Viviane Silva Coentro - Grupo Manauê –
Contadores de Histórias
Lívia Rodrigues Pinheiro - Grupo Manauê – Contadores
de Histórias
RESUMO
Trata-se de um relato de experiência a respeito
de vivências utilizadas na oficina para a formação
de contadores de histórias. Esta foi oferecida aos monitores que
atuam nos Núcleos Comunitários da Secretaria Municipal de
Assistência Social de Campinas/SP-Gestão democrática
e popular/2000-2004. Este trabalho visou despertar nestes profissionais
o interesse em disseminar a arte de contar histórias para as crianças
e adolescentes atendidos nestes núcleos. Assim, a partir dos encontros
semanais, num total de 32 horas, e com o acompanhamento em um ano de trabalho
em 2004, pode-se perceber a sensibilização destes monitores,
pois em alguns núcleos, observou-se a mudança de atitude
em relação aos momentos de leitura e contar histórias.
• Nossa História
Este relato começa com a história de um
grupo de contadores de histórias chamado Manauê: cinco contadoras
das áreas de Pedagogia, Fonoaudiologia e Educação
Física. Um grupo que há seis anos se dedica difundindo essa
arte milenar esquecida em nossos tempos da mídia e comunicação
de massa. A contação de histórias, tal como é
feita pelo grupo, tem como seus principais objetivos: o resgate histórico/cultural
do contador de histórias tradicional e de valores humanos; a divulgação
de obras literárias, bem como dos contos populares de tradição
oral; e a difusão da arte de contar histórias.
Para isso, o grupo realiza Sessões de Contação de
Histórias e Oficinas de Formação de Novos Contadores.
Foi assim que, no ano de 2004, realizou um trabalho com os 17 Núcleos
Comunitários da Secretaria Municipal de Assistência Social
de Campinas/SP – Gestão democrática e popular/2000-2004.
• Os núcleos e o início do nosso trabalho
A Prefeitura mesmo pode explicar no documento oficial
da Secretaria de Assistência Social de Campinas que conta a história
dos núcleos.
Serviço de Núcleos Comunitários de crianças
e adolescentes
Justificativa
Os núcleos surgiram em 1983 por reivindicação da
população de bairros periféricos da cidade.
O programa atende crianças e adolescentes de 07 a 14 anos em regime
de apoio sócio-educativo em meio aberto, em período extra
escolar com trabalho extensivo à família e a comunidade.
O Serviço de Núcleo é o único que atua em
caráter preventivo com crianças e adolescentes na Secretaria
Municipal de Assistência Social cumprindo um papel fundamental nos
eixos básicos da Assistência Social: inclusão, proteção
e promoção de crianças, adolescentes e famílias,
através de atividades sócio-educativas, recreativas, lúdicas
e de formação.
O programa tem como eixo norteador a Leio Orgânica de Assistência
Social- LOAS, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA,
especificadamente os contidos nos artigos 3º, 4º, 71º,
90º e a Constituição Federal no seu artigo 227º.
Atualmente 17 núcleos estão em atividade, conforme descritos
na identificação.
Objetivos Gerais
- Proporcionar às crianças e adolescentes, mediante atividades
recreativas, esportivas, culturais, artesanais e de complementação
escolar e alimentar, oportunidades de crescimento, desenvolvimento e formação,
atendendo o disposto no ECA.
Objetivos Específicos
- Possibilitar às crianças e adolescentes proteção,
complementação alimentar, formação emancipatória,
participativa, autônoma e crítica
- Desenvolver ações integradas com a escola, família,
comunidade e demais recursos sociais da rede
- Acompanhamento às famílias na perspectiva de fortalecimento
dos vínculos e geração de renda.
Das 236 horas combinadas no contrato, destinamos 32 horas
para a formação dos monitores, que se daria fora do ambiente
de trabalho, em uma sala na Escola de Governo no centro da cidade. Os
núcleos, na sua maioria, se localizam na periferia da cidade de
Campinas. A oficina tinha caráter obrigatório e fazia parte
do programa de capacitação do servidor público.
E o que fazer com o restante das horas? Juntamente com a Coordenadora
do Setor de Assistência à Criança e ao Adolescente,
decidiu-se realizar concomitantemente com a oficina de formação,
sessões de contação de histórias nos 17 núcleos
do município. Dessa forma, pôde-se conhecer o local onde
cada monitor trabalha, com suas especificidades e dificuldades. O Grupo
mostrou também como funciona o trabalho: histórias que contamos,
as brincadeiras que preparam o clima para ouvir as histórias, os
bonecos de espuma (Aninha e Totoco) que também são contadores,
as conversas etc, ou seja, as possibilidades que esse trabalho proporciona.
A segunda etapa dessa formação, correspondia em contar histórias
juntamente com os monitores dentro dos núcleos.
Integraram-se à proposta da Prefeitura, os objetivos do Grupo:
formação de novos contadores de histórias e incentivo
à leitura.
