Andréia Aléssio Apolinário
- Universidade Estadual de Maringá (UEM)
Resumo
Ao considerar a trajetória histórico-social da comunidade
surda, caracterizada por dificuldades e preconceitos, surge uma grande
preocupação com a escolarização do surdo e,
conseqüentemente, com o ensino e aprendizado da leitura e da literatura.
Nesse sentido, o presente trabalho propõe discutir questões
sobre a importância da família e da própria instituição
escolar para a formação de crianças surdas leitoras
num contexto educacional para surdos na escola ANPACIN (Associação
Norte Paranaense de Áudio Comunicação Infantil) do
município de Maringá.
Um olhar sobre a Surdez
O mundo atual vive um momento de transformações
e de grande instabilidade, em que as bases da sociedade são questionadas
e (re)pensadas, surgindo novas propostas, novas culturas e novas identidades.
Na chamada crise da ‘pós-modernidade’, todos os segmentos
sociais, políticos e culturais estão sendo discutidos e
(re)discutidos sob outros olhares. Nesse contexto, são observadas
no Brasil algumas mudanças significativas em relação
à educação para surdos, mesmo que paulatinamente,
pelas quais os educadores adquirem consciência do que é a
cultura surda, respeitando a identidade dos surdos.
Ao olharmos a história dos surdos, iremos perceber constantes lutas,
dissabores e opressões ao longo dos tempos. Na Antigüidade,
segundo registros, os surdos, considerados deficientes, eram mortos. No
Judaísmo e no Cristianismo, a surdez adquire certa significação
e os surdos são tratados como outras pessoas quaisquer. A partir
do Renascimento e do Iluminismo, os surdos, designados como ‘anormais’,
são isolados da sociedade. De acordo com pesquisas históricas,
somente no século XVIII os surdos são inseridos no contexto
educacional. Em 1756, o abade Charles Michel de L´Épée
demonstra interesse por instruir um grupo de crianças surdas (SÁ,
2002, p. 51-52).
O primeiro método que se tem conhecimento a respeito da educação
para surdos é o chamado ‘Manualismo’ — variações
manualizadas da língua oral. A partir do século XIX, esse
método é substituído pelo Oralismo — imposição
do uso da língua oral aos surdos —, juntamente com o surgimento
do modelo clínico-terapêutico e da Educação
Especial. O insucesso do Oralismo leva educadores, em meados do século
XX, a substituí-lo pela chamada Comunicação Total
(Total Approach) — práticas diversificadas com a combinação
da língua oral e dos gestos, levando ao correto uso da língua
oral. Atualmente tem-se uma nova proposta, denominada de Bilingüismo,
em que a criança tem acesso às duas línguas —
a língua de sinais e a língua oral (SÁ, 2002, p.
57-58). A educação bilíngüe consiste em um ato
político que envolve novas representações sobre a
surdez, a valorização da língua de sinais como primeira
língua, o ensino da língua portuguesa como segunda língua
e novas propostas pedagógicas para o letramento da criança
surda.
Apesar das referidas tentativas de mudança, quando falamos em surdez
ou pessoas surdas, logo surge uma imagem representada em nossa memória.
Para as pessoas não habituadas a lidar com sujeitos surdos, a representação
da surdez continua ligada à deficiência e, sendo este sujeito
deficiente, acreditam que ele precisa ser medicado e reabilitado ao convívio
do mundo oralizante.
Assim, nos dizeres de Nídia Regina Limeira de Sá:
“Poderíamos dizer, então, que o termo
‘surdo’ é aquele com o qual as pessoas que não
ouvem referem-se a si mesmos e a seus pares. Uma pessoa surda é
alguém que vivencia um déficit de audição
que o impede de adquirir, de maneira natural, a língua oral/auditiva
usada pela comunidade majoritária e que constrói sua identidade
calcada principalmente nesta diferença, utilizando-se de estratégias
cognitivas e de manifestações comportamentais e culturais
diferentes da maioria das pessoas que ouvem (SÁ, 2002, p. 48-49)”.
Nesse sentido, é importante reforçar que
a surdez vista como uma diferença e não como uma deficiência,
permite que as pessoas encarem os surdos dentro das suas singularidades
como indivíduos que são dotados de cultura, história
e necessidades que devem ser respeitadas. A criança surda, quando
aceita em suas individualidades e inserida num processo de letramento
de acordo com suas necessidades, tem o seu pleno desenvolvimento cognitivo
assegurado.
