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HOMERO,
OS ADOLESCENTES E AS CRIANÇAS
Profa. Márcia Martins Castaldo
RESUMO
Homero, os adolescentes e as crianças consistiu em um projeto realizado
pela Profa. Márcia Martins Castaldo e por José da Conceição
Gaspar, no ano de 2003, junto a seus alunos da 1a série do Ensino
Médio do Colégio São Luís (SP, rede particular),
os alunos e professores dos 3o e 4o anos do Ciclo I do Ensino Fundamental
do mesmo colégio e da Escola Estadual Francisco de Faria Neto (SP,
rede pública). Adolescentes da 1a série do Ensino Médio
recriaram a obra de Homero produzindo uma versão infantil para
a Ilíada ou para um episódio da Odisséia. As versões
foram enviados às crianças que, durante o ano, participaram
do projeto Cartas da Infância, o qual envolveu a elaboração,
troca de correspondência e integração entre os alunos
dos 3o e 4o anos do Ciclo I do Ensino Fundamental das duas escolas de
realidades sócio-econômicas-culturais distintas.
Redigir é sempre um desafio. E redigir na escola
é um duplo desafio. Isso porque, para o aluno, ao lado das dificuldades
inerentes à expressão, impõem-se duas necessidades:
de não se reduzir a escrita a um exercício de interlocução
única avesso à linguagem, o texto dirigido ao professor
que corrige, e de não limitar-lhe o objetivo à obtenção
da nota. Na perspectiva do professor, é o desafio de não
apenas cumprir o programa, expor trabalhos ao final do ano, mas proporcionar
aos alunos a descoberta de que escrever é busca, é pesquisa,
é fazer e refazer, que escrever pode ser divertido, estimulante,
prazeroso, pode gerar idéias, ser fonte, levar à partilha
de idéias e sentimentos, pode conduzir-nos ao mundo do outro, à
conscientização. É o desafio de tornar a escrita
escolar um ato efetivo, aquele que ocorre quando aquele que escreve, no
dizer de Geraldi (1997), sabe o que escrever e para quem. É o desafio
de propiciar a cada aluno uma experiência, de fato, da escritura.
É dar-lhe voz.
Com o objetivo de romper com o eixo cristalizado redação-professor-correção-nota,
de criar condições para o surgimento do texto como produção,
proporcionar um tipo diferente de experiência da escrita no contexto
escolar; de romper, também, com a perspectiva apática de
descortinar outras faces da realidade, dois professores propuseram a seus
alunos de um colégio particular em São Paulo uma tarefa
diferenciada. Deslocando o alvo das produções e constituindo
um outro leitor que não o professor, outra escrita que não
a redação, outros objetivos que não a correção
e a nota, em um trabalho conjunto, Márcia Martins Castaldo e José
da Conceição Gaspar, professores do Colégio São
Luís, buscaram uma alternativa para o trabalho pedagógico.
O presente artigo é um relato dessa experiência.
A proposta gerou o que, mais tarde, denominou-se Homero, os adolescentes
e as crianças. Os alunos da 1ª série do Ensino Médio
receberam, no início do 2o bimestre de 2003, a tarefa de reescrever
uma versão infantil para Ilíada ou Odisséia e apresentá-la
para a comunidade na Semana Cultural do Colégio São Luís,
no mês de outubro de 2003.
A tarefa poderia ter sido cumprida aos moldes escolares. Redigir livrinhos,
criar versões para Clássicos, elaborar projetos para exibir
trabalhos em eventos de final de ano são práticas escolares
exemplares bem conhecidas e executadas. Mas não foi.
Ciclopes, Sereias e Cavalos de Tróia
Após serem introduzidos na Mitologia e no universo
de Homero, através das histórias contadas pelo professor
José Gaspar da Conceição e de realizarem posterior
leitura individual de Ilíada e Odisséia, os alunos da 1a
série do Ensino Médio do Colégio São Luís
receberam a tarefa de recontar as histórias para as crianças
das Cartas da Infância na Metrópole .
O envolvimento dos alunos diante da proposição inicial caracterizou-se
pela participação em busca do cumprimento da tarefa dada
e da nota. O leitor, naquele momento, não eram as crianças,
mas o professor que corrigiria e avaliaria o texto. A exposição
no mês de outubro também não produziu nenhuma modificação
na clássica relação escolar entre aluno e tarefa.
