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PROGRAMA
DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES ALFABETIZADORES (PROFA) –
DA TEORIA À PRÁTICA NA REDE MUNICIPAL DE TRÊS LAGOAS/MS
Silvana Alves da Silva Bispo/UFMS
Lucrécia Stringhetta Mello – UFMS/CPTL/Orientadora
A formação docente assume atualmente o ápice
das conferências e debates sobre a melhoria na educação
no país, seja a formação inicial ou continuada. Essa
preocupação tem gerado uma série de medidas e encaminhamento
de propostas. Esse movimento caracteriza pela incessante busca do saber,
pois estamos em uma sociedade em transformação, onde o saber
é o diferencial.
Sendo assim, estamos situados num momento histórico e vivemos neste
momento, a prática pedagógica arraigada não satisfaz
esse momento em que o avanço científico extrapola barreias,
na política prevalece a lei da mais valia, valores morais são
perdidos como fumaça no ar. A educação formal está
a exigir, um profissional cujas ações sejam conscientes,
intencionais, claras e refletidas.
O professor do século XXI tem grandes desafios pela frente, entre
eles ter um olhar voltado para a formação contínua,
tendo como princípio educativo transformar-se, transformando as
pessoas, a história, a própria pedagogia. O mundo e os seres
humanos estão para serem construídos. As nossas escolas
são construídas de relações sociais que precisam
ser compreendidas e transformadas.
O olhar não descansa sobre um espaço contínuo
e inteiramente articulado, mas se enreda nos interstícios de extensões
descontínuas, desconcertadas pelo estranhamento. Seu impulso inquiridor
nasce justamente das descontinuidades, do jogo, inacabamento, da fragmentação,
das lacunas, divisões e alteridade. Por isso, o direcionamento
do olhar da investigação, ao invés de dispersar-se
horizontalmente, orienta-se na verticalidade. (MELLO, 2004, p. 19).
De acordo com a autora, o olhar investigativo perpassa
pela prática pedagógica, nela não repousa, mas questiona,
reflete e a critica, o conhecimento é visto na provisoriedade.
É preciso penetrar no movimento dialético da história
e atuar nele, continua a autora: “O homem, como supunha a Modernidade,
não controla totalmente a interpretação e a construção
da realidade.”. (id, ibid). Portanto, a própria formação
docente é um fenômeno em movimento, devendo ser respeitada
e interpretada como tal.
De acordo com Nóvoa (1999, p. 67), temos uma função
social diretamente ligada ao nosso fazer docente, tendo em vista que “A
função dos professores define-se pelas necessidades sociais
a que o sistema educativo deve dar respostas, as quais se encontram justificadas
e mediatizadas pela linguagem técnica pedagógica”.
A linguagem pedagógica da escola é algo complexo e de diferentes
nuances. As políticas educacionais emanadas do poder central, carregada
da ideologia do poder dominante, qual seja, a de manter a desigualdade
e/ou aumentar a já existente entre as camadas da sociedade, recaem
sobre o professor. A inconstância na política educacional
é uma constância. A cada mudança governamental, a
cada mudança de executivo e junto ao mesmo seus assessores, novos
projetos são lançados. Muda-se a metodologia e o professor
em meio a tantas mudanças não tem tempo para alicerçar
seus conhecimentos em bases sólidas, ou seja, ter uma prática
reflexiva.
Pimenta (1999, p.18), salienta que:
A identidade não é imutável. Nem
eterno que possa ser adquirido. Mas é um processo de construção
do sujeito historicamente situado. A profissão de professor, como
as demais, emerge em dado contexto e momento históricos, como resposta
a necessidades que estão postas pela sociedade, adquirindo estatuto
de legalidade. [...] essas colocações apontam para o caráter
dinâmico da profissão docente como prática social.
É na leitura crítica da profissão diante das realidades
sociais que se buscam os referenciais para modificá-la.
O fazer pedagógico e a profissão estão
em constante movimento, assim sendo, é apreendendo os fenômenos
em suas constantes mudanças que vislumbramos mecanismos para sua
superação. As capacitações docentes devem
apreender esse fenômeno em movimento, se constituindo espaço
de mediação entre o conhecimento e prática efetiva.
Para tanto há que se considerar o conhecimento acumulado dos professores.