A Leitura e o Ensino de Literatura
Preocupados com o desenvolvimento de cidadãos vivamente
orientados para a vida e para o mundo, os pesquisadores têm discutido
muito a respeito da leitura e formação de leitores, pois
tem-se observado uma carência no meio escolar e no meio social,
por falta de trabalhos e de metodologias que privilegiem o ato de ler.
O problema do ensino da leitura nas escolas, como afirma Isabel Solé
(1998, p. 33), está situado na própria conceitualização
do que é leitura, na maneira como os educadores vêem a questão
da leitura e do papel que ela ocupa no plano educacional. Nesse sentido,
é necessário que instituições educacionais
possam rever o conceito de leitura e admitir o exercício da mesma
como algo que promova a qualidade de vida em sociedade. Diante disso,
propomos discutir questões sobre a leitura e o ensino de literatura,
observando a importância da família e da escola para a formação
de crianças leitoras em um centro de educação para
surdos que adota a proposta bilíngüe de ensino — ANPACIN
(Associação Norte Paranaense de Áudio Comunicação
Infantil) do município de Maringá.
A leitura, definida por Isabel Solé (1998, p. 22-24), caracteriza-se
por um processo de interação entre o leitor e o texto, implicando
na construção do significado do texto pelo leitor, tendo
em vista seus objetivos, a formulação de hipóteses
e previsões, a verificação das mesmas e o entendimento
e a interpretação. A leitura vem a ser uma interação
autor-texto-leitor, cuja mediação se faz via texto ou pelas
interferências do próprio professor no processo de ensino-aprendizagem.
Assim, nos dizeres de Regina Lúcia Péret Dell’isola:
“[...] O ser humano é sujeito praticante
de leitura, uma vez que decifra, compreende, interpreta, avalia o signo.
Sendo sujeito leitor, simultaneamente, lê palavras, formas, cores,
sons, volumes, texturas, gestos, movimentos, aromas, atitudes, fatos.
Este sujeito interage com diversas formas de linguagem, através
da sua leitura do mundo (DELL’ISOLA, 1996, p. 70)”.
Nesse contexto, como afirma Paulo Freire (1986, p. 11),
“[...] a leitura do mundo precede a leitura da palavra”, ou
seja, mesmo antes de lermos as palavras e de conhecermos os códigos
da escrita já realizamos a leitura — a leitura do mundo que
nos cerca, pois somos capazes de atribuir sentido (leitura) pela maneira
que o ‘eu’ interage no mundo.
De acordo com Eliana Yunes (1995, p. 185-186), o ato de ler implica em
sensibilidade e prazer — “Ler significa descortinar, mudar
de horizontes, interagir com o real, interpretá-lo, compreendê-lo
e decidir sobre ele.” A leitura precisa ser cultivada e trabalhada,
assim como o prazer pelo ato de ler. Crianças, jovens e adultos
precisam descobrir e redescobrir o sentido de ler — ler para ter
conhecimento e para a vida. O ato de ler leva o leitor a buscar novos
horizontes, a conhecer o mundo dos outros, a questionar, a rever conceitos
e, num processo de amadurecimento, a transformação interna
do próprio ser — ler significa buscar o significado das coisas
e da vida e refletir sobre elas.
Quando falamos a respeito da Leitura pensamos também na Literatura.
E sobre o termo ‘literatura’, surgem logo vários questionamentos,
pelos quais muitos estudiosos, escritores e críticos literários
têm-se debruçado por longas datas — 1-O que é
literatura?, 2-Qual é a função da literatura?, 3-Qual
é a importância da literatura para a sociedade e para o homem?
Os questionamentos sobre a concepção da literatura levam
os pesquisadores de estudos literários a um consenso — o
de que a literatura não pode ser definida objetivamente. Para Terry
Eagleton (1997, p. 11-12), o termo ‘literatura’ depende da
maneira pela qual alguém resolve ler, assim, o modo como vemos
a literatura é sempre ideológico, pois a concepção
é histórica e socialmente marcada pelas sociedades que a
concebem. Seguindo as mesmas idéias, Antoine Compagnon (1999, p.
44) diz que a literatura representa uma realidade complexa, heterogênea
e mutável. “[...] A definição de um termo como
a literatura não oferecerá mais que o conjunto das circunstâncias
em que os usuários de uma língua aceitam empregar esse termo
(COMPAGNON, 1999, p. 44-45).”
Regina Zilberman (1990) propõe uma discussão em torno da
literatura e a sua relação com a educação.
