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OS
GÊNEROS TEXTUAIS NO LIVRO DIDÁTICO: ARGUMENTAÇÃO
E ENSINO
Renata Maria Barros Lessa de Andrade - Universidade
Federal de Pernambuco - UFPE
Telma Ferraz Leal - Universidade Federal de Pernambuco - UFPE
Ana Carolina Perrusi Brandão - Universidade Federal de Pernambuco
- UFPE
A pesquisa identificou os gêneros textuais presentes
em três coleções de livros didáticos de 1ª
a 4ª series. Concedemos atenção especial aos gêneros
da ordem do argumentar, indicando a freqüência com que tais
gêneros aparecem por série e coleção. Constatamos
que apenas 7,3% do total dos textos analisados são da ordem do
argumentar, enquanto que os demais gêneros estão distribuídos
entre os outros quatro agrupamentos de textos propostos por Dolz e Schneuwly:
textos da ordem do narrar, do relatar, do expor e do descrever ações.
Um dado revelado na pesquisa foi que gêneros textuais que, em princípio,
não são tomados como argumentativos (um poema, por exemplo),
são por vezes usados pelos autores para defender pontos de vista.
1. Justificativa
Os documentos oficiais, como os Parâmetros Curriculares Nacionais
(1997), vêm propondo que o objetivo do ensino da Língua Portuguesa
seria o de desenvolver habilidades e capacidades de interação
por meio da linguagem oral e escrita. Em outras palavras, deveríamos
ajudar os alunos a desenvolver “a competência comunicativa
dos usuários de empregar adequadamente a língua nas diversas
situações de comunicação” (Travaglia,
1996, pp. 17-18).
Nesse sentido, destaca-se o princípio pedagógico de que
devem ser garantidas condições para que as crianças,
os jovens e os adultos entrem em contato com variados gêneros textuais
que circulam na sociedade, para que desenvolvam capacidades comunicativas,
buscando os efeitos de sentido pretendidos. No entanto, no âmbito
da pesquisa há ainda poucos estudos, sobretudo no que tange à
didática dos conteúdos específicos, que ofereçam
suporte de trabalho aos professores que lidam com o ensino da Língua
Portuguesa.
Quanto ao ensino e aprendizagem dos gêneros textuais, existem também
algumas questões que estão em aberto, tais como: Quais são
os critérios de escolha dos gêneros textuais que estão
presentes nos livros didáticos analisados? Existe uma seqüência
quanto aos gêneros ou tipos de textos a serem trabalhados (e, portanto,
níveis de complexidade diferentes atribuídos a gêneros
diferentes)?
Alguns autores, como Vinson e Privat (1994), por exemplo, defendem que
a aprendizagem sobre os textos ocorre por meio da interação
entre o aluno e as propriedades culturais do gênero, ou seja, propiciando
situações de uso da linguagem, a apropriação
dos diferentes gêneros textuais ocorreria, naturalmente.
Em oposição a essa perspectiva, Dolz (1994) defende que
a intervenção sistemática do professor, levando o
aluno a refletir sobre as características dos textos e seus contextos
de uso, é indispensável para que a capacidade de produzir
diferentes gêneros textuais se desenvolva. A esse respeito, também
afirma Schneuwly (1988) que não há texto propedêutico
que prepare o indivíduo para dominar todos os outros gêneros
textuais. Decorre dessa concepção a idéia de que
é necessário um contato efetivo com a variedade de gêneros
e tipos textuais.
Em nossa pesquisa, objetivamos discutir os gêneros textuais inseridos
nos livros didáticos de Língua Portuguesa destinados aos
anos iniciais do Ensino Fundamental. Para tal, investigamos quais gêneros
textuais em que se defendem pontos de vista estão presentes nesses
livros (textos da ordem do argumentar) e em que freqüência
eles aparecem em três coleções de livros de Língua
Portuguesa que foram aprovadas pelo Programa Nacional do Livro Didático
(PNLD, 2004).
Consideramos que argumentar, ou seja, utilizar recursos lingüísticos
para apresentar e defender nossas concepções sobre o mundo
e sobre a vida é uma atividade social essencial para o nosso dia-a-dia.
Por isso, é imprescindível que os alunos possam aprender,
na escola, a defender idéias e também a contra-argumentar,
isto é, elaborar argumentos a possíveis objeções
que possam vir a aparecer em relação à proposição
defendida.
A presente pesquisa vem ainda preencher uma lacuna no campo de estudos
sobre livros didáticos produzidos no Brasil, já que a maior
parte das investigações realizadas se concentra nos anos
finais do Ensino Fundamental ou no Ensino Médio (ver, por exemplo,
Bonini, 1998).
