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PRODUÇÃO
DE TEXTOS NO LIVRO DIDÁTICOS: ARGUMENTAÇÃO E ENSINO
Telma Ferraz Leal – Universidade Federal
de Perrnambuco - UFPE
Ana Carolina Perrusi Brandão - Universidade Federal de Perrnambuco
– UFPE
Severina Érika Morais Silva Guerra – Universidade Federal
de Perrnambuco - UFPE
O objetivo desta pesquisa foi observar a freqüência
com que a argumentação aparece nos comandos das atividades
de produção de textos de livros didáticos destinados
às séries iniciais. Buscamos, através da analise
de duas coleções de 1º a 4º séries, mostrar
em detalhe como se apresentam os comandos das atividades de produção
de textos, no que se refere ao gênero, ao destinatário e
à finalidade. Foi visto que apenas seis das propostas de produção
de textos de cada uma das coleções exibiam questões
de produção de textos da ordem do argumentar, que se apresentavam,
via de regra, com destinatários e finalidades imaginárias.
1. Introdução
As pesquisas sobre o ensino da língua portuguesa
têm registrado modos distintos de tratar a leitura e a produção
de textos na escola, resultando em diferentes maneiras de acesso aos gêneros
textuais pelos alunos. Dentre outras implicações apontadas
por esses estudos, destaca-se a recomendação de que os alunos
participem de práticas de leitura e escrita de variados gêneros
textuais. Dentre esses diversos gêneros, destacamos a importância
de darmos acesso aos textos da ordem do argumentar.
Nesta pesquisa, partimos do princípio de que argumentar é
uma atividade discursiva e social especialmente relevante, que permeia
a vida dos indivíduos em todas as esferas da sociedade, pois a
defesa de pontos de vista é fundamental para que se conquiste espaço
social e autonomia. Consideramos, também, que existem alguns gêneros
textuais que se caracterizam pela presença mais marcante de estratégias
para argumentar. Torna-se fundamental, assim, refletirmos sobre os contextos
em que tais gêneros emergem.
Assim, defendemos que não basta apenas os alunos serem expostos
a um gama considerável de gêneros e tipos textuais. Concebemos
que é fundamental levar os alunos a refletir sobre suas finalidades
e esferas sociais em que eles circulam. Em suma, assumimos que o ensino
da língua portuguesa na escola deve ser realizado em uma perspectiva
sócio-interacionista, em que o contexto de produção
e de leitura sejam focos de atenção de alunos e professores.
É importante, portanto, que os alunos mantenham o contato com os
diferentes gêneros textuais, para que possam realizar inferências
e gerenciar com sucesso as atividades de leitura e de produção
de textos a partir dos conhecimentos previamente adquiridos, sabendo como,
quando, para quem e com que finalidade estão lendo ou produzindo
textos.
Considerando as especificidades do trabalho com leitura e com produção
de textos, defendemos, também, que se deve organizar o tempo pedagógico
de modo a que o ensino da leitura e da escrita, embora articulados, objetivem
o desenvolvimento de capacidades específicas relativas aos gêneros
trabalhados e às diferentes estratégias de leitura e de
escrita. Assim, ler e produzir textos são atividades distintas
que merecem tratamentos específicos no âmbito do ensino e
da pesquisa.
Por fim, destacamos a importância de que o trabalho de leitura e
de produção de textos seja diversificado e que os recursos
didáticos possibilitem que os aspectos já citados se concretizem
na ação dos professores. Dentre os recursos didáticos
em foco, apontamos os livros didáticos como poderosos instrumentos
da ação do professor.
Nesse sentido, realizamos este estudo, que tem por objetivo analisar as
condições de produção de textos da ordem do
argumentar em tarefas propostas em livros didáticos voltados para
crianças dos anos iniciais do Ensino Fundamental.
2 . Referencial teórico
Para enfocar o tema acima descrito – produção
de textos da ordem do argumentar em livros didáticos de língua
portuguesa -, consideramos fundamental abordar dois tópicos que
se complementam nesta pesquisa: (1) o livro didático e o ensino
de produção de textos e (2) a argumentação
como objeto de ensino no livro didático.
2.1. O livro didático e o ensino de produção
de textos
O livro didático tem assumido uma posição
de destaque no cenário das escolas públicas brasileiras,
por ser um recurso muito utilizado pelos professores, e também
porque seus textos são utilizados como apoio para várias
atividades em sala de aula. Essa premissa pode ser comprovada através
do aumento da compra de exemplares por parte do MEC (Ministério
de Educação e Cultura), que em 1997 adquiriu 110 milhões
de livros didáticos.