Nóvoa nos alerta para a necessidade de termos consciência
da profissão docente. Muitas vezes as dificuldades enfrentadas
pela profissão, como número excessivo de alunos em sala
de aula, a política salarial, as mudanças educacionais que
acontecem de cima para baixo, enfim, situações que colocam
o professor em polvorosa, além do que ele é tido como o
único responsável pelo sucesso e/ou fracasso do aluno, ainda
conforme o autor:
Em termos gerais, o discurso pedagógico e social acentua o papel
dos professores, talvez devido a uma certa deformação profissional,
ou devido a um efeito de ocultação a ideológica (consciente
ou inconsciente) dos condicionalismos reais dessa prática, ou ainda
devido ao facto de essa atitude encobrir o baixo estatuto social da profissão
docente. O certo é que existe um discurso pedagógico dominante
uma hiper-responsabilidade dos professores em relação à
prática pedagógica e à qualidade do ensino, situação
que reflete a realidade de um sistema escolar centrado na figura do professor
como condutor visível dos processos institucionalizados de educação.
(NÓVOA, 1997, p.64)
O professor é ator e autor de seu fazer, porém,
nem sempre o professor tem clareza dessa ideologia e apresenta uma prática
pedagógica alienada da realidade vigente e, quando não articula
sua prática visando romper com os padrões impostos mostrando
isso através de ações refletidas.
Há que se aprofundar essa reflexão para que a escola, como
lócus privilegiado de formação, corresponda à
expectativa na construção de uma sociedade mais justa, igualitária
e democrática, dependendo para tanto, entre outras mudanças,
de uma prática pedagógica mais adequada para atender a configuração
de um novo homem e de uma nova sociedade.
A realidade do país nos mostra mediante inúmeros debates,
conferências e estudos, por parte de entidades governamentais e
não-governamentais que a educação é um setor
prioritário para o desenvolvimento de uma sociedade. Para apreender
o fenômeno educativo é necessário antes, ter a concepção
de que estamos em uma sociedade onde o acúmulo do capital é
o diferencial e a tecnologia impera.
O Programa de Formação de Professores Alfabetizadores –
PROFA – surge como um dos caminhos vislumbrados pela política
vigente para a melhoria da educação entendida como uma tarefa
de “formar” um novo indivíduo, que atenda às
novas exigências do mercado de trabalho, exigindo do educador um
perfil, definido a priori pelas relações sociais e internacionais
de produção a nível internacional. Mediante esse
Programa o professor recebe informação e supervisão
sobre a prática que realiza em sala de aula. De acordo com Weisz
, o conhecimento discutido no Programa “[...] vem sendo construído
nos últimos vinte anos. Esse conhecimento didático, que
se expressa em uma metodologia de ensino da língua escrita, é
uma produção coletiva, construída a muitas mãos
e em diferentes países”. (WEISZ, 2005, SP.)
Esse programa advém dos Parâmetros em Ação,
considerado por Nogueira (apud BRASIL, 2002, p. 22) como “[...]
o grande guarda-chuva do qual fazem parte o PROFA além de outros
programas que foram nascendo ao longo de seu desenvolvimento”.
A proposta metodológica contida no PROFA tem por base o construtivismo,
sua metodologia tem como fundamentos teóricos os estudos de Emília
Ferreiro e Ana Teberosky, sendo que ambas centraram suas pesquisas na
aquisição e desenvolvimento da leitura e a da escrita na
criança. Suas idéias dão um novo sentido à
alfabetização .
Conforme estabelece o documento formulado pelo MEC (BRASIL, 2002) a proposta
deve ser realizada com as secretarias de educação estaduais
e municipais, as universidades e as escolas públicas e privadas
de formação para o Magistério, assim como as organizações
não-governamentais interessadas.
O município de Três Lagoas/MS estabeleceu a parceria para
a implementação do PROFA no ano de 2002, atendendo sessenta
professores alfabetizadores atuantes no ensino pré-escolar III
, 1ª e 2ª série do Ensino Fundamental. A Secretaria de
Educação optou por continuar com o regime seriado, conforme
autonomia concedida através da LDB Nº. 9394/96 nos artigos
23 e 32 facultando a organizar a escolaridade em séries ou ciclos:
Art. 23 – A educação básica poderá organizar-se
em série anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância
regular de períodos de estudos, grupos não-seriados, com
base na idade, na competência e em outros critérios, ou por
forma diversa de organização, sempre que o interesse do
processo assim o recomendar.
Art. 32 – O ensino fundamental, com duração mínima
de 8 anos, obrigatório e gratuito na escola pública, terá
por objetivo a formação básica do cidadão,
mediante:
Parágrafo 1º - É facultado aos sistemas de ensino desdobrar
o ensino fundamental em ciclos. (Grifo meu).
Na tessitura da leitura sobre o artigo 23 com o 32 da
referida LDB, concede autonomia às instituições de
ensino a organização da escolaridade, motivo pelo qual a
Secretaria Municipal de Educação de Três Lagoas optou
em continuar com o regime seriado.
No município temos 14 escolas municipais, 13 na zona urbana e 1
na zona rural, na rede estadual temos 10 escolas. O município é
responsável pelo Ensino Fundamental e Educação Infantil,
contando ainda com 08 Centros de Educação Infantil ,atendendo
um total de 8574 alunos.
O Programa é organizado em módulos, sendo: módulo
1- conteúdos de fundamentação relacionados aos processos
de aprendizagem da leitura e da escrita e à didática da
alfabetização; módulo 2-exercícios de situações
didáticas de alfabetização e; módulo 3- trata
dos conhecimentos gramaticais da língua portuguesa. Tem a carga
horária de 160 horas, sendo 75% destinados ao trabalho coletivo
com as formadoras, e 25% destinadas ao trabalho individual por meio de
estudos e atividades práticas em sala de aula.
Os professores envolvidos no Programa têm encontros semanais com
duração de três horas e uma hora de trabalho pessoal.
No trabalho pessoal os professores aplicam a proposta em sala de aula
e, no encontro seguinte discutem o trabalho efetivado com os pares. Esse
é o momento considerado o mais produtivo do encontro, pois há
a reflexão entre teoria e prática e a troca de experiência
enriquecem o trabalho do professor.
Programa de formação de Professores Alfabetizadores –
PROFA teve início no ano de 2002 no município de Três
Lagoas/MS. Inicialmente trabalhou-se com sessenta professores alfabetizadores
na implantação da proposta. O programa consta de 160 horas,
sendo 75% destinados ao trabalho em grupo com as formadoras, e 25% destinados
ao trabalho pessoal através de estudos e atividades práticas
em sala de aula. Atendeu inicialmente 60 professores alfabetizadores que
atuam no ensino pré-escolar III , 1º e 2º ano do Ensino
Fundamental.
As atividades de formação do PROFA orientam-se por duas
finalidades: a ampliação do universo do conhecimento dos
professores e a reflexão sobre a prática. Este processo
segundo Cró (1998, p.77), deve resultar no processo de transformação
da prática pedagógica quer seja “[...] imposta ou
construída por eles próprios. Desde logo, uma forma de apreender
o papel da formação contínua na aprendizagem da prática
em educação seria analisar, num contexto de formação
contínua, as relações entre aprendizagem e mudança
da prática de educar”.
Tal afirmação advém do fato de que, ainda hoje em
muitas escolas o professor atua de forma tradicional, ou seja, o aluno
aprende a ler e escrever usando a cartilha, decorando sílabas,
palavras e textos soltos o que não condiz com a realidade e os
conhecimentos que temos sobre o desenvolvimento infantil, e como ocorre
a aprendizagem, acentuando-se mais e mais ao fracasso escolar, portanto
é preciso uma mudança na atitude docente.
Weisz, ao discutir sobre a dificuldade de estar mudando a prática
do professor salienta que essa não é tarefa fácil
que ocorre de maneira externa, há a necessidade de se considerar
o conhecimento e prática real do professor, isso culmina numa participação
coletiva, o professor sinaliza através de sua prática o
ponto de partida. De acordo com a autora “[...] O conhecimento já
existe e está dentro do sujeito, o trabalho na educação
é torná-lo consciente, é fazer com que ele emerja”.