2. Fundamentação teórica
O livro didático é considerado com um importante
suporte para o trabalho do professor. Oliveira, Guimarães e Momény
(1994) definem o livro didático como um material impresso, estruturado,
destinado ou adequado a ser utilizado em um processo de aprendizagem ou
formação.
Segundo o MEC, os livros didáticos devem:
Cumprir tanto a função de um compêndio
quanto as de um livro de exercícios, devem conter todos os tipos
de saberes envolvidos no ensino da disciplina e não se dedicar,
com maior profundidade, a um dos saberes que a constituem; devem ser acompanhadas
pelo livro do professor, que não deve conter apenas as respostas
às atividades do livro do aluno, mas também uma fundamentação
teórico-metodológica e assim por diante. (Batista, 2000;
pp.568).
A escolha do livro didático como objeto de estudo
decorreu da posição de destaque que ele vem ocupando no
cenário educacional. De fato, nas últimas décadas,
o acesso a esse material, nas escolas públicas brasileiras, tem
sido crescente. Considerando que o livro didático é um dos
recursos mais usados na sala de aula, tomaremos a presença de textos
da ordem do argumentar nestes portadores como medida do quanto esses textos
são lidos pelas crianças nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
Pesquisas realizadas por Bezerra (2001), Lopes (1998) e Bonini (1998)
indicam que a argumentação tem aparecido com pouca freqüência
nos livros didáticos em todos os níveis de ensino.
Bonini (1998) analisou oito coleções de livros didáticos
de Língua Portuguesa dirigidos ao Ensino Médio. Nesse estudo,
foi detectada uma grande variedade de gêneros textuais em tais coleções,
tais como cartas, anúncios e notícias. No entanto, não
havia uma explicação sobre esses gêneros, ou havia
apenas uma breve conceituação, sem exploração
de suas características lingüísticas.
Bezerra (2001), que analisou a tendência dos livros didáticos
de Língua Portuguesa no Brasil quanto à seleção
de textos principais e complementares, informa que os livros de 1a à
8a série são compostos por textos predominantemente do tipo
narrativo. Os gêneros textuais mais freqüentes nos volumes
1 a 4 são, segundo esse estudo, os contos infantis, e nos volumes
5 à 8, as crônicas e contos. A autora indica, ainda, que
dentre os textos não-literários, são mais freqüentes
os jornalísticos (notícias, reportagens, anúncios,
entrevistas) e os instrucionais (regras de jogo, receitas culinárias,
manual de instruções). Em relação aos textos
argumentativos, Bezerra (2001) afirma que são encontrados com maior
freqüência os textos de opinião e as redações,
que são gêneros tipicamente escolares. Como podemos perceber,
tal pesquisa não enfoca, em profundidade, a dimensão argumentativa.
Nesta pesquisa, aprofundaremos essas análises, por meio da identificação
dos gêneros que estão sendo mais inseridos nos livros.
Para a condução dessa identificação/ categorização
dos textos que compõem os livros das coleções, torna-se
necessário explicitar a concepção que se tem acerca
de texto da ordem do argumentar.
O termo argumentação vem sendo utilizado com diferentes
sentidos, possibilitando, assim, a construção de diferentes
concepções, muitas vezes conciliáveis. Para Koch
(1987) e Pécora (1999), qualquer uso de linguagem, desde que se
efetive um vínculo intersubjetivo, e que se possa reconhecer um
efeito de sentido, constitui uma argumentação. Apesar de
reconhecermos essa base argumentativa da linguagem, acreditamos que alguns
textos apresentam de forma mais explicita o objetivo de defender idéias.
Utilizamos, portanto, a classificação proposta por Dolz
e Schneuwly (1996), que consideram os contextos de uso, as finalidades
e os tipos textuais dominantes em cada texto e classificam os gêneros
textuais em cinco agrupamentos. São eles: textos da ordem do relatar,
textos da ordem do narrar, textos da ordem do expor, textos da ordem do
descrever ações e textos da ordem do argumentar. Os gêneros
da ordem do argumentar são os que têm finalidades direcionadas
à defesa de pontos de vista, tais como: textos de opinião,
diálogos argumentativos, cartas ao leitor, cartas de reclamação,
cartas de solicitação, debates, editoriais, requerimentos,
ensaios, resenhas críticas, artigos de opinião, monografias,
dissertações, entre outros.
Com relação aos gêneros textuais, o conceito adotado
na presente investigação está apoiado na teoria dos
gêneros textuais de Bakhtin (2000). Esse autor parte do princípio
de que “cada esfera de utilização da língua
elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados”
(Bakhtin, 2000, p. 279). Nessa perspectiva, a comunicação
verbal só é possível por meio de algum gênero
textual.
