade de hoje: os sabugos, as caçarolas
velhas, os molambos, as coisinhas da água e do chão, etc.
Aquilo que a sociedade despreza e não dá valor, o poeta
recolhe para a sua vida, utiliza como matéria de sua poesia, tornando-se
assim um ser humano mais completo.
Sobre a poesia infantil de Manoel de Barros – assim classificada
por mera necessidade de classificar, já que as experiências
lá descritas podem encantar comumente adultos e crianças
– também há relatos de leitores que não a compreendem.
Os depoimentos vêm de adultos acostumados com a idéia de
que tudo deve ser compreendido e interpretado. Esquecem que quando crianças
nem sempre as coisas se davam dessa maneira e que a poesia, hoje, não
quer especificamente ir por este caminho, mas talvez por outro: ela quer
ir de encontro ao que a sociedade pragmática defende, mostrando
que há outras experiências mais ricas que estão sendo
esquecidas; experiências cotidianas com elementos da natureza, vindas
de pessoas simples ou mesmo das crianças, e que são capazes
de ativar os sentidos (tato, visão, olfato, por exemplo) fazendo-os
interagir uns com os outros, promovendo uma comunhão entre o objeto
e o ser humano que com ele entra em contato.
2. Poemas pescados na fala de um poeta
Recentemente, foram publicados, pela editora Record, todos
os livros (mais de 25) de Manoel de Barros, desde o primeiro. De 1995
para cá, tem produzido bastante, chegando a publicar até
dois livros por ano. Em 1999, foi lançado o seu primeiro livro
voltado para o público infantil, Exercícios de ser criança.
Posteriormente, mais dois foram publicados, dentre eles está Poeminhas
pescados numa fala de João, de 2001, que tem como características
a linguagem que se aproxima do falar das crianças, o uso de imagens
poéticas que retratam a imaginação infantil e a valorização
das coisas simples da natureza.
Esse livro possui dez poemas, ilustrados, um a um, por Ana Raquel. Seus
desenhos parecem ter sido feitos com tinta óleo: são molduras
que ilustram cada um dos textos de maneira a parecerem ter sido feitas
por crianças. Trazem peixes, folhas, barquinhos de papel, cobras,
jacarés, casinhas, pessoas, coisas e seres bastante próximos
do cotidiano infantil.
Manoel de Barros nos apresenta várias crianças – dentre
elas a que mais aparece é o menino João – a partir
das aventuras e experiências, com os elementos da natureza, que
são traduzidas nos poemas. Como em Exercícios de ser criança,
o poeta enfatiza os personagens-crianças, buscando, a partir da
memória e do olhar lançado para o seu cotidiano, apresentar
experiências que fazem rememorar as nossas vivências quando
naquela idade.
Observamos que há uma certa afinidade do poeta com relação
à água. A maioria dos poemas dedica-se a falar dos rios,
dos seres e coisas que o habitam: peixes, cobras, piranhas, barcos. Acreditamos
que o poeta quer demonstrar que a poesia, como a água, é
– além de fonte de vida e de morte, de purificação
e poluição – o elemento que proporciona eternidade
a quem dela beber.
Para Manoel de Barros, a poesia é fonte de vida eterna, de purificação
e de (re)criação. Aquele que beber da água que ela
oferece experimentará a revelação de que a sensibilidade
é uma das saídas para o vazio, sem razão aparente,
da vida na sociedade atual. Provará também da memória
da humanidade, fonte de sabedoria, purificação, símbolo
da existência humana. A água fala na poesia, a poesia fala
no poeta-leitor.
As coisinhas do chão também são enfatizadas, como
o cocô de capivaras. O verso a seguir, do poema IV, retrata bem
esta característica:
Ninguém não tinha um rosto com chão
perto.
Adoramos, quando crianças, o chão, as coisas
que ele nos proporciona. Curvamo-nos para o admirar, para com ele interagir.
Envoltos pela idéia do racionalismo a todo o momento, esquecemos
de observar o mundo sem esse olhar, esquecemos do como enxergávamos
as coisas quando éramos crianças. Mas esse sentimento ainda
existe em nós, bastando apenas que nos deixemos levar por ele,
seguindo a poesia, por exemplo.
