Sônia Maria Coelho. Universidade Estadual
Paulista. FCT, UNESP.
Quando concluímos nossa tese de doutorado na qual
fizemos a análise de dissertações e teses sobre a
formação e a prática da professora alfabetizadora
e que focalizava a invasão da alienação nessas mesmas
práticas, percebemos que o material que havíamos coletado
prestava-se ainda a outras importantes investigações e análises.
O objetivo seguinte a esse trabalho passou a ser uma verificação
de como tais pesquisadores focalizaram o problema da alienação
e a identificação dos referenciais teóricos que fundamentaram
seus estudos, buscando explicações que mostrem qual a relação
entre determinadas posições teóricas e a percepção
do fenômeno da alienação.
No referido levantamento bibliográfico sobre o trabalho da professora
alfabetizadora e numa primeira leitura desse material, algo chamou a nossa
atenção: a quase total ausência da temática
da alienação nessas análises.
Isso revelaria que tais estudos não estariam dando atenção
ao tema ou apenas que o mesmo não teria sido devidamente explicitado
nos referidos estudos? Até que ponto os trabalhos voltados para
o chamado cotidiano escolar (neste caso o cotidiano da professora alfabetizadora)
estariam contribuindo para a análise da alienação
produzida e reproduzida no cotidiano da sociedade contemporânea?
Tais indagações fizeram com que repensássemos a proposta
de desenvolver uma pesquisa que olhasse apenas para a prática específica
de uma professora alfabetizadora e começássemos a pensar
numa investigação que problematizasse a ausência,
no olhar com o qual os pesquisadores vêm focando o exercício
dessa profissional, do tema da alienação do cotidiano. Realizamos
este trabalho sob o enfoque da teoria de Agnes Heller sobre a vida cotidiana
(HELLER, 1970, 1991) e os processos pelos quais a alienação
desse mesmo cotidiano acaba invadindo as trabalho educativo escolar e,
no nosso estudo, as práticas das professoras alfabetizadoras que
foram objeto de estudo nas teses e dissertações que analisamos,
considerando-se todos os aspectos desde a sua formação inicial
aos processos de formação continuada a que estão
submetidas tais professoras.
Sendo a teoria helleriana do cotidiano também uma teoria da alienação
desse mesmo cotidiano, fomos nos dando conta, aos poucos, de que os trabalhos
que encontramos sobre o cotidiano escolar e, mais especificamente, os
estudos de caso sobre a professora alfabetizadora pareciam não
problematizar de forma direta a questão da reprodução
do cotidiano alienado dessa profissional, em seu trabalho docente. Em
vários momentos, pareceu-nos que aquelas investigações
chegavam mesmo a endossar como naturais certas práticas e certos
pressupostos presentes na prática do docente alfabetizador, os
quais apontam na direção da reprodução a-crítica
da alienação do cotidiano. Assim, decidimos dar continuidade
aos estudos sobre o peculiar trabalho da professora alfabetizadora, investigando
o quanto as relações entre cotidiano alienado e trabalho
educativo estejam, ainda que tangencialmente, sendo objeto de estudo de
teses e dissertações e se tais pesquisas trazem, de forma
direta ou indireta, explícita ou implícita, crítica
ou ingênua, elementos para a reflexão sobre os processos
de reprodução, nas práticas de alfabetização,
do cotidiano alienado da sociedade capitalista atual, de onde surgiu a
pergunta central deste nosso estudo.
Procuramos encontrar elementos que pudessem, ainda que indiretamente,
indicar como os pesquisadores se posicionaram perante as relações
entre vida cotidiana (da professora) e trabalho educativo. Investigamos
em que medida, para os pesquisadores, essa questão apareceu como
problemática ou não, discutindo se existem indícios
de que tenham chegado a formular alguma indagação sobre
as possibilidades deste profissional, em conseqüência de sua
formação, desenvolver um trabalho que esteja reproduzindo
a alienação existente no cotidiano da sociedade atual. Essa
delimitação do objeto da pesquisa, de sua questão
central e de seu objetivo, manteve uma relação clara com
a adoção, como referencial teórico, da teoria da
vida cotidiana formulada por HELLER (1970; 1991) e das análises
teóricas da educação escolar que DUARTE (1993; 1996;
1968) desenvolveu, com base na teoria helleriana. Por sua vez, tanto os
trabalhos de Heller como os de Duarte apoiaram-se nas concepções
marxistas acerca da humanização e da alienação
dos indivíduos.
Retomando as pesquisas que foram objeto de nossa investigação,
vimos que, em diversos trabalhos, até mesmo os pesquisadores cujos
trabalhos investigamos, faziam algumas análises de forma pragmática
e espontaneísta, o que nos levou a repensar o problema inicialmente
proposto. Retomamos o material de dissertações e teses coletado
para a pesquisa, retomado sob a perspectiva dos pesquisadores, realizando
uma análise acerca de seus posicionamentos sobre a formação
desses professores, declarados ou não, e a relação
destes com a sua visão do fenômeno da alienação
na prática educativa. Colocamos o foco de nossa análise
na fala dos pesquisadores.
A prática docente alfabetizadora
Em geral, o enfoque que se dá ao processo de alfabetização
decorre das dificuldades geradas pela incompetência e frustração
que o fracasso impõe, isto é, na maioria das vezes, analisamos
o processo através de seu lado negativo: a repetência e o
analfabetismo funcional dos egressos das escolas nas camadas populares.
Assim, o objetivo dos estudiosos acaba sendo a minimização
dos índices de fracasso representados pela repetência e evasão
escolar. Esses índices denigrem a imagem do quadro educacional
do país e nos remetem às estatísticas de país
em desenvolvimento. Muitas vezes, para os alunos das classes mais pobres,
a única possibilidade que possuem de verem suas oportunidades se
ampliarem é através da escola, que, como função
(DUARTE, 1996), deve ser geradora de necessidades cada vez mais elevadas
(superiores) nesses alunos, para que eles possam, por esse motivo, alçar
a níveis de realização no âmbito não-cotidiano.