Com base nesse conceito, Marcuschi (2002), afirma que gênero textual
é:
Uma noção propositadamente vaga para referir
os textos materializados que encontramos em nossa vida diária e
que apresentam características sócio-comunicativas definidas
por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição
característica. Se os tipos textuais são apenas meia dúzia,
os gêneros são inúmeros. Alguns exemplos de gêneros
textuais seriam: telefonema, sermão, carta comercial, carta pessoal
(...). (p. 22-23)
Buscando evitar a confusão entre os conceitos
de gênero e tipo textual, Marcuschi (2002) salienta que tipos textuais
são, por sua vez:
Uma espécie de construção teórica
definida pela natureza lingüística de sua composição
(aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações
lógicas). Em geral os tipos textuais abrangem cerca de meia dúzia
de categorias conhecidas como narração, argumentação,
exposição, descrição, injunção.
(p. 22).
Partindo dos princípios acima expostos, adotamos
pressupostos sócio-interacionistas de que o contato com diferentes
gêneros textuais possibilita ao aluno desenvolver capacidades textuais
que o auxiliam a melhor conduzir os processos de interlocução,
seja por meio de textos orais, seja por meio de textos escritos. No entanto,
alertamos para a necessidade de garantir que essa diversificação
leve em conta os diversos contextos de interação e aspectos
formais dos textos. O contato com textos da ordem do argumentar familiariza
os estudantes com situações em que indivíduos ou
grupos de indivíduos se engajam em tarefas de convencer “outras
pessoas” a adotarem os seus pontos de vista.
Saber introduzir um ponto de vista, defender tal ponto de vista por inserção
de justificativas, justificativas das justificativas e contra-argumentação,
utilizar articuladores lógicos em atividades de produção
de textos; saber identificar pontos de vista, analisar a consistência
argumentativa de textos em atividades de leitura são aprendizagens
possíveis apenas se forem proporcionadas situações
de produção, leitura e reflexão sobre textos da ordem
do argumentar.
3. Metodologia
Foram analisadas três coleções de
livros didáticos de Língua Portuguesa, aprovados pelo PNLD/
2004. São elas: coleção A – Português:
uma proposta para o letramento, da autora Magda Becker Soares, (recomendada
com distinção); coleção B - Análise,
Linguagem e Pensamento – ALP novo, dos autores Marco Antonio de
A. Hailer e Maria Fernández Cocco (recomendada); e coleção
C - Com texto e trama, das autoras Maria Mello Garcia e Dília Maria
A. Glória (recomendada).
Inicialmente buscou-se identificar todos os gêneros textuais presentes
nos livros didáticos, nas três coleções, em
cada uma das séries. Em seguida, foram selecionados os gêneros
textuais da ordem do argumentar. Desta forma, foram identificados os títulos
dos textos, sua classificação quanto ao gênero textual
e as respectivas páginas em cada volume das três coleções.
Todos os livros foram analisados por dois juizes independentes e os casos
discordantes foram discutidos no grupo de pesquisa.
4. Apresentação e discussão dos resultados
Na análise das três coleções, foram computados
739 textos. Para uma melhor apresentação dos resultados,
faremos a exposição dos dados de cada coleção
separadamente. É importante esclarecer que na apresentação
das tabelas de gêneros textuais utilizados com maior freqüência
em cada coleção, há uma quantidade registrada como
“outros”. Nesta categoria foram reunidos todos os gêneros
textuais encontrados numa quantidade igual ou inferior a dois.
4.1. Análise da coleção A: Português uma proposta
para o letramento
Na coleção
A, foram identificados 313 textos, dos quais apenas 9,91% são da
ordem do argumentar. Na tabela 1, pode ser visto o número total
de textos que aparecem nos livros, por volume, bem como a freqüência
dos gêneros textuais da ordem do argumentar presentes em cada exemplar.
Tabela 1:
Freqüência de textos na “coleção A”
Textos |
Volumes |
Total |
1 |
2 |
3 |
4 |
Textos da ordem do argumentar |
5 |
7 |
4 |
15 |
31 |
Textos de outras categorias |
67 |
82 |
66 |
67 |
282 |
Total |
72 |
89 |
70 |
82 |
313 |
Os gêneros textuais que aparecem com maior freqüência na coleção
podem ser vistos na tabela 2 abaixo.