O trabalho foi articulado em etapas para que os alunos pudessem ter subsídios
para realizar a tarefa.
Objetivando o resgate dos percursos de leitor dos adolescentes, os professores
recuperaram a prática da roda de leitura, tão freqüente
na Educação Infantil, e leram de modo dramatizado A verdadeira
história dos três porquinhos! , versão do Lobo Mau
para a conhecida história infantil. Outro objetivo, além
do resgate das narrativas de infância, permeou essa leitura: mostrar
que há diversas formas de se contar uma mesma história,
que há diferentes possibilidades de interpretação
para um determinado fato, que são permitidas visões particulares.
Buscou-se apresentar aos alunos o jogo das versões. Para exercitar
essa concepção, os alunos leram e analisaram, ainda, um
pequeno relato de um fuzilamento contado em três versões
(ponto de vista do algoz, da esposa do algoz e do próprio fuzilado);
com vistas à aplicação desses aspectos, redigiram
versões para uma notícia de assalto (ponto de vista do ladrão,
da vítima, do delegado).
Em seguida, pediu-se aos alunos que trouxessem à escola livros
infantis escolhidos entre suas leituras de infância. Uma aula foi
insuficiente para mostrar para o colega o antigo livro do pré,
o presente da madrinha, a coleção, o livro-brinquedo; outra
aula foi necessária para mais trocas e - inusitado - para aqueles
alunos de difícil motivação trazerem, também,
seus livros; alguns quiseram emprestá-los de alguma biblioteca.
Foi rica a troca de relatos de fruição e de afeto aos livros
da infância.
Em duplas, eles exploraram o material trazido através de leitura
orientada pela professora Márcia, abrangendo aspectos técnicos,
como ficha catalográfica, diagramação; aspectos literários,
como enredo, caracterização de personagens; aspectos da
expressão como imagens e níveis de linguagem. Na orientação
feita, os pequenos grupos foram convidados a refletir sobre as relações
entre o leitor e a composição do texto. Também procurou-se,
através dessa abordagem, revelar os recursos e estratégias
utilizados na elaboração de textos para crianças.
Centrou-se, então, a atenção dos alunos para o elemento
fundamental, naquele momento, para a construção de um texto
efetivo: o leitor, o público-alvo. Concretamente: aquelas crianças
do Colégio São Luís e da Escola Estadual Francisco
de Faria Neto que participavam do projeto Cartas da Infância na
Metrópole. Em meio às aulas, o professor José Gaspar
conversava com os alunos sobre a escola Faria Neto, descrevia as crianças,
comentava sobre as atividades deles, sobre os sentimentos diante da troca
de correspondência, levava fotos. Falava, também, das crianças
do Colégio São Luís. Mostrava aos adolescentes a
mala cheia de cartas antes de entregá-las às professoras
para serem distribuídas. Sugeriu-se aos alunos entrevistarem algumas
crianças para caracterizar melhor o leitor, saber de suas preferências,
gostos.
De maneira muito tênue, um leitor não simulado começou
a surgir como perspectiva aos adolescentes.
Os alunos foram orientados pela professora Márcia a selecionar
um episódio da Odisséia ou sintetizar a Ilíada. Discutiram-se,
em classe, as possibilidades frente às características do
leitor e à diversidade aberta pelas concepções de
versão trabalhadas nos exercícios anteriormente mencionados.
A partir disso, os adolescentes elaboraram uma primeira escrita individual
dos textos, seguida de correção indicativa e avaliação
de caráter orientador, com posterior reelaboração
individual e correção.
A segunda escrita agregou o esboço das ilustrações.
Nesta etapa, muitos optaram por reunir suas narrativas em um trabalho
conjunto que pedia articulação, encaixe, certa uniformidade
para o estilo, o que demandou muita troca das experiências individuais
de escrita. Nova correção indicativa foi realizada, a partir
da qual outra reelaboração ocorreu, seguida de novas correção
e reelaboração escrita. Muitos alunos sentiram necessidade
de retomar Homero para aprimorar seus trabalhos ou mesmo para reformulá-los,
selecionando outros episódios. Os trabalhos todos passaram novamente
por correção e avaliação. A professora Márcia
procurou enfatizar a adequação das imagens aos textos; no
caso da composição conjunta, houve cuidado da uniformização
do texto. A partir disso, a escrita dos trabalhos começou a se
configurar não mais como ação pontual, como dever
a ser cumprido, e depois esquecido, mas tornou-se processo de construção
e desconstrução textuais, permeado de pesquisa lingüística
e do progressivo ajustamento do texto.
