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AS
CONCEPÇÕES DE LÍNGUA/TEXTO/LEITURA EMERGENTES DE PRODUÇÕES
ESCRITAS DE ALUNOS DE GRADUAÇÃO
Eliane Righi de Andrade Objetivos Este trabalho tem como objetivo trazer de um corpus de
pesquisa algumas concepções de língua e de aprendizado
de língua, que surgiram em excertos produzidos por alunos de graduação
do ensino superior, através dos quais pode-se inferir alguns modelos
que perpassam seu discurso. Concepção de sujeito Trazemos ainda a concepção de sujeito que permeia nossa análise. Trata-se do sujeito do inconsciente. Este caracteriza-se por ser não-centrado, dividido, embora tenha a ilusão de ter controle sobre si e sobre o que diz. Considerando particularmente em nossa análise os sujeitos-aprendizes de língua, estes poderiam ter a ilusão de controlar todas as “variáveis” e fatores envolvidos no processo de ensino-aprendizagem de uma língua, o que é ilusório, pois o sujeito encontra-se no eterno conflito da multiplicidade de vozes que o constitui (heterogeneidade constitutiva do sujeito) e que o subjuga aos efeitos da linguagem e do discurso. Pela ilusão de que controla o que diz, os alunos, ao comentarem suas percepções do falante nativo de língua estrangeira, deixam escapar o que entendem por saber uma língua e, quando expressam isso, deixam entrever em seu discurso o desejo da totalidade de saber a língua do outro (ele quer falar a língua como um nativo, já que para o aprendiz ele a “domina” completamente). Trataremos disso em nossa análise. Condições de produção Os textos foram produzidos por alunos no primeiro semestre do ano de 2004, no curso noturno de Licenciatura Inglês/Português de um centro universitário. Os alunos produziram seus textos a partir de duas questões dissertativas, que foram feitas pelo pesquisador, as quais diziam respeito à questão identitária. São elas: 1. Como você se sente sendo brasileiro? Um fato a ser considerado ao analisar as respostas é
que os sujeitos respondentes, além de serem estudantes de língua
inglesa e portuguesa, já são, em sua maioria, professores
(70% já são professores de língua portuguesa ou inglesa),
o que sugere que os sujeitos falarão da posição de
alunos, mas também da posição de professores. Corpus e análise Apresentamos abaixo oito excertos. A letra e o número
que introduz cada excerto refere-se à identificação
de cada um dos entrevistados da pesquisa que foram selecionados para esta
discussão. Os trechos sublinhados são os que, principalmente,
serão discutidos nas análises. P2. O falante de língua inglesa nativa é aquele que nasce em países que falam a língua inglesa, porque por mais que estudamos no sentido de adquirir boa fluência jamais vamos conseguir falar como os nativos. Saber uma língua é ter fluência nela e saber usá-la como o nativo. Parece, portanto, ser impossível aprender uma língua estrangeira, ser um falante dela, se não se é nativo. P7. Nesse caso, são pessoas de outra cultura e língua conseqüentemente, mas devido à grande necessidade de comunicação entre os países americanos, há a necessidade de se falar essa outra língua estrangeira. O nativo, por dar tal importância a cultura e língua que tem, deixa um pouco de lado a cultura e linguagem dos outros países. Não sei se isso ainda ocorre, mas os ingleses passam um ar de superioridade por dominarem a língua inglesa e atualmente ser utilizada para quaisquer ocasiões. Neste excerto, o entrevistado coloca a língua estrangeira como uma “necessidade”, portanto, ela deve ser aprendida como uma ferramenta para a comunicação, em qualquer ocasião (não há como se comunicar sem ela). Assim, a língua é vista como um código a ser adquirido, algo externo ao sujeito e não que o constitui. Esta visão de língua está bastante presente no discurso mercadológico, que vende o aprendizado de línguas como um produto a ser consumido. P9. O falante de língua inglesa é aquele que se comunica despreocupadamente com outras pessoas, sem medo de estar falando incorreto. Ele se comunica oralmente, por gestos, olhares, gírias, expressões etc., enquanto o falante que não é nativo traz o sotaque da sua língua materna e tem a preocupação de se corrigir o tempo todo, tornando a comunicação impossível ou deixando a desejar. O fato do nativo “dominar” a língua inglesa faz com que ele não se preocupe com o que diz (pois teria o controle de tudo o que quer dizer, o que é uma ilusão). A não-preocupação do nativo com a correção sugere que, quem não é nativo, preocupa-se com isso a todo momento, como se o processo fosse sempre consciente (o que não é). No entanto, quando o entrevistado estende a possibilidade da comunicação oral para o uso de outras linguagens (gestos, olhares, etc.), referindo-se ainda a ser isso um privilégio de quem é falante nativo, entra em contradição, pois a comunicação é realizada com outras linguagens que não exigem, obrigatoriamente, uma relação direta com a língua estrangeira. O aprendiz sugere, ao falar das gírias, que elas por si só constituem uma forma de comunicação oral. No entanto, o que acreditamos é que elas são parte integrante da língua e não uma “modalidade” em separado. Como em qualquer língua, há todo um contexto histórico e social que justifica seu uso. Isso dá uma pista de como esse aprendiz acredita que haja (ou não) a aprendizagem de gíria na língua estrangeira: algo artificializado. Coloca ainda a questão do sotaque, pois este marcaria a posição de quem fala a língua inglesa como língua estrangeira. Ou seja, para falar a língua estrangeira sem nenhum problema (sem deixar a desejar), o aprendiz tem de ser então um nativo, o que inviabiliza para um brasileiro, portanto, sua aprendizagem. Esta relação da necessidade da língua e, ao mesmo tempo, da impossibilidade de poder “tê-la” remete-nos ao pensamento de Derrida (2001), que fala do desejo de se ter uma “monolíngua”, mas a impossibilidade de se ter esta língua única. P11. É aquele que recebe incentivo do seu próprio País, a educação é prioridade e vista como sendo base do pilar que sustenta o desenvolvimento, por isso o falante nativo mais que falar é capaz de expressar-se corretamente sendo o orgulho para seu povo. Novamente destaca-se a questão do nativo como aquele que fala a sua língua corretamente e isso seria motivo de orgulho. Se considerarmos que o aprendiz de língua estrangeira não se sente “apto” a usá-la corretamente, isso seria para ele, portanto, um motivo de vergonha.
