Maria Cristina Santos de Oliveira Alves- Grupo
AULA - Mestranda-FE/UNICAMP
Ana Lúcia Guedes Pinto - Orientadora
Neste trabalho apresento minha trajetória profissional
como professora - alfabetizadora da rede municipal de ensino da cidade
de Uberlândia – MG em que focalizo minha história para
elucidar o que me levou a investigar como professoras fazem uso de concepções
pedagógicas nos seus saberes e fazeres em sala de aula.
Ao terminar o Curso de Magistério, em 1986, no Colégio Instituto
Rio Branco, recebi um telegrama da Prefeitura Municipal de Uberlândia
(PMU) solicitando meu comparecimento ao Departamento de Recursos Humanos,
mas não dizia o assunto. Confesso que achei meio estranha tal correspondência.
Mesmo assim, compareci no dia e na hora marcados.
Chegando lá, encontrei algumas colegas que haviam concluído
o curso junto comigo. Todas estavam assustadas, até que alguém
comentou que pessoas da prefeitura foram ao colégio e pediram nomes
das alunas que tinham concluído o curso naquele ano, cuja média
fosse boa, e que demonstrassem condições de assumir sala
de aula, pois a PMU estava ampliando a rede da Pré-Escola e necessitava
de professoras.
Fizemos a seleção, que consistiu de uma prova escrita e
entrevista com uma psicóloga, a qual observava todos os nossos
movimentos, analisando-os. Eu sempre achando tudo muito estranho, nunca
havia vivenciado tal situação. Acabara de concluir o Magistério,
tendo experiência prática de sala de aula só no estágio.
Ao final de todo o processo seletivo, me chamaram para assumir uma sala
em uma escola situada no Bairro Progresso. A professora da sala iria sair
de licença maternidade. Então, aceitei, pois precisava muito
iniciar o meu ofício de mestra.
A escola funcionava em uma casa pequena. Éramos duas professoras,
a merendeira, a secretária e a supervisora, que atuava enquanto
administradora também. Trabalhávamos em uma equipe, na qual
dividíamos as tarefas e discutíamos todos os passos que
dávamos, trocávamos experiências e uma ajudava a outra.
Vencido o período de quatro meses do contrato, retornei ao Recurso
Humanos da PMU. Ofereceram-me uma outra substituição, caso
quisesse continuar até que acontecesse o concurso para a efetivação
em uma vaga.
Posteriormente, consegui, então, outro lugar para trabalhar. A
escola ficava em um bairro muito distante de minha residência, chamado
Alvorada. A clientela não era muito fácil e acabei encontrando
algumas vicissitudes. Trabalhava no período da manhã e só
tinha minha sala funcionando, a merendeira ficava todas as manhãs,
a coordenadora e a secretaria revezavam horários para cobrir manhã
e tarde, e, por isto, às vezes, ficávamos na escola somente
eu, a merendeira e as crianças.
Enfim, atuei na Escola de Alfabetização do Bairro Alvorada;
e solicitei à coordenação da escola o retorno a escola
anterior. No ano seguinte, fui lotada em uma escola no Bairro Santa Mônica,
a qual era bem próxima da escola do Bairro Progresso, onde iniciara
o trabalho como alfabetizadora.
Naquele tempo, líamos muito. A Secretaria Municipal de Educação,
por meio da Divisão de Educação Pré - Escolar,
proporcionava vários estudos relevantes para a educação
nesse momento. Foram realizadas leituras de Célestin Freinet, Madalena
Freire, Paulo Freire, Jean Piaget.
Já na década de 90, iniciamos as leituras de Emília
Ferreiro, sobre os níveis de construção da leitura
e escrita da criança, o que marcou uma revolução
na educação municipal de Uberlândia e região.
Cada teórico estudado tinha sua contribuição na formação
docente e discente do município. Por exemplo: Célestin Freinet,
pedagogo francês, contribuiu, com várias técnicas,
para desenvolver a aprendizagem da criança no ambiente escolar
como: aulas-passeio, cantinhos pedagógicos, troca de correspondência,
o livro da vida a crianças anotavam todos os acontecimentos que
ocorriam na sala e a imprensa na escola. Várias professoras hoje
fazem uso destas técnicas sem compreenderem que pertencem a esse
pedagogo.