Partiu-se, então, para a ilustração final. Nesse
momento, o texto passou a tomar outro perfil, a necessidade da imagem
parece ter despertado, nos alunos, o reconhecimento da presença
do leitor, que até então ainda parecia virtual. Naquele
momento, diluiu-se a concepção de tarefa escolar.
A diversidade do desempenho dos alunos no âmbito do desenho é
mais evidente do que no estilo da escrita, assim, alguns, por se sentirem
inábeis ou menos habituados à expressão não-verbal,
preferiram buscar ilustrações prontas; outros criaram; outros,
ainda, procuraram crianças para desenhar seus ciclopes, sereias
e Cavalos de Tróia. Diversidade, personalidade, essas foram as
marcas das versões produzidas. A necessidade de inserção
das imagens intensificou a perspectiva de busca, de construção
e desconstrução textuais já surgidas na segunda escrita,
consolidando o caráter diferenciado da produção.
Requisitou-se que os alunos entregassem 5 exemplares: um para as crianças
da Escola Estadual Francisco de Faria Neto, outro para as do Colégio
São Luís, os demais ficariam com os próprios alunos
e com os professores. Os autores, nesse momento, depararam-se com o problema
dos custos de uma cópia colorida, de uma cópia com materiais
diversificados (e.v.a. , acetato, glitter, tintas-relevo). Houve queixas
e adaptações.
Na data marcada, a escrita final apareceu. Foram muitas as alterações,
os alunos acrescentaram ao texto supostamente pronto biografias, comentários
de contracapa, agradecimentos, trechos e detalhamento. A diversidade foi
uma marca: alguns livros foram centrados na escrita, outros equilibraram
imagem e texto, outros mais se destacaram pelos elementos não-verbais,
como o livro ilustrado em relevo para que, segundo a autora, uma criança
com dificuldades visuais pudesse apreciar mares e barcos de Ulisses, ou
como o livro em capa de E.V.A . fechada pelo velcro da mão do ciclope
e que trazia como marcador o olho do gigante. As figuras 1 e 2 exemplificam
a variedade de formas fruto da busca pelo melhor resultado.
Figura
1 – Variedade de Ilustração - Relevo
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Figura
2 – Variedade de Ilustração - Capa em e.v.a.
.
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Os livros
que foram para as mãos do público não tiveram revisão
final da professora. Eles não mais a ela "pertenciam".
Uma biblioteca foi, por fim, enviada, com enorme expectativa dos adolescentes,
às crianças que, durante o ano, participaram do projeto
Cartas da Infância na Metrópole e para o estande do salão
de exposições da Semana Cultural.
Conhecedoras das histórias de Homero nas versões contadas
e comentadas pelas professoras, as crianças receberam e leram os
livros. Enviaram, então, na forma de carta, suas críticas
aos autores que, na seqüência, responderam às mesmas.
O trânsito das cartas ultrapassou o ano letivo.
Os exemplos transcritos de algumas dessas cartas dão a dimensão
do envolvimento e da interlocução estabelecida entre os
alunos.
Vinícius, Lina e Luís retomaram o episódio de Penélope
e redigiram sua versão na perspectiva da rainha. Deixaram as ilustrações
para as crianças pintarem.
Bruna e Thaís, da Escola Estadual Francisco de Faria Neto, leram
A Rainha Penélope e enviaram sua mensagem aos autores:
Carta de
Thaís e Bruna para Vinícius, Lina e Luís
São
Paulo, 22 de outubro de 2003.
Vinícius
Lina
Luís
Nós gostamos muito da história de vocês. O livro está
muito bem encapado e muito bem ilustrado. A história é muito
interessante porque ela fala sobre uma mulher que tinha um marido e um
filho. Seu marido foi para a guerra ela ficou sozinha e passou a ter muitos
pretendentes, depois seu marido voltou e eles viveram felizes.
Gostamos também da idéia de pintar o livro assim ele pode
ficar do jeito que nós queremos.
Parabéns, vocês escreveram muito bem.