Tabela 2:
Gêneros textuais mais freqüentes na “coleção A”
Gêneros textuais |
1ª série |
2ª série |
3ª série |
4ª série |
Total |
|
10 |
8 |
8 |
14 |
40 (12,78%) |
Texto
didático |
8 |
4 |
6 |
12 |
30 (9,59%) |
Conto |
5 |
9 |
11 |
3 |
28 (8,95%) |
Capa
de livro |
5 |
11 |
6 |
3 |
25 (8%) |
Tira |
7 |
7 |
2 |
4 |
20 (6,39%) |
Verbete |
2 |
7 |
3 |
7 |
19 (6,07%) |
Referência
bibliográfica |
4 |
4 |
4 |
4 |
16 (5,11%) |
Reportagem
|
- |
2 |
3 |
7 |
12 (3,83%) |
Nota
informativa |
2 |
2 |
3 |
- |
7 (2,24%) |
Anúncio
publicitário |
2 |
1 |
1 |
2 |
6 (1,92%) |
Definição |
2 |
4 |
- |
- |
6 (1,92%) |
Legenda |
1 |
2 |
- |
3 |
6 (1,92%) |
Título
|
- |
3 |
2 |
- |
5 (1,6%) |
Anúncio
classificado |
- |
3 |
- |
1 |
4 (1,27%) |
Cartaz
educativo |
2 |
- |
- |
2 |
4 (1,27%) |
História
em quadrinhos |
- |
2 |
2 |
- |
4 (1,27%) |
Instruções
de montagem |
- |
3 |
- |
1 |
4 (1,27%) |
Instruções
de saúde |
2 |
1 |
1 |
- |
4 (1,27%) |
Apresentação
pessoal |
- |
- |
3 |
- |
3 (0,96%) |
Carta
de solicitação |
- |
- |
- |
3 |
3 (0,96%) |
Crônica
|
- |
2 |
1 |
- |
3 (0,96%) |
Diário
íntimo |
1 |
1 |
1 |
- |
3 (0,96%) |
Notícia
|
1 |
- |
- |
2 |
3 (0,96%) |
Obra
teatral |
- |
1 |
2 |
- |
3 (0,96%) |
Trava-língua
|
- |
3 |
- |
- |
3 (0,96%) |
Outros |
18 |
9 |
11 |
14 |
52 (16,61%) |
Total |
|
|
|
|
313 (100%) |
Visivelmente,
a tendência da coleção é trabalhar uma grande
variedade de gêneros textuais em todas as séries. Apesar
disso, alguns gêneros textuais, tais como poema, texto didático,
conto e capa de livros aparecem em quantidade bem superior em relação
a outros gêneros, como, por exemplo, receita culinária, que
se faz presente apenas uma vez em toda coleção (sendo incluída
na categoria de “Outros”).
A tabela 3 a seguir é um desdobramento da tabela 1, apresentando
os exemplares dos gêneros textuais da ordem do argumentar encontrados
na coleção A em cada série.
Tabela 3:
Gêneros textuais da ordem do argumentar presentes na “coleção
A”
Gênero textual |
1ª série |
2ª série |
3ª série |
4ª série |
Total |
|
- |
2 |
3 |
7 |
12 |
Anúncio
publicitário |
2 |
1 |
1 |
2 |
6 |
Anúncio
classificado |
- |
3 |
- |
1 |
4 |
Cartaz
educativo |
2 |
- |
- |
2 |
4 |
Carta
de solicitação |
- |
- |
- |
3 |
3 |
Artigo
de opinião |
1 |
- |
- |
- |
1 |
Carta
da redação |
- |
1 |
- |
- |
1 |
Total |
5 |
7 |
4 |
15 |
31 |
Como foi
visto, a coleção A apresenta uma grande variedade de textos,
porém, os da ordem do argumentar aparecem com um pequeno percentual
(apenas 9,91% do total dos textos presentes nos quatro volumes). Destes,
a maioria se encontra no volume 4, sendo as reportagens e os anúncios,
os gêneros textuais mais freqüentemente encontrados.
O gênero da ordem do argumentar mais presente nesta coleção
foi a reportagem. Vejamos um exemplo de uma reportagem encontrada no volume
3 (pp. 100-101). Como pode ser visto, embora a jornalista não explicite
seu ponto de vista claramente, ela, por meio de exemplos, defende a idéia
de que crianças podem e devem ajudar a mãe nos trabalhos
domésticos, especialmente quando ela está trabalhando fora
de casa para garantir o sustento de sua família.
ELES SÃO
OS DONOS DA CASA
Lavínia Fávero
“Mãe
é uma só”, diz o ditado. Ela faz a comida, ensina
a fazer a lição de casa, cuida da gente. E quando ela precisa
trabalhar fora? Ainda bem que existem os irmãos.
A Folhinha conta hoje algumas histórias de crianças que
precisam substituir a mãe.
Elas aprenderam a se cuidar sozinhas, ajudam no serviço da casa
e tomam conta dos irmãos menores, enquanto os pais dão duro
fora de casa.
Na casa das trigêmeas Karen, Karina e Kátia de Aguiar, 8,
quem manda depois da mãe é Kátia, a última
das três a nascer. As meninas e o irmão Bismarck, 10, lavam
a louça, varrem o chão, arrumam a cama, limpam o banheiro
e até fazem comida.