Para fugirmos desse impasse, explicamos o fracasso escolar justificando
as causas, ora num nível individual, ora num nível social,
mas em qualquer um deles o próprio aluno é colocado como
culpado por suas deficiências de ordem cognitiva, lingüística,
nutricional, emocional. Em outros enfoques, a professora alfabetizadora
é colocada no banco dos réus por motivos igualmente inconsistentes.
Pouco sabemos sobre o que realmente ocorre no momento da alfabetização,
porque as professoras muitas vezes não conseguem elevar sua prática
ao nível do não-cotidiano, superando as limitações
impostas ao seu trabalho pela presença da alienação
do cotidiano que invade também a sala de aula de forma muito intensa.
Alguns pesquisadores, cujos trabalhos examinamos, comentaram que existem
mecanismos sutis, presentes nas escolas, que induzem ao fracasso escolar
e nós consideramos que tais mecanismos são um reflexo da
alienação que, na sua interferência, produz esse fracasso.
A escola, na sua opinião, parece não ter sido feita para
as crianças das classes mais pobres: aí, pensamos, se esconde
o germe da alienação presente em nossa sociedade e que se
faz sentir na sala de aula. Os mesmos mecanismos hegemônicos aparecem
aqui e segregam a criança, exigindo dela apenas o cumprimento de
tarefas mecânicas, que minimamente a instrumentalizam para o exercício
básico da escrita e fundamentos de cálculo. Aliás,
parece que cada vez mais estamos acatando essa proposição
e não exploramos as reais potencialidades dessa criança,
aceitando que sua aprendizagem, em especial da linguagem escrita, se mantenha
num nível suficiente para suprir apenas as necessidades, no âmbito
de sua vida cotidiana.
Discutindo a formação e o papel desempenhado pelo docente,
no estudo que fizemos por ocasião do doutorado, vimos pesquisadores
afirmarem que o professor precisa interpretar as manifestações
da criança que, por serem diferentes daquelas que a escola prevê
como aceitáveis, acabam enquadrando o aluno como desinteressado,
indisciplinado, incapaz etc. O papel do professor, nesses casos, foi discutido,
mas não se explicitou o fato de que existe um impedimento gerado
pela própria alienação que invade a atividade docente
e deturpa o seu significado. Em função dessa alienação,
o professor tanto poderá facilitar o trabalho da criança
como poderá deixar de atuar, em muitos casos, por simples falta
de preparo profissional.
A maioria das pesquisas que analisamos estão permeadas de comentários
sobre o papel do professor e abordam o problema de forma a considerar
que ele deve estar preparado, ser possuidor da certas características
para ser um alfabetizador eficaz, embora também considerem que,
na maioria dos casos, falta um projeto coletivo que oriente a ação
docente, mesmo no caso de professores bem sucedidos. As situações
expostas supõem que o problema se resolverá com o esforço
individual e isolado para impedir o fracasso escolar desses alunos. Vemos
aqui novamente a idéia embrionária sobre a presença
da alienação no trabalho educativo.
Os pesquisadores discutiram as condições de formação
inicial e continuada, do trabalho docente e o grau de envolvimento das
professoras na tarefa de alfabetizar, ou seja: no planejamento, na organização
do trabalho didático, na proposta pedagógica assumida, nos
conhecimentos psicopedagógicos da professora, no relacionamento
com pais, alunos, colegas e direção, enfim, na percepção
do progresso ou fracasso dos alunos. Para a maioria dos pesquisadores,
a construção do perfil profissional da professora alfabetizadora
de sucesso, se faria a partir de alguns elementos apresentados quase sempre
nesta ordem: compromisso para um trabalho sério; experiência
adquirida no exercício docente; importância da supervisão
e orientações recebidas. Diversos autores, cujas pesquisas
examinamos, além do compromisso, da experiência docente,
da formação acadêmica e cultural, acham que há
necessidade de algumas características psicológicas para
que o professor seja bem sucedido: uma certa dose de segurança
pessoal, autonomia, curiosidade, criatividade, entusiasmo, envolvimento
e responsabilidade no trabalho.
Tornou-se extremamente necessário examinar as falas dos próprios
pesquisadores e os indícios que nos permitiriam apontar para a
sua percepção, ou não, do fenômeno da alienação
no trabalho educativo das professoras alfabetizadoras, principalmente
estabelecendo relações dessa percepção com
os referenciais teóricos que tais pesquisadores utilizaram.
Fundamentação teórica
De acordo com a filosofia marxista a relação
histórico-social entre objetivação e apropriação
caracteriza a especificidade do desenvolvimento humano, do ponto de vista
tanto do gênero humano como do indivíduo. A herança
transmite características da espécie humana enquanto parte
de uma categoria biológica e o processo de humanização
presente no gênero humano apresenta-se como uma categoria histórica
através da qual o processo de humanização se dá,
de maneira descentrada da relação adaptativa com a natureza.
A apropriação da natureza humana pelo homem promove a sua
incorporação à atividade social humana. Há
uma interdependência entre ambos os elementos, sendo o desenvolvimento
biológico um pressuposto importantíssimo para o desenvolvimento
histórico do gênero humano.
O caráter histórico das necessidades humanas é uma
conseqüência da atividade do trabalho. O objeto que satisfaz
as necessidades humanas não é um objeto imediatamente natural,
mas sim alterado pela atividade de produção, onde as características
humano-sociais se fazem presentes.
Segundo Marx, nos Manuscritos é ao longo da história que
o homem vai se auto-criando, se humanizando, construindo as características
que o determinam enquanto um ser humano e a isto ele chama de constituição
genérica. Através dos mecanismos de objetivação
e apropriação é que vai ocorrendo a diferenciação
entre homens e animais, criando-se a história. O homem é
imediatamente ser natural. Como ser natural e como ser natural vivo, está,
em parte, dotado de forças naturais de forças vitais, é
um ser natural ativo (apud DUARTE, 1993, p.106).