Os poemas do livro de Manoel ativam a imaginação da criança,
ao mesmo tempo em que se aproximam do seu modo de falar, trazendo, por
exemplo, onomatopéias, ou fazendo referência à sintaxe
que as crianças utilizam:
I.
O menino caiu dentro do rio, tibum,
ficou todo molhado de peixe...
A água dava rasinha de meu pé.
VII.
Escuto o meu rio:
é uma cobra
de água andando
por dentro de meu olho...
Chama-nos a atenção a quantidade de metáforas
utilizadas pelo poeta para descrever os sentimentos do menino em relação
às coisas da natureza e o modo como elas se aproximam do falar
das crianças, valorizando, deste modo, o olhar deste ser para as
coisas do cotidiano, aproximando-o do poeta.
No poema de abertura do livro Exercícios de ser criança
(1999), diante de uma pergunta poética do filho no aeroporto (“–
E se o avião tropicar num passarinho?”; e, logo em seguida,
“- E se o avião tropicar num passarinho triste?”),
os pais, aflitos por não saberem dar-lhe uma resposta, acabam concluindo
que “Com certeza, a liberdade e a poesia a gente aprende com as
crianças”.
3. Poeminhas pescados nas falas de nossa comunidade
A primeira edição do livro Poeminhas pescados
numa fala de João não fora inicialmente publicada tendo
em vista o público infantil. Em Gramática Expositiva do
Chão (1986) encontramos uma coletânea dos livros de Manoel
e, dentre eles, está aquele primeiro.
É interessante observar que, diferentemente de alguns poetas que
escrevem para crianças e adultos, Manoel de Barros parece não
fazer diferença entre a linguagem, utilizada em seus livros, para
esses dois públicos.
O relançamento do livro, agora com roupagem voltada para crianças,
nos faz acreditar que ele se destina a todas as idades. Em razão
disto, pretendemos apresentar aqui uma proposta de trabalho que tem por
objetivo sensibilizar crianças e adultos para a arte, a partir
da leitura expressiva dos poemas, da observação e recriação
das ilustrações.
A experiência fora inicialmente pensada tendo em vista o projeto
PET-Comunidade, dos PET (Programa de Educação Tutorial)
da UFCG. Esse projeto tem por principal objetivo aproximar a universidade
e os programas de pesquisa (especificamente o PET) de comunidades mais
carentes de nossa cidade. O trabalho com o livro de Manoel de Barros tem
por objetivos apresentar, de uma forma lúdica – buscando
sensibilizar as pessoas – as experiências sobre a infância,
relatadas nos poemas, fazendo com que adultos e crianças rememorem
acontecimentos dessa tão valorizada pelo poeta.
Quando entramos em contato com as escolas e com a comunidade, percebemos
a necessidade que têm de um trabalho com a poesia. Há uma
carência acentuada com relação a esse tipo de experiência
traduzida em versos. De acordo com PINHEIRO (2002),
De todos os gêneros literários, provavelmente,
é a poesia o menos prestigiado no fazer pedagógico da sala
de aula. Mesmo depois da massificação da literatura infantil
e juvenil, não tivemos nem produção, nem trabalho
efetivo com a poesia. Os problemas relativos à aplicação
da poesia são inúmeros e diversos. A primeira fase do primeiro
grau menor (1ª a 4ª séries) apresenta problemas graves
no trato com a poesia – quando existe o contato. Normalmente, as
professoras dão prioridade ao trabalho com textos em prosa, deixando
sempre a poesia em segundo ou terceiro plano (p.15).
O principal papel da poesia é proporcionar prazer
estético a quem dela se aproxima. A escola é um dos espaços
da vida que devem proporcionar o acesso a esse tipo de experiência.
Mas, mesmo que ela não proporcione isso ao longo da vida escolar
do aluno, a necessidade do ser humano em entrar em contato com o prazer
da arte é maior, fazendo com que ele esteja sempre buscando as
várias expressões artísticas que existem.
A arte – e a poesia especificamente – têm a ver com
a expressão de sentimentos e emoções individuais
que, ao serem publicadas, além de reconhecidas como valor de uma
experiência individual, mais amplamente também o serão
como de uma experiência humana.