“A Kátia dá mais bronca que minha mãe, mas
só nas meninas, por que elas param de arrumar a casa para assistir
televisão. Em mim, ela só dá bronca de vez em quando”,
conta Bismarck.
A mãe deles, Maria Aparecida, 34, é diarista (faz limpeza
cada dia para uma pessoa). Sai de manhã cedinho e só volta
à noite. O pai delas mora em Altamira, no Pará.
As tarefas da casa são divididas entre os irmãos. Bismarck
arruma a mesa. “De lavar a louça, gosto mais ou menos, Kátia
é que lava. Secar, a gente não seca”, diz.
“Nosso quarto é organizado, pode olhar”, fala Kátia.
“Mas a mãe precisa mandar a gente fazer isso”, conta
Bismarck
Para ir à escola e fazer os deveres, não precisa mandar.
Eles estudam à tarde e vão sozinhos, caminhando.
Folhinha, São Paulo, Folha de S. Paulo, 8 de maio 1999, p. 4.
4.2 Análise
da coleção B: Análise, Linguagem e Pensamento –
ALP novo
Na coleção
B, foi identificado um número menor de textos em relação
à coleção A (237 textos na coleção
B vs. 313 na coleção A). Além disso, apenas 3,8%
do total de textos da coleção B foram incluídos como
da ordem do argumentar, ou seja, uma percentagem também mais reduzida
do que a apresentada na coleção anterior.
Na tabela 4 pode ser vista a freqüência com que os textos aparecem
na coleção B, por série, bem como os gêneros
textuais da ordem do argumentar presentes em cada volume.
Tabela 4:
Freqüência de textos na “coleção B”
Textos |
Volumes |
Total |
1 |
2 |
3 |
4 |
Textos da ordem do argumentar |
-- |
2 |
2 |
5 |
9 |
Textos de outras categorias |
42 |
57 |
59 |
70 |
228 |
Total |
42 |
59 |
61 |
75 |
237 |
Os
gêneros textuais identificados com mais freqüência na coleção podem ser
vistos na tabela 5.
Tabela
5: Gêneros textuais mais freqüentes na “coleção B”
Gêneros textuais |
1ª série |
2ª série |
3ª série |
4ª série |
Total |
|
15 |
16 |
21 |
16 |
68 (28,69%) |
Texto didático |
5 |
7 |
10 |
6 |
29 (12,23%) |
Poema |
5 |
4 |
5 |
13 |
27 (11,39%) |
Letra de música |
2 |
3 |
3 |
5 |
13 (5,48%) |
Notícia |
1 |
1 |
3 |
2 |
7 (2,95%) |
Relato |
2 |
2 |
1 |
1 |
6 (2,52%) |
Piada |
1 |
2 |
1 |
1 |
5 (2,12%) |
Conversa |
- |
1 |
- |
3 |
4 (1,69%) |
Tabela |
1 |
2 |
- |
1 |
4 (1,69%) |
Anúncio publicitário |
- |
1 |
1 |
1 |
3 (1,27%) |
Bilhete |
1 |
- |
- |
2 |
3 (1,27%) |
Capa de livro |
1 |
1 |
1 |
- |
3 (1,27%) |
Carta pessoal |
- |
1 |
- |
2 |
3 (1,27%) |
Fábula |
- |
- |
2 |
1 |
3 (1,27%) |
Mapa |
- |
- |
2 |
1 |
3 (1,27%) |
Obra teatral |
- |
1 |
1 |
1 |
3 (1,27%) |
Receita culinária |
1 |
1 |
- |
1 |
3 (1,27%) |
Texto de opinião |
- |
- |
- |
3 |
3 (1,27%) |
Outros |
7 |
13 |
10 |
14 |
44 (18,56%) |
Total |
|
|
|
|
237 (100%) |
Como se pode
ver, contos, textos didáticos e poemas, se somados, representam
em torno de 50% do total de gêneros textuais presentes nessa coleção.
Há, portanto, uma preferência nítida dos autores em
relação a esses gêneros em detrimento de outros.
Com relação aos gêneros textuais da ordem do argumentar,
foi observada, na coleção B, uma menor variedade de textos
em relação à coleção A, como pode ser
visto na tabela 6, abaixo.
Tabela 6:
Gêneros textuais da ordem do argumentar presentes na “coleção
B”
Gênero textual |
1ª série |
2ª série |
3ª série |
4ª série |
Total |
|
- |
1 |
1 |
1 |
3 |
Texto
de opinião |
- |
- |
- |
3 |
3 |
Cartaz
educativo |
- |
- |
1 |
1 |
2 |
Reportagem
|
- |
1 |
- |
- |
1 |
Total |
- |
2 |
2 |
5 |
9 |
Observa-se
que os textos argumentativos estão mais concentrados no volume
4, o que aparentemente sugere uma noção de que esses textos
devem estar reservados para crianças mais velhas.