Deste modo ele entende que o homem vem da natureza e não prescinde
dela, mas, antes de tudo é um ser humano-genérico. Ele pode
produzir os meios necessários à sua vida e constituir uma
forma específica de vida.
De acordo com MARKUS (1974)
o que acima de tudo distingue o homem do animal é uma específica
atividade mental, a qual constitui a sua mais própria essência.
A atividade vital do homem é o trabalho (p.10, grifos do autor).
Segundo tais análises, Markus afirma que, para Marx, o homem é
um ser social e consciente que trabalha, designando o ser humano com um
ser universal e livre (1974-a, p.92).
Segundo DUARTE (1993), nos Manuscritos, Marx utiliza o fato de a atividade
humana ser consciente para distinguí-la da atividade animal. Assim,
pelo fato de ser consciente, e por conseguinte, um ser genérico,
é que o homem corre o risco de transformar sua atividade vital
– sua essência – em simples meio de existência.
Deste modo ocorre o que se denominou trabalho alienado, que acabou invertendo
a relação humana com sua atividade vital.
A esse respeito é importante trazer a esta discussão o trabalho
desenvolvido por LEONTIEV (1978) , segundo o qual a atividade animal se
caracteriza por sua imediaticidade entre objeto e necessidade, o que faz
com que o animal se mova na direção do objeto gerador da
satisfação de uma necessidade. Já com a atividade
humana, ocorre que esta é dirigida por uma motivação
que acaba desdobrando a atividade em várias ações
para a consecução do objetivo inicial. Isto destrói
o nexo causal entre o objeto sobre o qual o homem age e o motivo pelo
qual está agindo. Segundo Leontiev essa relação que
se estabelece entre o motivo da atividade e o objetivo da ação
chama-se sentido. Assim, toda ação é dirigida à
consciência humana que lhe dá um significado através
de seu conteúdo concreto e o que deve resultar dessa ação.
DUARTE (1993) assim se expressa a respeito:
reproduzir um instrumento é uma ação que por si mesma
não satisfaz nenhuma necessidade biológica imediata do ser
humano. O sentido de tal ação é dado por um conjunto
de ações nas quais o instrumento virá a ser utilizado.
Isso já mostra que cada vez mais a consciência humana para
desempenhar sua função mediadora na atividade humana, foi
desenvolvendo sua estrutura enquanto uma estrutura também mediatizada.
Esse desenvolvimento da consciência enquanto mediação
no interior da atividade humana, realizou-se através da objetivação
da atividade comunicativa humana, a linguagem (p.86/87 grifos do autor).
(...) a história humana é repleta de exemplos de pessoas
que perderam conscientemente sua vida porque colocavam os motivos, que
as levaram a agir, acima da própria necessidade da vida ( p.87).
A partir daí ele responde que, para Leontiev
o fato do agir humano ser conscientemente dirigido por fins, possibilita
tanto o desenvolvimento humanizador da atividade e da consciência,
quanto a separação entre o significado e o sentido da ação
( DUARTE, 1993, p.87).
o que significa, no caso que estamos analisando, as práticas educativas
podem também incorrer em práticas que se caracterizam pela
distinção entre significado e sentido, ocorrendo assim o
fenômeno da alienação da prática docente.
Este trabalho apoiou-se também no conceito de alienação
incorporado por Agnes Heller (1970; 1991), a partir da teoria marxista,
que se torna o centro de sua preocupação na busca do entendimento
da estrutura e do pensamento cotidianos.:
Todos esses momentos característicos do comportamento
e do pensamento cotidianos formam uma conexão necessária,
apesar do caráter aparentemente casual da seleção
em que aqui se apresentam. Todos têm em comum o fato de serem necessários
para que o homem seja capaz de viver na cotidianidade. Não há
vida cotidiana sem espontaneidade, pragmatismo, economicismo, analogia,
precedentes, juízo provisório, ultrageneralização,
mimese e entonação. Mas as formas necessárias da
estrutura e do pensamento da vida cotidiana não devem se cristalizar
em absolutos, mas têm de deixar ao indivíduo uma margem de
movimento e possibilidades de explicitação. (...) Se essas
formas se absolutizam, deixando de possibilitar uma margem de movimento,
encontramo-nos diante da alienação da vida cotidiana (1970,
p. 37, grifo do autor).
O fenômeno da alienação provoca rupturas
e contradições, separando o homem em dois aspectos igualmente
fundamentais: essência e existência, ou seja, entre a riqueza
do gênero humano e a pobreza da vida dos indivíduos. A alienação,
para Heller, é um fenômeno segundo o qual ocorre a expansão
da estrutura da vida cotidiana para as esferas não-cotidianas e
se manifesta enquanto uma incapacidade do indivíduo de desnaturalizar
as formas de pensamento e ação da vida cotidiana e de superar
essas formas em situações nas quais isso seria necessário.
Tudo isso decorre do caráter essencialmente alienante da sociedade
capitalista, enquanto sociedade voltada para a produção
de mercadorias, produção de valores de troca. Tomamos como
apoio vários autores para referendar essas idéias marxistas
sobre a alienação como Markus (1974-a, 1974-b), Suchodolski
(1975), Pinto (1969), Duarte(1993, 1996), entre outros.
Para superar a alienação da vida humana, alçando-a,
como diz Heller, às esferas não-cotidianas de objetivação,
é necessário promover condições que possibilitem
a universalidade e liberdade do homem. Assinalando esse mesmo aspecto,
em Ciência e Existência, Álvaro Vieira Pinto afirma
que:
(...) o trabalho alienado impede a realização
do ser do homem, pois constitui um óbice à aquisição
da meta essencial pela qual se define esse ser, a liberdade (PINTO, 1969,
p. 370).
(...) Só desaparecerão as condições que criam
impedimentos à liberdade do homem quando este projeto for uma finalidade
da consciência coletiva e tiver por correlato a supressão
final de toda forma de alienação do trabalho (PINTO, 1969,
p. 371).
