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O
USO COTIDIANO DOS NÚMEROS: UM OLHAR SOBRE OS ALUNOS DE UMA TERCEIRA
SÉRIE
Nanci
Leite Branquinho - Universidade Cruzeiro do Sul - UNICSUL
Celi Espasandin Lopes - Universidade Cruzeiro do Sul - UNICSUL
Introdução
O desenvolvimento da inteligência humana de acordo
com o senso comum, é um potencial determinado geneticamente e cabe
a educação desenvolver. Quanto melhor for a educação,
maior forem os estímulos e as oportunidades, maior será
o desenvolvimento da inteligência. Porém a educação,
na visão do senso comum não pode criar o desenvolvimento
da inteligência maior do que aquele que foi determinado pelo seu
potencial genético.
Sabemos que as capacidades humanas não são limitadas por
sua formação biológica, na trajetória histórica
a humanidade criou inúmeros instrumentos que ampliaram nossa capacidade
de perceber, agir e resolver problemas. (NUNES, 2001.).
Segundo Vygotsky as sociedades criam ao longo da sua história não
só instrumentos, mas também signos que modificam e influenciam
o seu desenvolvimento social e cultural.
Os instrumentos são objetos socialmente usados como mediadores
entre o indivíduo e o mundo, sendo que possuem objetivos para serem
criados. O avião, por exemplo, é um instrumento que nos
permite voar, já que não possuímos asas.
“Os signos podem ser definidos como elementos que
representam ou expressam outros objetos, eventos, situações”.(OLIVEIRA,
1997, p.26).
Podem ser classificados em três tipos: Indicadores
, Icônicos e Simbólicos .
A fumaça indica existência de fogo. A palavra cadeira, por
exemplo, é um signo que representa o objeto cadeira. O símbolo
3 é um signo para quantidade três.
“As palavras, por exemplo, são signos lingüísticos,
os números são signos matemáticos; a linguagem, falada
e escrita, e a matemática são sistemas de signos”.(MOREIRA,
1999, p.111).
A criança está inserida num contexto de
mundo rodeada de signos e para numeralizar-se precisa decodificá-los
para entender melhor os seus significados.
De acordo com a visão da teoria sociocultural da inteligência,
é através da educação que aprendemos a utilizar
os instrumentos culturalmente desenvolvidos que amplificam as nossas capacidades.
Esses instrumentos podem ser
... objetos simbólicos, um sistema de sinais com
significados culturalmente determinados, como a linguagem e os sistemas
de numeração”. (NUNES, 2001, p.16).
Um sistema de base dez auxilia-nos na contagem e registros
de números, pois, usamos um símbolo diferente para expressar
um rótulo numérico.
(...) “Produto cultural, objeto de uso social cotidiano,
o sistema de numeração se oferece à indagação
infantil desde as páginas dos livros, a listagem de preços,
os calendários, as regras, as notas da padaria, os endereços
das casas...” (LENER & SADOVSKY, p.74 a 75 in PARRA, 1996).
O sistema numérico decimal usa os símbolos
de 0 a 9 para representar diversos valores, dependendo da posição
que ocupam. Os símbolos sozinhos apresentam um valor absoluto,
já acompanhados de outro símbolo, podem representar um valor
relativo.
Os símbolos que usamos na escrita de números são
altamente abstratos, não há relação entre
eles e seu significado.
“O significado dos números se torna ainda
mais complicado quando passamos de dez, isto é, quando precisamos
utilizar o sistema decimal”. (CARRAHER, 1982, p.54).
Os mesmos símbolos têm valores diferentes
dependendo de sua posição, dessa forma a criança
necessita realizar operações mentais para descobrir o significado
de um número.
Quando uma criança conta um grupo de objetos é necessário
que o professor investigue se ela compreende a organização
do sistema numérico decimal ou se apenas ela memorizou uma lista
de rótulos numéricos que repete numa seqüência
adquirida socialmente.