A literatura não fazia parte do currículo escolar, era integrada
a outros estudos (Gramática, Lógica, Retórica, Línguas,
História etc.). Somente a partir da Revolução Francesa
(1789) é que a literatura torna-se um objeto de estudos da história
literária, consolidando-se décadas posteriores em toda a
Europa com o ensino da literatura, propriamente dito (ZILBERMAN; SILVA,
1990, p. 14-15). Quando a literatura é então institucionalizada
nas escolas, surge a crise do próprio ensino — há
um questionamento das origens e do papel da literatura. Hoje, o ensino
da literatura apresenta uma outra responsabilidade — a preocupação
com a formação do leitor:
“A leitura do texto literário constitui uma
atividade sintetizadora, na medida em que permite ao indivíduo
penetrar o âmbito da alteridade, sem perder de vista sua subjetividade
e história. O leitor não esquece suas próprias dimensões,
mas expande as fronteiras do conhecido, que absorve através da
imaginação mas decifra por meio do intelecto (ZILBERMAN;
SILVA, 1990, p. 19).”
Para Vera Teixeira de Aguiar (2004), tanto a leitura como
o ensino de literatura fazem referência a um comportamento cultural
que precisa ser cultivado, pois quanto mais condições de
experiência, aprendizagem e contato com a literatura, maior é
a chance de formamos leitores competentes:
“[...] o ato de ler significa diálogo com
o texto, descoberta de sentidos não-ditos e alargamentos dos horizontes
do leitor para realidades ainda não visitadas. Por isso, quanto
mais contato com a literatura e com o universo dos livros tanto maior
a chance de formarmos leitores competentes [...] (AGUIAR, 2004, p. 28).”
Para o desenvolvimento de um ensino de literatura que
realmente forme leitores, é preciso compreender o que é
literatura, a sua concepção, refletir sobre os seus limites
e ter uma teoria a serviço da prática, a partir daí
trabalhar com esse objeto tão complexo que é a literatura.
O ensino de literatura deve estar condicionado a cotidianeidade dos leitores
e ao entendimento que se faz do termo literatura, pois é fundamental
para o desenvolvimento do trabalho, além de contribuir para uma
formação efetiva de leitores.
A família e a escola — um contexto importante
na formação de leitores
A criança desde muito cedo entra em contato com
a leitura do mundo que a cerca, mesmo antes de ser alfabetizada na escola.
Ela aprende muito com os exemplos que são observados a sua volta,
neste caso, a família é que lhe permite, ou pelo menos deveria
permitir, o primeiro contato desta com o mundo. Muitas vezes o primeiro
contato fica sob a responsabilidade dos educadores, pois a criança
passa a maior parte do tempo em creches e em escolas. De acordo com Eveline
Charmeux (1995), a relação, dos pais com a educação
escolar, deve ser prescrita na complementaridade e não na concorrência
ou nas trocas de responsabilidades. A vivência em família
deve colaborar para o sucesso escolar da criança. Assim, modelos
e exemplos positivos de leitura no lar, fazem com que meninos e meninas
percebam e assimilem o valor e a função social do ato de
ler e, por curiosidade, identificação, executem esse ato
em suas vidas, tornando-se um hábito (SILVA, 1983, p. 56). Ao permitir
experiências positivas de leitura às crianças, os
pais contribuem para a formação dessas enquanto leitoras
— a maneira como vêem e encaram a leitura em casa refletem
nas atitudes dos filhos.
A criança deve perceber a funcionalidade da leitura e dos vários
textos que encontra em seu cotidiano como por exemplo: as receitas, os
manuais de instrução dos aparelhos, as propagandas em jornais,
revistas e out-doors, as correspondências, as contas, os livros
de literatura etc. Participar juntamente com os pais das discussões
sobre determinadas leituras, visitar e conhecer a biblioteca e as livrarias,
além da participação dos pais na leitura partilhada,
como ler as histórias infantis dos livrinhos ou contar histórias
orais é muito importante para a formação da criança
leitora.
“[...] Ter lembranças que associem prazer à cultura
na mais tenra idade significa uma possibilidade maior de sucesso escolar
(CHARMEUX, 1995, p. 119).” Pelo menos a família deveria contribuir
nesse sentido, para que depois, no processo de letramento, a escola reforce
e acrescente mais experiências para este sujeito que se torna leitor.
Porém, não é o que costuma acontecer, pois nem todas
as famílias têm esta consciência da importância
da leitura em casa e muito menos se preocupam com a formação
dos filhos leitores, delegando as responsabilidades unicamente aos educadores
e à escola.