Para este autor o trabalho é a forma concreta
de manifestação da liberdade do homem, corporificando-a,
o que significa dizer que o homem só se torna livre se o trabalho
que executar também for um trabalho livre, que lhe permita uma
dignidade existencial.
Para completarmos este estudo, utilizaremos ainda o conceito de alienação
elaborado por Markus (1974b), em Teoria do Conhecimento no Jovem Marx,
segundo o qual
alienação nada mais é que uma ruptura na qual a evolução
da humanidade se destaca da evolução do indivíduo,
na qual o efeito – que modifica e desenvolve o homem – da
atividade humana apresenta-se apenas como relação social
global, mas não como elemento capaz de provocar a formação
do indivíduo, o desenvolvimento da personalidade e de sua atividade.
Logo, a alienação é – no sentido marxista destas
noções – a ruptura, a contradição entre
a essência e a existência do homem. Pôr fim à
alienação significa, pois liquidar essa antinomia, quer
dizer, promover uma evolução histórica na qual cessará
o contraste entre a riqueza da sociedade, os mil matizes da sua vida,
por um lado, e a submissão, a limitação, o caráter
unilateral de cada indivíduo por outro; na qual será possível
avaliar de forma adequada o grau de evolução do progresso
social mediante a maturidade do indivíduo; na qual a universalidade
e a liberdade do gênero humano se expressem diretamente na existência
variada e livre de cada homem (MARKUS, 1974-b, p. 99).
Markus (1974-a, 1974-b) fala da cisão entre essência
e existência do ser humano e no quanto essa ruptura trunca a liberdade
do gênero humano, levando com isso à alienação.
Harmonizando-se com este pensamento, Heller acredita que a dialética
entre objetivação e apropriação, imprescindível
na formação do indivíduo, pode servir tanto para
a humanização como para a alienação, e que
as formas necessárias à vida dentro da estrutura e do pensamento
cotidianos não devem se cristalizar em absolutos (HELLER, 1970,
p. 37), mas sim permitir um movimento que impeça a alienação
da vida cotidiana. Para viver de forma humanizadora a sua vida cotidiana,
o homem precisa de oportunidades e situações que apontem
para além do cotidiano. Esse é o movimento que Heller afirma
ser preciso para resistir à alienação. Ela ressalta
que, antes de qualquer coisa,
(...) a alienação é sempre alienação
em face de alguma coisa e, mais precisamente, em face das possibilidades
concretas de desenvolvimento genérico da humanidade (HELLER, 1970,
p. 37, grifo do autor).
Não se pode falar de alienação isoladamente,
sem entendê-la frente a algum ponto de referência. Por exemplo,
o problema da fome é um processo de alienação, pois
a sociedade tem meios para alimentar a todos os seres humanos e, no entanto,
isso não ocorre. É óbvio que não se trata
de um problema de origem psicológica. O mesmo ocorre com outras
situações nas quais existe essa cisão entre a vida
dos indivíduos (pobre, limitada etc.) e a riqueza material e intelectual
socialmente existente.
A vida cotidiana, de todas as esferas da realidade, é
aquela que mais se presta à alienação. Por causa
da coexistência ‘muda’, em-si, de particularidade e
genericidade, a atividade cotidiana pode ser atividade humano-genérica
não consciente, embora suas motivações sejam, como
normalmente ocorre, efêmeras e particulares. Na cotidianidade parece
‘natural’ a desagregação, a separação
de ser e essência (HELLER, 1970, p. 37, grifo do autor).
Os conflitos entre particularidade e genericidade nem
sempre são conscientes para o sujeito, na sua vida cotidiana, mas
acontecem mudamente, como diz Heller, ou seja, de forma a não se
tornarem conscientes.
Para ela, a vida cotidiana não é necessariamente alienada,
embora seja terreno propício para isso, mas pode cristalizar-se
como tal, impedindo a movimentação do homem e, nesse caso,
favorecer o aparecimento da particularidade alienada que, em face de possibilidades
que não chegam a se concretizar, impede o desenvolvimento do homem
na sua genericidade, ou seja, não permitem que o indivíduo
participe conscientemente da construção histórica
do gênero humano. Quando ocorre união entre o ser e sua essência,
a cotidianidade não aparece como forma alienada, passando a existir
a possibilidade de explicitação e movimento dentro dessa
estrutura, com a manifestação da essência unitária,
nas formas heterogêneas que caracterizam a vida cotidiana.
Existe alienação quando ocorre um abismo
entre o desenvolvimento humano-genérico e as possibilidades de
desenvolvimento dos indivíduos humanos, entre a produção
humano-genérica e a participação consciente do indivíduo
nessa produção (HELLER, 1970, p. 38),
ou seja, entre aquilo que o indivíduo é
e aquilo que ele poderia ser; entre aquilo que o homem faz, produz, e
sua participação consciente no processo. Esse abismo, como
sublinha Heller, não foi sempre o mesmo em todas as épocas
e circunstâncias, nem em todas as camadas sociais, mas, certamente,
o capitalismo moderno o aprofundou. Desse modo, “a condução
da vida não pode se converter em possibilidade social universal
a não ser quando for abolida e superada a alienação”
(HELLER, 1970, p. 41), tornando-a representativa, em condições
que permitam a ordenação propiciadora para a ação
moral e política.
Em sua obra Revolución de la vida Cotidiana, citada por Duarte,
Heller destaca que,
(...) no fundamental, a essência da alienação
da vida cotidiana não há de ser buscada no pensamento ou
nas formas de atividade da vida cotidiana, mas sim na relação
do indivíduo com essas formas de atividade, assim como em sua capacidade
ou incapacidade para hierarquizar, por si próprio essas formas;
em sua capacidade ou incapacidade, enfim, para sintetizá-las em
uma unidade. De fato esta capacidade depende da relação
que o indivíduo mantém com o não-cotidiano, isto
é, com as diversas objetivações genéricas
para-si (HELLER, 1982 apud DUARTE, 1996, p. 39).
