|
O
SILENCIAMENTO NA CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS: UMA ANÁLISE
DE TEXTOS JORNALÍSTICOS DURANTE A SEGUNDA GUERRA MUNDIA
Carmem
Daniella Spínola da Hora Avelino - Universidade Federal do Rio
Grande do Norte
Adriano Lopes Gomes (orientador)
1. APRESENTAÇÃO
O trabalho
que ora apresentamos faz uma análise do papel da imprensa potiguar
durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e tem como objetivo analisar
a cobertura do conflito por um dos principais jornais impressos da cidade
do Natal (RN/Brasil) – “A República”, hoje sem
circulação, evidenciando o silenciamento como estratégia
discursiva no texto, em especial, no texto jornalístico. Neste
artigo, partiremos da análise de notícias publicadas no
jornal “A República”, que circulou entre 1889 a 1987
com algumas interrupções, durante a Segunda Guerra, evento
que marcou a cidade do Natal sob diversos aspectos.
Conchavos políticos e troca de favores determinaram a tomada de
posição do Brasil em relação à Guerra,
ao longo do desenrolar do conflito. Órgão estatal, “A
República” acabava por “dançar” numa ciranda
de sentidos, isto é, o enquadramento da cobertura noticiosa do
jornal seguia a determinação política do Governo
brasileiro face aos acordos engendrados pelas conveniências do então
Presidente da República, Getúlio Dorneles Vargas.
Desta feita, identificamos, a priori, no decorrer dos seis anos do conflito
mundial, três importantes e distintas formações discursivas
incorporadas pelo jornal em estudo, as quais caracterizam essas mudanças
no posicionamento do Brasil quanto à Guerra. São elas: o
discurso pró-germânico, quando da eclosão do conflito
na Europa, uma vez que Vargas acabara de instaurar no Brasil a ditadura
do Estado Novo, nos moldes do nazi-fascismo; o discurso da “neutralidade”,
caracterizado pela aproximação simultânea do Governo
brasileiro com Estados Unidos e Alemanha; e, o discurso pró-americano
ou anti-eixista, quando o Brasil rompe em definitivo com os países
formadores da chamada Tríplice Aliança/Eixo, Alemanha, Itália
e Japão, passando a integrar o bloco dos Aliados, liderado pelos
Estados Unidos.
Nesta análise, constituímos como corpus de estudo as notícias
publicadas pelo jornal “A República”, no período
de 1942 a 1943, uma vez que nesse recorte de tempo aconteceram os fatos
mais relevantes da participação de Natal na Segunda Guerra.
Entretanto, para efeito de compreensão do fenômeno analisado,
vamos nos deter nas ocorrências mais representativas da cobertura
noticiosa do rompimento político do Brasil com os países
do Eixo, que culminou com a entrada oficial do país no bloco dos
Aliados, fato ocorrido em 1942.
No sentido de atender ao objetivo proposto para a realização
deste trabalho, caracterizamos nossa pesquisa como qualitativa. Para tanto,
nossa amostra de coleta será baseada em documentação
histórica, constituída por textos noticiosos do jornal “A
República”, por ter sido este o principal jornal natalense
no período da Segunda Guerra Mundial.
Temos a intenção de desvendar o cenário em que eram
produzidas essas notícias: as rotinas de produção
desse noticiário, o discurso em que se apoiavam os textos noticiosos
e suas implicações na interpretação crítica
da realidade pelo leitor do jornal, que daí decorre, trazendo à
tona uma reflexão: sendo o jornal uma fonte documental, que história
é essa, parcial e ideológica, que está sendo contada
às gerações posteriores ao conflito mundial?
Partimos de três questões de pesquisa: a cobertura da Segunda
Guerra pelo jornal “A República” tinha como objetivo
a manutenção do discurso dominante do Estado. As notícias
publicadas pelo jornal representavam a parcialidade do discurso jornalístico;
e, sendo imprensa oficial “A República” adotou o silenciamento
como prática discursiva, cujas implicações recaiam
sobre o modo de agir e pensar da sociedade, à época, influenciando
o leitor na construção da própria realidade.
Dessa forma, intitulamos este artigo “O silenciamento no texto jornalístico
e a construção social da realidade”, uma vez que,
segundo Orlandi (1995), como estratégia discursiva, o silenciamento
diz, significa; portanto, ainda que imaterializado no texto, produz sentidos,
promove discursos, ratifica ideologias.
Ao traçar esse paralelo, partimos do pressuposto de que à
atividade jornalística delega-se a competência de atribuir
sentidos aos acontecimentos. Partindo do conceito mais amplo de silenciamento,
abordaremos de que forma essa estratégia lingüística
se apresenta no texto jornalístico e que implicações
acarreta para a sociedade.
2. SOBRE
SILENCIAMENTO: “A REPÚBLICA” NA CIRANDA DOS SENTIDOS
Desde a criação
do Departamento de Imprensa e Propaganda – DIP –, por decreto
do presidente Getúlio Vargas, em 1939, o Estado assumiu como tarefa
o controle sistemático dos meios de comunicação social
disponíveis. Propaganda e censura eram vistas como armas de que
o Estado Novo dispunha para manter a unidade ideológica da nação.
Inicialmente, o governo determinava que a imprensa e o rádio permanecessem
neutros ao divulgar notícias sobre a guerra. Tendo um novo posicionamento
internacional, o Brasil passa a permitir, cada vez mais, a influência
dos Estados Unidos sobre os meios de comunicação do país.
Assim, é deflagrada uma propaganda sistemática contra a
ideologia e os países do Eixo e os veículos de comunicação
brasileiros passam a ser “abastecidos” com propaganda norte-americana.
Tem início a disseminação do american way of life.
Em 1939, havia em Natal três jornais: “O Diário”,
criado por jovens jornalistas em função da guerra; “A
Ordem”, da imprensa católica; e, “A República”
(CASCUDO, 1980). Fundado por Pedro Velho de Albuquerque Maranhão,
o jornal “A República”, porta-voz das idéias
republicanas no Estado, circulou pela primeira vez em 1° de julho
de 1889. Meses depois, com a proclamação da República
e aclamação de Pedro Velho governador provisório
do Estado, “A República” tornou-se veiculador dos atos
oficiais do governo. Nascia, assim, a imprensa oficial no Rio Grande do
Norte (FERNANDES, 1998:79). Apenas em 28 de janeiro de 1928, o governador
Juvenal Lamartine de Faria criaria a “Imprensa Oficial do RN”,
instituindo “A República” como órgão
oficial do Estado.
No ano de 1941 o jornal passou à direção do recém-criado
Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda - DEIP, dirigido por Edílson
Cid Varela. Diário matutino, o jornal, nesse período, tinha
duas colunas fixas sobre o conflito mundial: “Noticiário
da Guerra”, com notícias de agências de Nova Iorque,
Moscou e Londres; e, “Notícias de Última Hora”,
vindas da Agência Nacional, do Rio de Janeiro, então capital
do país. Nessa época, o jornal encartava o “Diário
Oficial do Estado”, com editais e informes dos órgãos
públicos e ações do Interventor Federal.
O noticiário da guerra vinha sempre em destaque na primeira e última
páginas do jornal, mas quando intensificou-se a participação
do Brasil e, por extensão, de Natal, no conflito, mais espaço
foi dado às informações referentes ao tema, fossem
elas matérias ou pequenas notas, oriundas de agências noticiosas
nacionais e do exterior ou produzidas em Natal; artigos, assinados ou
não; avisos sobre os exercícios de guerra na cidade, campanhas
nacionalistas de apelo ao patriotismo, entre outros temas.
O jornal, nesse período da cobertura do conflito, centrava seu
noticiário em três vertentes: a propagação
do ufanismo exacerbado, enaltecendo a figura do presidente Getúlio
Vargas como grande defensor da nação; a tomada de posição
favorável aos países que compunham o bloco dos Aliados,
liderados pelos Estados Unidos; e, a difusão do ódio aos
países formadores do Eixo.
Nos textos analisados mais à frente, percebe-se a parcialidade
do jornal no trato das notícias sobre a Guerra, a partir da produção
de um discurso voltado unicamente para a manutenção de um
status quo.
Através do que foi dito é sempre possível se chegar
ao não dito, que muitas vezes apresenta-se de forma velada no discurso.
Segundo Orlandi (1993:63), com ou sem palavras, o silêncio determina
os processos de significação, trabalhando os limites das
formações discursivas e determinando os limites do não-dizer.
Dentre as formas descritas pela autora pelas quais esse silêncio
se apresenta está o silenciamento ou “a política do
silêncio”, uma linha tênue entre o que se diz e o que
não se diz, ou melhor se diz “x” para não se
dizer “y” (Ibid.:76). A autora explica que esse “não-dizer”
está ligado à determinação histórica
e à ideologia. Essas diferentes formas do silêncio se movem
nos processos de construção de sentidos e, quando chegamos
ao campo político, encontramos um aspecto que é o da relação
entre verdade e falsidade na linguagem (Ibid.:98). Os mecanismos ideológicos
produzem efeitos no campo do imaginário e acabam por gerar uma
ilusão de unidade, de discurso consensual.
“(...)
estando os sujeitos condenados a significar, a interpretação
é sempre regida por condições de produção
específicas que, no entanto, aparecem como universais e eternas,
daí resultando a impressão do sentido único e verdadeiro”.
(Ibid.:100).
Observamos
isso claramente quando nos deparamos com a cobertura jornalística
do periódico “A República”. No caso do trato
das notícias referentes à Segunda Guerra, vê-se uma
cobertura desigual do conflito, que deu relevância às fontes
e notícias que apoiavam a operação militar defendida
pelos Aliados e silenciou as vozes da oposição, as vozes
alternativas (TRAQUINA, 2003: 147).
Traquina (2000), ao analisar a cobertura da Guerra do Golfo (1990-1991),
afirma que essas estratégias de silenciamento deram ao Estado uma
oportunidade para definir a crise nos seus próprios termos e (garantiu)
que poucas mensagens dissonantes pudessem intervir para minar o enquadramento
jornalístico resultante (Ibid.:104). Não foi diferente a
manipulação do noticiário da Segunda Guerra.
O enquadramento da mídia é constituído por elementos
utilizados nas rotinas produtivas da empresa jornalística para
organizar seu discurso (GITLIN apud PORTO, 1998). São esses elementos
que irão determinar a interpretação do relato jornalístico.
No entanto, o enquadramento (seja ele gerado pelo jornalista ou pela fonte)
não organiza o discurso apenas para os jornalistas, também
tem influência na construção de sentidos do público,
na percepção que este terá da realidade. São
essas estratégias de silenciamento, carregadas de sentidos ideológicos,
que identificamos.
Como poderemos notar nas análises que se seguem, as notícias
publicadas pelo jornal “A República” têm uma
dependência na ação ideológica, ou seja, as
notícias são originadas por forças de interesse que
dão coesão aos grupos, seja esse interesse consciente e
assumido ou não, segundo afirma Sousa (1999).
Para efeito de contextualização deste trabalho, serão
analisadas algumas notícias publicadas em dias anteriores e/ou
posteriores à data em que se deram os acontecimentos situados no
recorte temporal exposto anteriormente, configurando, assim, os mecanismos
de agendamento das rotinas sociais e políticas instauradas pelo
jornalismo potiguar. No que diz respeito aos aspectos metodológicos,
vamos nos deter no conteúdo noticioso do jornal e nos apropriar
de alguns elementos da análise do discurso. Para tanto, destacaremos
a ocorrência mais significativa do episódio em estudo, relativo
à tomada de posição do Brasil ao lado dos Aliados
-, seguida de uma análise geral.
2.1. ANÁLISE
DO EPISÓDIO
As ocorrências
desse episódio correspondem ao período de 06 de janeiro
a 1º de fevereiro de 1942, sendo analisadas, ao todo, 22 matérias.
A seguir, apresentamos as análises de algumas dessas ocorrências.
Na edição do dia 15 de janeiro de 1942 – página
1, observamos a seguinte manchete: “Todas as emissoras nacionais
retransmitirão, hoje, às 17,30 (sic), o discurso que o presidente
Getúlio Vargas proferirá na abertura da Terceira Reunião
dos Chanceleres Americanos”. Essa notícia abordou, como ocorrência,
os preparativos para abertura da Conferência dos Chanceleres, no
Rio de Janeiro.
Ao analisarmos esse episódio, podemos observar que “A República”
começou a noticiar os preparativos para a Conferência na
edição do dia 6 de janeiro. A grande maioria delas era transmitida
pela Agência Nacional e chegava à redação do
jornal natalense via serviço telegráfico, o que obrigava
sua divulgação com um ou dois dias de atraso, uma “notícia
quente” para a época. Nessa edição, em especial,
por ser o dia da abertura do evento, o jornal publicou pequenas matérias
que apareciam como uma espécie de retranca da matéria principal.
Eram elas: “Grande manifestação das classes trabalhadoras”,
“Impressões de um jornalista americano”, “A declaração
de guerra apoiada por 19 países”, “Despesas com a Conferência”,
“Declarações do Sr. Garibaldi Dantas, da Agência
Nacional”, “Importantes declarações do chanceler
uruguaio”.
A partir da cobertura desse episódio, crucial para a entrada do
Brasil na Segunda Guerra, podemos observar que os textos das matérias
apresentam-se altamente subjetivos, assemelhando-se a editoriais, no que
concerne à tomada explícita de posição sobre
um determinado acontecimento. A questão da subjetividade, do ponto
de vista de um discurso ideológico, permeia todo o noticiário
analisado.
Idealizadas pelos Estados Unidos, com o intuito de promover a unidade
da América, as conferências pan-americanas chegariam ao seu
ápice com a realização da Reunião na capital
brasileira. Vargas, até então, mantinha uma posição
de neutralidade, mas deixava transparecer, em certas ocasiões,
sua simpatia pelas potências do Eixo – Alemanha, Itália
e Japão. Ao mesmo tempo, sabia o quanto valia, política
e economicamente, o seu apoio incondicional aos Estados Unidos. A reunião
no Rio fez com que o mundo voltasse os olhos para o Brasil, esperando
o momento em que o país, considerado fundamental para a defesa
do continente, declarasse o rompimento de suas relações
com o Eixo.
O governo brasileiro romperia com o Eixo mais pelas questões de
ordem política e econômica referentes às suas relações
com os Estados Unidos do que por “diferenças” com as
potências eixistas, apesar de sentir-se indiretamente “ferido”
pelo ataque japonês a Pearl Harbor, em dezembro de 1941. Isso fica
claro pelas longas negociações feitas entre o Brasil e os
Estados Unidos, até que aquele saísse de seu estado de neutralidade.
Mas, esses pormenores em torno da tomada de posição do governo
brasileiro não eram noticiados pela imprensa. As notícias
relacionadas aos acontecimentos decorrentes da Conferência do Rio
eram focadas na figura de Getúlio Vargas como um americano solidário
e preocupado com a defesa do continente e, portanto, merecedor de elogios;
e, nos Estados Unidos, como nação ferida e com carta branca
para retaliação.
Esse é o caso da matéria “Considerações
sobre a posição do Brasil”, produzida no dia 16 de
janeiro de 1942, antes do esperado discurso de Vargas, a partir de uma
entrevista do ministro das Relações Exteriores, Oswaldo
Aranha. A referida matéria procura antecipar a fala do presidente,
já denotando o forte apelo ao nacionalismo continental, como também
à repulsa aos eixistas. Vê-se o discurso ideológico
do Estado, assumido abertamente pelo jornal. É interessante observar,
ainda, como o jornal se coloca e coloca o governo, mais precisamente o
presidente Vargas, numa posição de “defensores dos
anseios da nação”.
“(...)
É este o pensamento brasileiro em face da conferência. É
esse o pensamento que o presidente Getúlio Vargas mais uma vez
acentuará no discurso que hoje será feito, com seu claro
estilo oratório que sempre define com serenidade e prudência
os anseios e as necessidades do Brasil”.
Nessa mesma
matéria, o jornal apresenta o texto integral do discurso de Vargas,
proferido na abertura da Reunião dos Chanceleres. Esse discurso
vai nortear, a partir desse momento, a posição das autoridades
constituídas e as instituições estatais, incluindo
a imprensa, em relação a acontecimentos que se seguirão.
A Conferência foi encerrada no dia 27 de janeiro, mas até
o início do mês de fevereiro, ainda eram publicadas notícias
acerca da repercussão dos discursos de Vargas (na abertura da Reunião
e na Associação Brasileira de Imprensa – ABI) e do
ministro Oswaldo Aranha (quando do rompimento do Brasil com o Eixo e no
encerramento da Conferência).
2.2. ANÁLISE
GERAL
No período
da Segunda Guerra, o país vivia sob a égide do Estado Novo.
A imprensa estava sujeita ao controle direto do governo, através
do DIP e, no caso de Natal, do DEIP, organismos de censura que decidiam
o que deveria ou não ser publicado. É o que Sousa (1999)
chama de monopolização da “verdade” pelo poder
estatal.
Sobre essa ação ideológica do Estado, Chauí
(2001) coloca:
“O
Estado aparece como a realização do interesse geral (por
isso Hegel dizia que o Estado era a universalidade da vida social), mas,
na realidade, ele é a forma pela qual os interesses da parte mais
forte e poderosa da sociedade (a classe dos proprietários) ganham
a aparência de interesses de toda sociedade”. (CHAUÍ,
2001: 65)
Para Orlandi
(1996), é através desses mecanismos de falso consenso, ideológicos
portanto, que são constituídos sentidos aos quais nos filiamos.
O discurso é a palavra em movimento, prática da linguagem,
de acordo com Orlandi (op. cit.). Para a autora, o discurso não
é a fala em si, mas a materialização da relação
entre a ideologia e a lingüística. Ao pensarmos no tema deste
artigo, percebemos que o discurso jornalístico é mais complexo,
principalmente se o observamos do ponto de vista da linguagem, uma vez
que apresenta formas discursivas imaterializadas, mas que carregam as
marcas ideológicas construídas a partir das rotinas produtivas
de cada veículo de comunicação.
O fato de ser um órgão oficial e pela sua distância
das fontes geradoras das notícias fazia com que “A República”
fosse dependente da Agência Nacional – a fonte institucionalizada
de notícias da época. Para Sousa (Ibid.) as organizações
noticiosas – no caso deste trabalho, o DIP, através da Agência
Nacional –, diante dos fatos imprevisíveis, tendem a impor
alguma ordem ao tempo, caracterizada pelo serviço de agendamento
– agenda-settting . Dessa forma, determinam o que deve ser noticiado,
quando e como, ou seja, agendam os assuntos aos quais o público,
neste caso, o leitor, deve ter acesso.
Controlada pelo DIP, a Agência Nacional selecionava, filtrava as
notícias que deveriam ou não ser veiculadas, tudo isso baseada
nos seus sistemas informativos, as rotinas organizadas na coleta de informações
que revelam o tipo de acontecimento no qual determinado veículo
de comunicação concentra os temas do seu noticiário.
No caso do nosso trabalho, a temática em evidência era a
Segunda Guerra: seus personagens, suas causas e conseqüências
sobre o cenário sócio-político mundial.
No que se refere à utilização das fontes, constatamos
que o fato de serem utilizadas quase sempre fontes “oficiais”,
a manipulação das notícias era muito maior. Esse
espaço jornalístico, no entanto, era restrito a uns poucos
protagonistas, como o presidente da República e seus ministros.
No caso do jornal “A República”, as fontes oficiais
eram usadas para validar, autenticar, as notícias publicadas em
detrimento de quem as produzia.
Os media têm um papel determinante no que se refere a dizer aos
seus próprios leitores sobre o que pensar. O mundo parece diferente
a pessoas diferentes, dependendo do mapa que lhes é desenhado pelos
redatores, editores e diretores do jornal que lêem (TRAQUINA, 2000:17).
A imprensa teria, assim, o poder de interferir na atribuição
de sentidos da realidade do seu leitor. Orlandi (1993:105) aponta a utilização
dessa forma de silêncio não como uma maneira de calar o interlocutor,
mas de impedi-lo de sustentar outro discurso. Como já foi dito
anteriormente: fala-se para não (deixar) dizer (Ibid.: 77).
Essa relação entre os meios de comunicação
e a opinião pública foi tratada pela socióloga alemã
Elisabeth Noelle-Neumann, que propôs, em 1973, a teoria da espiral
do silêncio. De acordo com Sousa (1999), Noelle-Neumann aponta que
os meios de comunicação tendem a consagrar mais espaço
às opiniões dominantes, reforçando-as, consensualizando-as
e contribuindo para “calar” as minorias pelo isolamento (Ibid.).
Na verdade, os veículos de comunicação fazem com
que essas opiniões pareçam dominantes ou até consensuais
quando de facto não o são (Ibid.).
É válido ressaltar que a grande maioria do público,
quando confrontada com a notícia, não atenta para fatores
como a relação entre jornalistas e os acontecimentos e as
pessoas nestes envolvidas, a seleção e hierarquização
dos elementos expostos nos enunciados jornalísticos, como também
na escolha de termos nos discursos jornalísticos que pressupõem,
por si só, a existência de critérios e juízos
de valor.
Utilizando essas estratégias, “A República”
acabava por transmitir ao seu público uma realidade fragmentada,
sustentada por um senão de elementos não-verbais, cujas
marcas passariam despercebidas até pelo leitor mais atento, uma
vez que subjazem ao texto. A produção noticiosa do periódico
contribuiu, assim, para direcionar a construção da realidade
pelo público perante o cenário social, político e
cultural da época.
3. CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Em 1939,
quando a eclodiu a Segunda Guerra na Europa, o Brasil recebia as notícias
do conflito com indiferença. Vivendo sob o regime do Estado Novo,
instituído no país por Vargas dois anos antes, a população
brasileira estava cerceada em sua liberdade pessoal e seus direitos (FALCÃO,
1999: 16).
Os órgãos de imprensa estavam sob o domínio total
do Estado, controle exercido legalmente pelo DIP, através do decreto
1.949 . O DIP possuía, ainda, outros mecanismos de pressão,
como a concessão de isenções fiscais, favores e subvenção
aos jornais. O fornecimento de papel, por exemplo, estava estreitamente
relacionado a esse tipo de manipulação, uma vez que a maior
parte do material era importada pelo governo, que vendia o produto aos
jornais com preço subvencionado. O corte da subvenção
era uma das ferramentas de pressão usadas contra os veículos
que não se adequavam ao comando do DIP.
No auge da Segunda Guerra, em 1942, quando o Brasil rompe relações
com o Eixo, e, meses depois, Natal se torna uma das principais bases militares
norte-americanas, o jornal natalense “A República”
caracterizou-se como um porta-voz das forças aliadas. Seu discurso
propagava o ufanismo exacerbado, o apoio aos Estados Unidos e a repulsa
à Tríplice Aliança – o Eixo – formada
por Alemanha, Itália e Japão. O jornal tinha como princípio
norteador a legitimação do poder simbólico exercido
pelo Estado e sua cobertura informativa se caracterizava pela “cobertura”
dos interesses dos poderes instituídos.
O espaço público jornalístico era essencialmente
ocupado por um seleto grupo de protagonistas - as autoridades civis e
militares da época. As notícias tinham sempre o caráter
de comunicado oficial e raramente os jornalistas locais produziam grandes
reportagens ou entrevistas com essas personagens, instaladas ou de passagem
pela cidade. Ainda menos – ou nunca – se via a presença
de vozes alternativas (cidadãos comuns, por exemplo) no noticiário.
Em relação aos fatos ocorridos em Natal, podemos destacar
o célebre encontro entre os presidentes Vargas e Roosevelt, em
1943, quando o jornal esperou dois dias até que fosse publicada
uma matéria sobre o evento, produzida pela Agência Nacional.
Centrado nessas fontes representantes do poder vigente e aceitando as
interpretações “oficiais” dos acontecimentos,
o jornal acabava por servir a uma hegemonia que não necessitava
recorrer à coerção, no sentido do exercício
de sua autoridade, uma vez que as próprias notícias tinham
as marcas dessa hegemonia.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CASCUDO,
Luís da Câmara. História da Cidade do Natal. 2. ed.
Brasília, Instituto Nacional do Livro/MEC; Natal, UFRN; Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1980.
CHAUÍ, Marilena de Souza. O que é ideologia. 2. ed. rev.
e ampl. São Paulo: Brasiliense, 2001. Coleção Primeiros
Passos, v.13.
FALCÃO, João. O Brasil e a segunda guerra mundial: testemunho
e depoimento de um soldado convocado. Brasília: UnB, 1999.
FERNANDES, Luiz. A imprensa periódica no Rio Grande do Norte de
1832 a 1908. 2. ed. Natal, Fundação José Augusto:
Sebo Vermelho, 1998.
GANS, H J. Deciding What's News: A Study of CBS Evening News, NBC Nightly
News, Newsweek and Time. New York, Vintage Books, 1980 apud WOLF, Mauro.
Teorias da Comunicação. 5. ed. Trad. Maria Jorge Vilar de
Figueiredo. Lisboa: Presença, 1999.
LIMA, Diógenes da Cunha. Natal: biografia de uma cidade. Rio de
Janeiro: Lidador, 1999.
McCOMBS, Maxwell e SHAW, Donald. The agenda-setting function of mass media.
Public Opinion Quarterly, v. 36, 1972. apud WOLF, Mauro. Teorias da Comunicação.
5. ed. Trad. Maria Jorge Vilar de Figueiredo.
Lisboa, Editorial Presença, 1999.
ORLANDI, Eni Puccinelli. As formas do silêncio: no movimento dos
sentidos. 2. ed. In: Coleção Repertórios. Campinas,
SP: Editora da UNICAMP, 1993.
____________________. A Linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso.
4. ed. Campinas, SP: Pontes, 1996.
____________________. Discurso e Leitura. São Paulo: Cortez Editora-Unicamp,
1988.
PINTO, Lenine. Natal, USA. Natal: Editora RN Econômico, 1995.
____________. Os Americanos em Natal. 2. ed. Natal: Sebo Vermelho, 2000.
RIBEIRO, Ana Paula Goulart. Clientelismo, corrupção e publicidade:
como sobreviviam as empresas jornalísticas do RJ nos anos 50. In:
BARBOSA, Marialva (org.). Estudos de Jornalismo (I). Edições
do Mestrado em Comunicação, Imagem e Informação
da UFF. Campo Grande, INTERCOM, 2001.
SCHUDSON, Michael. The menu of media research. Beverly Hills, Sage: 1986
apud WOLF, Mauro. Teorias da Comunicação. 5. ed. Trad. Maria
Jorge Vilar de Figueiredo. Lisboa: Presença, 1999.
SOUSA, Jorge Pedro. As notícias e os seus efeitos: as “teorias”
do jornalismo e dos efeitos sociais dos media jornalísticos. Lisboa:
Universidade Fernando Pessoa, 1999.
TRAQUINA, Nelson (org.). O poder do jornalismo: análise e textos
da teoria do agendamento. 1. ed. Coimbra: Livraria Minerva Editora, 2000.
______________________. O estudo do jornalismo no século XX. São
Leopoldo: Unisinos, 2003.
WOLF, Mauro. Teorias das comunicações de massa. Trad. Karina
Jannini. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
Jornais
A ORDEM. Edição de 29 de janeiro de 1943. Exemplar pertencente
ao Instituto Histórico e Geográfico do RN. 1º semestre
de 1943.
A REPÚBLICA. Coleção pertencente ao Instituto Histórico
e Geográfico do RN. 1º e 2º semestres de 1942 e 1º
semestre de 1943.
|
|