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LEITURA
EM LÍNGUA INGLESA: A FORMAÇÃO DO PROFESSOR-LEITOR EM
INVESTIGAÇÃO
Daniela de David Araújo
Este relato refere-se à experiência de uma pesquisa, em andamento,
vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Letras
(em nível de mestrado) da Universidade de Passo Fundo, cujo objeto
de estudo está relacionado à leitura em língua estrangeira
e, sobretudo, à formação de professores-leitores
em língua inglesa.
A aprendizagem de uma língua estrangeira é uma atividade
intelectual complexa, que pode ser comparada a uma verdadeira experiência
de vida. Comunicar-se eficientemente em um outro idioma requer o desenvolvimento
de habilidades lingüísticas relacionadas à fala, à
compreensão auditiva, à escrita e à leitura. Ao mesmo
tempo, é indispensável ao aprendiz a compreensão
da outra cultura e de suas especificidades, do contexto histórico
e social que envolve os falantes da língua em estudo, das expressões
idiomáticas e do vocabulário, para a utilização
do código de forma adequada nas diferentes situações
cotidianas e segundo a intenção comunicativa do falante.
Nas universidades brasileiras, a maior parte dos cursos de graduação
em letras tem a responsabilidade de formar professores de língua
e de literatura estrangeira. Além de oferecer as condições
necessárias para que os licenciandos alcancem a competência
lingüística, literária e cultural no idioma-alvo, é
sua função prepará-los para a docência, qualificando-os
para interagirem pedagogicamente com outros indivíduos, como parceiros
e facilitadores da aprendizagem, em favor do desenvolvimento pessoal e
intelectual dos estudantes.
Nesse contexto, o referencial teórico e prático sobre o
ensino e a aprendizagem da língua estrangeira construído
durante o curso de graduação torna-se, geralmente, a base
principal de conhecimento que auxilia o licenciado, no exercício
de sua atividade, a refletir sobre a própria prática profissional
e a fazer suas escolhas pedagógicas. A qualidade do trabalho desenvolvido
no ambiente universitário revela-se, portanto, como um fator de
transformação social, na medida em que influencia as ações
do futuro professor e ajuda-o a desenvolver práticas educacionais
mais adequadas à realidade dos alunos, com base no contexto de
atuação onde está inserido e também nas políticas
públicas que orientam a estruturação dos currículos
no ensino fundamental e médio.
Elaborados com o objetivo de se tornarem um referencial às comunidades
educativas, os Parâmetros Curriculares Nacionais em Língua
Estrangeira para o Ensino Fundamental (1998) e para o Ensino Médio
(1999) apresentam diretrizes gerais acerca do ato de ensinar e de aprender
um idioma nas escolas brasileiras, propondo discussões teóricas
e sugestões práticas em busca de um ensino de qualidade,
que valorize a consciência crítica e a cidadania. Para tanto,
focalizam o desenvolvimento da habilidade da leitura no idioma estrangeiro
como uma das mais importantes para a vida cidadã do aprendiz, a
qual, por suas múltiplas características e possibilidades,
poderá ser utilizada pelo estudante em seu contexto imediato para
o acesso ao conhecimento, à cultura e ao prazer.
Compreendido como um processo dialógico, no qual o leitor e o autor
trabalham cooperativamente na construção do significado
do texto, o ato de ler apresenta-se, ao mesmo tempo, como uma prática
social, marcada pela interação e pelo contexto histórico,
mas, também, como uma experiência individual de cada sujeito.
A leitura do texto literário, em especial, é capaz de renovar
a percepção de mundo do leitor, libertando-o de tudo o que
está automatizado pelo cotidiano. Por sua natureza emancipatória,
a arte literária "arranca o indivíduo de sua solidão
e amplia suas perspectivas, [...] dando-lhe a dimensão primeira
do que pode vir a ser" (ZILBERMAN, 1989, p.110).
Nesse sentido, faz-se necessário averiguar como o trabalho com
a leitura em língua estrangeira está sendo desenvolvido
junto aos alunos do curso de letras, uma vez que as experiências
vivenciadas pelos licenciandos em seu período de formação
específica podem, em muitos casos, tornar-se os referenciais para
sua futura prática docente. Portanto, um trabalho significativo
nessa área permitirá sensibilizá-los a refletir sobre
as questões da leitura e da literatura, possibilitando-lhes a descoberta
de novas formas de multiplicar o gosto pela leitura e de impulsionar o
contato de jovens e de adolescentes com textos em outro idioma.