“Segundo a teoria sociocultural da inteligência,
quando a criança aprende a contar ela poderá começar
a usar a contagem como instrumento de pensamento, para auxiliar sua habilidade
de registrar e lembrar-se de quantidades, e amplificar sua capacidade
de resolver problemas”. (NUNES, 2001, p.18).
Devemos ensinar o sistema de numeração que
usamos às crianças para que elas possam organizar as quantidades,
registrar e lembrar-se delas posteriormente de uma maneira mais exata,
ampliando sua forma de raciocinar.
“Os sistemas de numeração são
necessários para que os alunos venham desenvolver sua inteligência
no âmbito da matemática, usando os instrumentos que a sociedade
lhes oferece”.(NUNES, 2001, p.29).
Acreditamos que a educação na infância
deva priorizar o desenvolvimento da identidade e da autonomia pessoal,
dessa forma o ensino da
Matemática tem-se justificado pela necessidade
das próprias crianças de construírem e recriarem
conhecimentos, desenvolverem a imaginação e a criatividade,
bem como, por uma exigência social de instrumentalizá-las
para a vida no mundo (LOPES, 2003, p.16).
A Matemática está presente no universo infantil,
independentemente da classe social da qual a criança faça
parte, ela precisa desenvolver habilidades matemáticas para compreender
e posteriormente transformar a realidade na qual vive.
A relação comercial na vida infantil tem sido cada vez mais
precoce na sociedade contemporânea, dessa forma, pressupus a importância
de trabalhar com atividades de ensino que envolvesse o sistema monetário
brasileiro a fim de tornar mais significativa à aprendizagem.
O dinheiro por ser familiar a criança é apontado como material
apropriado para se trabalhar o sistema decimal pelo fato de permitir composições
e decomposições.
“Além disso, as notas têm um valor
absoluto (número de notas) e um valor relativo (valor monetário
das notas)”. (NACARATO, 1995, p.46).
Algumas ações sociais, como ir ao supermercado
e efetuar o pagamento de uma conta, administrar sua mesada nos gastos
com lanches ou doces na cantina da escola, calcular o troco nas conduções
são alguns exemplos de atitudes necessárias para que elas
possam conviver e entender o mundo financeiro e construir alicerces para
o exercício de uma cidadania pautada na criticidade.
“O dinheiro pode ser útil para criar situações
em sala de aula que permitam à criança compreender as propriedades
do sistema decimal, não por ser um material concreto, mas porque
nosso sistema monetário é um sistema decimal e, como tal,
guarda as mesmas propriedades do sistema que as crianças precisam
entender na escola”. (SCHLIELMANN, SANTOS E COSTA, 1992, p.103).
Trajetória Metodológica
Iniciamos as aulas de Matemática no ano letivo
de 2004 com uma turma de 32 alunos, entre 8 a 10 anos de idade de 3ª
série do Ensino Fundamental, compondo assim um grupo de sujeitos
para a realização desta pesquisa.
Passamos a propor atividades de ensino as quais envolvessem situações
concretas que simulassem a compra e venda de mercadorias, para o estudo
do Sistema de Numeração Decimal (SND). Acreditamos que essa
opção didática seria uma maneira mais fácil
de promover a compreensão dos alunos em situações
de uso do “dinheiro”, uma vez que muitos acompanham seus pais
na venda de materiais reciclados, nas feiras, nas barracas de camelôs,
características do cotidiano de uma clientela carente na qual a
escola está inserida.
Essa concepção nos remete a uma identificação
com BORDEAUX (2001) ao introduzir a idéia de associar cédulas
ao Sistema de Numeração Decimal,
Optamos por utilizar apenas as notas de um, dez e cem,
que correspondem ao valor de cada agrupamento das ordens do SND. Assim,
associando as notas de cada um desses valores às unidades simples,
dezenas e centenas, respectivamente, o aluno tem oportunidade de verificar
de maneira concreta, a relação existente entre elas (realizando
trocas como, por exemplo: uma nota de dez vale dez notas de um, ou uma
dezena vale dez unidades), compor e decompor números e até
mesmo compreender o princípio empregado na escrita dos números
(BORDEAUX, 2001, p.48).