Ampliando essa discussão, podemos pensar nas ocorrências
que impulsionam a expansão da estrutura da vida cotidiana alienada
para o âmbito do trabalho das professoras alfabetizadoras, enquanto
um processo de alienação. Quando as características
presentes na vida cotidiana – heterogeneidade, espontaneidade, pragmatismo,
juízos provisórios, entonação, mimese, uso
de precedentes, da fé, da analogia, de ultrageneralizações
– estão dirigindo a prática pedagógica, podemos
caracterizar o trabalho de tais professoras como trabalho alienado.
A esse respeito Duarte afirma:
Na sociedade contemporânea, (...) torna-se particularmente
agudo o conflito entre a cotidianidade (alienada) e as esferas não-cotidianas
da vida social. No caso do trabalho educativo isso gera o problema dessa
atividade ser dirigida de maneira pragmático-utilitária,
o que é uma característica típica da estrutura da
vida cotidiana. Se na vida cotidiana a presença do pragmatismo
não é sinônimo de alienação, podemos
dizer, entretanto, que existe alienação quando na própria
vida cotidiana o indivíduo se torna incapaz de reconhecer as situações
em que esse pragmatismo precisa ser suspenso. Estaremos ainda mais em
presença da alienação quando o pragmatismo se apresentar
como categoria decisiva em atividades que ultrapassem o âmbito da
vida cotidiana, como é o caso da atividade educativa escolar (DUARTE,
1996: p. 53-54).
Ele enfatiza que essas características da vida
cotidiana podem, de algum modo e com diferente intensidade, estar presentes
nas atividades não-cotidianas, mas não podem determinar
o sentido que essas atividades devem assumir. A prática alfabetizadora
dessas professoras poderá atingir altos níveis de alienação,
quando o trabalho que executarem apenas concorrer para a sua sobrevivência,
isto é, como meio para assegurar sua existência, “ao
invés de ser uma atividade na qual ele, o educador, se reproduza
em níveis cada vez mais elevados como indivíduo pertencente
ao gênero humano” (DUARTE, 1996, p. 53).
Concordamos com o autor, quando afirma que o fenômeno da alienação,
no caso da atividade docente, ocorre quando os professores não
conseguem suspender o pragmatismo e as demais características da
estrutura da vida cotidiana na sua própria prática.
Empregamos as principais categorias pelas quais Heller (1970, 1991) caracteriza
a estrutura da vida cotidiana, para detectar, nas teses e dissertações
selecionadas, aspectos indicadores da reprodução da vida
cotidiana alienada no trabalho de alfabetização. Talvez
não seja demasiado recordarmos aqui, resumidamente, quais são
essas categorias.
• Entonação – é um tipo de preconceito
emocional, um outro tipo de ultrageneralização. Existe na
pessoa um tom que a identifica e isso sugestiona as demais.
• Economicismo – é a tendência da vida cotidiana
de economizar esforço nas ações e provocar o aligeiramento
das atividades. Essa categoria deriva da probabilidade.
• Espontaneidade – na vida cotidiana, não há
relação entre ação/motivo, há repetição
de ações, rigorosa regularidade na assimilação
dos comportamentos consuetudinários e sempre se faz acompanhar
de motivações efêmeras, isto é aquelas que
rapidamente terminam.
• Imitação – a vida cotidiana exige que imitemos,
para realizar nossos trabalhos e intercâmbios. Há imitações
de ações, de comportamentos e imitação evocativa.
• Pragmatismo – a vida cotidiana normalmente não promove
a discussão do significado das ações, não
são questionadas suas causas, sua gênese; há uma unidade
imediata entre pensamento e ação, sendo que as atividades
da vida cotidiana são sempre acompanhadas de fé e confiança.
• Probabilidade – a vida cotidiana atua na base da possibilidade,
não permitindo que se calcule com segurança científica
a extensão das ações. A vida cotidiana é baseada
na repetição (hábito, costume) e é intuitiva.
Essa categoria está muito ligada ao pragmatismo.
• Ultrageneralizações – constituem-se a partir
de juízos provisórios, que podem gerar atitudes preconceituosas;
analogia – classificação ou enquadramento do indivíduo
que desejamos conhecer numa categoria já conhecida por experiência;
precedentes – é um tipo de pensamento utilizado para o conhecimento
de situações.
É necessário lembrar e frisar que essas
categorias formam um todo e que elas não existem separadamente.
Mesmo assim, faremos um exercício de abstração, procurando
mostrar a presença de cada uma delas nos dados apresentados pelas
teses e dissertações examinadas. Outro importante esclarecimento
é o de que não consideramos que a simples presença
de uma dessas categorias no trabalho de alfabetização já
o torne um trabalho alienado. Concluímos com Heller (1970):
Não se trata de afirmar que as categorias da cotidianidade sejam
alheias às esferas não-cotidianas. Basta aludir à
função desempenhada pelos precedentes na atividade política,
pela analogia na comparação científica e artística,
pela mimese ou pela entonação na arte. Mas essa limitada
comunidade ou universalidade de categorias jamais significa uma identidade
estrutural com, ou uma assimilação pelas, formas de atividade
e conteúdos da cotidianidade. (...) A aludida estrutura, que na
cotidianidade não aparece como um fenômeno de alienação,
é necessariamente manifestação de alienação
na arte, na ciência, nas decisões morais e na política.
E é evidente, com efeito, que a estrutura cotidiana só começa
a expandir-se para cima quando ela própria já é alienada
(p. 39, grifo do autor).
A importância da alfabetização na
vida humana
A investigação de Vigotski (2001) mostrou
que a escrita, nos traços essenciais do seu desenvolvimento, é
diferente da história do desenvolvimento da fala, uma vez que possuem
funções lingüísticas distintas, funcionamento
e estruturas diferentes, sendo as semelhanças entre os dois processos
mais de aparência que de essência (p. 312). A criança
que aprende a escrever precisa abstrair o aspecto sensorial da fala, usar
uma linguagem abstrata que substitui as palavras por suas respectivas
representações. Isso significa uma dificuldade muito grande
para a criança. Aliado a tal fator, aparece o de que a escrita
é uma fala sem interlocutor, dirigida a uma pessoa ausente, imaginária,
ou seja, não determinada especialmente. A dinâmica existente
em uma conversação facilita o desenvolvimento da fala pelas
exigências da própria situação, porém,
no caso da escrita, as motivações são mais abstratas,
os motivos mais intelectualizados e distantes das necessidades imediatas.