• Como tudo aconteceu
Formaram-se duas turmas de monitores com aproximadamente
16 integrantes cada. Os encontros aconteceram semanalmente, com duração
de 4 horas, num total de 32 horas. Nos dois meses que se seguiram, o Grupo
buscou trabalhar com os recursos internos e externos da arte de contar
histórias. De acordo com a proposta de trabalho de MACHADO, 2004
os recursos internos se constituem do resgate das memórias e do
olhar que se tinha na infância, de momentos de brincadeiras, e da
experimentação das personagens, climas e lugares. Já
os recursos externos, envolvem a preparação da voz e do
corpo do contador e a postura do mesmo diante do público. Tais
recursos são explorados pelo Grupo por meio de técnicas
de relaxamento, contos, dinâmicas em grupo, leituras, brincadeiras,
jogos teatrais, seguidos de discussões e reflexões sobre
a arte de contar histórias.
A partir das vivências realizadas nas oficinas, o Manauê procurou
construir, com os profissionais dos núcleos, conhecimentos sobre
essa arte e despertar para a sua importância.
• As descobertas
No primeiro momento, a recepção por parte
dos monitores foi negativa em relação a proposta de trabalho
do Grupo: contar histórias. Haviam várias resistências:
da exposição ao público, no que se refere em expressar-se
corporal e oralmente, até a leitura de livros. O fato da freqüência
ser controlada e obrigatória pela Prefeitura, reforçou essas
resistências, como forma de reação a essa obrigatoriedade.
Embora houvesse a necessidade da contribuição de todos para
que a oficina acontecesse, ficou decidido que a participação
seria opcional. Este acordo possibilitou maior abertura para a realização
da proposta, e também maior participação, já
que eles eram “convidados” dentro daquela sala, e conforme
suas disponibilidades, a interagir nas atividades.
No decorrer dos encontros, as contadoras foram mediadoras do processo
de construção de identidade do grupo e fortalecimento de
vínculos por meio da Arte de Contar Histórias, que nos remete
ao resgate de valores que deixamos, muitas vezes, adormecidos. Ao contar
e ao ouvir histórias nos encontramos com as nossas próprias
histórias e com aquilo que concebemos de mundo. A história
fala na nossa intimidade. E essa conversa é sempre transformadora...
• História como viés transformador
Contar histórias requer dos contadores qualificação,
e demanda muitas responsabilidades. Segundo SISTO,2001:46 Contar histórias
não é só dizer um texto e sim, vivificá-lo,
de uma forma quase ritualística, se pensarmos na evocação.
O contador evoca algo que já aconteceu. (SISTO,2001:44). Tarefa
difícil que exige delicada preparação.
Refletir sobre esse preparo para contar uma história é de
extrema importância, já que provoca inúmeras transformações
naquele que conta, porque A arte, qualquer verdadeira arte, permite este
trânsito compreensível pelos significados fundamentais da
vida humana. Não se trata de uma compreensão mensurável
ou explicável dentro dos padrões convencionais. (MACHADO,
2004: 110).
Assim, a arte de contar histórias permite um trânsito entre
as qualidades literárias do conto com as imagens internas e experiências
de mundo do contador. O diálogo entre esses dois interlocutores
se faz por meio das histórias que são a ponte dessa conversa
e também o caminho pelo qual o contador passa.
O processo de estudar um conto, recriando-o nas mais diferentes formas
artísticas, dá ao professor a oportunidade de encontrar
e ordenar suas próprias imagens internas, configurando em uma forma
suas significações essenciais, e assim ele se conta sua
própria estória de aprender e tornar-se capaz de ensinar.
(MACHADO, 2004:25)
Partindo do pressuposto do viés transformador das histórias,
pode-se observar uma mudança qualitativa na relação
entre os monitores, as crianças e as contadoras. Tais mudanças
foram constatadas durante a segunda etapa deste projeto que consistia
em trabalhar nos espaços dos núcleos diretamente com monitores
e crianças.
Nem todos os monitores contaram histórias, mas o olhar para as
crianças e adolescentes atendidos nos núcleo mudou. Perceberam
que quando olham para si, e lembram de como eram quando pequenos, conseguem
enxergar o outro. Afinal, ao brincarem de “Era uma vez...”
viajam para um lugar onde são reis ou rainhas do reino das possibilidades,
e nesse mundo do “faz-de-conta-que-eu-era”, encontram não
o que devem, mas o que podem. Entram em contato com a possibilidade de
afirmação do poder criador humano, configurado em constelações
de imagens. (Machado, 2004:24)
• Bibliografia
MACHADO, Regina. Acordais: fundamentos teórico-poéticos
da arte de contar histórias. São Paulo:DCL, 2004.
SISTO, Celso. Textos e pretextos da arte de contar histórias. Chapecó:
Argos, 2001.
PINHEIRO, L. R. – Essa história de contar histórias:
a contribuição desta arte na formação do pedagogo.
Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação em Pedagogia
pela Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas.
Campinas, SP, 2004.