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FRAGILIDADES
E DESCOMPASSOS DO PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO
PROJETO CLASSES DE ACELERAÇÃO
Norinês
Panicacci Bahia – UMESP/Universidade Metodista de São Paulo
Introdução
Este trabalho1 procura evidenciar os resultados da implantação
do Projeto Classes de Aceleração (1996-1999) na rede pública
de ensino paulista – com o objetivo de recuperar a defasagem idade-série
a que estavam submetidos os alunos multirrepetentes do CB à 4ª
série – centrando a discussão nos indicadores de preparo
dos professores que atuaram nestas classes, bem como dos professores de
5ªs às 8ªs séries, no recebimento dos alunos egressos
deste projeto.
O que se observou com a implantação das Classes de Aceleração,
é que foram organizadas ações pontuais de acompanhamento,
em termos de sua adequação às necessidades dos professores
e alunos, porém pouco se fez em relação ao acompanhamento
destas ações e seus desdobramentos na escola, porque a capacitação
ocorreu fora dela e, como efetivamente não foram organizadas ações
descentralizadas de capacitação na escola, as discussões
e reflexões sobre a prática cotidiana continuaram do lado
de fora.
A qualidade do ensino depende da existência de uma organização
escolar eficiente, que desenvolva um projeto pedagógico articulado
por meio da mobilização e compromisso dos diretores, coordenadores,
professores e comunidade, tornando a escola um local de articulação
profissional. Se não houver uma articulação também
das ações desenvolvidas na escola e um acompanhamento efetivo
dos alunos provenientes de projetos pontuais – como exemplo, as
Classes de Aceleração – resultados positivos serão
pouco observados, tendo em vista a descontinuidade do acompanhamento e
o pouco preparo dos profissionais que recebem esses alunos, pela própria
desorganização interna da escola.
Outra questão que merece ser observada é que não
estamos mais discutindo exclusão escolar como um fenômeno
perverso, observado por muitos anos, quando se referia à desistência
dos alunos do sistema escolar, após sucessivas reprovações
e que gerava os altíssimos índices de evasão escolar.
Da mesma forma, não discutimos mais exclusão escolar pela
questão do não-acesso à escola, porque não
há mais falta de vagas. A discussão, agora, acerca da exclusão
refere-se muito mais à situação de exclusão
na escola (conf. Ferraro, 1999) e, a esta, acrescento mais um desdobramento,
ou conseqüência, que seria a reclusão dos excluídos,
ou seja, aquela parcela de alunos que continua na escola, mas efetivamente
não pertence a ela.
Se por muitos anos assistimos à imensa evasão dos alunos
de nossas escolas, hoje, a parcela dos alunos marcada pelo fracasso permanece
nela. A situação destes, que permanecem na escola, mas não
aprendem – a exclusão na escola – nos parece igual
à situação em que os alunos a abandonavam –
a exclusão da escola – do ponto de vista da negação
de direitos, porque, permanecer e continuar excluído dos saberes
e dos conhecimentos demonstra inadequação e incompetência
de um sistema de ensino.
O Projeto
Classes de Aceleração (1996-1999)
Em 1996, a Secretaria da Educação do Estado de São
Paulo implantou na rede de ensino o Projeto Reorganização
da Trajetória Escolar – Classes de Aceleração
– com a intenção de recuperar o percurso escolar dos
alunos em situação de defasagem idade-série, especialmente
os multirrepetentes do Ciclo Básico (1ªs e 2ªs séries)
à 4ª série do Ensino Fundamental (atual 1º Ciclo).
O agrupamento de alunos, para compor as Classes de Aceleração,
seguia critérios de defasagem idade/série, ou seja, as Classes
de Aceleração I eram formadas por alunos que estivessem
com 10 anos de idade, ou mais, e que ainda estavam cursando o Ciclo Básico
(1ªs e 2ªs séries do Ensino Fundamental) e, as Classes
de Aceleração II, eram formadas por alunos das 3ªs
e/ou 4ªs séries que estivessem com 11 anos de idade, ou mais.
Estes alunos, após um ano freqüentando as Classes de Aceleração,
dependendo do desempenho apresentado, seriam encaminhados para as séries
regulares do Ensino Fundamental, ou seja, os alunos das Classes de Aceleração
I poderiam ser encaminhados para a 4ª, ou 5ª série, ou
Classe de Aceleração II e, os alunos das Classes de Aceleração
II, encaminhados para a 5ª série.