Os alunos usariam pequenas réplicas de notas de
dinheiro para realizar trocas na base dez, simulariam compras de produtos
e calculariam o troco.
Verificamos através da aplicação dessa atividade
que alguns alunos não obtiveram êxito, ficavam quietos ou
procuravam copiar as respostas dos outros colegas, quando interrogados
ficavam paralisados, não entendiam o processo que estava ocorrendo.
Essa situação foi alvo de nossa atenção, passando
a ser alvo de nossa investigação.
Criamos um questionário que contemplasse questões que pudessem
ilustrar melhor se os alunos faziam ou não compras com seus familiares,
se conseguiam ou não conferir o troco de uma compra.
Ao responder o questionário pedimos aos alunos que se identificassem,
pois nosso objetivo era cruzar os dados coletados do questionário
com os dados referentes a nossa observação em sala de aula.
Averiguamos
que os dados estatísticos coletados através do questionário,
foram contraditórios em relação à realidade
vivenciada em sala de aula, mediante as observações das
atitudes e compreensão dos alunos, pois os alunos que sabiam operar
com o dinheiro responderam que não sabiam e os alunos que não
conseguiam operar com o dinheiro diziam que sabiam.
A análise estatística não se mostrou como um instrumento
adequado para responder as hipóteses iniciais, mas serviu para
levantar novas questões nos conduzindo a uma análise mais
fina das atitudes e comportamentos dos alunos através de entrevista.
Contatamos os pais dos alunos a fim de averiguar se os mesmos participavam
de atividades relacionadas à compra de mercadorias e para nossa
surpresa obtivemos os seguintes depoimentos:
• “Minha filha nunca comprou nada para mim”.
• “Ela nunca foi fazer compras conosco”.
• “Quando peço para comprar alguma coisa já
dou o dinheiro contado para não ter problema”.
• “O que ela já aprende aqui na escola já tá
bom, eu que sou pai dela não sei conferir o troco de uma condução”!
• “Se mando comprar pãezinhos já digo que com
um Real ela deverá trazer dez pãezinhos”.
Os depoimentos anteriormente descritos nos sinalizam que
muitas famílias não atuam como facilitadoras no processo
de aquisição de habilidades em lidar com o dinheiro, pois
não estimulam e não proporcionam situações
para que as crianças possam se desenvolver.
Decidimos então, entrevistar os 32 alunos da 3ª série
A, para verificar o que realmente estava acontecendo, a fim de delimitar
o problema de pesquisa para obtermos dados que pudessem ilustrar melhor
a situação de aprendizagem numérica em que eles se
encontravam, e verificar se realmente havia dificuldades em lidar com
o dinheiro.
Utilizamos materiais como notinhas e moedas que representassem o nosso
“dinheiro”, recortes de encartes de supermercado e um roteiro
de perguntas pré-estabelecidas e outras que surgiram conforme a
necessidade de obtenção de dados que fossem coerentes com
os objetivos de nossa investigação. Gravamos em fita cassete
o desenvolvimento das atividades.
Tomamos o cuidado ao selecionarmos os produtos para a
entrevista que fossem de consumo e conhecimento dos alunos. Explicamos
que os valores em vermelho estariam identificando os preços dos
produtos.
Análise de algumas entrevistas
Entrevista nº 1
Entrevistador: Qual das bolachas você acha que é mais barata?
Aluno Ram: R$ 0,59
Entrevistador: Quanto você teria que dar em dinheiro para pagar
a bolacha mais barata?
Aluno Ram: R$ 0,60
Entrevistador: Como você fez?
Aluno Ram: Eu peguei duas moedas de R$ 0,25 e uma de R$ 0,10.
Entrevistador: Tem outras formas de você formar R$ 0,60?
Aluno Ram: Uma moeda de R$ 0,50 e uma de R$ 0,10
Seis moedas de R$ 0,10.
12 moedas de R$ 0,05.
Entrevistador: Se fosse em nota, que nota você me daria para pagar
essa bolacha?
Aluno Ram: R$ 1,00
Entrevistador: Iria sobrar troco?