4. Narração de uma experiência
Diante da necessidade de colocar em prática o
trabalho que havíamos pensado realizar no PET-Comunidade, decidimos
apresentar, numa escola do município de Queimadas, na Paraíba,
junto a alunos das 1ª e 2ªséries do ensino fundamental,
os poemas do livro Poeminhas pescados numa fala de João, de Manoel
de Barros.
A primeira experiência de aproximação de alunos com
a poesia de Manoel de Barros ocorreu na escola Professor José Miranda.
A razão de escolhermos essa escola, e não outra, deu-se
pelo término das aulas nas escolas públicas de Campina Grande,
pelo menos uma semana antes.
Nosso principal objetivo era possibilitar aos alunos uma experiência
lúdica com a poesia de Manoel de Barros, a partir dos poemas do
livro já citado. Leríamos, para os alunos e professoras
ali presentes, os dez poemas, de maneira o mais expressiva possível.
Em seguida, os poemas seriam distribuídos um a um em folhas de
oficio, para serem ilustrados, em duplas, pelos alunos.
No dia 22 de junho, por volta das quinze horas, cerca de quarenta meninos
e meninas de duas turmas (1ª e 2ª séries de Ensino Fundamental),
na faixa etária entre seis e oito anos, nos esperavam na sala de
aula, todos sentados no chão e bem à vontade, juntamente
com suas duas professoras. Fomos bem recepcionados por todos.
Começamos a ler os poemas fazendo uso de expressões corporais
(recursos dramáticos, como molejo de corpo, uma voz mais adequada
ao sentimento do poema, etc.) que, ao nosso ver, expressassem melhor o
que o poeta estava querendo dizer. Percebemos que, inicialmente, os alunos
não se envolveram com os poemas como imaginávamos. Decidimos
então convidá-los a participar da leitura de dois poemas,
de modo que eles passassem a fazer uso de expressões corporais.
Na leitura feita por nós, dois poemas chamaram a atenção
dos alunos, mais do que os outros. Decidimos utilizá-los para a
leitura em conjunto como s alunos:
VII.
Escuto o meu rio:
é uma cobra
de água andando
por dentro de meu olho...
X.
Vento?
Só subindo no alto da árvore
que a gente pega ele pelo rabo...
Talvez por serem concisos, ou por falarem de coisas do
cotidiano daquelas crianças, estes poemas foram os que mais lhes
agradaram. A leitura, feita por nós inicialmente, também
auxiliou na percepção estética dos textos. Sugerimos
que tentassem imaginar o rio, aproximando-se o máximo possível
da cobra de vidro que passa por dentro do olho do poeta, no poema VII.
Seguindo o que estávamos fazendo, os alunos se agacharam, levaram
a mão ao alto do ouvido e começaram a imaginar o barulho
do rio, como se o estivessem escutando. As crianças faziam barulhos
com a boca, na tentativa de se aproximar do rio, e riam bastante em conseqüência
disto.
Para o poema X, sugerimos que as crianças se levantassem e tentassem
pegar, pelo rabo, o vento que estava passando por entre a sala de aula.
Todos juntos, em pé, tentávamos, seguindo o fluxo do vento,
pegá-lo realmente pelo rabo. Auxiliou-nos o ventilador ligado,
em cima do quadro, que naquele momento proporcionava um vento muito forte.
Ao nosso ver, as crianças se sentiram muito bem com essa experiência
e isso podíamos perceber nos rostinhos felizes e nas risadas gratuitas
que davam em plena sala de aula. Além disso, levando em conta o
fato de que até aquele momento ainda não haviam tido uma
experiência com poesia, como nos confessou a professora, acreditamos
que esta fez com que ampliassem seus horizontes em relação
à percepção para a arte.
Utilizamos recursos simples para uma leitura mais prazerosa daqueles dois
textos: o ventilador, folhas de papel com os poemas e o fazer com que
todos usassem a imaginação para sentir mais e melhor os
poemas.
O livro Poeminhas, juntamente com outros de Manoel (Exercícios
de ser criança e O fazedor de amanhecer), foram levados para que
as crianças apreciassem os poemas e principalmente as ilustrações.
Os alunos se encantaram com os desenhos e, enquanto líamos os poemas
com eles, em sala, todos ficavam curiosos em olhar, mais de perto, as
ilustrações, que chamavam bastante atenção.