A idéia de aceleração da aprendizagem, ou correção
do fluxo idade-série, nos parece completamente equivocada a partir
dos próprios critérios de encaminhamentos dos alunos. Como
podemos observar, os alunos com 12 anos de idade, que estivessem numa
4ª série em 1995, seriam colocados em Classes de Aceleração
II em 1996 e, no final deste ano, encaminhados para a 5ª série.
Logo, não só não “avançariam”
como ficariam mais um ano numa classe de aceleração, em
1996, fora do sistema regular de ensino, que os devolveria, em 1997, para
uma série subseqüente que normalmente seria encaminhado, se
não fosse reprovado – a 5ª série.
A implantação deste Projeto contou com um programa de capacitação,
com duração de 120 horas anuais, para os professores e coordenadores
destas classes, bem como para os responsáveis pelo acompanhamento
do mesmo nas Delegacias de Ensino de todo o Estado, no caso, supervisores
de ensino e assistentes técnico-pedagógicos.
Os poucos estudos realizados sobre o desempenho dos alunos egressos, quando
retornam às séries regulares, referem-se ao ano subseqüente
àquele que estes alunos freqüentaram as Classes de Aceleração.
Não há estudos que tenham analisado e acompanhado o desempenho
destes após 3 ou 4 anos do Projeto.
O estudo de caso
A opção por um estudo de caso ocorreu pela possibilidade
de realizar, através desta metodologia, uma observação
detalhada do que pretendíamos acompanhar: a trajetória de
alunos, no período de 1999 a 2001, em uma escola da rede pública
de ensino fundamental, participante do Projeto Classes de Aceleração
e a reinserção destes alunos no ensino regular, organizado
por ciclos, em que prevalece um modelo de avaliação de Progressão
Continuada. Além disto, possibilitou também, uma aproximação
com os professores e com a coordenação para a realização
de uma investigação acerca da preparação dos
profissionais da escola e dos procedimentos de apoio e de acompanhamento
da implantação do projeto, por meio da realização
de observações em salas de aulas e da realização
de entrevistas com os sujeitos envolvidos.
Foi selecionada uma escola estadual, da periferia do Município
de Diadema, por possuir altos índices de retenção
e evasão de alunos. A escola localiza-se no Bairro de Vila Paulina
e o nível de ensino oferecido é o fundamental, organizado
em 2 ciclos: 1º ciclo – 1ª a 4ª séries e 2º
ciclo – 5ª a 8ª séries. Em 1999, atendia aproximadamente
1.222 alunos (572 alunos no 1º ciclo e 650 alunos no 2º ciclo)
e contava com 32 professores, a maioria, 29 professores, eram ACTs e apenas
3, efetivos.
Esta escola participou do Projeto Classes de Aceleração
(CA) de 1996 até 1999, com uma classe de aceleração
em 1996 e, a partir de 1997, com duas turmas por ano (uma em cada período
- manhã e tarde).
Sobre os professores
A maior dificuldade encontrada na pesquisa foi conseguir mobilizar e sensibilizar
os professores para participarem da mesma, ou seja, que respondessem,
num primeiro momento, um questionário com dados pessoais, de formação,
de atualização profissional e de atuação na
escola. Em outro momento, foram realizadas entrevistas com os professores
das Classes de Aceleração, com a coordenação,
com os professores das 5ªs às 8ªs séries e com
alguns alunos, além de observações em salas de aulas.
Em síntese, a análise de todo material coletado possibilitou
perceber que a escola apresenta algumas contradições, tanto
no que se refere às condições físicas e materiais,
quanto em relação às opiniões dos professores
sobre várias questões. Apesar da precariedade do prédio
escolar em termos das instalações, a quantidade de material
disponível para professores e alunos chegava a ser surpreendente.
Percebeu-se, também, pelo contato mantido com a coordenação
e com alguns professores, que havia efetivamente uma grande preocupação
em proporcionar aos professores, através das reuniões dos
HTPCs – Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo, todo
apoio necessário em relação às dificuldades
sentidas em sala de aula, porém, a participação dos
professores nestas reuniões, era mínima.