Aluno Ram: Sim, R$ 0,40.
Entrevistador: Qual a bolacha mais cara?
Aluno Ram: R$ 1,99
Entrevistador: Quanto você teria que dar em dinheiro para pagar
a bolacha mais cara?
Aluno Ram: R$ 2,00
Entrevistador: Quanto custa uma Coca-cola?
Aluno Ram: R$ 2,48
Entrevistador: Com R$ 5,00 você conseguiria comprar quantas Coca-colas?
Aluno Ram: Duas
Entrevistador: Tem troco?
Aluno Ram: Sim, R$ 0,04.
Entrevista nº 2
Entrevistador: Qual das bolachas você acha que é
mais barata?
Aluno Dou: R$ 0,59
Entrevistador: Quanto você teria que dar em dinheiro para pagar
a bolacha mais barata?
Aluno Dou: R$ 0,60
Entrevistador: Sobra troco?
Aluno Dou: Sim, R$ 0,01.
Entrevistador: Qual a bolacha mais cara?
Aluno Dou: R$ 1,99
Entrevistador: Quanto você teria que dar em dinheiro para pagar
a bolacha mais cara?
Aluno Dou: R$ 11,00
Entrevistador: Precisa de R$ 11,00 para pagar R$ 1,99?
Aluno Dou: Não
Entrevistador: O aluno pega novamente o dinheiro
Quanto você tem em dinheiro agora?
Aluno Dou: R$ 1,60
Entrevistador: Com R$ 1,60 dá para pagar a bolacha?
Aluno Dou: Dá
Entrevistador: Sobra troco?
Aluno Dou: Sobra
Entrevistador: Quanto custa uma Coca-cola?
Aluno Dou: R$ 2,48
Entrevistador: Com R$ 5,00 você conseguiria comprar quantas Coca-colas?
Aluno Dou: Duas
Entrevistador: Tem troco?
Aluno Dou: Tem
Entrevista nº 3
Entrevistador: Qual a bolacha mais barata?
Aluno Cas: A bolacha mais barata custa R$ 0,99.
Entrevistador: Quanto você deverá dar em dinheiro para pagar
essa bolacha?
Aluno Cas: Oito notas de R$ 1,00.
Entrevistador: Com esse dinheiro dá para pagar a bolacha?
Aluno Cas: Não.
Entrevistador: Qual a bolacha mais cara?
Aluno Cas: R$ 1,39.
Entrevistador: Quanto você deverá dar em dinheiro para pagar
essa bolacha?
Aluno Cas: Uma nota de um real e três notas de dez reais.
Entrevistador: Quanto você tem em dinheiro?
Aluno Cas: um real e trinta centavos.
Entrevistador: Com esse dinheiro dá para pagar a bolacha?
Aluno Cas: Não.
Entrevistador: Quanto falta?
Aluno Cas: Faltam duas moedas de dez.
Entrevistador: Essa nota de dez e essa moeda de dez têm o mesmo
valor?
Aluno Cas: Não.
Entrevistador: Qual a diferença?
Aluno Cas: Essa nota de dez é de real e essa moeda é de
centavos.
Entrevistador: Agora já dá para pagar a bolacha?
Aluno Cas: Sim
Entrevistador: Vai ter algum troco?
Aluno Cas: Não.
Entrevistador: Quanto custa uma coca-cola?
Aluno Cas: R$ 2,48.
Entrevistador: Se eu te der uma nota de cinco reais, quantas coca-colas
você poderá comprar?
Aluno Cas: Quatro.
Entrevistador: Por quê?
Aluno Cas: Porque a coca-cola custa R$ 2,48 e suspirou.
Entrevistador: E com cinco reais dá para comprar quatro?
Aluno Cas: Não.
Entrevistador: Então dá para comprar quantas?
Aluno Cas: Cinco.
O que podemos considerar analisando as entrevistas dessas
três crianças?
Provavelmente elas não possuem a mesma noção de quantidade.
O aluno Ram consegue raciocinar como um adulto, não apresenta nenhuma
dificuldade em lidar com o dinheiro, entende perfeitamente a composição
e decomposição de quantidades, elaborando diversas estratégias
para compor uma mesma quantidade. O aluno Dou inicialmente consegue lidar
com as quantidades monetárias menores que R$ 1,00 talvez por ser
familiar a sua manipulação, mas não compreende as
quantidades compostas por unidades de diferentes valores. Quanto ao aluno
Cas percebemos que ainda não assimilou o conceito de quantidade
relacionado ao sistema monetário, ele apenas identifica símbolos
que lhes foram socialmente transmitidos através das respostas que
dá sobre os preços das bolachas, mas não consegue
entender o seu significado.
Resultados Parciais
Averiguamos após a entrevista com os trinta e dois alunos da 3ª
série A que todos conseguem identificar e ler o símbolo
R$, a representação do valor monetário, mas sete
dessas crianças não conseguem entender o seu significado,
elas apresentam dificuldades em relacionar o preço do produto com
a quantia em cédulas ou moedas. Treze alunos, não conseguem
fazer a correspondência da quantia em dinheiro composta de cédulas
e moedas com a quantidade de produtos que podem ser comprados.
A maior dificuldade foi apontada por vinte desses alunos, os quais apresentaram
dificuldade em realizar o cálculo do troco de uma compra. Constatamos
que embora muitos alunos conseguissem identificar os valores em R$, fazer
relação do preço com a quantidade em cédulas
ou moedas, fazer a correspondência de cédulas e moedas com
a quantidade de produtos, ainda assim, apresentaram problemas no cálculo
do troco e nas operações matemáticas.
A partir dessa análise inicial, dividimos as crianças em
dois grupos distintos de alunos.
O grupo I refere-se aos alunos que sabem lidar com o dinheiro, os quais
realizam operações de troca, conferem o troco, identificam
os valores nas notas e moedas.
O grupo II refere-se aos alunos que não conseguem operar com o
dinheiro, não calculam o custo e nem o troco, estão sem
noção de valores das notas e moedas.
Os alunos pertencentes ao grupo I estão acostumados a comprar produtos,
calcular o troco. Suas famílias lhes proporcionam situações
estimulantes capazes de inseri-los nas atividades sociais de compra e
de venda. Já os alunos do grupo II não conseguem realizar
esse tipo de procedimento, essas atividades não têm sentido,
não são comuns na sua vida cotidiana, não lhes é
oferecido um ambiente estimulante nem pela família nem pelo grupo
social a que pertencem. São alunos que de certa forma estão
excluídos socialmente.
Dessa forma, definimos como foco central dessa pesquisa os sete alunos
que apresentam dificuldades em operar com o dinheiro, ou seja, não
conseguem entender o seu significado, apresentando dificuldade em relacionar
o preço do produto com a quantia em cédulas ou moedas, não
fazem a correspondência da quantia em dinheiro composta de cédulas
e moedas com a quantidade de produtos que podem ser comprados e não
calculam o troco de uma compra. Os outros formarão um grupo referencial
para viabilizar a comparação entre o desenvolvimento e aquisição
de conhecimento de cada aluno.
Os resultados da análise inicial da entrevistas serviram como norteadores
para a próxima etapa da pesquisa na qual buscamos investigar as
questões relativas à conservação de número
pelas crianças. Para tanto, recorremos à teoria piagetiana
e utilizamos as provas propostas por Piaget, as quais aplicamos em um
período de três dias, individualmente em cada um dos sete
alunos que compõem o grupo I.
Cada criança executava e respondia as seis provas selecionadas
da teoria piagetiana de conservação: de números,
de matéria, de área, de líquidos, seriação
e inclusão de classe.
Provas Piagetianas
Optamos por utilizar o referencial piagetiano para analisar os princípios
lógicos da alfabetização matemática tendo
em vista o objetivo dessa pesquisa em investigar sobre o processo de aquisição
do sentido numérico através de atividades de ensino que
estejam contextualizadas e compatíveis à realidade dos alunos,
priorizando a utilização do sistema monetário.