Para que o professor desenvolva a criticidade capaz de mudar sua prática
tendo em vista a melhoria do processo ensino e aprendizagem, há
a necessidade de adquirir mais a prática de estudar permanente,
ou seja, a qualificar-se continuamente. A capacitação contínua
de professores visa tornar professores críticos reflexivos que
se apropriem de metodologias de ensino que combata o fracasso escolar,
que levem em consideração o conhecimento extra-escolar e
o conhecimento acumulado dos professores.
Ao falarmos de formação docente não podemos cair
na armadilha de perceber um professor que se forma por seus dotes pessoais
de amor ao ofício, e sim como um profissional que dê conta
das demandas exigidas na sociedade que está posta. Essa formação
deve ser articulada entre teoria e prática, uma prática
refletida. Nesse sentido, a dimensão teórica do conhecimento
é imprescindível para a atuação profissional,
mas por si só não basta, é preciso que se saiba mobilizar
esses saberes na prática. Portanto, a mudança na prática
de educar está intrinsecamente ligada à mudança da
postura docente, à sua formação permanente.
Compactuando com as idéias de Freire (1979), ao transmitir o conhecimento
para o aluno, este não deve ser de cima para baixo, um educador
não deve se achar dono do saber, da verdade deve falar com o aluno,
ouvindo, sendo parceiro numa relação dialética. Isto
implica também na afetividade do educador com seus alunos, afetividade
baseada na ética, no respeito, na ponderação, na
imposição de limites, mas que não deva intervir nos
critérios de avaliação.
Nóvoa (1995, p.25), chama a atenção para o fato de
se considerar os aspectos pessoais e profissionais da profissão
docente, alertando para a necessidade da apropriação desses
processos de formação que dão sentido ao fazer profissional.
Evidencia ainda que “[...] a formação não se
constrói por acumulação (de cursos, de conhecimentos
ou de técnicas), mas sim através de um trabalho de reflexidade
crítica sobre as práticas e de (re) construção
permanente de uma identidade pessoal”.
Como o teórico, outros autores chamam a atenção para
a necessidade de reflexão crítica sobre o próprio
saber docente e o fazer pedagógico, seu comprometimento pessoal
e profissional com o ensino de qualidade. Entre eles, Pimenta evidencia,
(1999, p.31):
A formação dos professores na tendência reflexiva
se configura como uma política de valorização do
desenvolvimento pessoal-profissional dos professores e das instituições
escolares, uma vez que supõe condições de trabalho
propiciadoras da formação como contínua dos professores,
no local de trabalho, em redes de autoformação, e em parceria
com outras instituições de formação.
A formação permanente não pode ser realizada desvinculada
da formação integral de personalidade humana. Isso implica
muito mais em termos de condições pessoais, da formação
do uso da cidadania do que outras profissões, nos quais a atividade
técnica do profissional tem certa autonomia em relação
à sua própria qualificação profissional. Isso
só será possível na medida em que estruturas educacionais,
das escolas se propuserem a compartilharem seus medos e incertezas.
Como cita Nogueira (2002, p.26) a questão da metodologia é
fundamental e está ligada à idéia de competência,
mostrando como este programa está sustentado no referencial teórico
de Perrenoud interligando a representação prévia
dos conhecimentos, a ampliação dos conhecimentos teóricos,
a reflexão da prática a resolução de situações
problema mostrando que o desenvolvimento de competências é
algo que se constrói nos eixos: fazer, pensar sobre o fazer e usar
o conhecimento para atuar.
A compreensão da realidade que nos cerca, do processo histórico
que a construiu, do homem como sujeito da história é imprescindível
para a superação da atual situação em busca
de alternativas de ações, mais coerentes, mais adequadas
para a educação escolar de hoje. Assim sendo, é esse
o intuito que o Programa propõe, qual seja de assegurar aos professores
alfabetizadores, bases teóricas e práticas que venham de
encontro ao que há de mais moderno sobre alfabetização,
ou seja, uma metodologia pautada na resolução de problemas.
Os professores que se envolvem neste Programa podem, por sua vez, depreender
dos conhecimentos adquiridos uma nova maneira de construir conhecimentos,
pode ainda apenas reproduzir as metodologias sem uma reflexão sobre
sua própria atuação e assim o sucesso do programa
não será alcançado.