Em relação ao corpo docente, um dado que chamava a atenção
se referia ao número reduzido de professores efetivos e, discutindo
um pouco mais sobre isto, a coordenação alegava ser esta
uma característica da maioria das escolas localizadas em regiões
de muita pobreza, afastadas, de difícil acesso, como era o caso
daquela escola, provocando uma alta rotatividade de professores que gerava
pouco vínculo com os alunos e muitas faltas dos docentes e, isto
era sem dúvida, um elemento desestabilizador das relações
intra-escolares.
Percebemos grande divergência nas opiniões dos professores
sobre o desempenho dos alunos que participaram do projeto de aceleração
e que estavam no 2º ciclo (antigas 5ªs às 8ªs séries).
A maioria os desclassificou, considerando-os atrasados e sem condições
de freqüentarem este ciclo. As opiniões de alguns professores
sobre esse projeto tendem a ser positivas, apesar das opiniões
de outros serem contrárias. Para aqueles professores que conheciam
o projeto com mais profundidade (como os professores das classes de aceleração
e os professores do 1º ciclo – antigas 1ªs às 4ªs
séries), as opiniões foram mais favoráveis pela compreensão
dos fundamentos e, talvez, pela oportunidade que possuíam em acompanhar
mais de perto os progressos dos alunos. Para os professores do 2º
ciclo, as críticas eram mais contundentes, agressivas, tanto pela
desqualificação profissional dos professores do 1º
ciclo quanto pela forma como se referiam aos alunos egressos, considerando-os
mal preparados, semi-analfabetos etc.
Há opiniões de professores que apontam que o projeto Classes
de Aceleração, e também o Regime de Progressão
Continuada, são uma manipulação do governo em relação
aos dados estatísticos, e afirmam que os mesmos promovem a não
aprendizagem ou a não qualidade do ensino, mas há opiniões
positivas de outros que entendem que a proposta de avaliação
possibilita a valorização dos alunos, bem como um melhor
conhecimento sobre a própria prática.
Em relação às professoras das Classes de Aceleração,
segundo a coordenação da escola, a escolha destas levou
em conta o perfil das mesmas: paciência, disponibilidade, relacionamento
carinhoso com os alunos, experiência com salas de alfabetização.
As professoras só aceitaram trabalhar com a proposta porque tiveram
a certeza de que contariam com todo o apoio da direção e
coordenação.
Pelas entrevistas e observações realizadas em salas de aulas,
ficou evidente o compromisso e a paixão com que desenvolveram o
trabalho e, ainda, apontam para um amálgama de sentimentos: medo,
insegurança, otimismo, amor, confiança, esperança,
coragem e seriedade, porque acreditavam na capacidade dos alunos, tratando-os
de forma bastante carinhosa e acolhedora. A compreensão da dureza
da vida e das experiências negativas em relação à
escola, à família e à sociedade demonstram uma característica
do "ser professor", tão bem defendida por Freire (1997),
quando afirma que
(...) é preciso juntar à humildade com que a professora
atua e se relaciona com seus alunos, uma outra qualidade, a amorosidade,
sem a qual seu trabalho perde o significado. E amorosidade não
apenas aos alunos, mas ao próprio processo de ensinar. Devo confessar
que, sem nenhuma cavilação, não acredito que, sem
uma espécie de 'amor armado', como diria o poeta Tiago de Melo,
educadora e educador possam sobreviver às negatividades de seu
que-fazer. Às injustiças, ao descaso do poder público,
expresso na sem-vergonhice dos salários... (p.57).
A grande preocupação destas professoras era com os alunos
concluintes da aceleração e que passaram para o 2º
ciclo, especialmente em relação aos alunos que não
atingiram as competências necessárias. Sentiam insegurança,
também, em relação ao tratamento dado por alguns
professores do 2º ciclo, para estes alunos. Apontavam para a importância
desses professores compreenderem melhor essa proposta, para que fosse
garantida uma forma diferenciada de trabalho com alguns alunos, como que
em continuidade ao que havia sido feito por elas.
Em relação aos professores do 2º ciclo, alguns não
sentiam distinção entre os alunos que haviam participado
das Classes de Aceleração e os do 2º ciclo porque,
na avaliação deles, de um modo geral, o desempenho escolar
dos alunos não era considerado satisfatório, independentemente
da origem. Criticavam, também, alguns professores que trabalhavam
com as aulas de reforço, porque não tinham preparo e nem
muita experiência.