Destacamos em Nunes (1997) que
Entender conservação é saber que
o número de um conjunto de objetos pode apenas ser mudado por adição
ou subtração: todas as outras mudanças são
irrelevantes (NUNES, 1997, p.21).
Assim, elegemos a conservação como o princípio
lógico-matemático que merece destaque na construção
do conceito de número.
Conservação de número
Apresentamos as crianças um saquinho com 22 fichas, explicamos
a elas que as fichas estavam divididas em dois grupos, um grupo de fichas
azuis (11) e outro de fichas vermelhas (11). Não deixamos explicitas,
em momento algum, a quantidade de fichas, as crianças deveriam
no decorrer da aplicação da prova contar a quantidade se
julgassem necessário.
Montamos uma fileira horizontalmente com as fichas azuis e pedimos a elas
que montassem uma fileira igual a nossa. Perguntamos se havia mais fichas
azuis ou mais fichas vermelhas.
Fizemos uma transformação na frente da criança ampliando
o espaço entre as fichas azuis, perguntamos novamente se havia
mais fichas, mais fichas azuis ou mais fichas vermelhas.
De acordo com a teoria piagetiana, após a transformação,
ampliação do espaçamento entre as fichas, as crianças
dão respostas apenas centrando-se nos aspectos perceptivos dos
objetos em vez de respostas cognitivas. Elas responderam que na fileira
azul que foi alongada, sem nenhuma adição de elementos,
havia mais fichas, quando questionadas quanto ao seu raciocínio,
tipicamente respondem que aquela fileira tem mais porque é mais
longa.
Juntamos as fichas azuis e separamos as fichas vermelhas, perguntamos
novamente se havia mais fichas azuis ou mais fichas vermelhas. As crianças
que não tem noção de conservação de
número agora apontaram que há mais fichas na fileira das
vermelhas.
Em torno dos 6 ou 7 anos, a criança típica
aprende a conservar o número, ao mesmo tempo ela descentra suas
percepções, acompanha as transformações e
reverte as operações. Ela forma uma noção
de que uma mudança no comprimento de uma fileira de elementos não
afeta o número de elementos da fileira (WADSWORTH, 1996, p.63).
Crianças cursando a 3ª série, na idade
de 8 a 10 anos deveriam apropriar-se dessa noção, então
porque apresentam essa falha de conservação? Estão
abaixo do seu estágio de desenvolvimento ou será que o ambiente
que vivem não lhes proporcionou estímulos suficientes para
o seu desenvolvimento?
Conservação de Matéria
Apresentamos uma caixa de massinha de modelar com seis unidades. Retiramo-las
da caixa e mostramos às crianças que todas eram do mesmo
tamanho. Pegamos uma massinha amarela e outra vermelha e fizemos duas
bolinhas iguais. Em seguida, perguntamos as crianças em qual das
duas bolinhas elas achavam que havia mais massinha.
Inicialmente, a maioria das crianças disse que elas eram iguais,
já outras se atentaram aos aspectos perceptivos, procurando identificar
alguma diferença, por mínima que fosse para justificar a
disparidade entre elas.
Realizamos uma transformação, na frente da criança,
pegamos a bolinha amarela e fizemos no formato de “cobrinha”
ampliando visualmente o seu tamanho. Mantivemos a massinha vermelha na
forma de bolinha. Perguntamos se havia mais massinha na bolinha vermelha
ou na “cobrinha” amarela.
Grande parte dos alunos disse que havia mais massinha na “cobrinha”.
Quando pedimos para justificarem suas respostas, argumentaram que quando
esticamos a massinha amarela ela ficou com mais quantidade de massinha
comparando-a com a bolinha vermelha.
As descrições anteriormente relatadas vêm justificar
a ausência de conservação de matéria nessas
crianças.
Conservação de Área
Colocamos a frente das crianças duas placas emborrachadas e verdes
para representar currais. Demos a elas duas vaquinhas do mesmo material.
Explicamos que elas deveriam colocar as vaquinhas nos currais para pastar.
Pegamos duas figuras retangulares exatamente do mesmo tamanho para representar
o capim que a vaquinha iria comer. Distribuímos uma moita de capim
(figura retangular) em cada curral. Perguntamos em qual dos dois currais
havia mais capim.
As crianças responderam que a quantidade de capim era igual nos
dois currais. Pegamos mais duas peças retangulares do mesmo tamanho
que as anteriores e distribuímos da seguinte forma: no curral da
esquerda colocamos as moitas lado a lado no sentido vertical e no curral
da direita as duas moitas separadas horizontalmente. Perguntamos em qual
havia mais capim.
Algumas crianças responderam que no curral da direita em que as
moitas de capim estavam separadas havia mais. Essas crianças não
estão aptas a descentrar e observar todos os aspectos envolvidos
na situação que lhe foi apresentada, nem nas transformações
ocorridas, para elas cada nova disposição não tem
relação com a anteriormente realizada.
Conservação de líquidos
Pegamos dois copos cilíndricos do mesmo tamanho, pedimos as crianças
para que nos ajudassem a medir a quantidade de água de forma que
ficassem iguais nos dois copos. Depois de colocarmos a água na
mesma altura nos dois copos perguntamos em qual deles havia mais água.
As crianças olhavam atentamente e diziam que havia a mesma quantidade
de água nos dois copos.
Pegamos um copo alto e fino, transportamos a água de um dos copos
iniciais para esse, em seguida interrogamos: qual dos copos havia mais
água?
A maioria das crianças disse que no copo alto e fino havia mais
água. Nesse caso a criança não consegue estabelecer
a equivalência entre os líquidos dos dois recipientes, o
raciocínio geralmente é baseado nos aspectos visuais, em
particular na altura dos copos.
Pegamos a água do outro copo usado inicialmente e depositamos em
um copo baixo e largo, interrogamos novamente: qual dos copos havia mais
água?
Muitas crianças continuavam afirmando que no copo alto e fino havia
mais água.
Dividimos a água do copo baixo e largo em 4 copos finos e baixos.
Há mais água no copo fino e alto ou nos quatro copos finos
e baixos?
A maioria das crianças afirmou que no copo alto e fino havia mais
água. Elas acreditam que a quantidade de líquido aumenta
ou diminui de acordo com o recipiente em que são depositados, não
conseguem observar as variantes (largura, tamanho e volume) envolvidas
(Piaget & Szeminska, 1975).
Seriação de palitos
A seriação consiste na capacidade de organizar mentalmente
um conjunto de elementos em ordem crescente ou decrescente de tamanho,
peso ou volume (Wadsworth, 1996).
A tarefa delegada as crianças foi a seguinte: vocês estão
recebendo palitos de diferentes tamanhos, deverão arrumá-los
do menor para o maior como uma escadinha, todos juntos.
A maioria das crianças conseguiu realizar a tarefa, algumas com
mais dificuldade do que outras ficavam atrapalhadas quando se deparavam
com um par de palitos do mesmo tamanho, questionavam-nos a respeito, nos
apenas dizíamos que deveriam usar todos os palitos. As crianças
empregaram estratégias iniciando a série buscando o menor
palito, depois o seguinte e assim por diante. Apenas duas alunas não
conseguiram montar a seqüência corretamente, demonstrando ausência
de transitividade .
Inclusão de Classe
O material apresentado às crianças consistia em um saquinho
contendo várias flores e coelhos de EVA (material emborrachado).
Explicamos que as flores estavam divididas em dois grupos um de flores
chamadas margaridas e outro de flores chamada rosas. Colocamos cinco margaridas
lado a lado e na fileira abaixo três rosas lado a lado.Indagamos:
Há mais flores, mais rosas ou mais margaridas?
A maioria das crianças respondeu que havia mais margaridas.
Se nós tirarmos uma rosa ficamos com menos flores, menos rosas
ou menos margaridas?
As respostas obtidas apontavam que ficariam menos rosas. Argumentamos
com as crianças se todas as margaridas e rosas não faziam
parte de um grupo de flores. Mesmo assim, algumas crianças não
entendiam a divisão de classe, subclasse ou inclusão.
Pedimos às crianças que contassem o total de flores, algumas
ainda perguntaram-nos se era para juntar todas (margaridas e rosas) a
partir desse apontamento muitas crianças puderam compreender que
as margaridas e as rosas faziam parte do grupo das flores, no entanto,
outras ficaram apenas presas à percepção da quantidade
de elementos, sendo que nesse caso havia mais margaridas.
Pegamos os dez coelhos que estavam dentro do saquinho com as flores e
colocamos numa mesma fileira lado a lado, logo abaixo das rosas. Formulamos
uma nova questão: Há mais flores, mais rosas, mais margaridas
ou mais animais?
Algumas crianças contaram o grupo de margaridas e o dos coelhos
e ficaram em dúvida na afirmação de uma resposta,
pois constataram que em ambos havia dez elementos, outras sem pensar apontaram
o grupo dos coelhos como maior e poucos conseguiram identificar sem interferência
que havia mais flores do que animais.
Considerações Finais
A aplicação das provas piagetianas veio
revelar a dificuldade existente em relação à noção
de conservação de número, nesse sentido, essas sete
crianças que cursaram a 3ª série não possuem
ainda desenvolvido esse conceito que deveria ser explorado anteriormente
na pré-escola ou nas séries iniciais, ficam ligadas apenas
aos aspectos perceptivos, não entendendo o que realmente estão
fazendo, dessa maneira, não compreendem a constituição
do número o que certamente influenciará na aquisição
de habilidades em lidar com o dinheiro,
a criança é capaz de contar bem no sentido
de que certos números são produzidos na ordem certa, mas
a criança não entenderá o significado desses números
até que tenha compreendido a conservação (NUNES &
BRYANT, 1997, p.22).
Acreditamos que o desenvolvimento dessa investigação
possa contribuir com as pesquisas em Educação Matemática
ao discutir e analisar o quanto às crianças têm dificuldade
em operar com o sistema monetário.
Referências Bibliográficas
BORDEAUX,
Ana Lúcia. Matemática na vida e na escola. São Paulo:
Editora do Brasil, 2001.
CARRAHER, Terezinha Nunes. Aprender Pensando: Contribuições
da Psicologia Cognitiva para a Educação. Petrópolis
: Ed. Vozes, 1982.
LOPES, Celi A. E. O Conhecimento profissional dos professores e suas relações
com estatística e probabilidade na Educação Infantil.
Tese de Doutorado. Faculdade de Educação da UNICAMP, 2003.
MOREIRA, Marco Antonio. Teorias de Aprendizagem.EPU, 1999.
NACARATO, Adair Mendes. A construção do conceito de número
na educação escolarizada. Dissertação de Mestrado.
Faculdade de Educação da UNICAMP, 1995.
NUNES, Terezinha & Bryant, Peter. Crianças fazendo matemática.Porto
Alegre: Artes Médicas, 1997.
NUNES, Terezinha. Introdução à Educação
Matemática: Os números e as operações numéricas.
São Paulo: Proem, 2001.
OLIVEIRA, Marta Kohl. Vygotsky: Aprendizado e Desenvolvimento: um processo
sócio-histórico. São Paulo: Scipione, 1997.
PARRA, Cecília, Irmã Saiz [et al]. Didática da Matemática:
reflexões psicopedagógicas. Porto alegre: Artes Médicas,
1996.
PIAGET, Jean & SZEMINSKA, Alina. A gênese do número na
criança. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.
SCHLIEMANN, Santos e Costa. Da compreensão do sistema decimal à
construção de Algaritmos. Analúcia Dias Schliemann,
Clara
Mello dos Santos e Solange Canuto da Costa. Novas contribuições
da Psicologia aos Processos de Ensino e Aprendizagem. São Paulo:
Cortez Editora, 1992.
WADSWORTH, Barry J. Inteligência e afetividade da criança
na teoria de Piaget.São Paulo: Pioneira, 1996.
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