Nem sempre se apresentam às crianças situações
em que a necessidade da escrita seja clara e evidente, vinculadas à
sua realidade. Abaixo, destacamos algumas passagens nas quais Vigotski
(2001) mostra o quão abstrata é a linguagem escrita para
a criança:
A escrita é uma função específica
da linguagem, que difere da fala não menos como a linguagem interior
difere da linguagem exterior pela estrutura e pelo modo de funcionamento.
Como mostra a nossa investigação, a linguagem escrita requer
para o seu transcurso pelo menos um desenvolvimento mínimo de um
alto grau de abstração. (...) Como mostram as investigações,
é exatamente esse lado abstrato da escrita, o fato de que essa
linguagem é apenas pensada e não pronunciada que constitui
uma das maiores dificuldades com que se defronta a criança no processo
de apreensão da escrita (p. 312-313). Pode-se até afirmar
com base em dados da investigação que esse aluno, ao se
iniciar na escrita, além de não sentir necessidade dessa
nova função de linguagem, ainda tem uma noção
extremamente vaga da utilidade que essa função pode ter
para ele (p. 314-315).
Notamos que o caráter abstrato da escrita é,
em si mesmo, um fator de dificuldade para a criança no processo
de sua aquisição e, principalmente, como a criança
utiliza outro tipo de linguagem (oral), não sente, pelo menos inicialmente,
nenhuma necessidade de utilização da escrita.
Essas descobertas de Vigotski (2001) podem ser relacionadas com os fundamentos
da teoria helleriana sobre o pensamento e a estrutura da vida cotidiana,
segundo os quais as atividades do indivíduo tendem ao humano-genérico
como parte de um processo de desenvolvimento. Conforme suas afirmações
constantes, as atividades cotidianas são parte integrante da vida
do indivíduo no âmbito do em-si e, para atingirem um nível
de realizações no âmbito do para-si, precisam evoluir
ao nível das atividades não-cotidianas. Conforme o próprio
conceito de vida cotidiana prevê, para que o sujeito possa desenvolver-se,
é preciso que consiga realizar algumas tarefas, como, por exemplo,
as que fazem parte do processo de alfabetização, que lhe
permitirão um nível de realizações mais amplas.
Assim, a mediação entre os âmbitos cotidiano e não-cotidiano,
na vida do indivíduo, será facilitada pela alfabetização,
uma vez que esta poderá proporcionar condições de
elevação qualitativa das relações que o indivíduo
mantém com a realidade humana da qual ele é parte, já
que a maioria dos contatos com as objetivações superiores
do gênero humano requer a mediação da linguagem escrita.
Consideramos que, através da alfabetização, a conquista
da linguagem escrita favorece o processo de apropriação
de conceitos científicos, os quais, por sua vez, como já
foi mencionado, promovem de cima para baixo uma reestruturação
e reelaboração dos conceitos cotidianos. As funções
mentais superiores, apontadas na teoria vigotskiana, desenvolvem-se de
modo a propiciar o controle deliberado das ações, o que
por sua vez irá refletir-se no processo de desenvolvimento geral
do sujeito. Esse desenvolvimento da consciência facilita o uso deliberado
da memória, que, deixando de ser mecânica, atinge um patamar
mais lógico. O conceito, dessa maneira, só pode tornar-se
objeto da consciência e do controle deliberado quando começa
a fazer parte de um sistema, segundo o qual a generalização
possibilita ordenamentos de conceitos hierarquizados em diferentes níveis
de generalidade.
Revendo os processos de alienação nas teses e dissertações
sobre a prática docente alfabetizadora
Os dados encontrados nas teses e dissertações
que analisamos foram estudados agora, em função do pensamento
e da fala dos próprios pesquisadores em relação a
alguns pontos que destacamos: a formação docente, a prática
alfabetizadora e a alienação presente em tais processos.
Por se tratar de um outro enfoque para o trabalho, ao qual não
nos propúnhamos na ocasião do nosso doutorado, principalmente
por não pretendermos dar um tratamento superficial aos mesmos,
deixamos para um momento oportuno o estudo de dados tão importantes.
Num primeiro momento retomamos a leitura das teses e dissertações
e fizemos uma síntese dos referenciais teóricos utilizados
pelos pesquisadores para desenvolverem suas análises. Após
o estabelecimento das relações entre os pensamentos dos
autores e as teorias levantadas, fizemos um estudo dos resultados alcançados
neste trabalho.
• Em uma das teses nenhuma teoria sobre o desenvolvimento da criança
foi privilegiada, mas havia referências sobre o processo de alfabetização
conforme tinham ocorrido nos casos que o pesquisador havia estudado. Tais
referências estavam ligadas a uma concepção de ensino
considerada tradicional. Não havia referências explícitas
ou implícitas que apontassem para condições de formação
do professor, nem mesmo sobre possível alienação
presente em sua prática.
• Outro trabalho teve como objetivo analisar a relação
entre Psicologia e Alfabetização sob a ótica dos
professores. Tal análise tomou como base o referencial teórico
da Psicologia Histórico-Cultural, especialmente os trabalhos dos
psicólogos soviéticos Lev S. Vigotski e Alexander R. Luria
sobre o desenvolvimento das funções psicológicas
superiores e a impor¬tância da escolarização na
constituição do psiquismo. A questão central da pesquisa
era como o professor alfabetizador opera, decodifica e recria, na prática
pedagógica, as teorias psicológicas que fundamentam sua
ação. Aqui pudemos verificar implicitamente a presença
de uma crítica ao trabalho mecanicamente desenvolvido, ou seja,
uma referência indireta aos processos de alienação,
pelo fato de o pesquisador mencionar a necessidade do professor buscar
maiores entendimentos para sua prática.
• Um dos estudos procurou identificar aspectos importantes das percep¬ções
e práticas pedagógicas de um grupo de dez professoras da
região de Campinas que, apesar das limitações de
sua formação acadêmica e de suas condições
de trabalho, estavam conseguindo alfabetizar com su¬cesso alunos das
escolas públicas Alguns aspectos que se mostraram relevantes sobre
as con¬cepções e práticas pedagógicas
das professoras estudadas foram: a maior valorização da
experiência profissional suplantando a formação acadêmica;
os diferentes estilos de atuação pedagógica em que
combi¬nam a formação tradicional com alguns aspectos
de ensino renovador; a demonstração de segurança,
autonomia, criatividade, entusiasmos e ha¬bilidade no relacionamento
com os alunos dentro de um clima onde o equilíbrio entre os aspectos
afetivos, sociais e cognitivos facilitam a aprendizagem e finalmente,
a crença na importância do seu papel e na potencialidade
da criança de escola pública que foram demonstrados pela
competência e comprometimento no trabalho das professoras. Como
se pode verificar ficou implícito que os processos de alienação
podem ocorrer em determinadas condições em que as características
elencadas não se fizerem presentes na prática do professor
alfabetizador.
• Um dos trabalhos, realizado em 1988 aponta para as caracte¬rísticas
desse período no que se refere às concepções
sobre o processo de alfabetização, quando começaram
a ser divulgadas as primeiras publi¬cações sobre as
pesquisas de Emília Ferreiro e colaboradores sobre a aquisição
da lecto-escrita. Uma primeira obser¬vação nas referências
bibliográficas da pesquisadora já nos apresenta um perfil
de seu trabalho, no que se refere às suas posições
teóricas. O trabalho teve como propósito analisar a concepção
que a professora manifesta sobre o ato de alfabetizar, além de
referir-se ao problema da evasão e repetência cujo índice
encontrado já na primeira série era altíssimo, o
que constitui, de acordo com a autora, dois problemas correlatos. A hipótese
de trabalho da pesquisadora era que a prática pedagógica,
que ela denominou não-reflexiva tem conseqüências sérias
para o ensino-aprendizagem. Estão presentes também, de forma
implícita as críticas ao trabalho alienado.
• Outro trabalho, baseou-se na teoria de Vigotski para análise
das negociações ocorridas nos momentos de construção
de lingua¬gem escrita em crianças. Encarando essa tarefa como
desafiadora e sig¬nificativa para os educadores, a pesquisadora buscou
compreender a influência das interações nesse processo,
como uma contribuição para as professoras alfabetizadoras.
Ela justificou a realização de sua pesquisa pelo fato de
ter sido professora alfabetiza¬dora durante anos e ter-se deparado
muitas vezes com questionamentos sobre a sua própria prática
educativa, principalmente quanto às estraté¬gias que
utilizava para o ensino da lecto-escrita. Assim sendo, aponta para o importante
fato de nessa caminhada ter tomado conhecimento dos fundamentos da teoria
de Vigotski, à qual a denomina sócio-intera¬cionista.
A partir de então procurou identificar as negociações
ocorridas nos momentos da construção da linguagem escrita
que emergem das in¬terações sociais entre as díades
(criança-criança e criança-adulto) com o objetivo
de investigar a importância que tais negociações assumiam
no processo de alfabetização. Ela entendeu que as interações
sociais apre¬sentavam-se como constitutivas da aprendizagem escolar,
pelo fato de possibilitarem ao aluno o acesso a novas informações,
a transformação de seu conhecimento e ampliação
de suas capacidades cognitivas. Como pudemos novamente verificar, o uso
do referencial histórico-social permitiu uma análise mais
objetiva do fenômeno alienação, partindo de aspectos
relativos à formação e à prática docente.
• As considerações sobre a relação da
criança com a linguagem, o conceito de erro mantido pela escola,
as práticas escolares que usam a linguagem fragmentada e descontextualizada,
permitiram a outra pesquisadora mudar a visão do porquê a
criança não aprende e fazer com que ela pudesse dar importância
e enxergar como se produz a interação da criança
com a linguagem escrita e o papel do professor nessa interação.Esses
indicadores puderam estabelecer o quanto foi possível à
pesquisadora avançar, a partir de leituras especiais sobre o processo
de alfabetização e principalmente pela revisão dos
conceitos sobre problemas de aprendizagem. Os dados analisados consideraram
a alfabetização como um processo no qual a criança
e o professor relacionam-se e interagem por meio da linguagem, sendo que,
neste jogo a criança vai construindo a linguagem escrita e esta
perspectiva de aquisição leva a pensar que os erros das
crianças podem ser analisados como tentativas de entender a linguagem
escrita e não necessariamente como sintoma de distúrbios
de aprendizagem, levando-nos a pensar não em problemas de aprendizagem,
mas em problemas de ensino decorrentes de problemas de formação
dos professores.
• Partindo da observação sistemática da ação
docente esta pesquisa buscou analisar a forma de apropriação
do saber institucionalmente aceito em relação à leitura
e escrita dentro de uma perspectiva construtivista e (como disse a autora)
sócio-construtivista. A autora fez um estudo da teoria da alienação
em Marx nas práticas alfabetizadoras, buscando identificar os mecanismos
mediante os quais o fenômeno ocorre quando da apropriação
da linguagem pelo homem. A pesquisadora afirma que seu trabalho pretendia
indicar as possibilidades de reflexão teórica sobre a prática,
suas dificuldades, sucesso ou fracasso. Ela descreveu os mecanismos de
alienação presentes no ensino-aprendizagem da leitura/escrita
e afirmou que isso permitiu atentar para uma prática pedagógica,
para a relação professor-aluno, para a própria situação
do ensino e a conseqüente tarefa de ensinar.