Outras colocações foram feitas sobre as dificuldades que
enfrentavam na escola, como por exemplo, a alta rotatividade entre os
professores – que provocava insegurança nos alunos e desarticulação
entre os conteúdos – e também pelo número excessivo
de aulas que acabavam assumindo, devido aos baixos salários, ocasionando
uma sobrecarga de trabalho que prejudicava, inclusive, a avaliação
que realizavam com os alunos, porque eram muitos alunos e não conseguiam
realizar nem um bom planejamento e organização de materiais
para as aulas, nem um sistema de avaliação com mais eficiência.
Alguns professores observaram que, o que faltava também, era um
trabalho coletivo mais intenso e articulado, com mais discussões
e estudos que buscassem alternativas para as dificuldades que enfrentavam.
A trajetória
dos alunos e os encaminhamentos
O acompanhamento do percurso dos alunos centrou-se nas duas Classes de
Aceleração II a partir de 1999 – último ano
do Projeto na escola – até o final do ano de 2001. O objetivo
do estudo foi o de analisar a movimentação destes alunos
em 3 anos, a partir da série de origem e os devidos encaminhamentos
que receberam, tanto a partir da avaliação do desempenho
nas Classes de Aceleração II (CAII), quanto em relação
à avaliação no 2º ciclo.
Para uma análise mais detalhada acerca da "correção
do fluxo idade/série" dos alunos das Classes de Aceleração
II – já que este foi o principal objetivo do Projeto –
foi necessário recuperar, de cada aluno, a idade e a série
de origem a partir da inclusão destes nestas classes. Os Quadros
1 e 2 (Anexos) apresentam o número de alunos de cada Classe de
Aceleração (manhã e tarde), a partir de 1999, com
a idade dos alunos neste ano; a série de procedência referente
ao ano de 1998; os encaminhamentos nos anos de 2000 e 2001 com as idades
dos alunos e as ocorrências do tipo "transferência",
"abandono", “retido por faltas”, “retido por
insuficiência na aprendizagem” e “reclassificado”.
Pela análise dos Quadros 1 e 2, dos 52 alunos matriculados em 1999,
somente 22 alunos (42,3%) continuavam na escola até o final de
2001, ou seja, 30 alunos (57,6%) saíram dela, ou em situação
de transferência (26 alunos – 50%) ou em situação
de abandono (4 alunos – 7,6%).
Analisando os dados sobre os encaminhamentos a partir das séries
de procedência (1998) dos alunos nas CA II em 1999 até o
final de 2001, os mesmos demonstram que, do ponto de vista da "correção
de fluxo idade/série", somente um aluno se beneficiou em relação
à série de origem (ver o aluno nº 7 no Quadro 1 de
Movimentação da CA II do Período da Manhã).
Para melhor demonstração, o Quadro 3 (Anexo) apresenta seis
diferentes situações da movimentação dos alunos
das duas classes de aceleração, de 1999 a 2001, considerando
inclusive a série de origem em 1998.
Como se pode observar, e revendo os Quadros 1 e 2 de movimentação
dos alunos, especialmente na coluna dos “Encaminhamentos de 2001
– Idade”, exceto no caso do aluno de nº 7 já citado,
nenhuma outra situação demonstra avanço, correção
ou progressão em relação à idade/série.
Pelo contrário, as situações 2 e 6 comprovam que
da série de origem à série correspondente ao ano
de 2001, os alunos cursaram 4 séries em 4 anos e, o pior, as situações
1, 3, 4 e 5 comprovam a “retenção” de alunos
e, as situações 1 e 3, demonstram casos de alunos que permaneceram
4 anos na mesma série.
As avaliações dos alunos nas 4ªs (1º ciclo), 6ªs
e 7ª séries (2º ciclo) em 2001
Com a intenção de analisarmos o desempenho dos alunos que
participaram do Projeto Classes de Aceleração em 1999 e
que, em 2001, ainda permaneciam na escola, foi necessário realizarmos
um levantamento para localizá-los nas diversas turmas. Os 22 alunos
localizados estavam assim distribuídos na escola, pelas classes
regulares, em 2001: 4 alunos no 1º ciclo (4ª série),
17 alunos no 2º ciclo (6ª série e 1 aluno na 7ª
série).
Os alunos receberam conceitos a cada bimestre, a partir do desempenho
que demonstraram nas disciplinas Língua Portuguesa, Matemática,
Ciências, História, Geografia, Educação Física,
Educação Artística e Inglês (exceto para os
alunos das 4ªs séries). Os conceitos eram definidos por: PS
– Plenamente Satisfatório; S – Satisfatório;
NS – Não Satisfatório.
A análise das avaliações da maioria dos alunos revelou
um desempenho insatisfatório durante o ano e, apesar disto, ao
final de 2001, todos os alunos – egressos das Classes de Aceleração
e das séries regulares – foram promovidos para as séries
subseqüentes.
De um modo geral, o desempenho dos alunos egressos das Classes de Aceleração
se equiparou ao desempenho dos alunos regulares e este fato confirma as
colocações feitas pelos professores, nas entrevistas, sobre
a não distinção destes em relação aos
demais, porque demonstraram o mesmo nível, e isto, por si só,
é bastante positivo. Porém, este nível de aprendizagem
não foi considerado, pela coordenadora e professores, o desejado
ou mesmo suficiente para alunos destas séries, porque observaram
que os alunos escrevem e lêem muito mal, falam muito errado, não
produzem textos com coerência e coesão e, muitos, não
interpretam adequadamente as informações de um texto escrito,
mesmo depois de participarem, com assiduidade, das aulas de reforço.
Ficamos com a sensação de que muitos continuam seus estudos,
e até concluem um nível de ensino, como que “por acaso”,
sem a garantia da aquisição de saberes e da construção
de conhecimentos e isto confirma a reclusão dos excluídos,
como um aprisionamento no sistema de ensino, que lhes nega o direito de
um ensino de qualidade. A escola não pode se responsabilizar ou
mesmo resolver, sozinha, o problema da exclusão dos indivíduos,
mas pelo menos pode dar conta de não ampliá-lo.
Considerações
finais
O que pudemos constatar com este estudo é que o contexto analisado
comporta algumas distinções: em primeiro lugar, há
professores mais envolvidos e comprometidos, do que outros, com a situação
de muitos alunos, marcados pelo fracasso escolar e procuram entendê-los
em suas dificuldades, são mais tolerantes em relação
aos comportamentos inadequados, demonstrando uma afetividade autêntica
que se manifesta, especialmente, na forma como se relacionam com os alunos
e expressam o prazer que sentem em fazer o que fazem – são
professores.
As avaliações positivas que estes professores realizaram
sobre alguns alunos que não foram bem avaliados por outros professores,
nos confundem e levantam questões importantes sobre os critérios
avaliativos: por que um professor difere tanto de outro em relação
à avaliação do desempenho dos alunos?
Em segundo lugar, muitos professores demonstraram muita descrença
na capacidade de alguns alunos (inclusive daqueles avaliados positivamente
por outros professores) e isto causava uma tensão na relação
entre os professores, que muitas vezes não reconheciam o trabalho
desenvolvido – alguns acusavam seus pares da pouca seriedade dos
critérios de avaliação adotados, e se justificavam
apontando, por exemplo, casos de alunos semi-analfabetos que chegavam
às 6ªs ou 7ªs séries, e isto provocava uma relação
pouco interessante destes com a coordenação, com a direção
e com outros professores – porque insatisfeitos, descrentes, desestimulados.
Mas, não abandonavam a profissão, continuavam ocupando um
espaço que às vezes não se preenchia. Muitos, por
conta destes sentimentos, adotavam uma postura de indiferença:
chegavam na escola e davam suas aulas de qualquer jeito, avaliavam os
alunos de qualquer forma, não se envolviam com as discussões
postas nas reuniões de professores com a coordenação
e, muitas vezes, nem participavam delas – porque não tem
jeito mesmo... os alunos vão passar de ano de qualquer maneira...
cansei de conversar com os alunos e os pais... já tentei de tudo...
não dá pra consertar agora coisas que deveriam ter sido
corrigidas quando os alunos estavam na 1ª série... ninguém
quer nada com nada... – e acabavam por contribuir com a manutenção
de uma situação nada interessante para os alunos, que continuarão
excluídos dos saberes e conhecimentos, que não serão
absorvidos pelo mercado de trabalho, que não encontrarão
reconhecimento de seus familiares sobre seus progressos escolares.