Novamente o relato deixa transparecer o que o aprendiz entende como aprendizado de língua estrangeira: é saber usar expressões idiomáticas. Percebe-se, assim, que a língua é vista como “compartimentos” separados e estanques (como no caso das gírias citado acima), uma visão bastante estrutural da língua, e que o usuário “proficiente” (nativo) escolhe de modo consciente quando usar, adequadamente, em cada situação. A língua não pode ser aprendida por aqueles que “pensam” em português e toda a “rapidez” do nativo não pode ser “aprendida” em “cursinhos”, o que remete, novamente a impossibilidade dos brasileiros de aprender essa língua, a não ser que adquiram esses “hábitos” (a língua não é uma questão de hábito, mas de constituição dos sujeitos). P13. Aquele que a partir do momento que entende a comunicação, ama sua língua e faz juramento por ela. Transforma a sua língua nativa em linguagem universal e não admite estrangeirismo em seu país e nem a desvalorização de sua língua por outra. Esse é o tipo de falante que vejo em filmes e leio em livros. O aprendiz coloca como pressuposto de amar a língua “entender a comunicação”. A partir daí o falante transforma sua língua em linguagem universal, não admitindo interferências de outras línguas (estrangeirismos) e valorizando a sua própria língua. Há toda uma idealização do falante de língua estrangeira pelo aprendiz, revelando seu desejo por essa língua “imaginada”. A questão da internacionalização da língua inglesa traz à tona a discussão sobre a hegemonia não da língua em si, mas daqueles que a falam (aqui geralmente representados pelos norte-americanos). Portanto, percebe-se que a língua então não é só “código” a ser “decifrado”, mas parte de um contexto histórico-social em que os sujeitos são interpelados ideologicamente. O discurso de apropriação da língua inglesa como possibilidade de elevação social é divulgado incessantemente pelo discurso mercadológico, o qual tem ainda o reforço da media.
A naturalização da língua inglesa como a “mais falada no mundo” aparece aqui aliada à superioridade de seu povo. Assim, o desejo de prosperidade está associado ao saber dessa língua.
Neste excerto, há a presença do discurso pedagógico de aprendizado de línguas estrangeiras, com a alusão às habilidades de língua em separado e com a apresentação de qual seria o percurso aconselhável para ser seguido: os caminhos ditados pelo aprendizado de língua materna. O método que o aprendiz descreve traz elementos do método audio-visual, que, de alguma forma, sugere o aprendizado de uma segunda língua pelo processo “natural” de se aprender a primeira língua. Esse talvez seja o ideal de aprendizado de língua para o aluno. A questão cultural está colocada em segundo plano, como algo que auxilia na aprendizagem, mas que não a determina de certa forma. Algumas conclusões Ao analisar a materialidade do discurso produzido pelos
alunos, propusemo-nos a interpretar seus dizeres, produzindo sentidos
dentro de um processo sócio-histórico e, de alguma forma,
buscando pistas que pudessem levar a leituras que ultrapassassem o limite
do que está “dito”, pois os processos de significação
estão além do plano do consciente. Percebemos que o foco
de aprendizado de língua estrangeira para os alunos parece ser
o da língua como um fim em si mesmo, a língua estrangeira
como um instrumento de comunicação e não como um
elemento constitutivo dos sujeitos. Não se pode dizer que os aprendizes
não percebam a relação intrínseca entre língua
e a construção de subjetividades (pois seus dizeres apontam
para o imaginário de uma identidade dos nativos falantes de língua
inglesa). No entanto, quando remetem-se ao aprendizado dessa língua,
colocam-na como uma ferramenta a ser adquirida pelo brasileiro, uma “coisa”
com uma determinada finalidade (geralmente aliada ao imaginário
do sucesso profissional). Bibliografia AUTHIER-REVUZ, J. Palavras incertas. Trad. Claudia Pfeiffer
&alii. Campinas, Editora da Unicamp, 2001. |
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