A capacitação continuada deve levar o professor a se sentir
constantemente insatisfeito, superar desafios, melhorar a sua prática
e conseqüentemente, a qualidade do ensino que propõe. Para
que as propostas de novas metodologias sejam efetivadas de fato, é
preciso apropriação por parte do professor e da equipe pedagógica.
De acordo com a representante nacional do MEC Nogueira (In BRASIL, 2002,
p. 23-24), dez princípios orientam essa prática de formação,
dentre os quais elege cinco por estarem intrinsecamente ligados aos programas
em questão: profissão de natureza pública implica,
portanto autonomia e responsabilidade; as competências advêm
da articulação teórica e prática na resolução
de problemas; a atuação profissional tem além da
dimensão docente o envolvimento no projeto da escola, o trabalho
coletivo; o desenvolvimento profissional é necessidade intrínseca
à formação docente, portanto é um direito
de todos os professores e por fim salienta que o sucesso dos Programas
de desenvolvimento profissional está atrelado a condições
de trabalho, avaliação, carreira e salário.
Cabe ao professor fazer uso conhecimento em prol da melhoria da qualidade
do ensino, pois ele assume a posição de prevalência
na educação. Segundo Porto (2004, p.11-12) a formação
inicial e continuada ocupa lugar de destaque no movimento mundial, estando,
de forma crescente, associada ao processo qualitativo de práticas
formativas e pedagógicas. A autora enfoca ainda que estas propostas
venham contrapor as tradicionais práticas formativas. O professor
é o “coringa” nessa situação, deve dar
conta de seu trabalho e preparar os indivíduos de acordo com as
exigências do mercado.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Nº. 9394/96
ao referir-se a formação dos profissionais da educação,
determina que esta seja pautada na reflexão do professor, contemplando
simultaneamente teoria e prática, pois conforme um de seus artigos:
Art. 61 – A formação de profissionais
da educação, de modo a atender os objetivos dos diferentes
níveis e modalidades de ensino e às características
de cada fase do desenvolvimento do educando, terá como fundamentos:
I – a associação entre teorias e práticas,
inclusive mediante a capacitação em serviço; (grifo
nosso)
II – aproveitamento da formação e experiências
anteriores em instituições de ensino e outras atividades.
A dimensão teórica do conhecimento é
imprescindível para a atuação profissional, mas por
si só não basta, é preciso que se saiba mobilizar
esses saberes na prática. Portanto, a mudança na prática
de educar está intrinsecamente ligada à mudança da
postura docente, à sua formação permanente.
Outro ponto citado na referida Lei é o atendimento ao educando
em suas diferentes fases. Para atender tal objetivo se faz necessário,
além do conhecimento da clientela, de se conhecer o eu na diversidade,
trabalhar com enfoques diferenciados, atuando nas deficiências individuais
do aluno e não impor uma educação homogênea.
De acordo com Severino (2003, p.11), “A formação do
profissional da educação só pode ser planejada e
executada com base numa concepção muito clara do que se
espera da educação”. O autor enfoca que as práticas
desenvolvidas nesses universos – o trabalho, a vida social e a cultura,
é que vão construindo a existência dos seres humanos.
Tendo em vista, que o programa investigado advém das políticas
públicas (MEC), o olhar de pesquisador também penetra nessa
esfera, pois, compactuando com Schön, (1995, p.82, grifo do autor)
“[...] quando o governo procura reformar a educação,
tenta educar as escolas, do mesmo modo que estas procuram educar as crianças”.
O Programa de Formação de Professores Alfabetizadores PROFA,
por exemplo, trata de uma capacitação docente, que se traduz
como uma política de governo na tentativa de mudar a prática
docente e, conseqüentemente, mudar e educar as crianças.
Metodologia
A pesquisa em questão, que trata do estudo de um
fenômeno em processo, situado num tempo e espaço específicos,
no caso, os sujeitos envolvidos em situação de formação
em serviço, supõe que os resultados obtidos não significam
a obtenção de conhecimentos cristalizados e, sim conhecimentos
pertinentes a uma realidade determinada.
A opção metodológica será a da pesquisa qualitativa,
que segundo Bogdan & Biklen, citado por Mello (1999, p. 21);
[...] tem como fonte direta de dados o ambiente natural, constituindo-se
o investigador seu próprio instrumento. Ela é também
descritiva, interessando-se mais pelo processo do que simplesmente pelo
resultado ou produtos. Os investigadores qualitativos tendem a analisar
os seus dados de forma indutiva e o significado é de vital importância.
O investigador qualitativo depara-se com uma riqueza de
informações que traduzem conceitos teóricos dos participantes,
os significados históricos, as idéias, as práticas,
enfim como seres de linguagem, manifestam a compreensão do vivido.
Assim, “[...] não se pode insistir em utilizar procedimentos
sistemáticos que possam ser previstos em passos ou sucessões
como uma escada em rumo à generalização”. (MELLO,
2004, p.26).
Pesquisar
em ciências sociais e humanas exige do pesquisador uma compreensão
de mundo onde o sujeito está interagindo, enquanto ator e autor
de seu fazer. Como salienta também (MINAYO, 2001, 21-22):
A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares.
Ela se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade
que não pode ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com um universo
de significados, motivos, aspirações, crenças, valores
e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações,
dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos
à operacionalização de variáveis.
Parafraseando
Lüdke e André (1986, p.5), o fenômeno educacional é
visto cada vez mais dentro de um contexto histórico, sofre e causa
interferências no meio social e histórico. As autoras argumentam
que “Um dos desafios atualmente lançados à pesquisa
educacional é exatamente o de tentar captar essa realidade dinâmica
e complexa do seu objeto de estudo, em sua realização histórica”.
Visando a análise da capacitação docente torna-se
necessário compreender o papel do professor na sociedade, situando-o
historicamente, para tanto me apóio em Minayo:
O objeto
das Ciências Sociais é histórico. Isto significa que
as sociedades humanas existem num determinado espaço cuja formação
social e configuração são específicas. Vivem
o presente marcado pelo passado e projetado para o futuro, num embate
constante entre o que está dado e o que está sendo construído.
Portanto, a provisoriedade, o dinamismo e a especificidade são
características fundamentais de qualquer questão social.
(2001, p. 13.)
Ao analisar
a implementação do PROFA e a prática pedagógica
dos professores concluintes deste Programa, estaremos analisando esta
capacitação dentro da realidade atual, portanto os resultados
alcançados serão considerados na provisoriedade.
Os documentos oficiais do MEC (Ministério da Educação
e Cultura) relacionados ao PROFA e sua aplicabilidade no município
de Três Lagoas, são tratados através da análise
documental, ultrapassando o discurso oficial e fazendo uma leitura mais
apurada do material coletado.
A formação
contínua e seus efeitos da prática pedagogia: é falar
em morte súbita ou as sementes deixadas se fazem germinar?
Ao analisar
a implementação do PROFA no município de Três
Lagoas-MS tendo como objeto de estudo a prática pedagógica
dos professores concluintes deste Programa, estamos analisando esta capacitação
dentro da realidade atual. Portanto, os resultados alcançados são
considerados na provisoriedade, pois trata de um grupo de professores
num espaço e tempo históricos.
Salientamos que, embora com resultados provisórios relativos de
um tempo/espaço contextualizado, é possível antever
os benefícios do curso em relação a: conhecimento
teórico sempre revisitado, estudos coletivos coordenados pelas
supervisoras em algumas escolas, o gosto pelo estudo evidenciado por alguns
professores; criticidade e criatividade do aluno a partir da metodologia
baseada na resolução de problemas, sistematização
da prática, repensar da própria profissão; formação
como ato pessoal e permanente; trabalho com agrupamento produtivo.
Os pontos negativos (embora ainda em fase da análise) apontam:
a insegurança inicial em mudar a prática pelo medo do novo,
falta de apoio da família frente a nova sistemática adotada,
a falta de assessoria ao trabalho pedagógico docente na escola
(direção e supervisão), a falta de tempo para planejar
aulas, número excessivo de alunos em sala de aula, a dificuldade
em identificar os níveis de escrita e conseqüentemente, trabalhar
com agrupamentos produtivos, escassez de material didático e finamente
reclamam do o cansaço proveniente da dinâmica que o método
exige.
Os resultados apontam que muitos professores ainda adotam a metodologia
tradicional ensinando o aluno a aprende a ler e escrever por meio da cartilha,
decorando sílabas, palavras e textos. Portanto, existem resistências
às mudanças sendo importante um estudo para desvelar as
barreiras apresentadas pelos docentes que, mesmo participando do Projeto
não mudam sua prática.