Assim, o objetivo principal deste estudo em desenvolvimento é investigar
como a prática da leitura é proposta, mediada e recebida
nas disciplinas de língua inglesa, no âmbito do curso de
graduação em letras, averiguando se contribui para a formação
de professores-leitores nesse idioma. O curso de Licenciatura Plena em
Língua Inglesa da Universidade de Passo Fundo é o cenário
onde a pesquisa está sendo executada.
A opção pelo tema em foco é resultado do interesse
da pesquisadora em examinar como a experiência da leitura literária
na vida pessoal do professor interfere em sua prática docente,
qualificando ou não a mediação que estabelece entre
o texto e seus alunos. A pesquisa é relevante por possibilitar
uma ampla visão do que realmente acontece na sala de aula do ensino
superior com a leitura em língua estrangeira, mapeando-se pontos
fortes e/ou frágeis, identificando-se os gêneros textuais
mais utilizados, os tipos de atividades aplicadas e a forma como são
conduzidas e recebidas. A investigação é também
importante por permitir o diálogo entre a teoria e a prática
através da revisão de concepções metodológicas
em relação à formação de professores-leitores
em língua inglesa. A reflexão sobre o papel dos cursos de
letras na construção da identidade de educadores lingüísticos
e culturais, conscientes do potencial revolucionário do ato de
ler para a formação humana e comprometidos com sua natureza
interativa, é pressuposto para a renovação ou adequação
de práticas pedagógicas à realidade. Este trabalho
pretende contribuir com elementos para esta reflexão.
Para apoiar teoricamente a investigação, o estudo orienta-se,
sobretudo, pelos apontamentos de Kleiman (2001, 2002) sobre leitura e
texto, pela teoria da estética da recepção a respeito
da importância do leitor e da força do texto literário
e pelas concepções de Vigotski (1999) sobre o desenvolvimento
e a aprendizagem humana, como resultado das relações interacionais
que se estabelecem socialmente. Assim, focaliza o processo interativo
que se estabelece entre o conhecimento prévio do leitor, o texto
e o contexto na construção do significado. Ressalta, ainda,
a importância da utilização do texto literário
na escola como forma de, na vivência da experiência do "outro",
aproximar-se da própria natureza humana, reconstruindo-se, cotidianamente,
através da renovação do conceito de mundo e da capacidade
emancipadora da arte.
A pesquisa vale-se, ainda, das considerações de Wallace
(2003) e Nuttall (1996) em relação ao desenvolvimento da
habilidade da leitura em inglês como língua estrangeira,
abordando o contexto específico da sala de aula, identificando
as características dessa situação formal de aprendizagem
e os diferentes fatores que interferem na formação do leitor
numa segunda língua. Focaliza a importância da mediação
afetiva e competente do professor na seleção de textos a
serem utilizados em sala aula, na criação de práticas
leitoras significativas à realidade do aluno e, especialmente,
na partilha de sua própria experiência como leitor no idioma
estrangeiro.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998, 1999) e o Padrão
Referencial de Currículo para o Rio Grande do Sul (1998), direcionados
ao ensino da língua estrangeira, são documentos que ratificam,
neste estudo, a ênfase que o trabalho com a leitura deve receber
nas salas de aula do ensino fundamental e médio, através
do estabelecimento de um programa que sensibilize os alunos à diversidade
de gêneros textuais e à necessidade da construção
de sua autonomia enquanto leitores. Tais documentos valorizam a aprendizagem
de um novo idioma como meio de comunicação, mas, especialmente,
como uma forma de o estudante estabelecer relações com outros
modos de pensar, fazer e ser, ampliando as possibilidades de acesso a
indivíduos, culturas e informações, com vistas à
formação pessoal, acadêmica ou profissional. O estudo
de uma língua estrangeira proporciona, ainda, alternativas para
compreender a realidade, aumentando a percepção da língua
e da cultura materna por meio da compreensão da língua e
da cultura estrangeira, fato que promove a tolerância diante das
diferenças nas formas de expressão e de comportamento. Além
disso, há a função interdisciplinar que o aprendizado
da língua estrangeira pode desempenhar no currículo, ampliando
o conhecimento de mundo do aprendiz e possibilitando-lhe o acesso aos
bens culturais da humanidade.