Ainda em relação aos dados da tabela 6, é importante
esclarecer a distinção que fazemos entre texto de opinião
e artigo de opinião, presentes na coleção B e A,
respectivamente. Os aqui chamados “textos de opinião”
apresentam-se como a expressão de uma opinião sobre um tema
qualquer, seguida de uma breve justificativa para a posição
colocada. São textos mais restritos à esfera escolar de
interação e dado que não conseguimos incluí-lo
em nenhum dos gêneros comumente adotados nas diversas situações
do cotidiano, resolvemos nomeá-los desta forma. Ao contrário,
os “artigos de opinião” são textos que circulam
no mundo fora da escola, em revistas e jornais, por exemplo, e que a partir
de um tema polêmico, assumem certo ponto de vista, de modo mais
ou menos explícito. Vejamos os exemplos:
Artigo de
opinião: identificado na coleção A, no livro da 1ª
série (p. 35).
Quanto pesa
sua mochila?
Ana Holanda
Você já parou para pensar quanto pesa sua mochila? Então,
aproveite e pare em alguma farmácia do caminho para pesá-la.
O material escolar que todos têm de levar para a escola diariamente
muitas vezes supera os cinco quilos.
Pode ser pouco para um adulto, mas certamente mais do que muitas crianças
poderiam carregar sem comprometer sua coluna.
Agora, imagine todo peso colocado em cima de suas costas. Ruim, né?
E isso sem falar que você provavelmente costuma levar todo peso
da mochila em um ombro só, o que pode ser mais prejudicial. A melhor
forma de carregar a mochila é bem apoiada nas costas e presa nos
dois ombros, pelas alças.
Revista Zá,
ano I, n. 1, julho 1996, p.24. (Fragmento).
Texto de
opinião: identificado na coleção B, no livro da 4ª
série, na página 109.
Opinião
1
Eu acho que
os trens são um meio de transporte de carga e de passageiros muito
econômico e mais eficiente e seguro do que os carros, caminhões
e ônibus. Eles não poluem porque não utilizam combustíveis
derivados do petróleo. Penso que as ferrovias deveriam ser construídas
por todo o país, facilitando o transporte.
Como pode
ser observado, o artigo de opinião acima foi retirado de uma revista,
tendo sido, portanto, um texto criado para um suporte textual autêntico.
Já o texto de opinião não aparece com créditos
que indiquem um portador textual, levando a crer que o texto foi criado
para o próprio livro didático ou que é um fragmento
de outro texto.
4.3. Análise da coleção C: Com texto e trama
Na terceira
e última coleção analisada, foi encontrado um número
ainda menor de textos em relação às demais coleções:
apenas 189 textos. Do total desses textos, 7,41% são gêneros
da ordem do argumentar. Na tabela 7 pode ser visto o número total
de textos que aparecem nos livros, assim como os gêneros textuais
da ordem do argumentar identificados em cada volume.
Tabela 7:
Freqüência de textos na “coleção C”
Textos/ |
Volumes |
Total |
1 |
2 |
3 |
4 |
Textos da ordem do argumentar |
-- |
6 |
2 |
6 |
14 |
Textos de outras categorias |
48 |
43 |
42 |
42 |
175 |
Total |
48 |
49 |
44 |
48 |
189 |
Na tabela 8 podem ser vistos os gêneros textuais apresentados com
maior freqüência na coleção.
Tabela
8: Gêneros textuais mais freqüentes na “coleção C”
Gêneros textuais |
1ª série |
2ª série |
3ª série |
4ª série |
Total |
|
3 |
5 |
4 |
7 |
19 (10%) |
Texto
didático |
4 |
6 |
6 |
3 |
19 (10%) |
Conto
|
1 |
7 |
1 |
7 |
16 (8,47%) |
História
em quadrinhos |
2 |
3 |
1 |
5 |
11 (5,82%) |
Cabeçalho
de jornal |
7 |
1 |
1 |
- |
9 (4,77%) |
Capa
de livro |
6 |
1 |
2 |
- |
9 (4,77%) |
Lenda
|
- |
- |
- |
6 |
6 (3,17%) |
Receita
culinária |
4 |
2 |
- |
- |
6 (3,17%) |
Tira |
3 |
3 |
- |
- |
6 (3,17%) |
Cartaz
educativo |
- |
4 |
- |
1 |
5 (2,65%) |
Conto
de fadas |
- |
- |
4 |
1 |
5 (2,65%) |
Fábula
|
- |
2 |
3 |
- |
5 (2,65%) |
Reportagem
|
- |
- |
1 |
4 |
5 (2,65%) |
Piada
|
- |
1 |
- |
3 |
4 (2,13%) |
Verbete
|
1 |
2 |
1 |
- |
4 (2,13%) |
Cartão
pessoal |
- |
- |
3 |
- |
3 (1,6%) |
Crônica
|
- |
1 |
- |
2 |
3 (1,6%) |
Nota
de enciclopédia |
3 |
- |
- |
- |
3 (1,6%) |
Rótulo
|
2 |
- |
- |
1 |
3 (1,6%) |
Outros
|
12 |
11 |
17 |
8 |
48 (25,4%) |
Total |
|
|
|
|
189 (100%) |
Note-se que
poemas, textos didáticos e contos, seguindo a tendência das coleções analisadas
anteriormente, são mais uma vez os gêneros textuais mais freqüentemente
encontrados.