Chamou-nos a atenção o fato de que, enquanto apreciavam
as ilustrações do livro, as crianças passavam os
dedos por cima das páginas, como para tentar sentir melhor os desenhos.
Algumas, ao observarem o livro Poeminhas pescados numa fala de João,
apontavam detalhes nas ilustrações, como o sapo, o peixe,
o menino, por exemplo, que estavam escondidos nas várias cores
da água.
É preciso chamar a atenção para o fato de que as
crianças, diferentemente de alguns adultos, reparam no detalhe.
Observando as ilustrações do livro, elas perceberam as pequenas
coisas (o peixe, o sapo, a cobra, etc.) e demonstravam espanto, admiração
e alegria, como se as tivessem descobrindo naquele momento.
Desse modo, acreditamos que o poeta recorre às imagens da infância
com tanta intensidade em razão de acreditar que ela é capaz
de se aproximar dos ideais de sua poesia, que são as coisas miúdas,
o detalhe, as coisas simples do cotidiano e, no livro, também da
natureza.
As ilustrações condizem com a proposta de Manoel pois, além
de se basearem na natureza e na poesia que ela proporciona, ativando com
as cores que traz os vários sentidos, também se aproxima
do detalhe, característico do olhar da criança para o mundo
e do olhar do poeta.
O próximo passo seria fazer com que eles fizessem desenhos a respeito
dos poemas que tinham em mãos. Dividimos os participantes em duplas
e percebemos, ao término da atividade, que a maioria conseguiu
apreciar perfeitamente o que o poeta queria expressar. As atividades com
desenhos demonstram a necessidade de não ficar somente no lúdico,
mas passar a refletir sobre aquilo que foi lido. A respeito de atividades
com ilustrações de livros infantis, TAVARES (2000) afirma
que:
A principal contribuição de oficinas com
esse tipo de atividade é a percepção de como o desenho
e a ilustração podem assumir uma variedade de significados,
que nem sempre necessitam ser uma cópia fiel de modelo preexistente.
A ilustração no livro infantil pode ocupar o papel de anfitriã
no convite para a literatura. No entanto, é necessário que
se desautomatizem os preconceitos e fórmulas prontas com relação
ao desenho e a linguagem visual (p.163).
Desenhar é uma atividade corriqueira para os alunos
do ensino fundamental e percebemos que eles se divertem muito em razão
da gratuidade dessa tarefa. Espalhados no chão e munidos de lápis
de cera coloridos, todos se divertiam fazendo desenhos nas folhas de papel
que traziam os poemas. Alguns pediam para dar uma olhada na ilustração
que o livro trazia, tentando imitá-la. Outros desenhavam do jeito
que queriam.
É interessante observar que, mesmo aqueles que tentavam copiar
a ilustração do livro, também desenharam coisas que
retratavam a sua percepção do poema. Os desenhos realizados
levaram os alunos a fazer uma releitura, como a que fora feita por Ana
Raquel, a ilustradora do livro. É interessante transcrever partes
de um texto da ilustradora, que se encontra no final do livro, e que serviu
de inspiração para a elaboração de nossa experiência:
EXPLICAÇÃO
Enquanto o poeta desexplica, eu, pessoa comum, ilustradora
há 20 e vivedora costumaz há + de 49 e – de 51anos,
tento explicar um monte de PORQUÊS:
- PORQUE fiquei tão feliz e apavorada, lisonjeada, encantada e
absurdada PORQUE o poeta topou me emprestar sua poesia pra criar este
livro.
Acontece que os versos de Manoel há anos me emocionam e me cutucam
as idéias PORQUE foram escritos pra gente grande ler, mas falam
língua de criança (...).
Várias são as discussões a respeito
do papel da ilustração em livros dedicados ao público
infantil. Certo é que muitas vezes eles não só ajudam
na compreensão do texto escrito, como também dialogam com
ele. Acreditamos que uma das primeiras leituras realizadas pela criança
ao entrar em contato com o livro é a do texto não verbal.
