Ana Alcídia Moraes (Profª. Drª
do Mestrado Ensino em Ciências da Saúde CEDESS/UNIFESP e
da UFAM;
Sylvia Helena Batista (Profª. Drª do Mestrado Ensino em Ciências
da Saúde CEDESS/UNIFESP);
Irani Ferreira da Silva (Profª. Drª do Mestrado Ensino em Ciências
da Saúde CEDESS/UNIFESP).
Nosso propósito é discutir a utilização
da história de leitura como um instrumento na formação
de profissionais da saúde. A experiência foi realizada desde
abril de 2003, em diferentes disciplinas desenvolvidas no CEDESS-EPM.
Analisamos, aproximadamente, 245 histórias escritas pelos alunos,
procurando apreender as diferentes interações com a leitura
e os eixos temáticos que emergiram nessas histórias. O trabalho
com as histórias de leitura mostra-se fecundo como espaço
de ressignificação da trajetória como leitor e como
estratégia importante para discussões crítico-reflexivas
sobre a leitura e suas intersecções com o cuidado em saúde.
Introdução
A valorização das histórias de leitura dos profissionais
em saúde vem se constituindo em um eixo de práticas docentes
que buscam compreender os processos de formação de leitores,
contribuindo para a resignificação das experiências.
Nessa perspectiva, nos propomos a relatar e discutir a utilização
da história de leitura como uma ferramenta importante na formação
de profissionais da saúde.
Leitura, saúde, formação
Final do século XX fala-se do ato de ler como uma atividade capaz
de trazer inúmeros benefícios, dentre eles o de exercer
um efeito terapêutico ao estado físico e mental do leitor.
Entretanto, nem sempre foi assim. Darton (1992), ao debruçar-se
sobre a história da leitura cita, entre outras coisas, o debate
em torno da mania de leitura na Alemanha, no final do século dezoito.
Entre aqueles que condenavam seus efeitos sobre a saúde pública
aparece J.G. Heinzemann que, em 1795, relaciona algumas conseqüências
físicas da leitura excessiva:
“suscetibilidade a resfriados, dores de cabeça, enfraquecimento
dos olhos, onda de calor, gota, artrite, hemorróida, asma, apoplexia,
doença pulmonar, indigestão, obstipação intestinal,
distúrbio nervoso, enxaqueca, epilepsia, hipocondria e melancolia”.
(Darton, 1992:218).
Apontando nessa mesma direção, o estudo de Abreu (1999)
alerta-nos para a idéia de que nem sempre a leitura e seus efeitos
foram vistos de forma positiva, tanto que ao longo da história
diversos movimentos investiram esforços para afastar as pessoas
da leitura “imaginou-se que a leitura oferecesse perigo para a saúde”.
Abreu, citando o livro A saúde dos homens de letra de Tissot, comenta
sobre graves distúrbios da saúde oriundos da leitura e da
escrita:
“A ‘intemperança literária’ causaria perda
de apetite, dificuldades digestivas, enfraquecimento geral, espasmos,
convulsões, irritabilidade, atordoamento, taquicardia, podendo
conduzir à ‘privação dos sentidos’. A
solução para tantos problemas era ‘ler pouco’
e fazer exercícios”. (Abreu, 1999:11).
Estes são traços de uma história da leitura que vêm
sendo recuperados através de alguns estudos mais recentes , inspirados
na abordagem da história cultural. É uma abordagem que têm
despontado como uma importante contribuição para o conhecimento
de leitores e de suas práticas leitoras em aspectos que até
bem pouco tempo não eram investigados.
Em contraposição ao modelo historiográfico tradicional,
a abordagem da história cultural encaminha suas buscas na tentativa
de reconstituir o passado a partir do olhar e da voz de pessoas comuns.
Procura tratar a história como um campo de investigação
mais alargado – capaz de dialogar com a diversidade, de admitir
a subjetividade, de salientar o papel das idéias e das representações
na constituição do mundo social, de suportar a singularidade
e a heterogeneidade como elementos que compõe a trama histórica,
de revalorizar o papel do sujeito na história, de incorporar os
relatos orais como fontes de reconstrução de uma memória
coletiva, de resgatar a arte de narrar e que, no campo específico
da leitura, tem-se configurado como um esforço de resgatar e dar
a conhecer certos leitores e certas práticas que historicamente
estiveram silenciadas.
