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A
COMPREENSÃO DO CONTEÚDO DE UM COMERCIAL TELEVISIVO NA INFÂNCIA
Ester
Cecília Fernandes Baptistella - Universidade São Francisco
A crescente
preocupação com o fenômeno social da televisão
vem manifestando-se como uma das grandes questões da atualidade.
Esse fato pode ser confirmado pela divulgação de inúmeras
pesquisas, fundamentadas nas mais diversas correntes teóricas,
em diferentes lugares como, por exemplo: nos Estados Unidos, Brasil, Austrália,
Japão e Europa, onde se observa a crescente preocupação
de pais e educadores com o fenômeno social da televisão e
seus possíveis efeitos na sociedade, devido a sua presença
na maioria dos lares no mundo inteiro, bem como ao número de horas
dispensadas pelas crianças diante de um aparelho de televisão.
No entanto, vários estudos indicam a dificuldade em explicar as
relações claras de “causa e efeito” entre os
conteúdos exibidos pela televisão e a realidade do cotidiano,
uma vez que as implicações metodológicas para esse
fim são consideradas limitadas.
De acordo com Enesco (1997), identificar com precisão os efeitos
da televisão e chegar a estabelecer relações causais
entre ela e algum aspecto da conduta humana é praticamente impossível.
Apesar de toda dificuldade, porém, encontram-se muitos pesquisadores
empenhados em esclarecer alguns aspectos do fenômeno televisivo
e, dessa forma, estabelecer relações causais parciais.
Entre os pesquisadores interessados em pesquisar como as crianças
compreendem e interpretam a televisão, seus formatos e mensagens
subjacentes podem-se destacar: Adler (1980); Anderson (1983); Breant &
Anderson (1983), entre outros (Apud, Enesco, 1997), para os quais parece
claro que as habilidades das crianças na compreensão de
programas televisivos se desenvolvem, lentamente, ao longo da infância
e pré-adolescência.
Assim como há inúmeras pesquisas científicas relacionadas
a essa temática, também existe muita especulação.
Há, nos dias de hoje, uma opinião popular muito divulgada
que atribui à televisão quase toda a responsabilidade dos
males e efeitos negativos que afetam nossa sociedade. Nos Estados Unidos,
existe, ultimamente, uma grande preocupação relacionada
ao aumento considerável de crimes com armas de fogo envolvendo
menores, relacionando-os à influência dos conteúdos
televisivos. No Brasil, essa realidade não difere muito e, muitas
pessoas entendem que o aumento da violência em nossa sociedade deve-se,
em grande parte, à exposição excessiva de crianças
e, até mesmo, de adolescentes a conteúdos violentos.
...Com efeito, não é preciso ser um especialista em ciências
sociais para dar-se conta de que a TV nos oferece visões do mundo
ou modelos muito estereotipados, informações distorcidas,
anúncios que tentam promover hábitos de consumo e alimentação
às vezes muito nocivos, programas e concursos de uma qualidade
ínfima ou carentes de toda estética, modos extremamente
violentos de resolver conflitos etc.(Enesco,1997 p.119)
De fato,
observa-se que muitas pessoas entendem a TV como um veículo de
comunicação muito atraente capaz de proporcionar informação,
diversão, entretenimento, etc. sem, contudo, exigir por parte do
telespectador nenhum tipo de esforço físico ou mental.
A crescente preocupação de pais e educadores em relação
aos conteúdos do meio televisivo reflete muitos questionamentos
sobre a qualidade da programação da televisão. A
cada dia, observa-se a indignação dessas pessoas com os
valores e estereótipos apresentados nos mais variados conteúdos
televisivos, em especial, o conteúdo publicitário. Constata-se
então, que, muitas vezes, a publicidade utiliza-se de efeitos especiais
e estereótipos, não somente como forma de valorizar o seu
produto, como também influenciar as crenças e valores de
uma sociedade. Por exemplo: observa-se que os anúncios de brinquedos
para meninos, geralmente, apresentam cenas de ação, com
músicas mais estridentes, enquanto que, para as meninas, costumam
apresentar músicas mais suaves em um contexto mais afetivo, ou
ainda, como, no caso da propaganda selecionada neste estudo, a utilização
de efeitos especiais como forma de persuasão implícita ao
consumo de um produto.
Atualmente, o caráter atrativo da publicidade e o sensacionalismo,
que várias emissoras de TV usam para conquistar audiência
é algo muito discutido pela sociedade, governos, instituições
e ONGs. Uma das preocupações, que tem chamado a atenção
de alguns cientistas sociais, diz respeito à forma como a publicidade
apresenta-se diante dos pequenos telespectadores.
O fato de o mercado brasileiro ter um grande contingente de crianças
com maiores possibilidades de consumo, fez com que as empresas, interessadas
nas vendas e nos lucros que podem obter desse público, desenvolvessem
estratégias específicas de marketing e publicidade, desconsiderando
as questões educativas ou éticas.
Sabe-se que os Estados Unidos e muitos países da Europa elaboraram
diretrizes e procedimentos visando a proteger as crianças de ações
publicitárias inescrupulosas. A Convenção da Organização
das Nações Unidas (ONU) sobre os direitos da criança,
adotada em 1989, fornece, no artigo 17, um conjunto de leis que trata
sobre o direito da criança à informação e
ao acesso às fontes, bem como a necessidade de “encorajar”
o desenvolvimento de orientações apropriadas para proteger
a criança de informações e materiais prejudiciais
ao seu bem estar.
No Brasil, além das diretrizes da ONU, procedimentos semelhantes
são amparados por normas que defendem as crianças nas relações
de consumo, encontradas no código de Auto Regulação
Publicitária (CONAR), elaborado em 1978, bem como o Código
Brasileiro de Defesa do Consumidor (CDC).
No entanto, o cumprimento dessas normas é algo muito longe do esperado.
Este fato tem sido observado na maneira fantasiosa e enganosa pela qual
a maioria dos anúncios apresentam seus produtos, sejam eles brinquedos,
alimentos ou objetos.
Esse tipo de dado costuma provocar grande alarme entre as pessoas, sobretudo,
quando se refere à população infantil, uma vez que
não se pode precisar (diretamente) como essas informações
são compreendidas pelas crianças.
Para entender o que a criança pensa sobre o funcionamento geral
da sociedade e como processa o conhecimento de si e as relações
interpessoais, faz-se necessário recorrer aos estudos do epistemólogo
suíço, Jean Piaget que, a esse propósito destaca:
[...] O
princípio a que nos referiremos consiste então em considerar
a criança não como um ser de pura imitação,
mas como um organismo que assimila as coisas para si, seleciona, digere-as
segundo sua própria estrutura. Deste ângulo, mesmo aquilo
que é influenciado pelo adulto pode ser original. (Piaget,1979,
p.27)
Segundo a
teoria piagetiana, o conhecimento social tal como o conhecimento lógico-matemático
e o conhecimento físico é construído pelo sujeito,
não se tratando, portanto, de uma simples cópia da realidade.
Assim, a partir das trocas que estabelece com as pessoas, a criança
vai construindo representações que lhe permite compreender
e explicar a realidade social.
Para que a criança compreenda as mensagens televisivas e posicione-se
diante de informações ou situações lesivas,
faz-se necessária uma formação crítica sobre
os conteúdos televisivos e, mais do que nunca, a escola pode contribuir
para o desenvolvimento de telespectadores críticos, possibilitando
um espaço para que as crianças se manifestem e reflitam
sobre ao que assistem na TV. Ao trazer para a sala de aula algo que já
parte do cotidiano da criança, o professor tem maiores condições
de auxiliá-la a compreender, refletir e posicionar-se sobre essa
forma de linguagem, levando em conta as especificidades e características
de uma produção televisiva e, ainda, o nível de desenvolvimento
de suas crianças.
Diante desses apontamentos, as investigações sobre a compreensão
do conteúdo televisivo na infância, aqui apresentadas, traduzem
em relevante fonte de informação para o desenvolvimento
de trabalhos com as crianças telespectadoras, justificando-se pela
possibilidade delas, em situações de lazer ou em sala de
aula, poderem reestruturar suas idéias sobre esse meio de comunicação
e, consequentemente, atingir níveis mais elaborados a respeito
desse tema.
A realização da presente pesquisa, fundamentada na epistemologia
genética de Jean Piaget, teve por objetivo conhecer as representações
que as crianças, na faixa–etária de 5 a 11anos, apresentam
sobre a televisão e suas funções além de investigar
de que maneira essas mesmas crianças compreendem as informações
veiculadas em um comercial de televisão com relação
à:
I - Compreensão do conteúdo do comercial, abordando: a mensagem
central da propaganda; a compreensão da narrativa do comercial;
a identificação do personagem no comercial e a compreensão
da relação do personagem com a trama do comercial.
II- Compreensão dos mecanismos de produção do comercial,
investigando:a concepção de efeitos especiais e estereótipos
na produção do comercial e o realismo atribuído ao
comercial.
III- Finalidade do comercial, focando a idéia de comercialização
de um produto e, por fim,
IV- Finalidade da Televisão: a concepção prévia
do sujeito sobre o que é TV e a sua função; a influência
da TV na vida das pessoas.
A complexidade em investigar, cientificamente, a influência da televisão
na conduta humana, pode ser atribuída à impossibilidade
de isolar seus efeitos na sociedade, o que somente seria possível
se se pudessem comparar, por exemplo, comunidades semelhantes em tudo;
exceto, quanto à experiência televisiva.
Dessa forma, para investigar os objetivos propostos, optou-se por um estudo
evolutivo, com uma abordagem qualitativa, caracterizando uma pesquisa
do tipo ex post facto, uma vez que a variável independente ocorre
sem a interveniência do pesquisador.
Ao se investigar quais representações as crianças
apresentam sobre o conteúdo de um comercial televisivo, a TV e
suas funções no decorrer das diferentes idades, e se tais
representações são influenciadas pelo nível
cognitivo do sujeito, partiu-se da idéia de que o conhecimento
é um processo de construção, não se restringindo
a uma cópia da realidade, portanto, considerando que a compreensão
de um conteúdo televisivo não é garantida somente
pela exposição do telespectador a ele, as hipóteses
norteadoras desta pesquisa foram assim expressas:
1)O modo pelo qual a criança compreende o conteúdo televisivo
de um comercial é influenciado pelo nível cognitivo em que
se encontra.
2) As representações sobre o conteúdo de um comercial
televisivo, a televisão e suas funções não
são influenciadas pelo sexo ao qual os sujeitos pertencem.
Como procedimentos metodológicos foram utilizados, além
das entrevistas fundamentadas no método clínico (Piaget,
1926) e organizadas segundo um roteiro semi-estruturado, a exibição
individual a cada sujeito da pesquisa, de um comercial, de 30 segundos,
intitulado “ Baby o celular inteligente” e a aplicação
das provas para o diagnóstico do comportamento operatório
destes mesmos sujeitos.
Considerando-se as especificidades desse tipo de estudo, a população
de origem foi composta por alunos de duas escolas públicas de ensino
fundamental e de uma escola pública de educação infantil,
situadas na região central da cidade de Americana, SP, sendo a
amostra escolhida por meio de um sorteio aleatório e composta por
32 crianças, na faixa-etária de 5 a 11 anos de idade. A
escolha de três escolas ocorreu em virtude de a própria divisão
de ensino, estabelecida pela Secretaria de Educação do Governo
do Estado de São Paulo, não atender aos alunos da faixa-etária
pesquisada em uma mesma instituição.
A partir da aplicação desses instrumentos, os resultados
foram analisados, levando-se em conta as categorias de respostas e variáveis
como sexo, idade e nível cognitivo.
Diante das dificuldades de disponibilidade e de contato com as crianças,
não houve possibilidade de se trabalhar com uma amostra maior.
Nessas condições, o conjunto de crianças, sorteadas
para este estudo, pode ser considerado como sendo uma amostra de conveniência
o que implica certas restrições para uma análise
quantitativa. Dada à natureza do estudo e de sua relevância,
procurou-se privilegiar uma análise de natureza eminentemente qualitativa.
Apesar da maior flexibilidade dos testes não-paramétricos
quanto às suas pressuposições, não foi possível
a realização de testes estatísticos.
A partir dos resultados obtidos com a aplicação das provas
cognitivas, pôde-se, primeiramente, identificar o nível de
desenvolvimento cognitivo em cada sujeito se encontrava por ocasião
desta pesquisa e, assim, realizar uma análise qualitativa dos dados.
Após o diagnóstico do comportamento operatório de
cada sujeito em cada prova cognitiva, buscaram-se analisar as possíveis
relações existentes entre elas e as categorias de repostas.
Neste estudo, foi possível observar, nas respostas das crianças,
ao compreenderem (ou não) o meio televisivo, formas peculiares
e originais de argumentos, que confirmam a impossibilidade de se conceber
a criança telespectadora como receptora passiva, diante do que
a TV lhe oferece.
Em síntese, os resultados encontrados na análise de cada
um dos quatro blocos de idéias oferecem informações
que, em sua maioria, assemelham-se aos resultados encontrados em outras
pesquisas sobre o conteúdo televisivo comercial, realizadas nas
mais distintas partes do mundo, constatando-se, ainda, uma tendência
na evolução das representações das crianças.
No primeiro bloco de questões relativas à análise
do conteúdo do comercial, segundo as variáveis idade e nível
cognitivo, percebe-se que, em todos os itens investigados, as crianças
de nível cognitivo mais alto e de mais idade apresentam melhor
compreensão em relação ao conteúdo do comercial.
Nas questões destinadas a investigar esse primeiro item, observa-se
que somente as crianças de nível cognitivo operatório-concreto
foram capazes de estabelecer algum tipo de relação entre
os vários componentes das respostas em cada item investigado. Cabe
ressaltar que, ao serem questionadas, essas crianças, apesar de
demonstrarem maior capacidade para analisar as situações
apresentadas, valendo-se de argumentos lógicos, estes estavam bastante
ligados ao que lhes era familiar.
As crianças pequenas, cujo nível de desenvolvimento cognitivo
era pré-operatório ou encontravam-se em transição
do pré-operatório para o operatório-concreto, não
demonstraram ser capazes de fazer essas conexões, principalmente,
ao responderem as questões referentes à compreensão
da narrativa do comercial. Essas respostas assemelham-se às encontradas
nos estudos de Gunter e McAller (1997), quando revelam que, na idade 4
a 5 anos aproximadamente, as crianças, por serem incapazes de recordar
os episódios e de relacioná-los entre si, podem sentir dificuldades
em entender os programas a que assistem na TV, ou seja, sentem dificuldades
em reunir todas as partes de uma história com o objetivo de formar
um todo coerente. Assim, são capazes somente de se lembrar de “pedaços”
ou cenas isoladas do episódio assistido, como ficou muito claro
nas respostas encontradas nas categorias mais elementares desse bloco
de respostas.
Em relação às outras questões investigadas
na análise do conteúdo do comercial, as respostas encontradas
indicam também uma similaridade com os estudos de McKenna e Ossoff
(1998) quanto à discriminação dos conteúdos
relevantes da trama, de outros conteúdos menos importantes, visto
que as crianças mais novas encontraram grandes dificuldades ao
identificarem a mensagem central do comercial e destacá-la de outros
conteúdos.
Dessa forma, as variáveis: idade e nível cognitivo indicam
uma estreita relação entre a idade e nível de desenvolvimento
cognitivo em que se encontram esses sujeitos, ao compreenderem o conteúdo
televisivo; contudo, ao analisar as variáveis sexo e nível
cognitivo, percebe-se que, em todos os itens investigados neste bloco,
não pôde ser constatada uma diferença significativa
entre as respostas dos sujeitos, que pudesse ser atribuída a essas
variáveis, visto que, em cada nível de desenvolvimento,
tanto os meninos como as meninas apresentaram respostas similares.
Quanto aos dados referentes ao mecanismo de produção do
comercial, que correspondem ao segundo bloco de idéias, assim como
evidenciado no bloco anterior, percebe-se, à medida que as idades
e o nível cognitivo vão aumentando, maior concentração
de respostas nas categorias mais elaboradas. Nessas categorias (finais),
as respostas dos sujeitos quanto à idéia de efeitos especiais
e realismo atribuído ao que acontece no comercial procuram explicar
também a finalidade do comercial, ou seja, que os programas são
produzidos especialmente para um fim, antecipando e relacionando tais
idéias às investigadas na compreensão da finalidade
do comercial, discutidas no terceiro bloco.
No entanto, as crianças mais novas, de 5 anos e à exceção
de uma criança de 9 anos, todas com nível de desenvolvimento
cognitivo pré-operatório, apresentaram respostas extremamente
egocêntricas, em que foi possível observar o quanto as crianças
estavam centradas em seu próprio ponto de vista. As crianças,
de 7 e 9 anos, com nível de desenvolvimento cognitivo em transição,
apresentaram apenas um dos argumentos mais elaborado, sem contudo estabelecerem
conexões com outras categorias ou idéias. Os dados encontrados
nesse item se assemelham aos encontrados por Gunter e McAller (1997),
quando destacam que, até aproximadamente 8 anos, as crianças
não percebem que os programas são produzidos especialmente
para atender o meio televisivo.
Entretanto, observa-se que os argumentos utilizados tanto pelos meninos
como pelas meninas, ao responderem as questões relativas ao realismo
atribuído ao que acontece no comercial, apesar de se constatar
uma discrepância entre as respostas de dois meninos de nível
cognitivo em transição do pré-operatório para
o operatório-concreto em relação às meninas
do mesmo nível cognitivo, em geral, não revelaram influência
significativa das variáveis sexo e nível cognitivo.
Os argumentos utilizados pelas crianças, ao responderem as questões
investigadas no terceiro bloco de idéias, relativas à compreensão
da finalidade do comercial, constituem-se na característica central,
destacada nos estudos de Gunter e McAller (1997), quanto à compreensão
de uma mensagem publicitária. Formadas por aspectos que englobam:
distinção de programas e propagandas; concepção
de um patrocinador como fonte da mensagem do comercial; compreensão
da intenção da mensagem do comercial e o entendimento da
natureza simbólica dos produtos, personagens e contexto do comercial,
as questões desse bloco destacaram-se por apresentarem um número
mais extensivo de categorias de respostas. Essa característica
parece revelar as inúmeras tentativas das crianças ao formularem
e checarem as suas próprias hipóteses, além de evidenciar
o quanto essas tentativas (pensamentos) avançam em direção
de argumentos mais elaborados.
Nesse item, ao analisar se as variáveis: idade e nível cognitivo
interferem nas respostas dos sujeitos, foi possível observar que
as crianças mais novas, que se encontram no nível de desenvolvimento
cognitivo pré-operatório ou transição para
o operatório-concreto, apresentaram pouquíssimas respostas
que demonstram o seu entendimento sobre a proposta do comercial. Tais
respostas chamam a atenção por serem bastante originais
e, principalmente, por constituírem-se de argumentos finalistas,
próprios do pensamento intuitivo em que se encontravam.
Novamente, confirmando a similaridade entre os resultados deste estudo
e os encontrados nas pesquisas de Gunter e McAller (Ibid), observa-se
que as crianças menores de oito anos expressam uma certa confusão
quando lhes é solicitado para explicarem ou definirem a natureza
dos comerciais. No entanto, com as crianças mais velhas, tal fato
não foi observado, em razão de apresentarem estruturas cognitivas
que lhes propiciam distinguir entre programas e comerciais e, ainda, as
várias mensagens de um mesmo comercial, baseadas nas características
de cada uma delas.
Ao contrário das variáveis idade e nível cognitivo;
as variáveis sexo e nível cognitivo não revelaram,
nesse bloco, diferenças significativas quanto à influência
delas nas respostas das crianças.
Quanto às questões do quarto e último bloco investigado,
referentes à compreensão da finalidade da TV, observa-se
um dado importantíssimo, relacionado aos conhecimentos prévios
dos sujeitos sobre TV. Fica evidente, nas respostas de todos os sujeitos,
a falta de conhecimento e informação sobre a TV, a experiência
com o meio televisivo, mecanismos e função e o quanto a
ausência desses fatores pode dificultar a compreensão global
do conteúdo do comercial, da compreensão da televisão
e de suas funções. De acordo com Gunter e McAller (1997),
quando as crianças aprendem sobre o formato e funcionamento da
televisão, são capazes de desenvolver habilidades como,
por exemplo: recordar personagens e conteúdos, e dessa forma, tornarem-se
mais eletivas nas manifestações de qualquer conteúdo
televisivo.
Ao analisar se as variáveis idade e nível cognitivo apresentam
algum tipo de influência nas respostas das crianças, observa-se
que, dadas as características das perguntas realizadas, pode-se
dizer que existam indícios de que as respostas desses sujeitos
estejam relacionadas à idade e ao nível cognitivo em que
se encontram.
Entretanto, observa-se que os argumentos utilizados tanto pelos meninos
como pelas meninas, ao responderem as questões relativas à
compreensão global da finalidade da TV, não revelaram influência
significativa das variáveis sexo e nível cognitivo.
Outro dado, a ser destacado neste estudo, refere-se à explicação
que algumas crianças apresentam sobre a relevância do papel
da Televisão na humanidade. Ao investigar as respostas relativas
à compreensão da influência da TV na vida das pessoas,
foi possível observar, com a exceção de um menino
de 11 anos (operatório-concreto), que a maioria das crianças
até 9 anos de idade (pré-operatória e transição),
atribuem valores e estereótipos ao que assistem na televisão,
revelando a perpetuação de uma opinião popular, que
confere à televisão a responsabilidade de injetar nos telespectadores
atitudes e opiniões.
Contribuindo de uma forma mais específica, as pesquisas de Gunter
e McAller (Ibid), entre outros pesquisadores, questionam as chamadas concepções
“empirista”, apresentando, como argumento, os resultados de
seus estudos que demonstram a existência de formas específicas
de a criança compreender a televisão e manifestar suas concepções
sobre os programas apresentados.
Neste contexto, a idéia de que, ao assistir à TV, o sujeito
recebe passivamente todo o efeito da Televisão, deve-se, segundo
os mesmos autores, à falta de conhecimento das pessoas a respeito
da Televisão. Nas respostas dos sujeitos desta pesquisa, percebe-se
que, na tentativa de compreenderem o conteúdo televisivo comercial,
a TV e suas funções, enquanto parte de um mundo social,
apresentaram e reelaboraram uma série de idéias próprias
e originais, evidenciando a construção de tais representações.
Finalizando, pode-se dizer que tanto a análise qualitativa como
a quantitativa (descrições numéricas) dos dados obtidos
neste estudo, além de fornecerem uma ampla idéia das representações
que os sujeitos desta investigação apresentam sobre o conteúdo
de um comercial televisivo, a televisão e suas funções,
parecem indicar que, com o aumento progressivo da idade, independentemente
do sexo do sujeito, observa-se, também, um progresso significativo
no seu desenvolvimento cognitivo e, por conseguinte, uma melhora na compreensão
das questões referentes aos conteúdos televisivos, confirmando
as hipóteses norteadoras desta pesquisa.
Levando-se em consideração essas idéias iniciais
e as estreitas relações observadas tanto nas pesquisas mencionadas,
como, principalmente, nos dados encontrados nesta pesquisa, fica evidente
a necessidade efetiva de se trabalhar o conteúdo televisivo com
as crianças e da continuidade deste estudo em níveis de
discussão mais aprofundados.
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