Weisz (2005), ao discutir sobre a dificuldade de estar mudando a prática
do professor salienta que essa não é tarefa fácil
que ocorre de maneira externa, há a necessidade de se considerar
o conhecimento e prática real do professor, isso culmina numa participação
coletiva, o professor sinaliza com sua prática o ponto de partida.
Através de dados levantados até o momento, foi possível
depreender que os concluintes do curso demonstram o entendimento da relação
teoria/prática. Isso confirma que já praticam a reflexão
de suas ações. Como a Profª.Dra. Telma Weisz diz: “[...]
tomam a sala de aula como objeto de reflexão [...] trata-se de
teorizar a prática”. No Programa, modificar a prática
é um subproduto, o objetivo principal de acordo com a coordenadora
do Programa é: “[...] é compreender o que está
por trás da ação prática do professor”.
A questão da metodologia é fundamental e está ligada
à idéia de competência. É visível na
análise de Nogueira (2002, p.26) que o referencial teórico
é sustentado na teoria das competências de Perrenoud interligando
a representação prévia dos conhecimentos, a ampliação
dos conhecimentos teóricos, a reflexão da prática,
a resolução de situações problema. Salienta
ainda que o desenvolvimento de competências é algo que se
constrói nos eixos: fazer, pensar sobre o fazer e usar o conhecimento
para atuar.
A educação é vista como prática social, portanto
dinâmica e em movimento. Ao realizar pesquisa em educação,
o caráter dinâmico da educação deve ser apreendido
no contexto em que será estudado.
Considerar o contexto histórico é uma atitude relevante
por parte do pesquisador, mas, por sua fluidez dinâmica e mudança
natural, conforme nos alertam as autoras Lüdke e André (1986,
p. 5), é preciso escolher métodos de pesquisa que atendam
este caráter dinâmico. Quando um fenômeno situa-se
dentro de uma realidade histórica, sofre uma série de determinações.
Portanto, o desafio do pesquisador é captar esta realidade complexa.
A importância dessa formação continuada, suas contribuições,
a mudança na didática do professor, são dados não
quantificáveis, porém de relevada importância para
a prática docente, para os pesquisadores na área e para
os órgãos governamentais e não-governamentais.
Para a concretização da pesquisa foram aplicados inicialmente
questionário com todos os supervisores, diretores e professores
que cursaram e concluíram o PROFA no período de 2002 e 2003.
Assim sendo, temos o estudo de duas turmas: a de 2002 para sessenta professores
alfabetizadores e a de 2003 para 110 professores dentre ao quais alguns
exercem a função de supervisor e/ou diretor.
A partir do questionário chegamos a um percentual representativo
de professores, com os quais passaremos à fase seguinte. Serão
selecionados treze professores alfabetizadores, uma formadora e duas supervisoras.
As entrevistas (semi-estruturada) com os sujeitos escolhidos se encontram
em fase de realização. A escolha de sujeitos selecionados
ocorreu voluntariamente, e são representativos de 10% daqueles
que participaram do processo de formação. A formadora também
aceitou participar, assim como, as supervisoras.
Procuramos nesta pesquisa, embora em fase de conclusão, analisar
a formação continuada a partir da experiência vivida
no município de Três Lagoas, MS. O PROFA é um programa
de formação que apresenta em sua base teórica e prática,
a reflexão e a oportunidade de teorizar a prática, o que
ocorre nos encontros presenciais com a formadora. A tematização
da prática, que é reviver a prática, olhá-la
por fora, apresenta ao professor uma nova maneira de lidar com os problemas
do cotidiano, de estar interagindo com os alunos de acordo com suas necessidades.
Embora, como já fora dito, em fase de análise de dados,
o programa apresenta suas limitações tendo em vista a fala
de alguns professores concluintes, porém, apresenta inúmeros
aspectos positivos que tem contribuído para a mudança da
prática docente, dentro de uma postura reflexiva. Apesar de estarmos
inseridos numa sociedade competitiva, onde prevalece mais o ter que o
ser, no que concerne à educação, a educação
continuada, é um elemento essencial a ser considerado quando se
almeja qualidade no ensino.
REFERÊNCIAS
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