O primeiro encantamento se dá com a descoberta das figuras, vindo
posteriormente o com o texto verbal. TAVARES (Idem) complementa:
Dentro dessas perspectivas se ampliam os sentidos da
ilustração, que deixa acepção limitadora da
função de ornar e elucidar o texto escrito para, no dizer
de Mário Quintana “fazer parte do poema” e assim, integrar
as formas de leituras da escrita e da imagem visual. (p.143).
6. Considerando
Ao final da experiência, as professoras vieram
nos relatar que ainda não haviam trabalhado com textos poéticos,
isto porque acreditavam que os alunos não os fossem entender, ou
senão que elas mesmas não saberiam explicá-los. Relataram
também que realizaram muitos trabalhos com textos em prosa, músicas,
textos elaborados pela própria professora – estes com o detalhe
de trazerem lições de moral – e outros, retirados
do livro didático, que tratam sobre temas relativos às datas
comemorativas – dia do índio, dia das mães, etc. Os
alunos elaboram cadernos em que, ao lado dos textos, fazem ilustrações.
Desse modo, a atividade de ilustrar os textos não foi tarefa difícil
para os alunos que já estão acostumados a esse trabalho,
mas a leitura de poemas talvez tenha sido uma experiência ainda
não experimentada por eles. Ao perguntarmos se conheciam poemas,
logo quando chegamos, a maior respondeu que não.
A respeito da experiência afetiva com textos literários e
o que ela pode proporcionar ao aluno, SILVA (2003) afirma:
A promoção de experiências afetivas
com o texto literário na sala de aula constitui-se uma dessas vias
e tem se justificado pelo modo paradoxal como a literatura, associada
a esse poder de encantamento, pode chegar a te nós; de um lado,
organizando os sentimentos e a visão de mundo que temos; de outro,
promovendo atitudes de confronto com nós mesmos ou com a realidade
circundante. Tendo em vista essa dupla função da literatura,
a que nos remete Antonio Candido, é de se supor que a realização
de propostas com o texto literário na escola, quando em favor de
um prazer desinteressado, traz um lampejo de vida a quem dá acesso
a essas experiências (o professor-pesquisador) e a quem as acolhe
(o aluno). (p.124).
É necessário que a escola faça uso
da riqueza imaginativa das crianças, reconhecendo-as como sujeitos
criadores. Além do mais, cabe a essa instituição
preparar os futuros adultos para que eles não tenham medo da poesia
ou muito menos receio de entendê-la, como o fazem as professoras
de Queimadas.
A experiência lúdico-afetiva com poemas deve se dar sempre,
desde os primeiros anos da vida escolar, chegando até a idade adulta.
A poesia é necessária à vida, uma criação
do ser humano que não pode ser desprezada, pois é capaz
de revelar a essência mesma do homem.
Falta à nossa sociedade sentir mais. Entregar-se ao som das palavras
de um poema, por exemplo. Dar-se ao prazer de conhecer melhor o outro.
Sigamos o poeta: “Ninguém não tinha um rosto com chão
perto”.
Daremos continuidade a essa experiência. No mês de setembro,
realizaremos o PET-Comunidade, numa escola pública da cidade de
Campina Grande, levando os poemas de Manoel de Barros ao conhecimento
de adultos e crianças. Também outras escolas serão
visitadas e outros livros do poeta serão apresentados.
7. Referências bibliográficas:
BARROS, Manoel de. Exercícios de ser criança.
São Paulo: Salamandra, 2000.
_________________. O fazedor de amanhecer. São Paulo: Record, 2002.
_________________. Poeminhas pescados numa fala de João. São
Paulo: Record, 2001.
BORDINI. Maria da Glória. Poesia infantil. São Paulo: Ática,
1886. Série Princípios.
BOSI, Alfredo. O ser e o tempo da poesia. São Paulo: Companhia
das Letras, 2000.
PINHEIRO, Hélder (Org.). Pesquisa em literatura. Campina Grande:
Bagagem, 2003.
PINHEIRO, Hélder. Poesia na sala de aula. 2ª ed. João
Pessoa: Idéia, 2002.
SILVA, Márcia Tavares. “Brincar com palavras e imagens”
IN: PINHEIRO, Hélder (Org.). Poemas para crianças. São
Paulo: Duas Cidades, 2000.
SILVA, Maria Célia Ribeiro da. “A experiência remontada:
vivências com o texto literário na escola”. IN: