Helenise Sangoi Antunes - Profª Draªdo
PPGE/UFSM
Graziela Franceschet Farias -participante-Acadêmica Geografia CCNE/UFSM
Sharlene Marins Costa- participante-Acadêmica Especialização
em Gestão Escolar CE/UFSM
1. INTRODUÇÃO
Este artigo foi elaborado com o intuito de divulgar a
pesquisa desenvolvida com professoras da área de alfabetização
do sistema de ensino de Santa Maria e região, bem como com as alunas
dos Cursos de Graduação em Pedagogia e Educação
Especial da Universidade Federal de Santa Maria.
A participação das colaboradoras acima mencionadas, é
justificada em função da necessidade demonstrada por ambas
em expandirem suas descobertas e estudos referentes a esta área,
bem como, oferecer as alunas dos cursos de Pedagogia e Educação
Especial um espaço de construção de novas metodologias,
a partir das suas experiências pedagógicas vivenciadas nas
disciplinas do CE/UFSM ( Men 340 – Métodos e Processos de
Alfabetização I e Men 341- Métodos e Processos de
Alfabetização II). Além do aprofundamento de seus
estudos sobre a compreensão dos modos de organização
e das concepções das crianças de pré-escola
e séries iniciais a cerca do que a leitura e a escrita representam,
quais seus usos e funções e como desenvolver a produção
textual .Segundo Ferreiro(1985), a maneira como a criança concebe
a leitura e a escrita é ponto de partida para que o professor possa
propor uma linha de ação que contemple tais concepções.
Nesta perspectiva, buscamos compreender a lógica interna dos modos
de organização e do processo de cada sujeito, bem como sua
evolução de um nível para o outro, além das
possibilidades de construção de textos, histórias
em quadrinhos, narrativas, etc. Pois, acreditamos também, segundo
Paiva (2004) e Soares(2004) na possibilidade de democratizar o acesso
a leitura e a escrita.
Assim sendo, pretendemos através deste artigo desenvolver trabalhos
voltados para pesquisas sobre aquisição da lecto-escrita
ao longo das primeiras séries do ensino básico, buscando
compreender as concepções apresentadas pelas crianças
sobre alfabetização e o letramento, bem como, acompanhar
seus desempenhos ao longo deste processo. Ao mesmo tempo, que continuaremos
a efetivar a parceria institucional de ensino, pesquisa e extensão
com os professores do sistema de Ensino de Santa Maria e região,
em especial a Escola Estadual Prof.ª Naura Teixeira Pinheiro, Escola
Estadual Prof.ª Celina de Moraes, Escola Municipal São Paulo
e a Escola Núcleo Valentin Bastianelo ( município de Dilermando
de Aguiar).
Neste sentido, o projeto: “Laboratório de Alfabetização:
repensando a formação de professores” será
um dos meios de divulgação das construções
coletivas das atividades a serem desenvolvidas com os colaboradores dessas
ações. Portanto, buscaremos levantar/apontar, a partir destes
estudos, estratégias de trabalho que possam propiciar experiências
com múltiplos portadores de texto, além de diversificados
materiais e/ou jogos voltados para a alfabetização, letramento
e linguagem tanto para as acadêmicas do Centro de Educação
( Pedagogia e Educação Especial), para as crianças
do ensino fundamental das escolas envolvidas e para os professores municipais
e estaduais das escolas envolvidas.
Desta forma, esse processo deve se converter em uma experiência
significativa, onde a reflexão sobre a escrita e a leitura considere
o seu valor como objeto social, permitindo à criança a manipulação
e a apropriação deste objeto, a fim de que ela possa transformá-lo
e recriá-lo. Assim, Luria ( 1920a 1930 ), Teberosky;Ferreiro (1985),
Ferreiro (1989,1991,1997,2002) buscaram, em suas pesquisas, explicitar
como a criança constrói a lecto-escrita, isto é,
quais suas concepções sobre seus usos e funções;
e mais recentemente, Ferreiro (2003,2004), amplia estes estudos, mostrando
a pesquisa longitudinal feita sobre as construções posteriores
à consolidação da representação do
sistema alfabético.
A busca dos caminhos percorridos pela criança para desenvolver
os significados e sua conseqüente representação é,
portanto, um fator preponderante na criação e no desenvolvimento
de propostas mais adequadas e coerentes para a alfabetização
e a linguagem. Para tanto, o Laboratório estará aberto à
comunidade para atendimento, trocas de experiências, orientação
e criação de atividades pedagógicas na área
de Alfabetização e Letramento
2. ALFABETIZAÇÃO: RESPEITANDO O TEMPO PARA
SER E ESTAR CRIANÇA
Abordar o espaço público e privado que
a sociedade contemporânea destina à criança é
uma preocupação que tem nos envolvido, pois somos professoras
e nos dedicamos à causa da infância.Acreditamos que outras
pessoas podem passar de maneira indiferente por essas questões.
Entretanto, o caráter simbólico das mesmas não se
refere somente à falta de conhecimento sobre as fases do desenvolvimento
infantil, mas sim a uma pressão clara para que as crianças
cresçam rápido, alfabetizem-se, tornem-se letradas e ainda
ganhem substanciosos salários que lhes permitam sustentar não
apenas a sim mesmas mas também os “parentes” que não
tiveram a mesma “sorte”.