A família e a leitura no contexto educacional dos
surdos
Pensemos um pouco na criança surda, já
que se tem falado da importância da família no aprendizado
da leitura. Quando a criança surda nasce em uma família
de ouvintes, provavelmente ela vai viver num contexto oralista, a comunicação
entre ambos será, geralmente, pela língua oral, repercutindo
em uma limitação lingüística, diferente da criança
surda que nasce de pais surdos, pois esta tem a informação
visual garantida pela Língua de Sinais (CÁRNIO, 1998, p.
120).
A maioria das famílias de surdos não está preocupada
em que a criança seja sujeito de sua própria mensagem, mas
com a oralização da língua, no caso do Brasil, a
Língua Portuguesa. Querem que seus filhos falem, querem promover
a reabilitação oral da criança com aparelhos auditivos
e a convivência somente com ouvintes, desrespeitando as suas diferenças
e negando a sua cultura e a sua identidade.
Nas famílias de pais surdos, a criança encontra um ambiente
propício ao seu desenvolvimento, pois lhe é permitido o
uso da Língua de Sinais (LIBRAS — Língua Brasileira
de Sinais), preservando, de certa forma, a cultura surda que é
toda voltada para o visual.
Ao observar e analisar contextos de educação para surdos
na escola ANPACIN, foi possível perceber a extrema importância
e necessidade da família participante na vida e no aprendizado
da leitura de crianças surdas. O trabalho foi desenvolvido em duas
salas: uma de pré-alfabetização com três alunos
(02 a 03 anos), outra de alfabetização com cinco alunos
(04 a 05 anos) em contextos familiares diversos. Há crianças
surdas filhas de pais surdos, crianças surdas de pais ouvintes
e crianças surdas de pais ouvintes e irmãos surdos, e das
mais diferentes camadas sociais.
Destacamos primeiramente as crianças surdas filhas de pais surdos
— é possível afirmar que estas crianças apresentam
uma maior sensibilidade quanto à cultura visual e um desenvolvimento
da língua de sinais bem mais aprimorado. Neste caso, os pais trabalham
muito em casa para o desenvolvimento dos filhos, demonstram uma preocupação
na preservação da cultura e na transmissão da língua.
Quanto à leitura, mesmo que seja, neste momento somente visual
e pelo aprendizado da LIBRAS, são crianças mais atentas
e correspondem às expectativas dos professores.
No segundo caso, crianças surdas de pais ouvintes — algumas
apresentam sensibilidade quanto à cultura visual, outras muitas
dificuldades, mesmo para a comunicação em LIBRAS. Algumas
destas crianças, por dificuldades financeiras, e pelo fato dos
pais trabalharem o dia inteiro, ficam em creches municipais (ouvintes)
em um período, no outro na ANPACIN. Na maioria dos pais não
é possível perceber uma preocupação em permitir
um ambiente propício ao desenvolvimento da criança leitora,
não demonstram interesse pela cultura surda e recusam-se a aprender
a Língua de Sinais.
No terceiro caso, crianças surdas de pais ouvintes e irmãos
surdos — há algumas diferenças quanto ao segundo,
pois os pais já tiveram outros filhos e são surdos, assim,
podemos inferir que houve uma certa sensibilidade e agora se preocupam
mais quanto à educação de seus filhos. Acompanham
as crianças e demonstram interesse pela cultura surda. Tentam transmitir
um pouco desta cultura que eles vivenciam e aprendem (ou estão
aprendendo) a Língua de Sinais. Quanto às crianças
são mais atentas e correspondem às expectativas dos professores.
Pela transcrição dos três casos foi possível
verificar quanto é importante o papel da família para o
desenvolvimento da criança surda, pois esta necessita da mediação
dos pais e dos professores para o seu convívio com o mundo oralizado
da sociedade em que vive e com a sua cultura surda. Para que se tornem
leitores, a mediação entre as duas culturas é fundamental,
cabendo aos pais e aos professores esta responsabilidade. Pais e educadores
devem trabalhar juntos para a formação das crianças
leitoras. Muitos pais se sentem despreparados, quanto à educação
de seus filhos surdos, neste sentido, a escola como um todo deve desenvolver
um outro papel muito importante, o de assessorar (preparação
pedagógica) e auxiliar os pais com sua equipe de educadores, psicólogos,
fonoaudiólogos.
Muito mais do que verificar se os pais lêem em casa, é necessário
conscientizá-los para a inserção da criança
na leitura do mundo. Permitir um desenvolvimento afetivo, social e cognitivo
à criança é um grande passo para que se torne leitora.