Estas considerações, que nos intrigam, apontam para um descompasso
no interior da escola, que se refere à inquietude dos professores,
especialmente em relação ao regime de progressão
continuada – que os obrigou a reverem suas opiniões e posições
frente à reprovação escolar. Parece-nos que estão
convencidos de que reprovar um aluno não garante a aprendizagem,
porque vivenciaram esta situação e puderam constatar que
alunos que são reprovados, sucessivamente, não aprendem
satisfatoriamente, da mesma forma que não estão aprendendo,
também, quando passam para uma série subseqüente –
o que provoca, em muitos professores a indignação de assistirem
aos alunos chegando ao final das séries do ensino fundamental sem
saberem quase nada.
Percebemos, assim, o quanto é necessário que a escola promova
discussões intensas sobre a avaliação, porque nos
parece ser esta a grande vilã, ou heroína, desta história
– há que lutarmos por um processo avaliativo não punitivo,
não excludente, e que marcava profundamente o destino de milhares
de alunos de nossas escolas.
O risco de não se compreender a relação intrínseca
entre ensino e avaliação pode estar gerando aquilo que pudemos
observar na escola estudada: os professores estão “obedecendo”
às novas orientações sobre a promoção
dos alunos para as séries subseqüentes – alguns acreditando
ser bom para a auto-estima dos alunos, outros criticando a medida e indignados
com o nível de aprendizagem dos mesmos – mas, não
observamos alterações significativas em relação
à aprendizagem dos alunos, que é considerada insatisfatória.
A implantação das duas ações propostas pela
SE – as Classes de Aceleração e o Regime de Progressão
Continuada – apresentam, nas suas intenções, o objetivo
de combater a defasagem idade-série e o fracasso escolar. Porém,
o que pudemos constatar, na escola que acompanhamos, foi que estas ações
não combateram nem uma, nem outra coisa e, o que é pior,
a quase inexistência de ações de acompanhamento e
avaliação destas propostas, por parte dos órgãos
centrais, deixou a escola à deriva.
Pudemos sentir a angústia da coordenação e de alguns
professores que não sabem mais o que fazer, especialmente em relação
aos alunos que não conseguem aprender e que vão seguindo
pelas séries do ensino fundamental.
Alguns professores, especialmente os das Classes de Aceleração,
conseguem enxergar algo de positivo nisto tudo, quando apontam a elevação
da auto-estima dos alunos, porque não estão mais sendo reprovados.
Este é um outro perigo que se descortina porque, na ânsia
de minimizarem as mazelas da vida de muitos alunos e do próprio
estigma do fracasso, promovem um reconhecimento dos avanços observados
em relação à aprendizagem dos alunos, mas que ainda
não são suficientes para corrigir a defasagem que muitos
apresentam.
(...) a ênfase na “promoção da auto-estima”
pode ter desviado mais uma vez a atenção dos educadores
do papel da escola na socialização competente de “conhecimentos”
e fez da “melhora da auto-estima” o último grito do
discurso educacional hegemônico. (Patto, 2000, p. 195)
A implantação destas propostas (da forma como ocorreu),
o acompanhamento e a preparação dos professores (que não
ocorreu como deveria) e os efeitos observados (que não deveriam
ocorrer), nos levam a acreditar, mais ainda, naquilo que já foi
discutido e que é necessário marcarmos pontualmente: a exclusão
permanece na escola; os alunos estão inseridos, mas não
pertencem a ela; a escola não está se mostrando democrática
em relação à aquisição dos saberes
necessários.
(...) democratizar a escola significa, nessas reformas, muito mais pôr
em andamento a marcha pelos sucessivos graus escolares, sem reprovações,
do que oferecer uma boa formação intelectual. Na concepção
dos planejadores, democratizar a escola tem sido principalmente abrir
a porta trancada das séries subseqüentes, importando pouco
a qualidade do ensino oferecido. (idem, p. 195)
Além disto, não garantiram também um trabalho coletivo
articulado, com orientações, subsídios e acompanhamento
da prática pedagógica. O que se observou foram poucas ações
com o envolvimento de alguns professores, desvelando a insuficiência
para a melhoria de resultados no desempenho dos alunos.
Contudo, não podemos acreditar em impossibilidades, apesar das
inúmeras dificuldades que o cotidiano de muitas escolas nos apresenta.
Precisamos, sim, compreender cada vez mais a realidade da nossa escola
pública, inserida num contexto social mais amplo, e prestarmos
mais atenção nas políticas educacionais que surgem
– que nem sempre consideram a história e a memória
de nossas escolas e dos nossos professores – e que provocam, muitas
vezes, uma desarticulação e descontinuidade dos projetos
pedagógicos que vinham sendo desenvolvidos pelos professores e,
ainda, uma desmobilização do conjunto dos profissionais
e da própria organização e estrutura da escola, além
de não assegurarem a implementação de recursos humanos
e materiais para a efetividade das intenções anunciadas.