Tal conhecimento teórico é importante para embasar a prática,
para que as professoras possam entrecruzar teoria e prática. O
que acontece, às vezes, é que essa profissional faz uso
dessas técnicas porque a coordenadora pedagógica sugere,
porque as colegas de trabalho fazem e acham interessante, porém
desconhecem a sua origem.
No município, as salas de aula eram cheias de produções
das crianças. Elas faziam visitas à biblioteca para descobrirem
as respostas de seus questionamentos; o conhecimento da criança
era respeitado e tinha valor no contexto escolar. A comunidade, o aluno
e os professores interagiam, e esta interação era fundamental
para a aprendizagem da criança.
O trabalho realizado nessa perspectiva contribuiu para que houvesse uma
mudança no perfil das professoras. Essas teriam que transformar
sua postura em sala de aula e até mesmo em sua própria vida.
Ela tornou-se uma observadora, uma cooperadora, uma colaboradora, uma
facilitadora, uma mediadora, uma estimuladora, uma organizadora do trabalho
realizado em sala, levando os seus/suas alunos/as a procurarem respostas
para suas necessidades e inquietações, trabalhando em conjunto
com seus colegas. Assim, a educação pode deixar de ser centrada
na professora e na cultura enciclopédica.
As obras de Jean Piaget contribuíram muito na formação
das professoras da rede. As leituras piagetianas levaram-nos a respeitar
a criança, por compreender que seu desenvolvimento cognitivo ocorre
por estágios que vão desde o nascimento até por volta
dos 12 a 13 anos. Nesse sentido, o professor, enquanto mediador, tem que
criar situações que promovam conflitos nos/as alunos/as,
levando-os/as a construírem seus próprios saberes.
As leituras dos estudos de Paulo Freire eram o eixo forte do município:
o/a aluno/a precisava aprender a fazer uma “ leitura de mundo ”
para que pudesse contribuir para sua transformação. As idéias
de Paulo Freire também contribuíram muito para a definição
da postura mais crítica das professoras.
De acordo com esse paradigma, a educação não é
mais centrada no professor, e, sim, no/a aluno/a. Dessa forma, começávamos
a vivenciar uma nova fase, em que o aluno não seria mais receptor
de saberes, mas construtor / produtor de conhecimentos, ao lado das professoras.
O/A aluno/a é compreendido/a com um novo olhar, mais rico, cheio
de conhecimentos que ele/a traz de sua cultura.
O estudo do livro de Madalena Freire, “A Paixão de Conhecer
o Mundo”, também contribuiu para que começássemos
a implementar o que era proposto pela autora. Por exemplo: quando surgia
um tema, podia ser no recreio, na rodinha , em meio a uma explicação
ou em outras situações, a professora tinha que estar sempre
atenta ao aparecimento de novos temas ou ao desinteresse da turma.
Ao surgir o tema, os/as alunos/as eram colocados/as na rodinha, e a professora
fazia todo o trabalho de problematização do tema, colando,
nas paredes e no porta-textos, os pedaços de papel onde seriam
anotadas as dúvidas, as hipóteses e as descobertas. O cartaz
das descobertas ficava em branco, pois este seria preenchido após
a realização da pesquisa, as quais eram levadas para casa
para entrevistas com a família, pesquisa em livros, revistas, bibliotecas
e outras fontes.
Após a realização da pesquisa, que basicamente respondia
só às dúvidas das crianças, era realizado
um texto coletivo que seria trabalhado na sala de aula das diversas formas
possíveis e enquanto a turma demonstrasse interesse.
Alguns pais reclamavam que os textos eram grandes, que os filhos não
sabiam ler e que não estavam prontos para textos tão imensos,
mas o objetivo era justamente este: que o aluno pudesse ter acesso às
mais diversas informações, mesmo “sem saber ler e
escrever”, pois a alfabetização aconteceria a partir
da interação da criança com esta diversidade de informações.
Neste sentido FERREIRO nos diz :
As crianças trabalham cognitivamente (quer dizer,
tentem compreender) desde muito cedo informações das mais
variadas procedências:
a) a informação que recebem dos próprios textos,
nos contextos em que aparecem (livros e jornais, mas também cartazes
da rua, embalagens de brinquedos ou alimentos, roupas, TV etc.);
b) Informação específica destinada a elas mesmas,
como quando alguém lhes lê uma história, ou lhes diz
que tal ou qual forma é uma letra ou um número, ou lhes
escreve seu nome ou responde às suas perguntas;
c) Informação obtida quando participa de
atos sociais que envolvam o ato de ler ou de escrever. Este último
tipo de informação é o mais pertinente para compreender
as funções sociais da escrita. ( FERREIRO, 2001, p.99).
Assim, o/a aluno/a quando inicia o seu processo de aprendizagem na escola,
já traz consigo uma gama de informações do mundo
social em que vive e das mais diversas fontes.
Por volta da década de 90, no município de Uberlândia,
foram implementados alguns estudos dos trabalhos de Emília Ferreiro.
O que provocou uma reviravolta nas concepções que se tinha
até então sobre a aquisição da leitura e da
escrita. A partir daí, começamos a ler os livros de Ferreiro
com momentos de debates; as supervisoras e a chefia de Divisão
da Educação Pré-Escolar realizavam várias
horas de leituras e estudos, para depois estudarem com o seu grupo de
professoras.
Algumas pessoas encontraram muitas dificuldades, pois consideraram que
tudo o que tinham feito até aquele momento deveria ser jogado fora.
Mas não era bem assim. Tudo o que estava acontecendo era extremamente
novo, e claro que isto causava uma inquietação nas pessoas.
A Divisão tinha como proposta uma estrutura nova. O lúdico,
as histórias, diversas leituras e histórias de vida dos/as
alunos/as contadas na rodinha deveriam ser utilizadas com respeito, e,
a partir daí, seria trabalhada a construção da leitura
e da escrita da criança. Professor e aluno construiriam juntos
a sua história.
Para que o trabalho acontecesse, era necessário conhecermos e respeitarmos
a vivência desse/a aluno/a, porque trabalhar de acordo com a concepção
construtivista exigia que compreendêssemos que cada criança
passa por um processo de evolução da escrita, que cada uma
tem seu tempo de se desenvolver e que aquela que é mais lenta não
significa que saiba menos, que seja menos inteligente ou que tenha dificuldades.
No processo de construção, a criança passa por avanços
e recuos até dominar o código lingüístico. Com
as leituras de Emilia Ferreiro, aprendemos a respeitar as fases que a
criança passa até ser considerada alfabetizada. Cada professora
recebeu essas informações de uma forma específica,
e foi preciso construir, junto aos profissionais, todo o processo, assim
como o das crianças.
Ambos autores citados acima defendem uma perspectiva de acolhida aos saberes
que as crianças trazem para o contexto escolar, respeitando assim
seu conhecimento e deixando-a ter voz ativa no trabalho construído
por meio de integração, socialização, investigação,
pesquisas e descobertas; neste processo, professor e aluno escreviam juntos
sua história.
A rede municipal de educação era pequena e nos concentrávamos
na sede da divisão de Pré- Escolar . Eram realizadas mesas-redondas,
palestras e apresentações de trabalhos. As pessoas que apresentavam
as temáticas geralmente eram os supervisores da rede, ou aconteciam
congressos com a participação de estudiosos renomados. Entre
as professoras da rede, aconteciam momentos de trocas de experiências
que enriqueciam muito o trabalho.
A coordenadora da Divisão de Pré-Escola conseguia fazer
uma agenda para visitar todas as escolas e discutir em grupos menores
as dificuldades específicas de cada escola. O trabalho com as supervisoras
era único, e a diretriz básica do município era a
mesma. Apesar de as escolas não funcionarem em prédios tipicamente
escolares, mas em casas, era um trabalho enriquecedor para todos que atuavam
na rede.
Com a efetivação, dos funcionários através
dos concursos públicos previstos na legislação municipal,
houve uma mudança no regime trabalhista, que, até então,
era C.L.T, passando a ser estatutário.
Com o processo de expansão da rede, tornou-se necessária
a construção de várias escolas, com rede física
própria para um número maior de alunos. A rede foi sendo
expandida. Aconteceram várias alterações na estrutura
organizacional dos estudos, a forma de trabalho das pessoas já
não era mais a mesma; parecia, então, que estávamos
perdidas.
Com o crescimento rápido da rede, já não nos encontrávamos
mais como antes, começaram a surgir várias contratações,
concursos; não existia mais a Divisão Pré-escola,
mas, sim, a Secretaria de Educação, passando a existir o
cargo de diretora, supervisora pedagógica e orientadora, tornando-se
um pouco difícil reunir todos, como acontecia antes.
Levando em conta todo o crescimento da Rede Municipal de Ensino de Uberlândia,
foi mudando a maneira pela qual aconteciam os estudos, as leituras foram
ficando soltas, e já não tínhamos mais uma prática
sedimentada em uma teoria comum à rede.
Depois de ter vivenciado, por 15 anos, o trabalho parcial da rede, pois
sempre atuei em sala de aula, comecei a ficar inquieta com a falta dos
nossos encontros, das nossas leituras. E percebi que esta inquietude não
era só minha. Várias pessoas reclamavam e sentiam-se desamparadas
em seu trabalho cotidiano.
Então, baseada em minha experiência como professora da rede
municipal de ensino da cidade de Uberlândia, desde o ano de 1987,
resolvi recuperar, através do processo de rememoração,
aquela época em que tínhamos condições fornecidas
pela rede para estudarmos junto com as demais profissionais, propondo
o meu projeto de pesquisa de mestrado.
Segundo a leitura de Benjamin, realizada por GALZERANI, o ato de “rememorar
é partir de indagações presentes, para trazer o passado
vivido como opção de busca atenciosa, em relação
aos rumos a serem construídos no presente e no futuro. Não
se trata apenas de não esquecer o passado, mas de agir sobre o
presente.” (2004, mimeo).
Acredito que vários fatos ocorridos naquele momento precisam ser
rememorados através das narrativas e entrevistas, as quais serão
realizadas com diversos profissionais que atuaram na rede neste período
(1987 a 2003) continuam atuando. Assim, poderei narrar um pouco da trajetória
da apropriação dos conhecimentos oferecidos pelo município
a estas professoras, nos cursos de formação, e sua aplicação
no fazer cotidiano.
É no momento das narrativas que as professoras poderão refletir
sua própria prática e até redimensioná-las,
pois, através das lembranças, vários momentos vividos
poderão ser relembrados e repensados de uma forma crítica
e com possíveis mudanças de conceitos.
LE VEM et alli colocam que “As imagens do passado são suscitadas
pelo movimento vivido no presente e são expressas através
de signos também utilizados no presente (vocabulário, gestual
etc.)”.No nosso caso, o momento presente que movimenta a memória
é a entrevista.
No decorrer desta caminhada,a formação das professoras teve
grandes mudanças, como o aumento do número de funcionários,
a ampliação da rede física das escolas, as diversas
subdivisões ocorridas dentro da Secretaria Municipal de Educação
(SME) e as inovações nas concepções pedagógicas.
Todos esses fatores contribuíram para mudanças no processo
de formação das professoras da rede municipal. Percebo que
as escolas municipais têm buscado trabalhar os conhecimentos com
as professoras, mas, sem fazer junto com elas a recuperação
da formação já realizada, se torna difícil
tal apropriação.
Como instrumento metodológico serão utilizadas entrevistas
compostas pelo seguinte roteiro :
1 - Conte um pouco sobre você, nome completo, idade,
nome dos pais, filiação, cidade onde nasceu, como foi sua
alfabetização e o nível de escolaridade de seus pais.
2 - O que a levou a optar pela carreira do magistério? Houve influência
de alguém?
3 - Como foi seu ingresso na rede municipal de ensino? Como foi estar
em uma sala de aula pela 1ª vez?
4 - Como a PMU preparava e prepara o alfabetizador para assumir uma sala
de aula?
5 - Como você vê o professor alfabetizador da rede e como
você se vê?
6 - Quando você iniciou no magistério, quais eram seus saberes
e sua prática de sala de aula? Quais as leituras que você
tinha e quais você adquiriu ao longo do tempo na sua trajetória
da rede municipal?
7- Você tem alguns autores que influenciaram e influenciam sua prática
enquanto alfabetizadora?
8- O que você propõe para a formação dos professores
do município que estão iniciando ou que são veteranos?
Para obter as respostas a este roteiro, tenho como proposta de trabalho
entrevistar seis professoras , tendo como referência metodológica
a linha de pesquisa História Oral.
O roteiro a ser utilizado na entrevista será para que o/a entrevistado/a
possa refletir sobre:
A presença do passado no presente imediato das
pessoas é a razão de ser da história oral. Nessa
medida, a história oral não só oferece uma mudança
no conceito de história, mas, mais do que isso, garante sentido
social à vida de depoentes e leitores, que passam a entender a
seqüência histórica e se sentir parte do contexto em
que vivem. (BOM MEIHY, 2005, p.19).
Buscarei professores que estão na rede desde o
ano delimitado para o início da pesquisa, outro intermediário
e o terceiro que tenha entrado na rede mais próximo ao ano delimitado
como término da pesquisa. Procurarei desenvolver um trabalho com
um olhar sensível diante das narrativas destas professoras, e como
elas foram se apropriando destas concepções ao longo de
suas trajetórias enquanto professoras.
KRAMER e SOUZA (2003) ressaltam a importância de expandirmos a temática
a ser estudada por meio das questões a serem formuladas para a
problematização, e não necessariamente pelo número
de pessoas a serem entrevistadas segundo as autoras,
O importante não está em definir exatamente
quantas pessoas devem ser entrevistadas, mas trata-se de construir uma
rede de significados, através da qual possamos expandir a compreensão
do fenômeno estudado, formulando novas questões para uma
problematização cada vez mais elaborada do ponto de partida.
Essa rede de significados se realiza no próprio encontro e confronto
das diferentes vozes que fazem da narrativa o espaço de mediação
entre as histórias de cada um e da coletividade (p.154).
Utilizaremos relatos orais, através de entrevistas
gravadas, as quais que serão posteriormente transcritas, devolvidas
aos entrevistados e analisadas dentro da proposta da pesquisa. Conforme
LÊ VEN:
o momento da entrevista tem assim um sentido próprio, distinto
do uso que se possa fazer do produto - entrevista, mas que é, evidentemente,
perseguido na transcrição, na releitura e na versão
final da entrevista, quando se torna arquivo oral e escrito (1996, p.219)
.
A fonte oral será partilhado com o uso concomitante
de documentos sobre a formação de professores do município
de Uberlândia, a fim de construirmos um diálogo com mais
de uma concepção sobre a alfabetização na
rede municipal.
Essa escolha se deu pela possibilidade de, ao contrário de um questionário,
a entrevista permitir ao entrevistado posicionar-se de forma mais livre
e menos direcionada sobre as questões abordadas. Assim, possibilita
o surgimento e aprofundamento de novas perguntas durante a entrevista,
além de enriquecer o trabalho de registro e análise dos
dados coletados.
Para compreender a realidade educacional de cada época, suas circunstâncias
particulares, as influências no “significado” que as
pessoas dão às coisas e ao modo de conceberem e participarem
do mundo, a escolha da Pesquisa Qualitativa, acredito, é a mais
adequada para a captura das perspectivas e do dinamismo interno das representações
e práticas de formação de professoras.
Concordo com o pensamento de CERTEAU (1985), segundo o qual o narrador
exerce sua existência apesar de ser dura, faz pequenos “golpes”
e, com eles, consegue pequenas modificações. Daí,
o uso de diversas táticas para se sobressair no seu dia-a-dia.
A perspectiva da história oral como metodologia de investigação
contribui, também, para o processo de recuperação
da arte de narrar. Segundo BENJAMIM (1994), está desaparecendo
essa arte a cada dia, como conseqüência do avanço técnico,
que está nos moldando a receber, pelos meios de comunicação,
apenas informações fragmentadas, descontextualizadas, de
forma condensada, pronta e acabada.
Com esse distanciamento da “arte de narrar”, os saberes e
a prática de sala de aula também são deixados em
segundo plano. A sua revitalização abre a possibilidade
de suscitar memórias sedimentadas em análises e reflexões
sobre o cotidiano dos indivíduos, compreendidas a partir do contexto
social.
Assim, as práticas que as professoras ministram em sua sala de
aula, muitas vezes, são incorporadas por outros elementos marcantes
de sua história de vida. Desta forma, as professoras se afastam
das concepções pedagógicas adquiridas em sua formação.
FONSECA, no livro Educação Escolar, argumenta:
As narrativas construídas pelos sujeitos ensejam
múltiplas leituras, possibilitando aos leitores interpretações,
reflexões sobre aquilo que os narradores contaram e que desejam
ver transmitido a outros. Muitas de nossas inquietações
são de certa forma, respondidas no interior das narrativas. Muitas
outras questões que não foram levantadas a priori, são
descritas de forma espontânea e aberta, abrindo possibilidades para
a análise de outras dimensões em diversos campos de estudo.
(2002, p.86)
Ao narrar, a professora tece suas tramas, suas histórias
muitas vezes esquecidas ao longo do tempo. É através de
suas narrativas que suas vivências se tornam verdadeiras. Conforme
BENJAMIN, a narrativa:
(...)não se entrega. Ela conserva suas forças
e depois de muito tempo ainda é capaz de se desenvolver... Ela
se assemelha a essa semente de trigo que durante milhares de anos ficaram
fechadas hermeticamente nas câmaras das pirâmides e que conservam
até hoje suas forças germinativas (1994,p.204).
Retomando as idéias de BENJAMIN, que define o narrador
como uma figura entre os mestres e os sábios, aqueles que sabem
dar conselhos não para alguns, mas para muitos casos. A narrativa
mantém-se viva ao longo dos anos, sempre aberta a novas reinterpretações
realizadas pelo sujeito ao se deparar com sua própria história
de vida, fazem com que ele construa novos sentidos para sua história,
e, é no momento da entrevista que ele se depara com sua prática
e vida profissional. Enfim, as narrativas realizadas com as professoras
poderão contribuir com sua formação docente.
Concluindo, espero que esta pesquisa mostre que a questão da formação
dos professores não se restringe à discussão sobre
uma suposta qualidade de ensino.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas I. Magia e técnica.
Arte e Política. Trad. Sergio Paulo Rouanet; Pref. Jeanne-Marie
Gagnebin. – 7 ed. – São Paulo: Brasiliense, 1994
BOM MEIHY, José Carlos Sabe. Manual de história oral. São
Paulo: Edições Loyola, 1996.
CERTEAU, Michel De – Teoria e Métodos no Estudo das Práticas
Cotidianas. In Cotidiano, Cultura Popular e Planejamento Urbano (Anais
do Encontro) orgs. SZMRECSANYI, Maria Ivone, São Paulo, 1985 –
FAU/USP – PP.3 a 19.
FERREIRO, Emilia, TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita.
Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.
_________________Reflexões sobre alfabetização 24.
Edição.São Paulo: Cortez, 2001.
FONSECA, Selva Guimarães. Saberes da Experiência, Histórias
de Vida e Formação Docente. In Educação Escolar:
políticas, saberes e práticas pedagógicas/ organização
de Graça Cicillini e Sandra Vidal Nogueira. – Uberlândia:
EDUFU, 2002.
GALZERANI, Maria Carolina Bovério. Memória, História
e (re)invenção educacional: uma tessitura coletiva na escola
pública. 2004, mimeo.
LÊ VEM, Michel M.et alii. História oral de vida: o instante
da entrevista. In: VON SIMSON, Olga R.M. (org.). Os Desafios contemporâneos
de história oral. Campinas: Área de Publicações
CMU/Unicamp, 1997.
KRAMER, Sônia e SOUZA, Solange Jobim (orgs). Histórias de
professores. São Paulo: Editora Ática, 2003.
PINTO, Ana Lúcia Guedes. Rememorando trajetórias da professora
alfabetizadora. Campinas: Mercado da Letras, 2002.