Acima de tudo, permitir e aceitar suas diferenças, respeitando
as suas necessidades individuais.
Os profissionais da educação e o ensino
de literatura na ANPACIN
No decorrer de um trabalho sistematizado de observações,
aplicação de questionários e por meio de conversas
com os profissionais da ANPACIN, foi possível fazer um diagnóstico
da formação e preparação pedagógica
destes profissionais, bem como um paralelo do desenvolvimento do ensino
da literatura para as turmas da educação infantil (pré-alfabetização
e alfabetização).
As duas educadoras, das turmas referidas, ressaltam a importância
da leitura e do ensino de literatura para os surdos. Apresentam consciência
da necessidade da leitura para o desenvolvimento das crianças,
uma vez que, nem todos os pais apresentam esta consciência e preparação
para atuar, num primeiro instante, no desenvolvimento de seus filhos enquanto
leitores.
Na instituição são realizados com freqüência
projetos de incentivo à leitura (apoio pedagógico, apoio
bibliotecário, trabalho em sala de aula e o Projeto de Contar Histórias),
a literatura, neste caso, é o veículo que leva o aluno (a
criança) a entrar no mundo da fantasia e da imaginação
e a descobrir o prazer pela leitura. Assim, é na escola que a criança
surda vai ter a oportunidade de entrar em contato com a leitura e a literatura.
E conhecendo tal realidade, as professoras desenvolvem um trabalho em
sala ou fora dela, pela qual a criança é estimulada à
leitura:
? Muitos livros infantis (literários ou não)
ficam à disposição dos alunos na sala de aula, as
crianças com freqüência se utilizam destes livros;
? As professoras costumam contar histórias (mas sempre por meio
da LIBRAS), dramatizam estas histórias e os alunos participam,
fazendo comentários sobre o que entenderam;
? Alguns alunos surdos do Ensino Médio vão até às
crianças (nas quartas-feiras e sextas-feiras) para contarem histórias
— do Projeto de Contar Histórias — levam livros e contam,
dramatizam, fazem questionamentos, promovem a interação
da criança, depois ela manuseia o livro e observa ativamente as
ilustrações;
? As crianças assistem aos filmes com muita freqüência,
embora não possam ouvir perfeitamente os sons, observam a imagem
e as educadoras vão explicando em LIBRAS alguns significados;
? O estímulo da criança surda é muito visual, por
isso, o uso de materiais pedagógicos e alternativos é muito
importante: panfletos, figuras e ilustrações, filmes, desenhos,
livros etc.;
? O trabalho com a leitura: é realizada a pré-leitura, a
leitura e a pós-leitura com estratégias diversificadas para
estimular as crianças.
Os profissionais, preparados para atuar na formação
de seus alunos, apresentaram uma concepção de leitura como
um processo de interação entre leitor e o texto, em que
permitem o contato com a literatura estimulando o gosto e o prazer pelo
ato de ler. Fica nítida a importância de um trabalho que
propõe e estimula o desenvolvimento de crianças surdas leitoras.
Ao formar leitores, preparam as crianças para o convívio
com a sociedade que se comunica, de forma predominante, com a língua
oral/auditiva.
Comentários
O interesse pela questão da leitura e do ensino
de literatura envolvendo a formação de crianças leitoras
num contexto educacional para surdos (escola ANPACIN) surgiu, uma vez
que muitos trabalhos têm sido feitos sobre a proposta ‘bilingüe’
e tem-se observado resultados positivos. Diante disso, a necessidade de
observar o desenvolvimento das crianças (idades de 02 a 05 anos),
cuja formação inicial se faz por meio da LIBRAS foi importante
para comprovar estes resultados.
O envolvimento da família e da escola na formação
da criança surda leitora tem sido de suma importância, já
que esta apresenta certa dificuldade em adaptar-se à cultura oralizada
de seu país. Neste caso, a família e a escola são
a base e funcionam como instâncias mediadoras para que a criança
tenha acesso à leitura e à literatura, tornando-se leitora.
Ao trabalhar a leitura, buscar formar os cidadãos (surdos) levando
em conta suas diferenças e respeitando-as. “A identidade
surda se constrói dentro de uma cultura visual. Essa diferença
precisa ser entendida não como uma construção isolada,
mas como construção multicultural (SKLIAR: 1998, p.57).”
A criança surda precisa estar em um ambiente que lhe proporcione
o desenvolvimento natural da linguagem e da língua de sinais para
que se torne leitora e possa ler textos literários sem receios.
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