Esse contexto é ainda mais dramático e injusto se considerarmos
a situação de miséria e abandono que atinge a sociedade
brasileira e o mundo como um todo. São alarmantes os dados da UNICEF
em seus relatórios, através dos quais constatamos que milhares
de crianças morrem de fome, diarréia e doenças típicas
da infância que poderiam ser evitadas por meio de vacinas e medicamentos
que, em função de guerras, interesses políticos e
conflitos armados, muitas vezes não chegam ao seu destino. Nesse
contexto, falar em tempo para ser alfabetizado e para ser criança
pode parecer descabido, uma vez que elas nem mesmo possuem um tempo de
vida para poder exercer esse direito inegável que é o de
ser criança e brincar de correr, saltar, pegar uma boneca, brincar
com um carrinho. Muitas não possuem inclusive o privilégio
de conhecer seus pais, pois a guerra civil entra sem pedir licença
em seus lares e dizima aqueles que por ventura representem alguma espécie
de ameaça ao poder estabelecido.
Entretanto, mesmo envolvidas por essas imagens de abandono, violência
e discriminação, não podemos permitir que nossa escrita
esmoreça.
Partindo das considerações acima delineadas, notamos que
a história da criança é marcada por situações
de abandono, violência e injustiça existentes desde o período
colonial até a atualidade. Os personagens anônimos dessa
história mudam com o tempo, mas o passado contraditório
marcado por cenas de amor e ao mesmo tempo de violência revela fatos
importantes para todos aqueles que buscam conhecer um pouco mais a respeito
do significado construído sobre a infância.
Nas notícias de jornais, rádio, televisão e revistas,
com fatos que denunciam o abuso sexual de crianças, o trabalho
infantil, a violência física, os maus-tratos e até
mesmo as situações de torturas impiedosas a que são
submetidas por pessoas muitas vezes estranhas a elas, mas principalmente
pelos seus próprios familiares. Ficamos aterrorizados e por alguns
instantes pensamos que isso só acontece atualmente, mas os fatos
históricos nos mostram o contrário. São recorrentes
as situações de crianças abandonadas pelos seus pais,
violentadas, morando e mendigando nas ruas, crianças fora da escola,
crianças sem acesso a um ambiente alfabetizador com marcas e ferimentos
nos corpos e na alma, em virtude da violência simbólica a
que são submetidas.
Tais cenas estão presentes de uma forma mais ou menos intensa em
grande parte das cidades brasileiras e por muito tempo permaneceram esquecidas
em documentos históricos. Porém, atualmente observa-se o
empenho de muitos pesquisadores na busca pela revalorização
da história oral das crianças.
Foi a partir da revalorização da história oral de
sujeitos que eram excluídos da história oficial, incluindo-se
aí as crianças, que foi possível conhecer muitos
fatos que reconstruíram as dimensões da esfera pública
e privada. O depoimento oral, segundo Thompson (1992), viabiliza transformar
os objetos em sujeitos, contribuindo para compor uma história mais
rica, mais envolvente, mas também mais verdadeira, porque a evidência
oral consegue adentrar na vida do sujeito investigado não o considerando
um objeto estático, imóvel, desprovido de vida e de história.
Outra forma de se buscar uma aproximação com a história
da infância pode advir do contato com as representações
feitas por artistas plásticos no decorrer dos séculos. Ariès
(1981) aponta que por volta do século XII a arte medieval não
se preocupava em retratar a infância, e sim utilizar figuras de
adultos em escala menor para representar as crianças. Esse autor
busca ilustrar essa afirmação com base na seguinte passagem:
Logo, o século XII caracteriza a infância através
de figuras de adultos em miniatura. Contudo, no século XIII ocorrem
algumas modificações na forma de se representar a infância,
surgindo então alguns tipos de representações infantis
diferentes das do século anterior.
Ariès (1981) chama a atenção para a presença
das seguintes representações sobre a infância no século
XIII : a figura de um anjo com a aparência muito jovem, a figura
do menino Jesus e a criança nua. Os tipos de representação
da infância nos século XIV e XV evoluíram, mas ainda
estavam influenciados pela figuras predominantes do século XIII,
quando é perceptível a influência da iconografia religiosa
norteando a produção artística do período,
bem como os costumes, os valores e a maneira de ser e de viver das pessoas.
No entanto, o século XVI é caracterizado pela presença
de uma iconografia leiga sobre a infância, pois os anjos de Guirlandayo,
Botticeli e Fra Angélico perdem as suas asas e ocupam espaços
entre as cenas do gênero.
Observamos que a criança no século XVI tornou-se um dos
personagens mais freqüentes nas obras de arte. Mas é importante
destacar que as cenas representadas não buscavam descrever exclusivamente
a infância daquela época, embora utilizassem crianças
como suas protagonistas principais ou secundárias, uma vez que
o objetivo maior era registrar o cotidiano dos adultos. Mas como a vida
das crianças misturava-se a esse cotidiano, elas apareciam nas
obras.
Ariès (1981) comenta que nesse período histórico
as crianças aparecem como protagonistas principais das pinturas
porque a vida cotidiana das crianças estava misturada à
vida dos adultos (em atividades como passeios, jogos, reuniões
e trabalho) e também porque as crianças, devido a sua graça,
destacavam-se nas multidões.
Nessa época, era comum a morte prematura de crianças em
função das precárias condições de vida
a que eram submetidas. Muitas famílias enterravam seus filhos de
forma clandestina, sem buscar tirar fotos ou fazer alguma menção
a elas.