Por isso, se faz necessário reconhecer a importância de tal
material como um suporte para o trabalho do professor e para o processo
de aprendizagem do aluno. É considerando tal relevância,
que buscaremos investigar se os textos da ordem do argumentar estão
presentes nesse suporte textual e, ainda, a natureza das atividades de
produção textual.
Livro didático, tal como concebem Oliveira, Guimarães e
Momény (1984), “é um material impresso, estruturado,
destinado ou adequado a ser utilizado num processo de aprendizagem”
(p.11). Os livros didáticos aprovados e adquiridos pelo MEC para
uso nas escolas públicas do país são compostos por
textos e atividades a serem executadas pelos alunos. Os livros didáticos
de língua portuguesa compõem-se de exercícios voltados
para o desenvolvimento das capacidades de leitura, produção
de textos, linguagem oral e análise lingüística. Neste
estudo, estamos enfocando as propostas didáticas de produção
de textos escritos.
Concebemos, neste estudo, a idéia de que a produção
de textos é uma atividade social, tendo o produtor como um ser
ativo, que empreende esforços para atingir objetivos. Assim sendo,
produzir textos implica desenvolver estratégias para causar efeitos
nos interlocutores. Essa busca por dirigir-se ao destinatário implica
em mobilizar conhecimentos diversos que são agregados para a construção
da textualidade. Ou seja, conforme defendido por Leal e Luz (2001):
Produção de textos compreende o desenvolvimento
da capacidade de coordenar conhecimentos de vários níveis
e atividades também diversificadas que estão em jogo no
trabalho da escrita. O escritor precisa usar informações
acerca das normas de notação da escrita; atentar para as
normas gramaticais de marcação de concordância gramatical,
usar recursos coesivos e sinais de pontuação; organizar
o texto em parágrafos; decidir acerca da estrutura das frases;
selecionar palavras; utilizar conhecimentos acerca do tipo de texto a
produzir, tais como organização, seqüência de
idéias, estilo de enunciação; refletir acerca do
conteúdo a ser veiculado, entre outras decisões necessárias
(p.29).
As autoras alertam que todas essas ações
são coordenadas com vistas a cumprir uma meta, com finalidades
e destinatários delimitados. Ou seja, são realizadas em
função das condições de produção,
que, segundo Orlandi e Guimarães (1985), envolvem o contexto histórico
e social em que se dá o ato lingüístico e o contexto
imediato. Assim, quem escreve o texto elabora representações
sobre o interlocutor, representações sobre a situação
de interação, representações sobre as representações
do interlocutor, representações sobre o gênero de
texto a ser produzido.
Sabemos que os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) recomendam
que as situações de produção de textos em
sala de aula sejam realizadas de forma a que os objetivos e os leitores
sejam os primeiros elementos a serem pensados, pois todas as outras decisões
que o escritor precisa tomar dependem dessas condições.
Nessa perspectiva, investigamos se as propostas de produção
de textos nos livros didáticos analisados contemplam tais elementos,
ou seja, se nos comandos há explicitação das finalidades
e interlocutores para os textos a serem produzidos. No entanto, essas
análises são feitas com o enfoque em situações
de produção de textos da ordem do argumentar.
2.2. Argumentação como objeto de ensino
Koch (1987) salienta que “o ato de argumentar,
isto é, de orientar o discurso no sentido de determinadas conclusões,
constitui o ato lingüístico fundamental, pois a todo e qualquer
discurso subjaz uma ideologia, na acepção mais ampla do
termo” (p.19). Outro autor que comunga desse pensamento é
Ducrot (1980), quando supõe que a argumentação é
a essência da língua. Pécora (1999, p. 88) partilha
dessa posição quando concebe a argumentação
como uma “propriedade fundamental da linguagem”. Estes autores
defendem que todo texto possui uma base argumentativa, ou seja, a argumentação
não representa um privilégio de um texto específico.
Mesmo concordando com as premissas gerais de que a argumentação
é uma propriedade geral do discurso, e reconhecendo que em todo
texto existe uma intenção de provocar no leitor algum efeito,
e que, portanto, tem uma intenção persuasiva, acreditamos
que existem alguns textos que apresentam de forma mais explícita
o objetivo de defender pontos de vista. Comungamos com a idéia
de que a base argumentativa é uma propriedade geral da linguagem
e a idéia de que existem alguns textos em que o compromisso com
a defesa do ponto de vista é mais explicito.
Nesse sentido, concebemos que a argumentação é uma
atividade discursiva que possibilita a defesa de pontos de vista, tendo
uma preocupação constante com o interlocutor. Em decorrência
dessa caracterização geral, os textos da ordem do argumentar
apresentam explícita ou implicitamente pontos de vista. Esses pontos
de vista são introduzidos por meio de um processo de justificação,
o que pode ser feito por meio de uma justificativa ou de uma cadeia de
justificativas e justificativas das justificativas.
Também em decorrência dessa necessidade de defesa de ponto
de vista, insere-se, muitas vezes, argumentos contrários ao que
se está defendendo. A esses argumentos contrários, denominamos
refutação. As refutações, via de regra, são
enfraquecidas por um processo de contra-argumentação.
Esses elementos (ponto de vista, justificativa, justificativa da justificativa,
contra-argumentação), por meio de diferentes combinações,
garantem a singularidade de cada texto. As estratégias usadas para
organizar alguns ou todos esses elementos, formando um texto coeso e coerente,
são elaboradas em função das situações
em que os textos emergem: os contextos de produção.
Dolz e Schnewly (1996) classificam tais textos como “textos da ordem
do argumentar”. São muitos os gêneros textuais classificáveis
nessa categoria: textos de opinião, diálogos argumentativos,
cartas ao leitor, cartas de reclamação, cartas de solicitação,
debates, editoriais, requerimentos, ensaios, resenhas críticas,
artigos de opinião, monografias, dissertações.
O fundamental nessa discussão é a adoção do
pressuposto de que ao argumentar, estamos assumindo uma atitude responsiva
ativa. Na perspectiva de Bakhtin (2000), isso caracteriza a dimensão
dialógica da linguagem, que nos leva a inserir no nosso texto diferentes
vozes que, no discurso argumentativo, trazem diversos pontos de vista
acerca do tema que está em discussão. Assim, só nos
engajamos, de fato, em uma atividade de produção de texto
argumentativo quando o tema proposto é passível de debate,
temos interesse em convencer o interlocutor acerca de nosso ponto de vista
e o contexto de produção favorece a defesa de nossos pontos
de vista acerca do tema. É imprescindível, também,
que tenhamos conhecimentos a respeito do tema e dos diferentes pontos
de vista a respeito dele para que reconheçamos a “possibilidade
do debate”.
Nesta investigação, buscamos refletir sobre os livros didáticos,
investigando, em duas coleções, se as atividades de produção
de textos propiciam o desenvolvimento das capacidades de defender pontos
de vista em textos escritos.
3. Objetivos
Nesta pesquisa, objetivamos analisar as propostas de produção
de textos na ordem do argumentar em livros didáticos destinados
aos anos iniciais do Ensino Fundamental. Assim, pretendemos:
a) Investigar a quantidade de propostas de produção
de textos em duas coleções de livros didáticos destinados
às séries iniciais;
b) Identificar as propostas de produção de textos em que
os alunos precisam defender pontos de vista;
c) Indicar a freqüência com que aparecem propostas de atividades
de produção de textos em que é preciso argumentar,
por série e coleção;
d) Analisar os comandos de produção de textos da ordem do
argumentar, identificando os tipos de finalidades, interlocutores, suportes
textuais e gêneros textuais indicados.
4. Método
Para realizar este estudo, inicialmente fizemos um levantamento
das atividades de produção de textos de duas coleções
indicadas no PNLD (Programa Nacional do Livro Didático): o “ALP
novo” (Análise, Linguagem e Pensamento), de Maria Fernandes
Cócco e Marco Antonio Hailerv, e “Com Texto e Trama”,
de Maria Garcia Melo.
Após esse levantamento, identificamos as atividades em que era
sugerida a produção de textos da ordem do argumentar, fazendo
a contagem dessas propostas por série e coleção.
Por fim, realizamos uma exploração detalhada dessas atividades
e os comandos dados para cada uma delas, procurando identificar quais
os tipos de finalidade, interlocutores, gêneros textuais, suportes
textuais. Buscamos, também, refletir sobre as orientações
de estudo, investigando se elas favorecem a realização das
atividades pelos alunos.
5. Análise dos resultados
5.1. Análise do “ALP novo”
Durante a análise desta coleção,
verificamos que os autores organizam os volumes em torno de atividades
de leitura, exploração dos conhecimentos lingüísticos
e questões de produção de textos orais e escritos.
É interessante destacar que com relação às
atividades de produção de textos escritos, os autores trabalham
em média com treze questões de produção de
textos em cada um dos quatro volumes, abordando vários gêneros.
Esta quantidade de propostas de produção de textos pode
ser considerada mínima, se concebermos que a atividade de produzir
textos envolve capacidades múltiplas e habilidades de coordenar
ações de gerar o conteúdo, textualizar e registras
(notar) no papel o texto. Se aliarmos a isso a idéia de que os
diferentes gêneros textuais possuem especificidades que precisam
ser contempladas, a pequena quantidade de produção por ano,
com diversificação dos gêneros, faz supor que cada
gênero aparece em pouquíssimas propostas de atividades.
No que diz respeito às questões da ordem do argumentar,
observando a tabela 1, verificamos que a freqüência com que
estas aparecem em todos os volumes da coleção é 6
(11,3%), ou seja, em cada volume há apenas uma ou duas questões
da ordem do argumentar. E como percebemos que em toda coleção
são trabalhadas poucas atividades de produção de
textos (53), e que destas apenas seis são da ordem do argumentar,
podemos dizer que raramente os alunos escrevem textos para defender pontos
de vista, pelos menos nas situações orientadas pelo livro
didático.
Tabela 1: Freqüência de comandos de atividades
de produção de textos que aparecem nos volumes da coleção
ALP.
Coleção ALP |
Volume 1 |
Volume 2 |
Volume 3 |
Volume 4 |
Total |
Freq. |
% |
Freq. |
% |
Freq. |
% |
Freq. |
% |
Freq. |
% |
Atividades de produção de textos da ordem do argumentar |
3 |
21,4 |
-- |
-- |
1 |
7,1 |
2 |
16,7 |
6 |
11,3 |
Atividades de produção de outras espécies de textos |
11 |
78,6 |
13 |
100 |
13 |
92,9 |
10 |
83,3 |
47 |
88,7 |
Total de atividades de produção de textos |
14 |
100 |
13 |
100 |
14 |
100 |
12 |
100 |
53 |
100 |
Com relação
aos gêneros textuais, observamos que nos quatro volumes há
em torno de 49 gêneros textuais. Em cada volume observa-se certa
variação de gêneros, estando alguns deles sempre presentes
ao longo da coleção.
Também é possível verificar que há poucos
casos em que os comandos das atividades de produção de textos
não indicam o gênero. Mesmo nesses casos, o gênero
é passível de identificação.
Os gêneros textuais mais freqüentes na coleção
foram: conto (10 atividades - 20,4%), “conversa” (6 atividades
- 12,2%), conto de fadas (4 atividades - 8,2%), bilhete e lista (3 atividades,
cada - 6,1%, cada).
Com relação às atividades de produção
de textos em que os alunos tinham que defender pontos de vista, conforme
dissemos anteriormente, foram apenas 6 (ver Tabela 2). No volume 1, foram
solicitados 3 gêneros da ordem do argumentar: “cartaz educativo”,
“anúncio publicitário” e “discurso político”.
No volume 2, os alunos não são chamados a produzir textos
que necessitem a defesa de pontos de vista. No terceiro volume, o gênero
proposto da ordem do argumentar foi o “discurso de defesa”.
Por fim, no 4º volume, a ser usado quando os alunos estão
prestes a ingressar na 5ª série ou terceiro ciclo, os autores
sugerem a produção dos gêneros “carta de reclamação”
e “texto de opinião”.
Tabela 2: Freqüência em que aparecem textos da ordem do argumentar
nos comandos das atividades de produção de texto da coleção.
Coleção ALP |
Volume I |
Volume II |
Volume III |
Volume IV |
Total |
|
Freq. |
% |
Freq. |
% |
Freq. |
% |
Freq. |
% |
Freq. |
% |
Anuncio publicitário |
1 |
7,13 |
0 |
-- |
-- |
-- |
-- |
-- |
1 |
1,9 |
Carta de reclamação |
-- |
-- |
0 |
-- |
-- |
-- |
1 |
8,35 |
1 |
1,9 |
Cartaz educativo |
1 |
7,10 |
0 |
-- |
-- |
-- |
-- |
-- |
1 |
1,9 |
Discurso político |
1 |
7,13 |
0 |
-- |
-- |
-- |
-- |
-- |
1 |
1,9 |
Discurso de defesa |
-- |
-- |
0 |
-- |
1 |
7,1 |
-- |
-- |
1 |
1,9 |
Texto de opinião |
-- |
-- |
0 |
-- |
-- |
-- |
1 |
8,35 |
1 |
1,9 |
Outros gêneros textuais (ou tipos textuais) |
10 |
71,5 |
13 |
100 |
11 |
78,6 |
10 |
83,3 |
44 |
83,0 |
Não explicita gênero nem tipo textual |
1 |
7,1 |
0 |
0 |
2 |
14,3 |
0 |
0 |
3 |
5,7 |
Total. |
14 |
100 |
13 |
100 |
14 |
100 |
12 |
100 |
53 |
100 |
Em relação
à indicação dos destinatários, a coleção
“ALP novo”, na maioria das atividades, contempla o grupo classe.
O destinatário real e o imaginário são pouco indicados
nas propostas. Quando não explicita o destinatário, via
de regra, este é o próprio professor. Nas situações
de produção de textos da ordem do argumentar, no entanto,
são indicados, na maioria das vezes, destinatários imaginários.
No entanto, nesses casos, os colegas de sala são leitores dos textos,
representando os destinatários fictícios, conforme pode
ser observado na Tabela 3.
A tabela 3 apresenta as finalidades das questões de produção
de textos da ordem do argumentar. Nela podemos observar que as situações
de fato propiciam aos alunos condições para que realizem
a defesa de pontos de vista. Apesar de estarem lidando com situações
fictícias e destinatários também fictícios,
há um jogo que envolve os alunos do grupo classe. Eles escrevem
para “brincar” de participar de situações que
são miméticas às situações da vida
cotidiana. Um exemplo pode ser dado a partir da leitura da atividade da
página 48 (volume 3), quando o aluno é chamado a apresentar
um discurso de defesa a um tribunal fictício. Ele precisará
apresentar além do seu ponto de vista, uma justificativa e uma
contra-argumentação, dado que os que acusam o homem de destruir
a natureza dispõem de argumentos para proceder a essa acusação.
Outra atividade interessante é a proposição presente
na página 46 do volume 1.
“Imagine
que você quer vender alguns objetos escolares que não está
mais usando. Invente anúncios para esses objetos. Use um papel
à parte e anuncie: um lápis, um caderno, um livro, um apagador
e uma carteira”.
Esta atividade
é especialmente interessante porque leva o aluno a imitar uma situação
real de interlocução (produção de anúncios
publicitários). Para convencer os interlocutores, as empresas de
publicidade desenvolvem “representações” sobre
o que pensam os “clientes em potencial” e elaboram argumentos
que sejam suficientes e pertinentes ao grupo que se pretende atingir.
Trabalhos desse tipo, embora sejam imaginários, podem levar os
alunos a refletir sobre “o jogo discursivo” que está
subjacente a esta esfera social de interação.
Tabela 3:
Freqüência com que aparecem finalidades na ordem do argumentar
nos comandos das atividades de produção de texto da coleção.
Coleção
ALP |
Volume
I |
Volume
II |
Volume
III |
Volume
IV |
Total |
|
Freq. |
% |
Freq. |
% |
Freq. |
% |
Freq. |
% |
Freq. |
% |
Convencer
e ensinar aos colegas a economizar água (Cartaz educativo). |
1 |
7,13 |
-- |
-- |
-- |
-- |
-- |
-- |
1 |
1,9 |
Vender
produtos imaginários (Anúncio publicitário). |
1 |
7,13 |
-- |
-- |
-- |
-- |
-- |
-- |
1 |
1,9 |
Convencer
os eleitores, conquistando os seus votos (Discurso político). |
1 |
7,13 |
-- |
-- |
-- |
-- |
-- |
-- |
1 |
1,9 |
Defender
“os homens” quanto aos ataques à natureza diante de um tribunal
fictício (Discurso de defesa). |
-- |
-- |
-- |
-- |
1 |
-- |
-- |
-- |
1 |
1,9 |
Fazer
reclamação quanto ao valor de uma conta a uma Companhia telefônica
(carta de reclamação). |
-- |
-- |
-- |
-- |
-- |
-- |
1 |
8,35 |
1 |
1,9 |
Escrever
a opinião sobre vantagens e desvantagens do meio de transporte ferroviário
(texto de opinião) |
-- |
-- |
-- |
-- |
-- |
-- |
1 |
8,35 |
1 |
1,9 |
Outras
finalidades. |
10 |
71,5 |
12 |
85,8 |
13 |
92,9 |
10 |
83,3 |
47 |
88,7 |
Não
indica finalidade. |
1 |
7,1 |
1 |
7,1 |
0 |
0 |
0 |
0 |
2 |
3,8 |
Total. |
14 |
100 |
13 |
100 |
14 |
100 |
12 |
100 |
53 |
100 |
Apesar de
reconhecermos que são boas as atividades de produção
de textos da ordem do argumentar, alertamos que a ausência de situações
em que os alunos precisem defender suas opiniões para interlocutores
reais que não participam da situação de produção
é uma lacuna a ser preenchida.
5.2. Análise
do “Com texto e trama”
Ao realizarmos
a análise desta coleção, observamos que a autora
divide os volumes em unidades, apresentando textos de diferentes gêneros
e abordando uma mesma temática, trabalhando com questões
de compreensão de textos, de produção de textos e
de conhecimentos lingüísticos.
As atividades de produção de textos contemplam diferentes
gêneros e tipos textuais, totalizando nos quatro volumes 54 tarefas.
A autora propõe, em média, treze atividades de produção
de textos em cada volume. No que se refere aos comandos de produção
de textos da ordem do argumentar, encontramos 11,1% em toda coleção,
sendo trabalhado em cada volume cerca de uma ou duas questões desse
tipo, como observamos na tabela 4 que segue abaixo. Podemos destacar ainda
que, das seis propostas de produção de textos da ordem do
argumentar, três estavam inseridas no volume destinado à
4ª série e que no volume 2 desta coleção, não
se aborda estas questões.
A coleção “Com Texto e Trama”, assim como a
coleção “ALP Novo”, propõe poucas situações
de produção de textos escritos, mesmo apresentando uma diversidade
de gêneros e tipos textuais. Reafirmamos nossa posição
de que a quantidade solicitada é insuficiente para levar os alunos
a aprender a escrever textos para atender a diferentes finalidades e interlocutores.
Tabela 4:
Freqüência de comandos de atividades de produção
de textos que aparecem nos volumes da coleção Com Texto
e Trama.
Coleção Com Texto e Trama |
Volume 1 |
Volume 2 |
Volume 3 |
Volume 4 |
Total |
Freq. |
% |
Freq. |
% |
Freq. |
% |
Freq. |
% |
Freq. |
% |
Atividades de produção de textos da ordem do argumentar |
1 |
7,7 |
0 |
0 |
2 |
12,5 |
3 |
21,4 |
06 |
11,1 |
Atividades de produção de outras espécies de textos |
12 |
92,3 |
11 |
100 |
14 |
87,5 |
11 |
78,6 |
48 |
88,9 |
Total |
13 |
100 |
11 |
100 |
16 |
100 |
14 |
100 |
54 |
100 |
Com relação
aos gêneros que aparecem nos comandos das atividades de produção
de textos da coleção em questão, há uma diversidade
de gêneros, totalizando 55 em todos os volumes pesquisados. Outro
aspecto a ser ressaltado é que mesmo nos comandos de produção
em que o gênero não é explicitado, este é passível
de identificação. Os gêneros mais freqüentes
foram os seguintes: poema (6 - 11%); conto e receita culinária
(4, cada - 7,3%, cada); conto de fadas, história em quadrinhos,
faixa, instrução de uso, carta de solicitação,
texto teatral, texto de opinião e fábula (2, cada - 3,6%,
cada)
Os gêneros de textos em que os alunos são convidados a defender
pontos de vista, conforme indicado na Tabela 5, são: carta de opinião,
com 3,6%; carta de solicitação, com 7,2%; texto de opinião,
com 7,2%; e a propaganda, com 3,6%.
Tabela 5:
Freqüência em que aparecem textos da ordem do argumentar nos
comandos das atividades de produção de texto da coleção.
Coleção
Com texto e Trama |
Volume
I |
Volume
II |
Volume
III |
Volume
IV |
Total |
|
Freq. |
% |
Freq. |
% |
Freq. |
% |
Freq. |
% |
Freq. |
% |
Carta
de opinião |
1 |
7,7 |
-- |
-- |
-- |
-- |
-- |
-- |
1 |
1,85 |
Carta
de solicitação |
-- |
-- |
-- |
-- |
1 |
6,25 |
1 |
7,13 |
2 |
3,7 |
Propaganda |
-- |
-- |
-- |
-- |
-- |
-- |
1 |
7,13 |
1 |
1,85 |
Texto
de opinião |
-- |
-- |
-- |
-- |
1 |
6,25 |
1 |
7,13 |
1 |
1,85 |
Outros
gêneros textuais. |
11 |
84,6 |
11 |
100 |
11 |
68,75 |
11 |
78,6 |
44 |
81,5 |
Não
explicita o gênero. |
1 |
7,7 |
0 |
0 |
3 |
18,75 |
0 |
0 |
4 |
7,4 |
Total. |
13 |
100 |
11 |
100 |
16 |
100 |
14 |
100 |
54 |
100 |
Os destinatários
nas atividades de produção são claramente apresentados
nesta coleção. O grupo classe aparece como sendo o principal
destinatário, com 64,8%. Com 16,7% vem o destinatário real
e o destinatário imaginário surge com 13%. Mesmo quando
não é explicitado o destinatário na proposta de atividade,
ele é passível de identificação. Nesses casos,
em geral, o professor é o destinatário esperado (5,5%).
Nas atividades de produção de textos da ordem do argumentar
os destinatários foram: no primeiro volume, personagens de TV;
no terceiro volume, os correios e outro colega de classe; e no quarto
volume, os órgãos ou instituições (como Assembléia
Legislativa, Prefeitura, etc.) e as outras turmas da escola. No segundo
volume, como não foram apreciadas questões da ordem do argumentar,
não houve destinatário, Outro aspecto que não pode
deixar de ser ressaltado nesta coleção é com relação
à finalidade de cada produção de texto escrito. Como
podemos verificar na tabela 6, a autora contempla de modo suficiente este
aspecto fundamental na produção textual com 98,1% das questões,
explicitando algum tipo de finalidade.
As finalidades relacionadas às atividades de produzir textos da
ordem do argumentar aparecem, como já foi dito, em 11,1% dos comandos.
Nesta coleção as finalidades da ordem do argumentar são
reais, levando os alunos a se engajarem no projeto argumentativo. Um exemplo
pode ser obtido na página 89 (volume 4), que solicita o gênero
carta de solicitação. O aluno, para dar conta da tarefa
terá que reivindicar soluções dos problemas da humanidade,
justificando seus pontos de vista.
Outro exemplo de atividade em que os alunos precisam justificar seus pontos
de vista pode ser visto na página 135, do volume 1:
“Escreva
uma carta para um dos personagens de um programa de TV de que você
gosta, fazendo perguntas criticas e também elogios que você
acha verdadeiros. Leia a carta para o colega que se assenta ao seu lado,
ouça as criticas, pense nelas e corrija sua carta. Depois, coloque
a carta no correio. Antes, procure saber o endereço completo e
não se esqueça de colocar os dados do remetente atrás
do envelope: nome e endereço completo”.
Nesta atividade,
os alunos são orientados a escrever uma carta de opinião.
A proposta de que eles expressem sua opinião sobre a atuação
de personagens de programa de televisão pode levar à construção
de estratégias interessantes de interlocução “real”,
dado que essa é uma situação comum no cotidiano das
pessoas.
Tabela 6:
Freqüência com que aparecem finalidades na ordem do argumentar
nos comandos das atividades de produção de texto da coleção.
Coleção
Com Texto e Trama |
Volume
I |
Volume
II |
Volume
III |
Volume
IV |
Total |
Freq. |
% |
Freq. |
% |
Freq. |
% |
Freq. |
% |
Freq. |
% |
Dar
opinião sobre a atuação de personagens de programa de televisão
para enviar à emissora de TV (Carta de opinião). |
1 |
7,7 |
-- |
-- |
-- |
-- |
-- |
-- |
1 |
1,8 |
Solicitar
aos correios informações acerca dos diferentes modos de enviar uma
carta (carta de solicitação). |
-- |
-- |
-- |
-- |
1 |
0,6 |
-- |
-- |
1 |
1,8 |
Opinar
sobre um pintor francês pra um colega da sala (texto de opinião). |
-- |
-- |
-- |
-- |
1 |
0,6 |
-- |
-- |
1 |
1,8 |
Reivindicar
a órgãos ou instituições medidas para solucionar problemas (carta
de solicitação). |
-- |
-- |
-- |
-- |
-- |
-- |
1 |
4,76 |
1 |
1,8 |
Convencer
leitores a comprar produtos imaginários (propaganda). |
-- |
-- |
-- |
-- |
-- |
-- |
1 |
4,76 |
1 |
1,8 |
Opinar
sobre a vida de Tarsila do Amaral para outra turma da escola (Texto
de opinião). |
-- |
-- |
-- |
-- |
-- |
-- |
1 |
4,76 |
1 |
1,8 |
Outras
finalidades. |
11 |
84,6 |
11 |
100 |
14 |
87,5 |
11 |
85,7 |
47 |
87 |
Não
indica finalidade. |
1 |
7,7 |
0 |
0 |
0 |
0 |
0 |
0 |
1 |
1,9 |
Total. |
13 |
100 |
11 |
100 |
16 |
100 |
14 |
100 |
54 |
100 |
6. Conclusões
Uma primeira
conclusão decorrente das reflexões feitas é que ambas
as coleções não contemplam de maneira suficiente
a produção de textos, embora apresentem propostas de leitura
suficientes para desenvolver variadas estratégias leitoras. A insuficiência
decorre, sobretudo, da pequena quantidade de situações que
levam os alunos a criar estratégias discursivas para causar efeitos
em diferentes leitores com diversos tipos de finalidades.
Em relação à produção de textos da
ordem do argumentar a situação é ainda mais grave,
pois as coleções propõem seis atividades cada. Ou
seja, durante quatro anos de escolaridade, são propostas seis atividades
que propiciam o desenvolvimento de capacidades complexas de inserção
em práticas de escrita para defesa de pontos de vista.
Apesar de apresentar em suas propostas condições favoráveis
de produção de textos para os alunos, as coleções
pesquisadas não possibilitam o desenvolvimento de diferentes estratégias
para inserção dos pontos de vista, ou para articulação
de justificativas, ou mesmo para introdução de contra-argumentos
quando se faz necessário, por não possibilitar um contato
mais intenso com tais práticas.
Por outro lado, não há, nas atividades propostas, orientações
que ajudem os alunos a planejar a organização dos argumentos
do texto ou mesmo atividades de revisão em que o foco de análise
seja a consistência argumentativa.
Em suma, os dados analisados nesta pesquisa evidenciam que o livro didático
não contempla de maneira suficiente as atividades de produção
de textos, pois em ambas as coleções o número de
propostas desse tipo é muito baixo. No diz que respeito à
produção de gêneros da ordem do argumentar mostramos
que a freqüência é ainda menor. Logo, não são
suficientes as proposições que levam os alunos a vivenciar
práticas essenciais na vida do aluno dentro e fora da escola.
7. Referências
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Mikhail (2000). Estética da criação verbal. 3º
ed. (1953 – 1ª ed.) Trad. Maria Ermantina Galvão. São
Paulo: Martins Fontes.
Brasil, M. E. C. (1997). Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília,
MEC.
Brasil, Ministério da Educação e Cultura. (1998).
Guia de livros didáticos – 1º a 4º séries.
PNLD. Brasília, MEC.
Cocco, Maria Fernández e Hailer, Marco Antônio de A. (1999).
Análise, Linguagem e Pensamento - ALP novo. São Paulo: FTD,
v.1-4 (livro didático).
Dolz, Joaquim & Schneuwly, Bernard. (1996). Genres et progression
en expression orde et écrite – Eléments de réflexions
à propos d´une experience romande. Enjeux, nº37-38,
p.31-49.
Ducrot, O. (1980). Les Échelles argumentatives. Paris: Minuit.
Garcia, Maria Mello. (1999). Com Texto e Trama, Belo Horizonte: Expressão,
v. 1-4. (livro didático).
Koch, I. (1987). Argumentação e linguagem. São Paulo:
Cortez.
Leal, T.F. (2003). Produção de textos na escola: a argumentação
em textos escritos por crianças. Tese de Doutorado. Recife. UFPE,
Pós-graduação em Psicologia Cognitiva.
Oliveira, J. B. A.; Guimarães, S. D. P. & Momény, H.
M. B. (1984). A política do livro didático. São Paulo:
Summus, Campinas: Ed. Da Universidade Estadual de Campinas.
Orlandi, E.P. e Guimarães (1985). Texto, leitura e redação.
Em São Paulo (Estado). Texto, leitura e redação.
Vol. III. São Paulo: Secretaria de Educação,
Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas de São Paulo.
Pécora, A. (1999). Problemas de redação. 5º
Ed. São Paulo: Martins Fontes.
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