Os gêneros textuais da ordem do argumentar encontrados na coleção
C podem ser vistos na tabela 9.
Tabela 9:
Gêneros textuais da ordem do argumentar presentes na “coleção C”
Gênero textual |
1ª série |
2ª série |
3ª série |
4ª série |
Total |
|
- |
2 |
- |
- |
2 |
Anúncio
publicitário |
- |
- |
- |
1 |
1 |
Carta
de solicitação |
- |
- |
1 |
- |
1 |
Cartaz
educativo |
- |
4 |
- |
1 |
5 |
Reportagem
|
- |
- |
1 |
4 |
5 |
Total |
- |
6 |
2 |
6 |
14 |
Assim como
ocorreu na coleção B (ver tabela 6), no volume 1 não
aparecem os gêneros textuais da ordem do argumentar, havendo uma
maior freqüência desses textos nos volumes 2 e 4.
5. Síntese
dos resultados das três coleções analisadas e considerações
finais
Diante dos
resultados das análises das três coleções de
livros didáticos aprovados pelo Programa Nacional do Livro Didático
(2004), pode-se afirmar que há uma maior oferta de textos em relação
a certos gêneros, tais como: contos, poemas e textos didáticos.
Apesar disso, também é evidente que em todos os volumes
das três coleções aparecem variados gêneros
textuais que circulam na sociedade, como, por exemplo, histórias
em quadrinhos, carta pessoal, diário íntimo, receita culinária,
anúncios publicitários, entre outros. Observa-se, portanto,
uma preocupação dos autores em propiciar um universo variado
de textos que circulam fora da escola, não se limitando a oferecer
às crianças os tradicionais contos da literatura infantil,
que embora continuem sempre a ter o seu papel para a formação
de leitores, não devem ser os únicos textos a circularem
na escola.
A grande variedade de gêneros textuais encontrados em todas as séries
das coleções analisadas também parece indicar a inexistência
de um planejamento por parte dos autores, em relação a exploração
de certos gêneros por volume. Ao contrário, nas três
coleções nota-se a presença de um grande número
de gêneros textuais distintos em todos os volumes, indicando que
a opção é de trabalhar “de tudo, um pouco”
e não a de se concentrar em gêneros específicos que
de acordo com algum critério seriam distribuídos ao longo
das quatro volumes.
Com respeito aos gêneros da ordem do argumentar, estes aparecem
em número reduzido nas três coleções, embora
na coleção A os alunos tenham acesso a um número
mais significativo, sobretudo no volume 4 (15 textos). Nos outros volumes,
a quantidade de textos da ordem do argumentar foi tão baixo quanto
nas outras coleções, conforme podemos verificar no gráfico
1, apresentado abaixo.
Figura 1:
Percentagem de textos da ordem do argumentar nas Coleções
A, B e C em cada série
Como já
comentamos, a percentagem de textos da ordem do argumentar foi bastante
pequena nas três coleções analisadas. Embora nas coleções
A e B os textos argumentativos sejam mais freqüentes no volume 4,
não se observa uma progressão regular na oferta desses textos
ao longo dos quatro anos. De fato, nas coleções A e C há,
inclusive, mais textos da ordem do argumentar no volume 2 (e até
no 1, no caso da coleção A) do que no 3. Na coleção
B, por sua vez, a percentagem de textos nos volumes 2 e 3 é idêntica,
ocorrendo o mesmo na coleção C em relação
ao volume 2 e 4.
Considerando que a defesa de nossos pontos de vista é fundamental
para que conquistemos espaço social e autonomia, é imprescindível
que a escola estimule a competência argumentativa dos seus alunos
tanto oralmente, como na leitura e escrita de textos. Se reconhecermos
que em muitos casos o livro didático é a principal referência
de leitura disponível para os alunos, pode-se inferir, com base
nos resultados da presente investigação, que os textos argumentativos
parecem ser pouco lidos e, conseqüentemente, pouco explorados em
atividades de interpretação oral ou escrita. Tal resultado
aponta para a necessidade de que professores das séries iniciais
invistam mais no trabalho com textos dessa natureza.