Bibliografia
ARROYO, Miguel
G. Experiências de aceleração – estamos inovando?
In: OLIVEIRA, Isabel R.(org.) Contemporaneidade e Educação
– Cidadania e Direitos Humanos. Instituto de Estudos da Cultura
e Educação Continuada, ano v, nº 8, 2º sem./2000.
AZANHA, José M. P. Comentários sobre a formação
de professores em São Paulo. In: Formação de Professores.
São Paulo: UNESP, 1998.
BAHIA, Norinês P. Enfrentando o fracasso escolar: inclusão
ou reclusão dos excluídos?. Tese de Doutorado, PUC/SP, 2002.
BRASIL (Ministério da Educação e do Desporto). Relatório
de Acompanhamento do Trabalho nas Classes de Aceleração,
Brasília, 1998.
FERRARO, Alceu R. Diagnóstico da escolaridade no Brasil. In: Revista
Brasileira de Educação, n.12, ANPED, set. a dez./1999, p.
22-47.
FREIRE, Paulo. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar.
8 ed., São Paulo: Olho d’Água, 1997.
PATTO, Maria Helena S. Mutações do cativeiro – escritos
de psicologia e política. São Paulo: Hacker/Edusp, 2000.
PLACCO, Vera; ANDRÉ, Marli; ALMEIDA, Laurinda. Estudo avaliativo
das classes de aceleração na rede estadual paulista. In:
Cadernos de Pesquisa, n. 108, São Paulo: FCC/Cortez, nov.1999.
SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Educação. Fundação
para o desenvolvimento da educação. Relatório de
avaliação: Classes de Aceleração – 1997,
1998.
SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Educação. Decreto
nº 40.473, de 21/11/95. Institui sobre o Programa de Reorganização
das Escolas da rede pública. D.O.E., 22/11/95, Seção
I.
_______. Deliberação CEE nº 09/97 - Institui o Regime
de Progressão Continuada.
ANEXO
QUADRO
1
Quadro
de Movimentação dos alunos da
Classe
de Aceleração II – Período da Manhã
1.999
a 2.001
CLASSE DE ACELERAÇÃO II – PERÍODO
DA MANHÃ |
Alunos |
Idade /99
na CA II |
Série de
Procedência /98 |
Encaminha-
mento/00 |
Encaminha-
mento/01 - Idade |
Ocorrências |
Nº 01 |
12 anos |
4ª |
4ª |
4ª - 14 anos |
Ret.p/insuf./00 |
Nº 02 |
11 anos |
3ª |
4ª |
4ª - 13 anos |
Ret p/insuf./00 |
Nº 03 |
12 anos |
4ª |
5ª |
6ª - 14 anos |
- |
Nº 04 |
11 anos |
3ª |
5ª |
6ª - 13 anos |
- |
Nº 05 |
12 anos |
CA II |
- |
- |
Transferência/99 |
Nº 06 |
12 anos |
3ª |
- |
- |
Transferência/99 |
Nº 07 |
10 anos |
3ª |
5ª |
6ª - 12 anos |
- |
Nº 08 |
12 anos |
3ª |
- |
- |
Transferência/99 |
Nº 09 |
11 anos |
3ª |
5ª |
6ª - 13 anos |
- |
Nº 10 |
11 anos |
4ª |
5ª |
6ª - 13 anos |
Transferência/01 |
Nº 11 |
11 anos |
CA II |
4ª |
4ª - 13 anos |
Ret.p/faltas/00 |
Nº 12 |
12 anos |
4ª |
5ª |
6ª - 14 anos |
Transferência/01 |
Nº 13 |
11 anos |
3ª |
4ª |
4ª - 13 anos |
Ret.p/insuf./00 |
Nº 14 |