Thaís
e Bruna
Cada aluno
respondeu para uma das meninas. Vinícius, em sua resposta, revela
um pouco do processo de produção:
Resposta
de Vinícius a Thaís
São Paulo, 11 de março de 2004.
Taís
Olá, como vai você? Espero que bem. Fiquei muito feliz por
você ter gostado de nossa história. Escrevemos sobre a Rainha
Penélope porque sempre todos os livros que contam histórias
sobre alguma guerra só falam sobre as mulheres que ficam em suas
casas à espera deles. E ela, a rainha Penélope, é
um ótimo exemplo dessas mulheres.
Durante os quarenta anos nos quais Ulisses, seu marido, ficou longe de
casa, Penélope foi brava e inteligente se livrando de maneira genial
de todos os problemas que encontrou pela frente.
Fiquei muito feliz, também, que tenha gostado dos desenhos. Foram
feitos por um garoto de apenas 13 anos, já que não sei desenhar
nem boneco palito. Desenhos são muito importantes para dar vida
aos livros. Achei que deixá-los em preto e branco seria uma boa
idéia, pois quando eu tinha mais ou menos a sua idade, adorava
dar ao livro as cores que eu queria, que bom que você também
gosta.
Muito obrigado pela sua carta, a Lina, o Luís e eu adoramos saber
sua opinião.
Grato,
Vinícius
Muito do processo de elaboração vem expresso nas cartas
de duas outras alunas, Verônica e Luísa:
São
Paulo, 11 de março de 2004.
Teresa e
Júlia
Fiquei muito
feliz em saber que vocês gostaram da história. No início,
para mim, era apenas um, entre os muitos trabalhos da escola, mas quando
soube que nossos livros seriam lidos por vocês, senti uma responsabilidade
muito grande e, ao mesmo tempo, um imenso entusiasmo. Me dediquei ao livro,
à história, às figuras... Enfim, tudo!
Peço desculpas pela letra. Eu não achei que estivesse pequena
pois estou acostumada a ler livros com letras deste tamanho.
Quanto à história, vocês comentaram que ela é
para qualquer idade. Esta foi uma das minhas dificuldades, fazer uma história
infantil, usando uma linguagem não muito simples e que atraísse
vários tipos de leitores. Com a resposta de vocês, percebi
que consegui atingir meus objetivos.
Obrigada
pela atenção
Verônica
São
Paulo, 10 de março de 2004.
Leitoras
Larissa e Augusta
Fiquei muito
satisfeita ao saber que vocês realmente gostaram do nosso livro.
Era o que estávamos mais ansiosas para saber, afinal fizemos o
máximo possível para isso: direcionamos ao tipo de leitor
que vocês são, analisamos livros infantis e entrevistamos
algumas crianças.
Não foi trabalho fácil alcançar o nosso objetivo
final que era um livro colorido, com uma história simples, clara
e interessante. Trabalhamos arduamente, pois o tempo era curto e o projeto
longo. Hora e mais horas foram gastas para a digitalização,
a escolha das imagens adequadas e a impressão. O texto foi revisto
diversas vezes antes da aprovação final do grupo. Quem poderia
imaginar que por trás daquelas páginas coladas no final
do livro e das aventuras de Ulisses que foram lidas em menos de uma hora,
estaria um trabalho de meses? Na verdade, nem eu sabia de tal grandeza.
Foi uma experiência ótima e nova. Nunca havia passado pela
minha cabeça criar um livro. A introdução e a contra-capa
que vocês gostaram, foi de criação minha. Tive a intenção
de chamar a atenção dos leitores e os deixar parcialmente
informados do que iriam encontrar pela frente.
Apesar do imenso trabalho, tudo valeu a pena, ainda mais sabendo que o
nosso objetivo maior foi concretizado: a aprovação de vocês.
Criem o hábito da leitura pois ele será de imensa importância
para a vida de vocês, meninas!
Beijos,
Luisa
Os resultados ultrapassaram as expectativas na medida em que, aos poucos,
a adesão da quase totalidade dos alunos à escrita adquiriu
outro contorno. As referências se ampliaram: os adolescentes experimentaram
a escrita de um modo muito particular; reviram, também, a imagem
estereotipada da periferia ao perceberem, através das cartas, a
identidade afetuosa, o respeito e a competência lingüística
daquelas crianças.