Por fim, vale ressaltar um dado interessante revelado na pesquisa, que
pode inclusive vir a ampliar o universo de exploração de
argumentos para além dos gêneros mais comumente identificados
como argumentativos nos livros didáticos. Observe, por exemplo,
o texto abaixo, retirado da coleção A, no volume 1 (p.18).

Como se pode
ver, gêneros textuais, tais como a tirinha apresentada acima, que,
em princípio, são tomadas como narrativas, podem por vezes
apresentar a defesa de pontos de vista, sendo, portanto, passíveis
de ser explorados nessa perspectiva. É necessário, assim,
que o professor fique atento não apenas para os textos comumente
classificados como da ordem do argumentar, mas para outros gêneros
textuais que também possam se prestar para reflexões sobre
quais argumentos são defendidos por meio desses textos e de que
forma isto ocorre.
6. Referências
Bakhtin,
M. (2000). Estética da criação verbal. 3ª ed.
(1953 – 1ª ed.) Trad. Maria ermantina Galvão. São
Paulo: Martins Fontes.
Batista, Antônio A.G. (2000). Um objeto variável e instável:
textos, impressos e livros didáticos. In Abreu, Márcia (org.)
Leitura, história e história da leitura. Campinas, SP: Mercado
de Letras: ALB; São Paulo: Fapesp.
Bezerra, M.A. (2001). Textos: seleção variada e atual. In
Dionísio, A.P. & Bezerra, M.A. O livro didático de Português:
múltiplos olhares. Rio de Janeiro: Lucerna.
Bonini, Adair (1998). O ensino de tipologia textual em manuais didáticos
de 2o grau para a Língua Portuguesa. In Trabalhos em Lingüística
Aplicada, 31. Campinas. 7-20.
Brasil, M.E.C. (1997). Parâmetros curriculares nacionais. Brasília,
MEC.
Brasil, Ministério da Educação e Cultura (1998) Guia
de livros didáticos - 1a a 4a séries. PNLD. Brasília,
MEC.
Dolz, J. (1994). Produire des textes pour miex comprendre: L'enseignerment
du disucours argumentatif. In Reuter (Ed.). Les interactions lecture -
Ecriture, Berne: Peter Lang, p. 219-242.
Dolz, J. & Schneuwly, B. (1996). Genres et progression en expression
orde et écrite - Eléments de réflexions à
propos d'une experiénce romande. Enjeux, no 37-38, p. 31-49.
Koch, I. (1987). Argumentação e linguagem. São Paulo:
Cortez.
Koch, I. & Travaglia, L. C. (1995). Texto e coerência. 4ª
ed. São Paulo: Cortez.
Leal, T.F. (2003). Produção de textos na escola: a argumentação
em textos escritos por crianças. Tese de Doutorado. Recife: UFPE,
pós-graduação em Psicologia Cognitiva.
Lopes, S.F. (1998). Dissertar: uma perspectiva possível na alfabetização.
Monografia de Finalização de Curso de Especialização.
Recife: UFPE / Centro de Educação.
Marcuschi, L.A. (2002). Gêneros textuais: definição
e funcionalidade Em Dionísio, A.P.; Machado, A.R. & Bezerra,
M.A. Gêneros textuais & ensino. Rio de Janeiro; Ed. Lucerna.
Oliveira, J.B.A.; Guimarães, S.D.P. & Momény, H.M.B.
(1984). A política do livro didático. São Paulo:
Summus, Campinas: Ed. da Universidade Estadual de Campinas.
Pécora, A. (1999). Problemas de redação. 5a Ed. São
Paulo: Martins Fontes.
Schneuwly, B. (1988). Le language écrit chez l'enfant - La production
des textes informatifs et argumentatifs. Neuchâtel: Delachaux et
Niestlé.
Travaglia, L.C. (1996). Gramática e interação: uma
proposta para o ensino de gramática do 1o e 2o graus. São
Paulo: Cortez.
Livros didáticos
citados:
1 Hailer,
M.A. de A. & Cocco, M. F. ( 2000 ). Anáise, Linguagem e Pensamento
– ALP novo. São Paulo: FTD, v. 1-4 (livro didático).
2 Garcia, M. M. & Glória, D. M. A. (2001). Com Texto e Trama.
Belo Horizonte: Expressão, v. 1-4 (livro didático).
3 Soares, Magda (2001). Português: Uma proposta pra o letramento.
São Paulo: moderna, v. 1-4 (livro didático).
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