16 anos |
3ª |
5ª |
6ª - 18 anos |
Transferência/01 |
Nº 15 |
11 anos |
4ª |
5ª |
6ª - 13 anos |
- |
Nº 16 |
12 anos |
4ª |
5ª |
6ª - 14 anos |
Transferência/01 |
Nº 17 |
12 anos |
4ª |
5ª |
6ª - 14 anos |
- |
Nº 18 |
12 anos |
4ª |
5ª |
6ª - 14 anos |
- |
Nº 19 |
11 anos |
3ª |
- |
- |
Transferência/99 |
Nº 20 |
11 anos |
3ª |
5ª |
6ª - 13 anos |
- |
Nº 21 |
13 anos |
4ª |
5ª |
- |
Abandono/00 |
Nº 22 |
14 anos |
4ª |
5ª |
- |
Transferência/00 |
Nº 23 |
11 anos |
3ª |
5ª |
6ª - 13 anos |
- |
Nº 24 |
11 anos |
3ª |
5ª |
- |
Transferência/00 |
ANEXO
QUADRO 2
Quadro de Movimentação dos
alunos da
Classe de Aceleração II – Período
da Tarde
1.999 a 2.001
CLASSE DE ACELERAÇÃO II – PERÍODO DA TARDE |
Alunos |
Idade /99
na CA II |
Série de
Procedência /98 |
Encaminha-
mento/00 |
Encaminha-
mento/01 - Idade |
Ocorrências |
Nº 01 |
12 anos |
4ª |
- |
- |
Transferência/99 |
Nº 02 |
11 anos |
4ª |
5ª |
6ª - 13 anos |
- |
Nº 03 |
12 anos |
4ª |
5ª |
- |
Transferência/00 |
Nº 04 |
11 anos |
4ª |
5ª |
6ª - 13 anos |
- |
Nº 05 |
12 anos |
4ª |
5ª |
6ª - 14 anos |
- |
Nº 06 |
11 anos |
4ª |
5ª |
6ª - 13 anos |
Transferência/01 |
Nº 07 |
11 anos |
4ª |
5ª |
6ª - 13 anos |
- |
Nº 08 |
12 anos |
4ª |
5ª |
- |
Transferência/00 |
Nº 09 |
15 anos |
4ª |
- |
- |
Transferência/99 |
Nº 10 |
11 anos |
4ª |
5ª |
6ª - 13 anos |
- |
Nº 11 |
12 anos |
4ª |
- |
- |
Transferência/99 |
Nº 12 |
11 anos |
4ª |
5ª |
6ª - 13 anos |
Transferência/01 |
Nº 13 |
12 anos |
4ª |
5ª |
- |
Transferência/00 |
Nº 14 |
12 anos |
4ª |
- |
- |
Transferência/99 |
Nº 15 |
12 anos |
4ª |
5ª |
6ª - 14 anos |
- |
Nº 16 |
12 anos |
4ª |
- |
- |
Transferência/99 |
Nº 17 |
12 anos |
4ª |
5ª |
6ª - 14 anos |
Abandono/01 |
Nº 18 |
12 anos |
4ª |
5ª |
6ª - 14 anos |
Transferência/01 |
Nº 19 |
12 anos |
4ª |
5ª |
6ª - 14 anos |
Transferência/01 |
Nº 20 |
11 anos |
4ª |
5ª |
5ª - 13 anos |
Ret. falt – Tr./01 |
Nº 21 |
11 anos |
4ª |
- |
- |
Abandono/99 |
Nº 22 |
13 anos |
4ª |
5ª |
7ª - 15 anos |
Reclas. p/ 7ªs. |
Nº 23 |
12 anos |
3ª |
5ª |
6ª - 14 anos |
- |
Nº 24 |
11 anos |
4ª |
5ª |
6ª - 13 anos |
Abandono/01 |
Nº 25 |
15 anos |
4ª |
5ª |
6ª - 17 anos |
- |
Nº 26 |
12 anos |
3ª |
5ª |
6ª - 14 anos |
Transferência/01 |
Nº 27 |
12 anos |
3ª |
5ª |
6ª - 14 anos |
Transferência/01 |
Nº 28 |
14 anos |
4ª |
5ª |
6ª - 16 anos |
Transferência/01 |
ANEXO
QUADRO 3
Diferentes Situações |
1.998 |
1.999 |
2.000 |
2.001 |
Situação 1 |
CA II |
CAII |
4ª |
4ª |
Situação 2 |
3ª |
CAII |
5ª |
6ª |
Situação 3 |
4ª |
CAII |
4ª |
4ª |
Situação 4 |
4ª |
CAII |
5ª |
5ª |
Situação 5 |
4ª |
CAII |
5ª |
6ª |
Situação 6 |
4ª |
CAII |
5ª |
7ª |
|
|