Neste cenário, as narrativas das histórias de vida e formação
vêm sendo utilizadas , ao mesmo tempo, como alternativa de investigação
e de formação. E, é nesta dupla função
– “meio de investigação e instrumento pedagógico”
– que Nóvoa (1988) e Cunha (1996), entre outros justificam
seu uso no campo da formação:
O uso didático da memória pedagógica e/ou história
de vida tem se revelado num interessante instrumento de formação.
Esta proposta tem sido a principal alternativa metodológica para
a concretização dos pressupostos teóricos de um processo
ensino-aprendizagem que tenha o sujeito e a cultura como ponto básico
de referência.. (Cunha, 1996:07).
Seguindo essa trilha, é possível afirmar a dimensão
formadora de ouvir e de contar histórias de leitura. Posição
que vem sendo defendida por alguns autores com o propósito de compreender
a singularidade histórica da produção de suas próprias
posições de sujeitos-leitores e os modos de sociabilidade
que construíram em suas relações com a cultura impressa.
O resgate das histórias de leitura, em situação de
sala de aula com profissionais da saúde, favorece a reflexão
dessas pessoas sobre si mesmo para melhor reconhecerem-se como leitores.
Nesse sentido Moraes (2001) argumenta ser esta uma estratégia formativa
porque:
“pode permitir a organização das experiências
humanas; ao mesmo tempo em que o sujeito organiza suas idéias para
o relato – quer escrito/oral – também re-constrói
sua experiência de forma reflexiva e, com isso, acaba fazendo uma
auto-análise que pode lhe criar novas bases de compreensão
de sua própria prática..” (p. 40).
Seguindo essa perspectiva, da leitura como um fenômeno social, historiadores
conseguem responder algumas das perguntas que historicamente vêm
sendo feitas em torno do tema da leitura: “quem lê”,
“o que lê”, “onde lê” e “quando
lê”. Respostas essas que podem ser de grande ajuda quando
a pretensão e o desejo são responder questões mais
difíceis – “os porquês” e “comos”
da leitura.
As dificuldades para alcançar as razões e os motivo, bem
como os modos e maneiras indicativas do como se lê podem ser atribuídas
ao fato da leitura não ser “simplesmente uma habilidade,
mas uma maneira de estabelecer significado, que deve variar de cultura
para cultura” (Darton, 1992: 218). As diferenças entre os
leitores parecem ser incontáveis, por isso parece complexo o desejo
de encontrar uma fórmula que dê conta de compreender tantas
variações. Mas isso não invalida a pretensão
de desenvolver algum tipo de estratégia que nos permita estudar
a diversidade dos percursos de formação de leitores, no
interior de nossas salas de aula. Mesmo sabendo que, historicamente, a
leitura seguiu múltiplas direções, ou seja:
"Assumiu muitas formas diferentes entre grupos sociais em diferentes
épocas. Homens e mulheres leram para salvar suas almas, para melhorar
seu comportamento, para consertar suas máquinas, para seduzir seus
enamorados, para tomar conhecimento dos acontecimentos de seu tempo, e
ainda simplesmente para se divertir.” . (Darton, 1992:212).
A perspectiva até aqui descrita, cria as condições
que asseguram a validade e a legitimidade de nossas práticas docentes
que valorizam as histórias de leitura dos profissionais em saúde,
buscando compreender seus processos de formação de leitores.
A escuta destes profissionais, na prática de sala de aula, revela-se
como uma estratégia que favorece a compreensão das experiências
desses profissionais como leitores.
Neste sentido, este texto tem como objetivo relatar e discutir a utilização
da história de leitura como um instrumento na formação
de profissionais da saúde.
Formação: partilhando aprendizagens
O estudo foi realizado de abril/2003-abril/2005, em quatro disciplinas
desenvolvidas no Centro de Desenvolvimento do Ensino Superior em Saúde
- CEDESS e que representam um espaço formativo orientado pelos
pressupostos do resgate da subjetividade, do diálogo, da valorização
da diversidade: Formação Didático-Pedagógica
em Saúde (disciplina obrigatória oferecida aos mestrandos
e doutorandos da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP/EPM);
Leitura e Escrita: instrumentos de produção e disseminação
de conhecimento (disciplina eletiva do Programa de Mestrado em Ensino
em Ciências da Saúde - CEDESS/UNIFESP); Metodologia do Estudo
(disciplina oferecida no Curso Seqüencial Educação
e Comunicação em Saúde da UNIFESP) e Processos de
leitura (disciplina oferecida no curso de Especialização
em Ensino em Ciências da Saúde - CEDESS/UNIFESP).
Nestes espaços disciplinares, solicitou-se, no encontro inicial,
aos profissionais que escrevessem suas histórias de leitura na
qual relatassem suas trajetórias como leitores em diferentes cenários.
Foram analisadas, aproximadamente, 245 histórias, procurando apreender,
a partir do relato dos gostos de leitura, dos primeiros livros lidos,
das interações e situações de leitura, os
eixos temáticos que emergiram nessas histórias.
Apreendendo significados nas histórias de leitura
A análise das histórias possibilitou apreender diferentes
aspectos do momento de construir o relato das experiências de leitura.
Um sentido bastante enfatizado refere-se à possibilidade deste
momento como um contato com as trajetórias de leitores:
“Iniciei a ler antes de entrar na escola por curiosidade. Enchia
a paciência de minha avó , queria ler e escrever os nomes
das caixinhas de remédio que ela tinha no armário...Já
na escola, meu pai me dava toda semana gibis da turma da Mônica...Na
adolescência comecei a comprar revistas semanais de fofocas e dicas
de beleza e após passei a me interessar por livros autobiográficos
e de suspense”
“ A primeira leitura que consegui fazer em sala de aula sem errar
no segundo ano do curso primário falava sobre um gato. Me senti
pronta para ler o que cruzava meus olhos...
O livro Capitães de Areia de Jorge Amado foi o primeiro livro mais
apimentado que li e com ele aprendi a não ter medo de livros grossos”
" A primeira experiência de leitura aconteceu já durante
a faculdade. Nunca fui muito afeito às abstrações
até então. Mas de alguma maneira algo, ou a falta de algo,
fez com que eu fosse à biblioteca pública da cidade e levasse
para casa o Processo do Kafka, que foi lido muito rapidamente. Não
entendo a maior parte (anos depois comprei um exemplar, mas ainda não
reli), mas pensando a respeito muito tempo depois, e tendo lido outros
livros de Kafka, compreendo que o objetivo “Kafkiano” só
deveria ser traduzido como: perplexo, insondável, angustiante,
absurdo. O livro finalmente me tornou leitor, por escolher o sentido oculto
das palavras."
" lembro-me de uma coleção de quatro livrinhos que
falavam do céu, estrelas, terra e da primeira visita ao médico"
Um outro ponto abrange a expressão dos interesses e motivações
para ler:
“Ler me remete a outras vidas e experiências que não
vivi, me mostra caminhos que eu não conheço e me permite
não errar onde outros já experimentaram e erraram”
“Gosto de várias literaturas. Não tenho uma preferência,
depende do momento...impulsionar minha curiosidade....Os livros técnicos,
de estudo não me atraem muito, posso até ler, mas não
por prazer.”
" Leio somente o que me interessa no momento"
" Hoje, apesar de gostar de ler crônicas, contos, revistas,
leio textos horríveis sobre temas nada interessantes sobre assuntos
relacionados à saúde"
" Quando a leitura me agrada, o livro se torna um vício até
o seu final, faço de qualquer intervalo do meu cotidiano um tempinho
para ler. Quando a leitura não me agrada, sigo até o final,
na expectativa de melhorar"
A explicitação das concepções e imagens sobre
leitura e leitor também emergiram nos dados coletados:
" Leio como estivesse saboreando algo que gosto muito, com prazer.