No século XVI, as famílias começavam a fotografar
as crianças mortas. Esses retratos aparecem junto aos túmulos
dos pais, junto com os outros filhos do casal ainda vivos, sendo as crianças
“representadas por figuras menores, segurando uma cruz “ (Ariès,
1981, p.59).
Embora a mortalidade infantil desse período configure um número
significativo, noto o surgimento de uma sensibilidade voltada para as
crianças que faleciam com tenra idade. Ariès (1981, p.61)
comenta que “ foi como se a consciência comum só então
descobrisse que a alma da criança também era imortal”.
É certo que a importância dada à personalidade das
crianças se ligava a uma cristianização mais profunda
dos costumes.
O interesse pelas crianças teve continuidade por mais de um século,
podendo ser caracterizado pela preocupação com as doenças
que as atingiam e com as condições de higiene a que estavam
submetidas. Conseqüentemente, essas preocupações auxiliaram
na redução da mortalidade infantil.
Ariès (1981) destaca, no século XVIII, o aparecimento de
retratos de crianças sozinhas ou acompanhadas de seus familiares.
Nos retratos feitos com a família, a criança torna-se o
centro da composição.
A construção dessa linha de tempo sobre a forma como a infância
foi representada mostra que “(...) a descoberta da infância
começou no século XII e sua evolução pode
ser acompanhada na história da arte e na iconografia dos séculos
XV e XVI” (ARIÈS, 1981, p.65). Contudo, os sinais desse desenvolvimento
tornaram-se particularmente significativos nos séculos XVI, XVII
e XVIII. Mas nos século XIX e XX, de que forma a infância
foi representada? Ariès (1981, p.65) contribui com essa questão
ao ressaltar que
Nos álbuns de família é comum encontrar os retratos
de “bebês mostrando pequenas nádegas apenas para a
pose, pois normalmente eram cuidadosamente cobertos por fraldas e cueiros,
e meninos e meninas eram vestidos para uma fotografia apenas com uma camisa
transparente” (ARIÈS, 1981, p.65).
No século XX, ainda percebemos a existência de imagens contraditórias
que podem ser vistas em jornais, livros, na televisão... Imagens
que mostram crianças saudáveis fazendo comerciais de alimentos
e fraldas, enquanto outras são vistas nas sinaleiras, mendigando
nas ruas, sofrendo e produzindo violências ... São imagens
paradoxais de crianças que revelam a nítida linha que separa
mundos aparentemente iguais, mas que na verdade possuem diferenças
marcantes.
Essas imagens constituem-se em formas impregnadas de poder simbólico,
conceituado por Bourdieu (1989, p.7): “(...) esse poder invisível
(...) só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não
querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem”.
As idéias apresentadas, relacionadas ao foco dessa temática,
refere-se também aos discursos produzidos sobre a infância
que revestem de sentidos as palavras que mantêm ou vão contra
o poder instituído; representam a crença nos discursos que
são pronunciados e legitimados não pela confiabilidade nas
palavras em si, mas pelo sentido que é atribuído a elas.
Nesse sentido, ouvimos com freqüência a fala de inúmeros
pais que afirmam o seguinte: Quando ele vai aprender a ler e a escrever?
“Não vejo a hora de meu filho crescer, e ele ir para a primeira
série.Quero que ele seja logo um adulto”. Por que essas falas
são produzidas? Os pais reproduzem com seus filhos discursos que
foram ouvidos quando eram crianças? Notamos que a cobrança
por um desenvolvimento rápido e eficiente também tem tomado
conta dos discursos de inúmeros professores que, imersos num contexto
sócio-cultural de demandas extremas, acabam alfabetizando de forma
mecânica as crianças na educação infantil.
Mas será esse o objetivo da educação infantil? E
a socialização? A ludicidade? E a tão importante
interação social? Essas questões que envolvem a formação
e o desenvolvimento global da criança estão passando despercebidas
por uma formação que se preocupa mais com a quantidade de
informações veiculadas do que com a qualidade das mesmas.
Seria a pressa em construir um adulto em miniatura? Desejo de propor desafios
que a criança ainda não se encontra preparada para ultrapassar?
Parece-nos que para muitos pais as crianças estão simbolizando
a promessa de conquistas que gostariam de ter atingido. Não conseguindo
tal feito, repassam de forma consciente e/ou inconsciente a responsabilidade
para os filhos. Segundo Biddulph (2003, p.31), “Tirar a infância
das crianças talvez tenha sido a coisa pior e mais séria
que fizemos com elas nos últimos vinte anos”. Desse modo,
ressalta-se que a criança necessita de espaço de interação,
do lúdico e do brincar para poder compreender a si mesma, a dinâmica
da sua família e a complexidade do mundo que a cerca.
Ao questionar os “pais que trabalham demais” sobre o pouco
tempo que destinam aos seus filhos, ouvimos com freqüência
a justificativa de que em virtude do alto consumo imposto pela sociedade
necessitam trabalhar demais para alcançar o “padrão
de consumo” que consideram que seus filhos e eles próprios
mereçam. Sendo assim, acabam não conseguindo estabelecer
um diálogo com seus filhos, pois chegam cansados demais para isso.