• Neste texto encontramos a afirmação da pesquisadora
de que o professor é capaz de refletir à luz de uma teoria
e transformar sua prática, o que não significa que ela ocorra
de forma natural, pois, seria apenas pela mediação com a
teoria construtivista que o processo de reflexão do professor se
realizaria.
• Este estudo teve como objetivo verificar a relação
entre um evento de formação continuada denominado “Curso
sobre Alfabetização” e a prática pedagógica
de professoras alfabetizadoras que dele participaram, tentando identificar
as possibilidades de influência desse curso sobre as suas práticas
e o que poderia estar determinando ou não esta influência.
O caminho investigativo percorrido partiu do princípio de que a
realidade em que vivemos é complexa e geradora de muitos e diferentes
sentidos. Por isso a opção pela pesquisa qualitativa, com
a utilização dos instrumentos de entrevistas semi-estruturadas
e observações. Tomando a prática pedagógica
como unidade de análise, as principais categorias teóricas
utilizadas foram: o cotidiano e o não-cotidiano (a prática
pedagógica enquanto atividade mediadora precisa ser intencional
e ativa), o significado e o sentido (a ação pedagógica
precisa ser dirigida por finalidades conscientes) e a relação
teoria e prática. O estudo indicou que a influência que qualquer
evento de formação docente venha a exercer sobre a prática
dos professores depende, principalmente, dos mediadores que possam proporcionar-lhes
possibilidades de ruptura com as formas de pensamento cotidiano, permitindo,
portanto, o reconhecimento pela consciência da relação
dialética entre a dimensão teórica da prática
e a dimensão prática da teoria educativa.
• Em relação ao trabalho das professoras o estudo
verificou seus pressupostos sobre suas práticas educativas e destacou
alguns elementos apontados como alternativas de soluções
dos problemas mais comuns entre as professoras alfabetizadoras: classes
mais homogêneas, mediação da linguagem oral, técnicas
de trabalho, estratégias na elaboração do material
didático específico de alfabetização, atividades
de recuperação,troca de experiências, reuniões
com pais.
• Esta pesquisa teve como intuito levantar dados sobre a forma como
as professoras lidam com a questão de sua própria competência
e a influência que isso tem sobre o resultado da aprendizagem das
crianças. A observação da prática cotidiana
e a consideração do discurso das professoras a respeito
de seu trabalho e das dificuldades que enfrentam, evidenciaram que a prática
pedagógica do alfabetizador é histórica e reflete
um processo pessoal de apropriação que envolve a história
de cada um e a história milenar das práticas de alfabetização.
Evidenciaram também que sua prática se expressa num saber-fazer
fortemente estruturado e que resiste a qualquer proposta de mudança.
Isso esclarece, em parte, o insucesso das medidas implantadas e aponta
para a necessidade de um redimensionamento dos programas de aperfeiçoamento
e atualização que, sem desrespeitar aquele saber-fazer,
encaminhe para a reflexão crítica a partir dele, um programa
que seja coletivo e expresse um projeto pedagógico para a escola
de primeiro grau.
• Este trabalho foi realizado em 1981 quando a pesquisadora iniciou
seus trabalhos docentes como professora em uma 2a série do 1o grau
em um colégio particular no município de Brusque, SC e pode
constatar que as crianças egressas da série inicial estavam
sendo alfabetizadas de forma eminentemente mecânica. Essa prática
foi questionada por um grupo de professoras (inclusive a pesquisadora)
que buscaram alternativas teóricas para resolver tal impasse. Anos
depois, ingressando no município de Penha/SC como professora de
1a. a 4a. série no ensino público estadual, inicia um trabalho
já bem diferenciado do anterior. Nesta época encontrava-se
em fase de divulgação a nova proposta curricular do estado
havendo muitas instâncias para discussão da mesma. Ao mesmo
tempo a pesquisadora ingressa no mestrado e no magistério superior:
daí surgem os questionamentos mais amplos que deram origem a este
trabalho que, tendo utilizado caminhos metodológicos da pesquisa
qualitativa (entrevistas e observações), envolveu pessoas
da Secretaria Estadual de Educação, do quadro administrativo
das escolas e sete professoras alfabetizadoras. Em suas conclusões
ela afirmou que a proposta é inteiramente válida, que instigou
as mudanças no pensamento da professoras, mas ainda é uma
meta a ser atingida.
• Este trabalho discutiu inicialmente o problema da insuficiência
da análise da realidade escolar, efetuadas pelas teorias pedagógicas
originárias da educação dos sistemas macro-teóricos
da compreensão da vida social, no intuito de explicar o que ocorre
no cotidiano escolar. A crítica a essas teorias tenta afirmar a
necessidade da pesquisa empírica do cotidiano escolar com a finalidade
de conhecer melhor a prática pedagógica do professor alfabetizador.
A seguir o autor explica como se realiza a prática da pesquisa
etnográfica. O estudo resulta do esforço em compreender
as relações complexas que envolvem a produção
do saber científico, a organização do saber a ser
ensinado, a apropriação e transformação desse
saber operado pelo professor para seu uso no dia-a-dia de sala de aula.
Nos casos em que estes referenciais não se encontravam muito definidos
ou mesmo, declaradamente ausentes, procuramos estabelecer relação
entre as explicações fundamentais dos autores e as principais
teorias educacionais existentes. Ao fazermos este levantamento, apresentamos
algumas tendências teóricas e seus fundamentos, para estabelecermos
comparações com os posicionamentos de cada pesquisador.
Detectamos várias posicionamentos teóricos que enfatizaram
diferentes aspectos da prática educativa: construtivistas, histórico-sociais,
os denominados sócio-construtivistas, os tradicionais, indicando
em alguns casos de modo apenas implícito o fenômeno da alienação.
Em outros referenciais, isso não foi nem mesmo Assim, pudemos concluir
que o uso de referenciais teóricos que enfatizam a educação
como fenômeno histórico-social-cultural, tendem a se aproximar
melhor da discussão sobre a presença da alienação
na prática docente, incluindo-se aí aspectos referentes
à sua prática, à sua formação, tanto
inicial como continuada.
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