Ás vezes muito rápido, quando leio por necessidade ou quando
não tenho tempo, mas do contrário, saboreio."
“ Eu sou uma leitora voraz. Enquanto não terminar um texto
ou livro, não sossego”
"Quando penso em leitura na minha infância, vem a minha mente
um momento feliz, em casa, com um grande livro de histórias como
Branca de Neve, a Bela Adormecida entre outras. Me recordo do livro ser
maior que eu e até hoje o guardo. Tinha uma capa com uma figura
linda e a lombada vinho. Quando descobri que eu mesma podia tirar dele
aquelas palavras mágicas além de ver as imagens lindas eu
lia e relia, todo dia."
" Sou um leitor provisório. Leio quando posso, nem sempre
quando quero e menos ainda o quanto gostaria"
" sou uma leitora constante de dois tipos: leio coisas que sou obrigada
(que vão me interessar ou não, ocasião em que se
não me interesso leio mal, pulo pedaços, não termino)
e coisas que escolho (que também posso gostar ou não, terminar
ou não, mas a relação é diferente)"
Observaram-se também alusões sobre as aprendizagens e desejos
de leitura:
“A leitura abre um mundo de imaginação
enquanto a estória decorre, distrai o leitor fazendo com que ele
esqueça os problemas diários, além de promover conhecimento
muitas vezes através da reflexão ou mesmo por ser de cunho
informativo”
“No estudo leio com atenção, mas somente
alguns parágrafos, procuro palavras-chave de acordo com que o tema
pede, interpreto e resumo, se for necessário volto ao parágrafo.
Gosto de estudar com o dicionário, entender as palavras me ajuda
a interpretar e entender melhor o objeto de estudo."
" Percebo claramente a importância de saber
escrever para poder ler e vice-versa. Isto situa meu momento atual, onde
a leitura efetuada é complexa e me desafia quanto a sua compreensão
mas é fundamental para meu desenvolvimento pessoal e social"
"...a partir desta experiência procurei realizar
todas as leituras, voluntária ou involuntariamente, dialogando
com o autor, sentindo-me parte do contexto. E isso tem feito uma grande
diferença.."
A compreensão destes temas permite situar o trabalho com as histórias
de leitura como espaço de resignificação da própria
trajetória como leitor, refletindo sobre as representações
de leitor ideal e leitor real e situando as conexões com as atividades
e práticas em saúde.
Tecendo relações a partir das histórias
de leitura
O relato das histórias de leitura, no espaço dessas disciplinas,
configurou-se como um tempo para contar e escutar as experiências
desses leitores com os livros e com a cultura impressa, no percurso de
formação pessoal-profissional. Isto recupera a figura do
narrador – contador de histórias – e, conseqüentemente,
a arte de narrar que pouco a pouco vêm desaparecendo na sociedade
de hoje. Esse desaparecimento pode ser atribuído ao valor que,
cada vez mais, vem sendo dispensado a uma outra forma de comunicação:
“Se a arte da narrativa é hoje rara, a difusão da
informação é decisivamente responsável por
esse declínio” (Benjamin, 1987:203). Para este autor, a informação,
ao contrário da narrativa, aspira à verificação
e à aplicabilidade e não se vincula às experiências
de quem as transmite nem as de quem ouve.
Com o empobrecimento da experiência humana, matéria prima
da narrativa, que viaja de pessoa para pessoa realimentando a imaginação
criadora, o Homem – contador de histórias (das suas e dos
outros) – não consegue ser marcado nem deixar marcas no seu
ouvinte. A experiência é cada vez mais rara por falta de
tempo e por excesso de trabalho e, “nessa lógica de destruição
da experiência, estou cada vez mais convencido de que os aparatos
educacionais também funcionam cada vez mais no sentido de tornar
impossível que alguma coisa nos aconteça.” (Larrosa,
2002:03). Portanto, arquitetar um tempo e um espaço para ouvir
e contar histórias de leitores e de leituras parece romper com
essa lógica apontada pelo autor. Nessa perspectiva, entendemos
que essa experiência vivida, no espaço de sala de aula aproxima-nos
do sentido colocado por Larrosa:
“A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça
ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que
é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para
pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar
mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar,
demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo,
suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar
a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar
sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros,
cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se
tempo e espaço” (2002:04).
Além disso, esse tempo/espaço para contar e para ouvir histórias
de leituras e de leitores abre-se como um modo significativo para compreendermos
o que representa para esses profissionais da saúde narrarem suas
histórias e descobrirem-se como leitores: a primeira reação
de alguns foi sentir um certo vazio quando, ao fazer o esforço
para lembrar, iam se dando conta de que não conseguiam trazer à
tona lembranças que pudessem preencher suas histórias de
leitores.
A continuidade do trabalho previa a passagem para a escrita de um texto
que contasse as experiências de leitura, ao longo de suas trajetórias
de formação. Em seguida, um momento coletivo para contar
e ouvir as histórias. Essa estratégia vem sendo usada como
um reforço importante e revelador de que a conversa entre leitores
é uma outra trilha que pode ser percorrida para (re)compor o processo
de formação dos(as) leitores(as) que vamos nos tornando
ao longo da vida.
Na medida em que iam se dando conta de que suas histórias, até
então esvaziadas de livros e de leituras, contrastavam com práticas
plurais trazidas à tona pelas narrativas iam percebendo que têm
experiências em torno da leitura para serem contadas. Formaram-se
leitores(as) em diferentes lugares, tempos e épocas de suas vidas
(na infância/adolescência, na escola-universidade/fora dela...):
alguns foram leitores de ouvido (histórias contadas lidas ou de
boca), outros se debruçaram sobre a leitura de livros infantis,
livros escolares, romances literários, religiosos, gibis; práticas
que aconteciam nos espaços da própria casa (cama, banheiro,
poltrona, quintal), da escola, do ônibus, em filas de espera, em
banco de praça, em metrô ou ainda nos raros momentos de descanso
no plantão (pronto socorro/hospitais); leituras que buscavam a
orientação espiritual/pessoal/profissional, o conhecimento
científico, o enriquecimento cultural, a informação
ou, ainda, simplesmente o entretenimento e a diversão.
Nesse movimento proposto pelo espaço da disciplina vão se
reconhecendo como leitores(as) não só porque têm muito
o que contar de suas histórias de leitura, mas também porque
a leitura é um elemento que faz parte de seu cotidiano e dela fazem
uso para se formarem – “Trata-se de pensar a leitura como
algo que nos forma (ou nos de-forma ou nos trans-forma), como algo que
nos constitui ou põe em questão aquilo que somos.”
(Larrosa, 1996:16). Assim, são movimentos que, ao possibilitar
revisitar o passado de leitor com o olhar do presente conseguem organizar
o vivido.
Nesse vivido, imbricam-se as concepções de cuidado em saúde
em uma perspectiva da integralidade: reconhecer-se como sujeito portador
de histórias pode implicar em assumir posturas que valorizem o
escutar as experiências dos outros, seus caminhos, seus projetos,
suas necessidades, para além das queixas pontuais e imediatas.
Descortina-se, desta forma, que trançar leitura e saúde
pode ser um caminho de entender a relação cuidar, formar
e agir a partir de referenciais mais ampliados de educação
e assistência, situando o "paciente" como uma pessoa que
traz valores, crenças, esperanças, saberes, experiências
e que em seus processos de saúde vão reconstruindo suas
leituras do mundo. As histórias configuram-se como espaço
para discussões crítico-reflexivas sobre a leitura e suas
intersecções com o cuidado em saúde.
Para concluir é possível dizer que tecer um texto não
é tarefa fácil. Mas, ter escrito este – que relata
uma experiência de formação de leitores – tomando
como ponto de partida suas vivências de leitores e, marcando, como
ponto de chegada, a escrita desse texto – nos permite acrescentar
algo mais: melhor do que escrever e ter escrito este texto foi arquitetar
e viver a estratégia que possibilitou sua escrita.
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