A pesquisa apresentada é de natureza qualitativa, por investigar
uma realidade socialmente marcada pela dinâmica das relações
humanas, a sala de aula, no âmbito do ensino superior. Procura,
então, descrever e compreender a experiência coletiva nesse
ambiente ligada às questões da leitura e da formação
de professores-leitores em língua inglesa, através da observação
das práticas pedagógicas, que são profundamente marcadas
pelos valores, crenças e hábitos dos sujeitos envolvidos.
Complementando sua natureza qualitativa, esta investigação
também assume as características da pesquisa descritiva.
Cervo e Bervian (2002, p. 66) esclarecem que “a pesquisa descritiva
observa, registra, analisa e correlaciona fatos ou fenômenos (variáveis),
sem manipulá-los. Procura descobrir, com a precisão possível,
a freqüência com que um fenômeno ocorre, sua relação
e conexão com outros, sua natureza e características”.
Dessa forma, a pesquisa descritiva permite ao investigador conhecer a
realidade em estudo, tomando por base os dados colhidos no próprio
ambiente da investigação, por serem capazes de revelar as
características específicas do grupo ou do trabalho desenvolvido.
Para a obtenção dos dados, a investigadora utilizou, em
momentos distintos, as técnicas da entrevista, da observação
e do questionário, cada uma direcionada, respectivamente, aos três
diferentes grupos ou fontes de informação: a) professores-titulares
das disciplinas em estudo; b) atividades desenvolvidas em sala de aula;
c) alunos matriculados nas turmas foco da investigação.
As técnicas da entrevista e do questionário permitiram a
coleta e/ou confirmação dos dados observados em sala de
aula, acerca dos sujeitos envolvidos na pesquisa. A observação,
por sua vez, focalizou: a) as práticas leitoras propostas e desenvolvidas
em sala de aula; b) a ação do professor, enquanto mediador
das atividades de leitura; c) a recepção e reação
dos alunos às mesmas. Para reduzir a subjetividade, natural à
técnica da observação, a pesquisadora utilizou um
instrumento-guia, elaborado antes da coleta de dados, que guiou a obtenção
e o registro das informações. Durante as visitas à
sala de aula, respeitou-se o processo educativo, com a ética e
a imparcialidade necessárias a toda pesquisa, de forma que a presença
da pesquisadora não alterasse, demasiadamente, o comportamento
e a espontaneidade dos sujeitos envolvidos.
Além de observar, no contexto formal de aprendizagem, as práticas
de leitura desenvolvidas nas disciplinas foco do estudo e de verificar
se os professores que as ministram são leitores também de
textos literários em língua inglesa, avaliando em que aspectos
esse fato influencia sua ação pedagógica, é
ainda objetivo específico desta pesquisa elaborar uma sugestão
de práticas leitoras em língua inglesa envolvendo vários
gêneros textuais, em diferentes suportes. Tal proposta, em fase
de desenvolvimento, poderá ser incorporada aos programas das disciplinas
observadas, de acordo com sua pertinência, respeitando a avaliação
do professor titular.
A tarefa de orientar os alunos para a leitura é uma responsabilidade
imensa, visto que, em grande parte, o gosto pelo ato de ler é também
resultado da forma como a leitura foi apresentada e mediada em sala de
aula. No estudo de uma língua estrangeira, em especial, a construção
de experiências positivas na leitura em outro idioma está
diretamente relacionada à vivência de práticas educacionais
significativas, afetivas, que possibilitem a aproximação
e a interação do estudante com um contexto social e cultural
diferenciado. Consciente do processo da leitura, acredita-se que o professor
tem condições de fazer escolhas pedagógicas com mais
segurança; de qualificar sua interação com a turma;
de planejar práticas leitoras relacionadas à vida e aos
interesses dos alunos; de explorar diferentes linguagens, suportes e gêneros
textuais e de valorizar a experiência da leitura do texto literário.
Por aprofundarem o debate acerca da formação de professores
em língua inglesa nos cursos de letras, espera-se que as reflexões
suscitadas ao longo desta pesquisa, e após a sua conclusão,
possam colaborar na construção de práticas leitoras
no âmbito universitário que ajudem o licenciando a vivenciar
o ato de ler e a projetar o trabalho com a leitura para sua sala de aula
futura, favorecendo, assim, a aproximação de leitores e
textos em língua inglesa nos diferentes contextos educacionais.
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