Escritores,
escreventes, escribas...
Para além
de uma proposta didática que se constitui em alternativa aos típicos
moldes escolares, o que há para ser exaltado?
Homero, os adolescentes e as crianças parece ter sido uma experiência
de escrita aos moldes das reflexões de Kramer:
Tomando por base a teoria crítica da cultura e da modernidade,
em especial os ensaios de Walter Benjamin, entendemos a centralidade da
narrativa como espaço de diálogo e de rememoração
e dimensionamos seu papel na constituição do homem como
sujeito social, enraizado na coletividade. (...) Estudamos a distinção
que Benjamin estabelece entre vivência (reação a choques)
e experiência (vivido que é pensado, narrado): na vivência,
a ação se esgota no momento da sua realização
(por isso é finita); na experiência, a ação
é compartilhada, se tornando infinita.
(...)
... O que faz de uma escrita uma experiência é o fato de
que tanto quem escreve quanto quem lê enraízam-se numa corrente,
constituindo-se com ela, aprendendo com o ato mesmo de escrever ou com
a escrita do outro, formando-se.
No início,
a tarefa, permeada de procedimentos tipicamente escolares, de escrever
a versão de Homero para as crianças pareceu um mero exercício
redacional , mas a presença concreta dessas crianças forneceu
aos adolescentes condições de vislumbrar outra dimensão
da escrita, a da experiência, daí o envolvimento e o resultado
obtido. Às crianças, a troca de cartas entre escolas de
regiões tão distintas quanto os Jardins, região rica,
e Parada de Taipas, na periferia de São Paulo, gerou, a partir
da escrita, experiências de integração sócio-cultural
entre comunidades ricas e cheias de qualidades, cada uma com sua identidade.
Aos adolescentes, propiciou uma situação de escrita concreta,
fugindo à simulação, prática freqüente
no cotidiano escolar. A tarefa forneceu a ambos a dimensão da experiência,
daí o envolvimento e o resultado obtido.
Considerar a dimensão da experiência, de percursos e processos,
dos fins da escrita e da ação, da liberdade de "recriar
e sobreviver em esperança" , de sair do emudecimento e criar
voz, de fato, eis o diferencial desta prática escolar.
Diante de um resultado bem sucedido, apropriado, arrisca-se dizer que
os adolescentes tornaram-se escritores.
Atualmente, a escola tem se ocupado com práticas que objetivam
a formação de escritores. Se, antes, escrever era dom, circunscrito
aos presenteados, hoje, é habilidade a ser desenvolvida, e muito
se faz para isso, é democrático, qualquer um pode ser escritor.
Mas seria essa a missão da escola?
Todas as práticas até hoje realizadas precisam ser reinterpretadas
à luz dos objetivos da escrita. Queremos Camões, Pessoas,
Clarices Lispectors, Rosas, Drummonds e Saramagos, apenas, ou necessitamos,
também, de poetas e contistas adolescentes, de simples escreventes,
escribas ? Não poderiam estes estar no caminho daqueles?
O destino da escrita não cabe à escola, a ela parece mais
justo, mais apropriado, considerar a dimensão da experiência,
de percursos e processos, dos fins da escrita e da liberdade de transitar
entre ser escritor e não sê-lo, por exemplo, por opção,
não por dom ou ausência deste. Antes de pensar na formação
de escritores, a escola deve pensar em promover a experiência.
Homero, os adolescentes e as crianças nasceu na perspectiva da
formação de escritores. Cresceu, entretanto, em outra direção,
ultrapassou os muros da escola, tornou-se experiência. Deu voz aos
adolescentes. Assim transformaram-se os adolescentes após Homero
e as crianças: aqueles-que-escrevem. Assim transformou-se a professora,
não mais responsável pela formação de escritores,
mas responsável pela experiência daqueles-que-escreveram.
BIBLIOGRAFIA
BARTHES, Roland. Écrivains et écrivants. In Essais critiques.
Paris, Ed Seuil, 1964. p.147- 154.
GERALDI, João Wanderley. Portos de Passagem. São Paulo,
Martins Fontes, 1997.
KRAMER, Sônia. Leitura e escrita como experiência - notas
sobre seu papel formador. In ZACCUR, Edwiges. A magia da linguagem. Rio
de Janeiro, DP&A, SEPE. 1999. p. 101-121.
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