Para as crianças que desde cedo foram acostumadas a um alto poder
de consumo, é complexo desfazer esse processo. Além disso,
são poucos os pais que tentam promover essa mudança, pois
ela implicaria com certeza num maior envolvimento com seus filhos, num
maior tempo para brincar e jogar juntos, para recorrer à leitura
de histórias infantis, aos passeios, aos jogos de futebol e às
brincadeiras com bonecas e carrinhos.
Outro aspecto que impede a criança de ter tempo para viver a plenitude
da sua infância prende-se a um dinamismo simbólico e velado
que impera no contexto atual: a competição. Desde muito
cedo, a criança começa a ser cobrada pelos outros e também
por si própria em relação a seu comportamento, desempenho
e aprendizado. Isso leva ao surgimento de crianças competitivas
ao invés de crianças solidárias.
Em busca de preencher o espaço familiar deficiente, muitas crianças
passam um tempo considerável da sua infância em frente a
um televisor. Com o tempo escasso de convívio familiar, acabam
assistindo cenas que lhes põe em contato com situações
e sentimentos que ainda não estão preparadas para entender.
Devido à falta de uma comunicação efetiva no lar,
muitas dessas cenas e valores são assimilados sem que ocorra um
processo de crítica e reflexão. O problema não é
possuir um televisor em casa, e sim a falta de diálogo oriunda
da ausência dos pais e/ou responsáveis na interação
dinâmica que a transmissão de informações pressupõe.
Conforme aponta Biddulph (2003, p.31), “(...) Nós entupimos
nossos filhos com uma negatividade desnecessária, irrelevante para
a vida deles, e com a qual eles não têm capacidade para lidar”.
Acreditamos que outro fator que tem contribuído para que as crianças
tornem-se reféns dos meios de comunicação (em especial
da televisão e da internet) constitui-se na falta de segurança.
Há alguns anos, a criança podia explorar toda a sua vizinhança
sozinha e/ou acompanhada de amigos da sua faixa etária. Hoje, infelizmente,
em virtude da violência excessiva, muitas famílias preferem
manter seus filhos trancados dentro de casas e apartamentos a deixá-los
brincando sozinhos pelos arredores. Contudo, na periferia dos centros
urbanos observamos que as crianças têm possibilidades de
explorar o local onde moram de forma mais livre, mesmo expostas a situações
de violência e abandono.
Todas as formas de comunicação são fundamentais para
o desenvolvimento da criança.Todavia, jamais as crianças
poderiam receber tanta informação sem a presença
de um adulto para estabelecer as mediações e os questionamentos
necessários acerca do que é visto, sentido e produzido.
Biddulph (2003, p.32) contribui nesse sentido ao destacar que “(...)
é preciso um revigoramento da infância, uma abordagem de
conversa. Temos de conservar a parte admirável, natural e espontânea
das nossas crianças. O processo é ativo: acabar com pressões
e invasões desnecessárias. Precisamos ‘despoluir’
a vida dos nossos filhos”.
Nesse sentido, é necessário instaurar um processo gradual
que assegure às crianças o acesso ao seu universo infantil,
respeitando suas expectativas, habilidades e desejos através de
uma parceria solidária entre pais e filhos. Mas como instaurar
esses espaços de comunicação e troca? Acreditamos
que isso seja possível no momento que sejam disponibilizados espaços
para que as crianças tenham acesso a materiais que estimulem a
sua imaginação: lãs, linhas, argila, cola colorida,
plásticos e papelão, materiais que elas podem transformar
em divertidos brinquedos. Sabemos que seduzir crianças acostumadas
a uma vida sedentária na frente de uma tela de computador e/ou
televisão é um processo lento; elas “(...) talvez
achem isso monótono no início, mas depois aproveitarão
muito” (BIDDULPH, 2003, p.32).
A brincadeira é algo que pode envolver pais e filhos em uma deliciosa
convivência, pois através dela “as crianças
compreendem o mundo, superam medos e aprendem a se relacionar umas com
as outras. A brincadeira é inventida é fonte de toda a criatividade”
(BIDDULPH, 2003, p.32). Infelizmente, muitos adultos esquecem que ao brincar
com seus filhos estão estabelecendo um forte elo de comunicação,
ao mesmo tempo que aliviam as tensões do cotidiano. Nesse sentido,
é preciso levar em conta que se nós adultos conseguirmos
vivenciar a ludicidade em todas as nossas áreas de atuação,
poderemos conquistar uma melhor qualidade de vida.
É a partir da brincadeira que a criança, através
do desenvolvimento da imaginação, consegue extrapolar as
restrições que o cotidiano lhe impõe e iniciar o
seu processo de alfabetização. Durante as atividades educativas
propostas tanto pelos pais como pelos educadores infantis, é necessário
procurar explorar ao máximo a fantasia e o lúdico para que
as crianças possam se desenvolver de uma forma integral, garantindo-se
assim o seu direito de ser feliz.
É nas brincadeiras de faz-de-conta, na elaboração
de histórias, na identificação com os personagens
e na criação de situações imaginárias
que a criança edifica uma atitude frente ao real. Em decorrência
disso, a prática pedagógica do professor não pode
estar desvinculada do lúdico, da criatividade e da fantasia.
As brincadeiras que a criança realiza refletem sempre as condições
reais e sociais, permitindo-lhe interagir com a realidade. Dessa forma,
o brinquedo não surge de uma fantasia arbitrariamente construída
no mundo das idéias, no mundo imaginário da brincadeira
infantil, e sim no momento que as crianças, a partir da fantasia,
penetram na realidade.
Cabe ao professor alfabetizador não somente explicar as atividades,
partindo das atividades mentais já formadas da criança,
mas também compreender, em função da origem e do
desenvolvimento do próprio brinquedo, as conexões psíquicas
construídas na criança no período em que a brincadeira
é a atividade principal.
Fica evidente a necessidade de o professor unir conhecimentos por ele
adquiridos à sua prática pedagógica no intuito de
obter elementos teóricos que o auxiliem na compreensão do
desenvolvimento intelectual e social dos seus alunos. Com isso, o educador
estará mais apto a propor novos desafios que consigam interferir
de forma decisiva no desenvolvimento da imaginação e da
personalidade da criança. Entretanto, a imaginação
ainda é disciplinada na escola através do olhar vigilante
do professor, o que faz com que a criança internalize as normas
e sanções da escola e acabe se auto-vigiando e se auto-controlando.
A existência de normas e leis que conceituam a imaginação
ainda como algo “perigoso” acaba, de certa forma, por atingir
o desenvolvimento da imaginação. Segundo Castoriadis (1982),
por mais que a criança participe ativamente da sociedade instituída,
a sua capacidade de criação humana encontra-se presente.
Infelizmente, a imaginação tem sido objeto de constante
vigilância por parte da sociedade instituída, porque através
do imaginário instituinte existe a possibilidade de ocorrerem mudanças,
modificações e a instauração do novo. Nesse
contexto, a escola deverá procurar desenvolver na criança
a curiosidade, a criatividade, a imaginação, a vontade de
busca e o domínio sobre si mesma.
É em função disso que o papel de educador infantil
constitui-se numa atividade complexa e desafiante, pois cabe a nós
estimular a capacidade de criação infantil e dar liberdade
para a criança conhecer com responsabilidade o contexto no qual
está inserida.
Alimentar a imaginação infantil? Oportunizar atividades
diversificadas para as crianças? Procurar construir metodologias
adequadas para trabalhar a complexidade do ser humano? Esses questionamentos
tornam-se preocupações crescentes quando levamos em consideração
a realidade educacional brasileira, com inúmeras crianças
ainda fora da escola, trabalhando e esmolando nas ruas de todo o país,
sem direito ao menos de ser e sentir-se criança.
É preciso investir na formação de professores que
conheçam verdadeiramente a realidade social brasileira. Profissionais
dotados de um conhecimento teórico aprofundado, capazes de resistir
à falta de esperança e à falta de convicção.
Professores com vontade de vencer e que se orgulham de ser professores.
Acreditamos que é fundamental ter humildade para aprender a ser
professor alfabetizador. A experiência passada de uma geração
a outra contém saberes essenciais para se educar uma criança
que ame a si própria e aos outros. É justamente a esse lócus
que precisamos nos dedicar, lutando para garantir a consolidação
de um espaço de brincadeiras, alegrias e trocas solidárias.
Se cuidarmos desse espaço, com certeza cuidaremos melhor de nós
mesmos e dos outros que estão ao nosso redor. Mas para isso, “(...)
nós seres humanos precisamos de ‘combustível’.
Não funcionamos apenas com comida: precisamos de ‘energia’
em forma de amor, reconhecimento, toque e conversa com outras pessoas”
(BIDDULPH, 2003a, p.112).
Dizer a uma criança que ela é amada e demonstrar atitudes
que correspondam ao que é dito contribui para a formação
de um ser humano criativo e confiante em si próprio e nos outros.
Esse fato revela a necessidade de se apostar na capacidade de amar o outro
e a instituição de novas significações em
relação ao que significa ser criança. Essas significações
estão vinculadas à necessidade de confiança no outro,
à capacidade individual e coletiva de repensarmos a sociedade e
à reflexão no intuito de sentirmos se estamos de fato eticamente
comprometidos com o que estamos construindo e ensinando.
3. METODOLOGIA
A proposta de execução das idéias aparesentadas nesse
artigo está embasada numa metodologia qualitativa a partir da produção
teórica de Bogdan, Biklen (1994), principalmente no que se refere
às características desta abordagem e aos instrumentos de
coleta de informações utilizados. A partir destas considerações
iniciais passamos a citar os momentos que serão vivenciados na
metodologia de trabalho que pretendemos desenvolver:
Acreditamos que a metodologia constitui-se em um processo de reflexão
que apresenta os elementos necessários para auxiliar o pesquisador
na compreensão da realidade a ser investigada. Nesse sentido, esta
investigação é um estudo que busca conhecer o significado
de uma metodologia lúdica no processo de construção
da lecto-escrita de crianças que freqüentam a primeira série
do ensino fundamental.
A interação do pesquisador com os sujeitos da pesquisa,
constitui-se num elemento significativo nas pesquisas qualitativas, conforme
estudos desenvolvidos por Bogdan; Biklen (1994); Antunes ( 2000, 2000a
; 2001); Deslandes (1994), pois permite uma aproximação
com os sujeitos da investigação possibilitando um conhecimento
mais profundo do contexto sócio-cultural na qual eles estão
inseridos.
Esta pesquisa será desenvolvida alternando o trabalho com as crianças
e professoras na escola, bem com as acadêmicas do Curso de Educação
Especial e Pedagogia. Justificamos essa escolha por esta investigação
caracterizar-se por uma abordagem qualitativa, segundo Bogdan;Biklen (1994),
buscando-se assim, a compreensão do processos investigativos e
as significações construídas pelos colaboradores
da pesquisa com profundidade e intensidade sobre o projeto em questão
e as práticas pedagógicas decorrentes do mesmo.
