Bárbara Cristina Moreira Sicardi - UNICAMP
Cleonice de Almeida da Cunha - Universidade Metodista de São Paulo
-UMESP
Este trabalho foi concebido mediante as discussões
e estudos sobre a profissionalização docente, foco de estudo
das pesquisadoras. A questão cerne das discussões recai
sobre o âmbito da constituição dos saberes da docência
do professor universitário e nesse sentido este texto trata dos
percursos realizados por professores universitários na constituição
dos saberes da docência partindo de dois lugares: (1) da própria
prática e (2) de um período de estágio na docência
superior. Busca-se, então, apresentar considerações
acerca dos caminhos percorridos por professores “veteranos”
e “calouros” no processo de constituição de
saberes docentes.
Para a composição do estudo além de observações
e conversas informais sobre a aprendizagem profissional da docência,
foram realizadas entrevistas com quatro mestrandos bolsistas do Programa
de Pós-Graduação em Educação da UMESP,
professores estagiários nos cursos de Matemática e Pedagogia.
A estrutura do texto a seguir enfoca uma discussão preliminar com
base na literatura atual sobre os conhecimentos necessários para
o exercício da docência no ensino superior e depoimentos
dos sujeitos entrevistados sobre a aprendizagem profissional da docência.
Quem são os docentes universitários no contexto
atual?
A docência universitária tem sido considerada uma “caixa
de segredos”, em razão de as políticas públicas
enunciadas costumarem omitir determinações quanto ao processo
do ensinar, ficando tal processo geralmente afeto ou ao discernimento
ou ao conservadorismo da instituição educacional que, por
sua vez, tende a pressupô-lo – usando talvez a lei de menor
esforço – como parte integrante do que é conveniente
conceber de liberdade acadêmica docente.
Na perspectiva de um novo século, muitas questões emergiram
em relação à prática de ensino do docente
universitário, principalmente em função de sua responsabilidade
de formar profissionais em áreas específicas, inclusive
professores. Questões novas passam a ocupar um certo lugar comum,
dentre as quais: quem é o docente universitário? Ele está
preparado para acompanhar as mudanças do terceiro milênio,
mais especificamente, do século XXI? A complexidade das respostas
possíveis pode ser vista de diversos ângulos.
Parafraseando Ponte (1998), diríamos que
... para alguns o professor universitário é basicamente
um técnico com a função de transmitir informação
e avaliar a aprendizagem de seus alunos, utilizando, para isso, uma variedade
de meios de ensino e mesmo de diagnósticos, a que teve acesso ou
foi orientado para usar, com uma certa garantia de que “dá
certo”. Para outros, ele é um ator cujas crenças e
concepções determinam a forma como desempenha não
só o papel que precisa assumir, cotidianamente, mas também
as formas de condução bem sucedidas das suas tarefas docentes,
mesmo que suas ações nem sempre se manifestem concordantes
com a visão dos teóricos da educação ou com
a vontade prescritiva das autoridades educativas. E, para outros, ainda,
o professor é um profissional que procura dar respostas pedagógicas
às situações com que se depara; é alguém
que se move em circunstâncias muito complexas e contraditórias,
mas reais, e que, por isso, é preciso respeitar, valorizar e, sobretudo,
conhecer melhor.
Um dos grandes problemas da ação docente se centra na sua
formação. Apesar da exigência cada vez maior da capacitação
permanente em curso de pós-graduação da área
de conhecimento, o professor do ensino superior não parece didaticamente
preparado para o exercício acadêmico, especialmente para
a interação em aulas. Isto porque, considerando o tipo de
graduação realizada, encontramos, exercendo a docência
universitária, professores nas mais variadas situações
– que implicam maior ou menor habilidade e competência docente
– quais sejam, (a) alguns com formação didática
?inócua? obtida em cursos de licenciatura; (b) outros, que trazem
sua ‘experiência pessoal’ a título profissional
para a sala de aula, posto que “é um professor que já
foi aluno e age neste âmbito”, e (c) outros, ainda, sem qualquer
experiência profissional ou didática, mesmo oriundos de curso
de especialização, lato e/ou stricto sensu se tornam “repetidores
de informações adquiridas em nível de maior requinte”.
Nestes casos, o fator definidor de toda e qualquer seleção
de professores vem/tem sido, como sempre foi, a ‘competência
científica’ ou o ‘domínio do conhecimento específico
da área’, uma vez que, até hoje se acredita que para
ensinar é suficiente saber o conteúdo específico,
e o “resto” depende do jeito de cada um e “vem com a
experiência, com o tempo”.
A própria legislação concernente à formação
do professor universitário não se apresenta de fato como
tal propósito. Os processos formativos dos professores do ensino
superior, de acordo com a LDBEN/96, diz que esta far-se-á em nível
de pós-graduação, prioritariamente em programas de
mestrado e doutorado: “O notório saber, reconhecido por universidade
com curso de doutorado em área afim, poderá suprir a exigência
de título acadêmico” (art 66). Esta regulamentação
para a docência superior, não se configura “um processo
de formação, mas sim como preparação para
o exercício do magistério superior” (Pimenta e Anastasiou,
2002)
Em função destas questões é que as referidas
autoras afirmam que, neste contexto, a ação de pesquisar
o ensinar torna-se uma possibilidade e ao mesmo tempo, um desafio, tanto
na construção da identidade docente como profissional do
professor quanto na revisão das ações em sala de
aula. Para que isto ocorra, o professor do ensino superior não
pode ser visto como um profissional de outra área de conhecimento
que está ‘quebrando o galho’ em uma universidade, ‘como
um abnegado que vê no ensino superior uma forma de ajudar os outros,
fazendo um bico...’ (p. 178).
Com exceção dos professores oriundos da área da Educação
ou de cursos de Licenciatura, a maioria dos demais docentes que atuam
nas instituições de ensino superior não tiveram a
oportunidade de realizar cursos de graduação e pós-graduação
que continham alguma disciplina que abordasse aspectos relativos à
preparação para a docência, isto é, que contemplassem
questões de natureza teórica ou prática relativas
ao ensino e à aprendizagem. E mesmo aqueles que realizaram o curso
de licenciatura, a maioria teve uma formação didático-pedagógica
voltada apenas ao ensino básico e não ao ensino superior.
Tais fatos também são apontados por Vasconcellos (1996)
que faz um alerta sobre a qualidade de ensino que fica comprometida, em
função da fragilidade da formação deste profissional.
Poder-se-ia até dizer que a maioria dos que atuam na docência
universitária tornou-se professor da noite para o dia: dormiram
profissionais ou pesquisadores de diferentes áreas e acordaram
professores . Por mais excelência que tragam das diferentes áreas
de atuação não há garantia de que a mesma
tenha igual peso na construção do significado, dos saberes,
das competências, dos compromissos e das habilidades referentes
à docência. Por maior autonomia que tenham em sua profissão
de origem, tomando a autonomia como a capacidade profissional em conceber
e implementar novas alternativas diante da crise e dos problemas da sociedade
(Cavallet, 1999), não há garantias de que estejam preparados
para conceber e implementar alternativas e soluções pedagógicas
adequadas, diante dos problemas que surgem na aprendizagem de seus alunos,
nas salas de aula da universidade.
Temos assim, atuando nas salas de aulas, profissionais competentes em
suas áreas específicas, com pleno domínio dos saberes
científicos, mas sendo desafiados a constituírem-se como
professores, a assumirem-se nessa nova profissão que tem estatuto,
características, compromissos e procedimentos próprios,
os quais necessitam serem apreendidos, questionados e constantemente reformulados
pelos participantes dos colegiados institucionais da educação
superior. Ficam, então, desconsiderados os elementos constitutivos
dessa categoria profissional: o ideal, os objetivos, os compromissos pessoais
e sociais, a regulamentação profissional, o conceito de
profissão e de profissional, o código de ética, as
participações nas entidades de classe, os quais são
fundamentais ao exercício competente de uma profissão, o
que possibilitaria um reconhecimento social da mesma.
Mediante tais considerações, constata-se que a atividade
docente não se resume a uma prática técnica e burocrática,
com um rol de fazeres determinados para serem cumpridos numa determinada
disciplina. A atividade docente é um processo de humanização
considerando os alunos como seres historicamente situados (Pimenta, 1999),
e as universidades não têm percebido o quão complexa
é a atividade do professor universitário.
Gonçalves e Gonçalves (1998) afirmam que as Universidades
parecem não perceber que os problemas do ensino superior podem
ter causas na formação de seus docentes (p.124). Não
basta insistir na titulação se esta não propiciar,
também, o debate sobre as questões educacionais da área
na qual o docente está se especializando.
Essas questões expressam ