Elismar Bertoluci de Araújo Anastácio/
UNIDERP/MS
O poço do Visconde: Recepção e crítica
história da recepção da obra O poço do Visconde
(1937) de Monteiro Lobato (1882 a 1948) é um recorte de pesquisa
realizada durante os anos 2001e 2003, a partir da análise da recepção
de nove autores de dissertações e teses que estudaram a
obra O poço do Visconde. Tal pesquisa teve como pressupostos os
enfoques da Estética da recepção difundidos por Hans
Robert Jauss. As releituras da Estética da recepção
realizada por Luiz Costa Lima, Regina Zilberman, Marisa Lajolo e Lídia
Magalhães, também darão suporte para ampliar as discussões
pretendidas.
A motivação dessa pesquisa foi fomentada pela cresecente
suspeita de que a obra lobatiana ainda é pouco estudada. Segundo
Ceccantini:
Quero ressaltar, ainda, que nem mesmo os autores e obras
infanto-juvenis já considerados como nossos “clássicos”
têm sido sistematicamente estudados ou possuem sua produção
devidamente fixada, organizada e analisada segundo um instrumental teórico
minimamente atualizado. O próprio Monteiro Lobato que, por ocasião
do cinqüentenário de sua morte, foi objeto de novos estudos
no país, não teve ainda sua obra infantil-juvenil suficiente
e sistematicamente submetida a uma análise que dê conta da
riqueza de seu projeto literário. Os estudos lobatianos têm
assumidos sobretudo caráter panorâmico, não havendo
ainda suficientes trabalhos monográficos que dêem conta da
análise de cada um dos títulos ( sempre tão libertários...).
(CECCANTINI, 2004, p.31).
Assim, foi levantado especificamente a história
da recepção da obra O poço do Visconde (1937), tendo
como fonte de pesquisa as bibliotecas das seguintes universidades: Faculdades
de Ciências e Letras de Assis/Unesp, Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo PUC/SP, Pontifícia Universidade
Católica do Rio de JaneiroPUC/RJ, Biblioteca Central da Universidade
estadual de Campinas/UNICAMP Biblioteca do Instituto de Estudos Lingüísticos
da UNICAMP, Biblioteca Central da Universidade de São Paulo/USP,
Biblioteca Nacional, Centro de documentação Cultural Alexandre
Eulalio-Fundo Monteiro Lobato/UNICAMP, Biblioteca Municipal Mário
de Andrade, Biblioteca Municipal Infanto Juvenil Monteiro Lobato, Museu
Histórico e pedagógico Monteiro Lobato, Biblioteca Central
da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Nessas visitas foram adquiridas
as teses e dissertações e artigos, previamente selecionados
pela internet. Realizou-se, também, pesquisa em acervo que não
fora disponibilizado na internet.No acervo da Biblioteca Nacional, além
de se cotejar as edições disponíveis de O poço
do Visconde, foram procurados dados críticos sobre a obra em jornais
da época, – 1940 a 1950 - disponibilizados em microfilmes.
A presente comunicação é um recorte dessa pesquisa
e cumpre apresentar apenas um corpus analisado.
Para obtenção do título de mestre em Estudos Lingüísticos,
pela Universidade Estadual de São Paulo, campus de Assis/SP, Pereira
(1999) descreveu e analisou parte da obra infanto-juvenil de Monteiro
Lobato, “buscando dados que demarcassem particularidades de sua
linguagem”. Dentre o corpus analisado, está O poço
do Visconde. A análise baseada na lexicologia, disciplinas afins
e dicionários, “revelou que a linguagem literária
lobatiana repousa num paradigma lexical vasto e diversificado.”
Conforme consta na introdução do trabalho intitulado Reinações
lexicais do homem do porviroscópio : estudo do vocabulário
no sítio do Picapau Amarelo, o “objetivo geral é comprovar
que o escritor, além de ser um precursor da literatura-infanto-juvenil
brasileira, como muitos estudiosos afirmam, é também o introdutor
de uma linguagem literária genuinamente brasileira, que abriu novas
perspectivas lingüísticas-literárias para vários
de seus sucessores, por muito tempo.” (p.13).
Em sua dissertação, subtítulo 5.4 “Visconde,
sabuguinho sábio: a variedade terminológica científica”,
Pereira desenvolve a idéia de que o Visconde de Sabugosa “atualiza
na obra lobatiana vocabulários específicos, de diferentes
áreas do conhecimento, marca típica da linguagem técnica
e científica.” (p.167).
Pereira reconhece o processo metalingüístico usado pelo Visconde
como sendo o principal trunfo de Lobato, porque é por meio desse
recurso que o Visconde pode explicar científico-ludicamente às
crianças o mundo da geologia, sem que elas se afastassem do grande
objetivo: encontrar petróleo.
As amostras da terminologia empregada por Visconde constituem-se “de
vários subconjuntos terminológicos que se integram, num
relacionamento complexo, para a construção do saber e para
a realização do projeto petrolífero do Visconde de
Sabugosa”. (176).
Com isso, quer mostrar que, “para abrandar o impacto de sua inserção
no contexto lingüístico infantil”, a personagem utiliza-se
de metáforas, afim de melhor representar o significante. Enfatiza
que Lobato cria “em linguagem literaturizada, um código pedagógico
apropriado ao alcance do aprendiz-mirim, conciliando arte lingüístico-literária
e ciência”.
Segundo a autora, o Visconde “assume em O poço deliberadamente
o papel de transmissor do conhecimento científico”. Atribui
ao Visconde a função de mediador entre o universo científico
e o universo do sítio, haja vista as escolhas que faz do vocabulário,
principalmente quanto os termos se apresentam muito herméticos.
Outro aspecto levantado é a mudança do método de
ensino tradicional de transmissor de conhecimento para uma “didática
associada ao concreto”, “essa mudança” é
fato proposital, por meio do qual Lobato apregoa sua concepção
de educação, de métodos de ensino-aprendizagem. (p.171).
Sumariamente, atribui-se, em partes, o sucesso de se ter achado petróleo
ao uso que o Visconde faz da linguagem, proporcionando, além das
definições, aplicabilidade dos conceitos. Com isso, a autora
expõe o caráter “pedagógico da obra”:
tal fato nos remete a sua inicial pretensão [de
Monteiro Lobato] de produzir livros para serem utilizados na escola, mas
que fossem leves e interessantes e que aguçassem a curiosidade
do aprendiz, que despertassem o interesse e o prazer pelo objeto de ensino
ideologia: comprometimento com a formação, educação
e o prazer de ler.
O conhecimento científico, abordado em linguagem científica
é apresentado pelo Visconde com didática adequada, em circunstância
peculiares, certamente poderia surtir melhores efeitos que os tão
maçantes conteúdos e metodologias oficiais, empregadas na
escola daquela época. (PEREIRA, 1999, p.173 – 174).
Dois aspectos merecedores de discussão emergem: a conciliação
do caráter estético e o papel social da arte, os quais são
postulados pela Estética da recepção e evidenciam-se
na obra O poço do Visconde, de forma que o leitor seduzido pela
linguagem do texto, interaja com ele [o texto] e possa renovar seus conhecimentos,
ao que Jauss define como o prazer estético da percepção
reconhecedora e do reconhecimento perspectivo. Para Jauss, o leitor gosta
daquilo que compreende e só poderá compreender aquilo que
aprecia; apreciação e compreensão se dão simultaneamente.
Monteiro Lobato antecipou o pensamento de Jauss, ao reconhecer na literatura
a fusão dos aspectos estéticos com a função
social.
Tal concepção de leitura de texto literário, vem
há muito sendo um dos principais desafios encontrados pelos estudiosos
da atualidade, fazer com que a escola forme leitores capazes de reconhecer
que as transgressões lingüísticas e extralingüísticas
constituem a organização do texto, cabendo ao leitor construir
sentido ao texto, a partir de sua cumplicidade com o próprio texto,
bem como com outros, a partir do ser dialógico que é.
Com base na exposição de Pereira, percebe-se na obra em
estudo, um campo aberto à discussão, no que se refere à
função da leitura de texto literário, como experiência
estética movida pelo prazer de ler, que se constrói, além
de tudo, pela linguagem empregada no texto, tendo como objetivo a fruição
compreensiva e a compreensão fruidora, geradas pelo ato de ler.
Dessa forma, o caráter pedagógico de O Poço do Visconde
está na capacidade que terá o leitor de interpretar, (re)interpretar
a cada leitura as construções criadas pelo autor, a fim
de expandir, relacionar, reformular sua própria linguagem e seus
conceitos de mundo e das “coisas”. Para tanto, o texto não
poderá ser usado como pretexto, como bem alerta Lajolo (1993, p.
53).
Um texto não é pretexto para nada. Ou melhor,
não deve ser. Um texto existe apenas na medida em que se constitui
ponto de encontro entre os dois sujeitos: o que o escreve e o que lê;
escritor e leitor, reunidos pelo ato radicalmente solidário da
leitura, contrapartida do igualmente solidário ato da escritura.
(...)
vale a pena considerar que, em situações escolares, o texto
costuma virar pretexto, ser intermédio de aprendizagens outras
que não ele mesmo. (...) Um texto costuma ser produto do trabalho
individual de seu autor, e encontra sua função na leitura
igualmente individual de um leitor.
A partir da leitura que Pereira faz da obra O Poço
do Visconde é possível unificar passado e presente, no que
se refere ao papel da escola na formação do leitor, uma
vez que cabe à escola, de hoje e de sempre, formar leitores capazes
de reconhecer que:
[...} o significado da obra literária é apreensível
não pela análise isolada da obra, nem pela relação
da obra com a realidade, mas tão só pela análise
do processo de recepção, em que a obra se expõe,
por assim dizer, na multiplicidade de seus aspectos. (STIERLE, 2002, apud
LIMA, p. 120.).
Todavia, se os estudos sobre a obra de Monteiro Lobato se constituírem
em apenas apontar as transgressões intencionalmente criadas na
obra, as contribuições desses estudos para a formação
do leitor crítico, reflexivo, emancipado, poderá ter seu
prazo de validade vencido em pouco tempo, uma vez pouco se tem feito em
função da leitura da obra.
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