Incluímos as professoras da rede de ensino e região para
buscar compreender como os processos de formação ao longo
de uma trajetória docente influenciaram na sua forma de ser e sentir-se
professora, bem como a influência da sua memória docente,
definida nos estudos de Bergson (1999), Bosi (1999), Ferreira (2000) ,
Antunes (2001), Bueno, Catani ; Souza(1998) e Oliveira (2000), na adoção
ou não de uma prática docente embasada em vivências
lúdicas, para crianças nas primeiras séries do ensino
fundamental.
Os instrumentos de coleta das informações são os
seguintes: registros em diário de campo; entrevistas semi-estruturadas,
desenhos e relatos autobiográficos. Nesse contexto metodológico
destaca-se os relatos autobiográficos por eles segundo Nóvoa(
1992) constituírem-se numa forma de respeitar e ouvir a voz dos
sujeitos da investigação, que na maioria das vezes, encontra-se
silenciada e ignorada.
Neste sentido, este projeto foi criado em virtude da existência
de práticas no ensino fundamental, que ignoram, na maioria das
vezes, a capacidade criadora dos alunos no processo de construção
da lecto-escrita, centrando-se em um ensino que somente cumpre o papel
de vencer programas e conteúdos, sem preocupar-se em avançar
e desenvolver a autonomia, a criticidade e a criatividade dos envolvidos
nos processos de ensino-aprendizagem e na aprendizagem como um todo. Desta
forma, não se pode assistir passivo a adoção destas
ações docentes, sem construir um conjunto de estratégias
para reverter questões que comprometem com os processos de alfabetização.
São questões que perturbam e instigam a refletir e a elaborar
estratégias conjuntas que possam atenuar e progressivamente extinguir
ações docentes acríticas e que subestimam a capacidade
de reflexão sobre os processos de leitura e escrita. As causas
que poderíamos levantar para esta problemática centra-se,
de um modo geral, nestes aspectos:
a) Formação de professores inicial e continuada: descompassos
entre a teoria e a prática.
A formação inicial de professores, ainda configura-se em
uma grade curricular que parte da premissa que em primeiro lugar terá
que vir a teoria para depois vir à prática. Com isto os
alunos nos primeiros anos das licenciaturas deparam-se com uma teoria
que está muito desvinculada da prática docente que irão
enfrentar nos estágios a serem realizados no final de seus cursos.
Sabemos dos esforços e da urgência que as reformulações
curriculares devam ocorrer nos cursos de graduação de todo
o país. Mas, lamentavelmente os egressos, frutos desta antiga forma
de perceber a formação de professores para o ensino fundamental,
encontram-se dentro de nossas escolas, perpetuando também a teoria
desvinculada da prática. Bicudo (1996, p. 14- 15), comenta que
“ a educação é uma atividade formadora.(...)
Não se faz em um período curto e nem pode ser mudada a cada
gestão governamental, não se concretiza com soluções
eventuais, pontuais e circunstanciais...”/
Segundo Antunes (2001) não é somente uma reformulação
curricular que irá garantir que a teoria e a prática estejam
sendo trabalhadas de forma articulada, mas sim uma mudança profunda
na forma de conceber o ensinar e o aprender dos próprios formadores
destes professores.
Imersos em um cotidiano que desafia e provoca, muitos destes profissionais
da educação, sentem-se impotentes frente à realidade
e acabam, conforme aponta Antunes (2001) simplificando suas ações
docentes, produzindo neles e nos alunos um mal-estar e tornado a sala
de aula uma ambiente hostil aos significados construídos sobre
o que significa ser aluno e ser professor. Também Cavaco (1995)
aponta um contexto semelhante em relação aos professores
em início de carreira, afirmando que “o jovem professor pode
ser levado a reactualizar experiências vividas como aluno e elaborar
esquemas de actuação que rotiniza e se filia a modelos tradicionais”.
Já Nóvoa (1992), afirma que o desajuste em professores com
relação à prática, ocorre por esta não
corresponder aos ideais obtidos em sua formação docente
e também pelas dificuldades em interagir com professores mais experientes
que resistem a qualquer inovação no ambiente escolar.
Principalmente, porque muitas destas ações, são feitas,
segundo Antunes(2001,2004) desrespeitando os saberes e as experiências
dos alunos. Neste sentido, as práticas de formação
continuada, acabam existindo somente para satisfazer uma exigência,
sem que os conteúdos trabalhados estejam de acordo com as reais
necessidades dos professores.
Isto culmina conforme assinala Antunes (2001) em "práticas
desprovidas de sentido, tanto para aquele que as produz, como também
para aquele que recebe de forma passiva.
b) Desvalorização da memória docente:
A memória docente constitui-se em um elemento a ser considerado
neste contexto, porque se percebe que as ações docentes
estão vinculadas as lembranças escolares dos antigos mestres,
da prática docente desenvolvida pela primeira professora... Lembranças
que possuem força e intensidade na forma de ser e sentir-se professor.
Esta afirmação pode ser observada na pesquisa desenvolvida
por Antunes (2001) com alunas do Curso de Pedagogia e com professores
da rede municipal de ensino, através de uma metodologia qualitativa
que possibilitou a reflexão sobre a memória docente dos
sujeitos investigados. Os resultados alcançados demonstram que
a metodologia adotada possibilitou compreender, ao refletirem sobre suas
histórias de vida, incluindo lembranças da escola, escolha
profissional, processos de formação, prática pedagógica,
a instauração de novas significações sobre
o significado de ser professor nos diferentes ciclos da trajetória.
Em contrapartida, segundo Antunes (2001) notou-se em um número
significativo de formandas e algumas professoras a presença da
“autonomia”, compreendida como a capacidade de refletir, criar
e construir características significativas de uma trajetória
docente embasada na reflexão e na criatividade.
As propostas de formação inicial de professores, quando
desconsideram a memória docente, acabam produzindo ações
sem significado para os sujeitos envolvidos nos processos de ressignificação
de seus saberes e fazeres. É preciso, segundo Grillo; Fernandes
(2003), que a prática pedagógica não se reduza à
questões metodológicas de ensino- aprendizagem, mas que
considerem a formação como uma prática social, onde
o conhecimento seja visto como uma produção histórica
e cultural, numa relação de dialética entre prática,
teoria, sujeitos, saberes, experiências e perspectivas interdisciplinares.
Também Brandão (2002, p.72) coloca que “a partir da
reconstrução da memória de cada indivíduo,
seja ela resgatada pela história de vida ou da história
de vida escolar, pode-se estar descobrindo e identificando as relações
que tais indivíduos estabelecem consigo mesmos e com o conhecimento”.
O distanciamento e o desconhecimento, conforme aponta Antunes(2001), sobre
as histórias de vida de cada aluno que pode explicar, de certa
forma, os motivos que levam os mesmos a participarem de cursos e seminários
sem conseguirem, na maioria das vezes, articular estes conhecimentos na
sua sala de aula. Pois, os conhecimentos transmitidos carecem de sentido
e de intensidade para provocar questionamentos e reflexões da prática
docente.
Acreditamos que isto pode ser um dos indicadores que contribuam para a
instauração, de um modo geral, da passividade e do descomprometimento
na sala de aula pelos alunos.
c) Profanação dos saberes docentes:
Observamos no decorrer da história da educação brasileira
que o professor sempre foi considerado aquele que só recebia informações
e transmitia a seus alunos. Isto fez com que os saberes oriundos da experiência
passassem a serem ignorados pelo poder instituído.
Considerar os professores como produtores também de saberes começa
a alterar a percepção em torno do que significa o conhecimento
e os processos de formação dos mesmos.
É muito comum, na realidade educacional professores que acabam
esperando dos outros as respostas que de certa forma conhecem, mas que
não acreditam no valor das mesmas. Para Nóvoa (1992), “os
professores não produzem o conhecimento que são chamados
a reproduzir, nem determinam as estratégias práticas de
ação”. Necessitam, segundo Antunes (2001) do crivo
e da valorização do outro.
O processo de desvalorização profissional, o desconhecimento
da memória docente e o descrédito em relação
à produção de saberes e fazeres docentes acabam contribuindo
para o enfraquecimento da auto-estima do professor e conseqüentemente
à qualidade de ensino na sala de aula.
As estratégias para equacionar a problemática levantada
está embasada na valorização da memória docente,
nos saberes oriundos da experiência e no equilíbrio entre
a teoria e a prática.
Acreditamos que a possibilidade de narrar suas histórias de vida
como aluno, de refletir, através de processos de formação
continuada, a tipologia de professores que deixaram boas ou más
lembranças, são recordações que trazidas ao
contexto atual, constituam-se em elementos essenciais na formação
e autoformação dos professores.
Esses elementos traduzem as experiências que refletem ações,
posturas, crenças, práticas e valores que são, segundo
Leão(2004) as nossos primeiros saberes sobre a docência.
As lembranças escolares e os saberes necessitam serem conhecidos
e aproximados dos processos de formação de professor. Conforme
aponta Tardif (1999) , " então devemos examinar seriamente
a natureza desses fundamentos e extrair daí elementos que nos permitam
entrar num processo reflexivo e crítico sobre nossas próprias
práticas como formadores e como pesquisadores".
Este artigo busca atenuar a distância entre a teoria e a prática
e oportunizar a fala para aqueles que continuamente são silenciados
e silenciam os outros. Pois, as histórias de vida dos professores
constituem-se em elementos indispensáveis para acionar o processo
de reflexão em torno dos motivos que levam homens e mulheres tornarem-se
professores.
Podendo também assim, nos aproximarmos dos fatores que contribuem
para o desânimo, a intolerância, o egoísmo, a agressividade
e o próprio descrédito em relação à
ação docente. Nóvoa (1992:23) afirma que: “
(...) ouvir a voz do professor devia ensinar-nos que o autobiográfico
a vida, é de grande interesse quando os professores falam do seu
trabalho.
O trabalho desenvolvido com oficinas, articulando espaços de reflexão
constituem-se em uma forma de viabilizar a ação a ser desenvolvida
com os professores em serviço no que se refere às reflexões
construídas sobre a alfabetização.
4. RESULTADOS
O trabalho desenvolvido ao longo dos anos a partir desta
investigação tem apresentado alguns resultados significativos
que passamos a apresentar:
- Participação e envolvimento nas discussões
propostas por parte do grupo de professores e acadêmicos do Curso
de Educação Especial e Pedagogia sobre alfabetização
e letramento;
- Aumento progressivo do comprometimento por parte das professoras e das
alunas em formação ( Pedagogia e Educação
Especial) em relação à profissão professor;
- Melhoria na qualificação profissional dos alunos dos Cursos
de Educação Especial e Pedagogia no que se refere a discussões
teórico-metodológicas sobre alfabetização
e letramento;
- Construção de Kits de jogos que oportunize o desenvolvimento
da psicogênese infantil;
- Interesse em adquirir um número maior de bibliografia sobre produção
de textos e letramento;
- Aumento significativo da reflexão sobre a prática docente
desenvolvida em sala de aula e as contribuições teóricas
apresentadas;
- Busca pelo grupo de professores em desenvolver práticas educativas
de alfabetização e letramento numa perspectiva lúdica
e interdisciplinar;
- Aumento progressivo no interesse de participação na formação
continuada por parte dos professores envolvidos na pesquisa;
- Instauração da reflexão sobre as lembranças
da escola e os primeiros professores.
No decorrer dos trabalhos desenvolvidos com os colaboradores da pesquisa
espera-se o processo de instauração de reflexão sobre
as lembranças escolares e os modelos de professores que de certa
forma influenciaram ou não a maneira como se configuram atualmente
como docentes. Muitos dos professores poderão perceber os motivos
que os levavam adotar determinada metodologia de trabalho em função
de outra, desejando incorporar novos saberes e práticas educativas
em suas escolas.
5. CONCLUSÃO
No trabalho desenvolvido a partir do Projeto: Laboratório
de Alfabetização: repensando a formação de
professores, destacam-se nos depoimentos dos participantes da pesquisa
as memórias dos antigos professores, que ensinaram os primeiros
conhecimentos escolares: ler, escrever, contar e prestar atenção.
Neste cenário, muitas histórias de vida cruzaram-se desde
a lembrança de mestres apaixonados pela profissão de professor
e amáveis com seus alunos, estendendo-se também às
lembranças dos mestres rígidos e autoritários que,
disciplinavam almas através dos castigos físicos e do uso
da palmatória.
Fios foram tecidos, fios foram cruzados e as histórias de vida
sobre o primeiro dia de aula, o primeiro professor, o primeiro dia de
aula como professor, a primeira escola, os alunos inesquecíveis,
permitiram aos professores e às alunas participantes desta pesquisa
reconstruir o significado da profissão do professor.
A participação colaboradores da pesquisa não ficou
restrita somente aos depoimentos, mas também implicou na disposição
deles se envolverem num processo de autoformação, pois tanto
os professores municipais e as alunas estavam paralelamente envolvidos,
também com a participação em grupos de estudos, que
permitiu incorporar na análise das suas histórias de vida
um olhar teórico construído a partir dos estudos de textos
feitos por eles. E, a cada dia que passava, mostravam-se ainda mais empolgados,
percebendo que as suas memórias apontavam para a existência
de conceitos, mitos e ritos construídos sobre a alfabetização.
Outro aspecto que destacamos é o que aponta Antunes (2001) sobre
não ser o tempo de exercício profissional por si só
o único responsável pela adoção de práticas
de alfabetização desprovidas de reflexão e criticidade
no decorrer de uma carreira docente. Mas, Antunes (2001) destaca que as
significações construídas sobre as lembranças
da escolarização, escolha profissional, processos de formação
e prática docente, constituem-se em indicadores que devem ser considerados
na análise de uma trajetória docente.
Reconhecemos que, para que o processo de autoformação seja
incorporado nas instituições formadoras e nas escolas, é
necessário tempo, continuidade nas ações, fortalecimento
da criatividade, da autonomia e do domínio teórico-prático
de equipes de trabalho e do desejo para que ele possa se instaurar, principalmente
porque se trata também de professores em exercício e a instauração
de novas significações leva tempo.
A escola não pode se tornar um espaço onde sejam fortalecidas
imagens míticas em relação aos seus alunos; muito
pelo contrário, deve constituir-se num espaço que precisa
ser ocupado com um ensino de qualidade, onde os professores busquem o
desenvolvimento da imaginação e o fortalecimento da capacidade
criadora dos seus alunos, apostando que o trabalho com a memória
educativa constitui-se no ponto inicial para a formação
de professores mais reflexivos e felizes.
Nesse sentido, o Laboratório de Alfabetização: repensando
a formação de professores tornou-se um espaço que
tem proporcionado grandes mudanças no ensino-aprendizagem das séries
iniciais, seguindo no seu terceiro ano consecutivo, proporcionado a interação
cada vez mais efetiva dos professores com seus alunos e das alunas do
curso de Pedagogia com a comunidade.
A responsabilidade de trabalhar com a comunidade e principalmente com
as crianças é muito intensa, uma vez que estas esperam de
nós, acadêmicos e professores, o desenvolver de práticas
pedagógicas de mútua interação.
Infelizmente, a realidade que ainda nos é confrontada, de um modo
geral, é o descaso com a alfabetização e o letramento,
estágio em que a criança passa e que requer ser totalmente
dinâmico e reflexivo, mas na sua maioria, é um processo mecânico
de copiar em sala de aula.
O Laboratório de Alfabetização Itinerante vem tentado
mudar esta realidade, desde 2002, quando foi criado, e esta será
a meta para os próximos anos, para que o sonho de mudar esta realidade
não permaneça somente dentro de cada um de nós, mas
possa ser multiplicado.
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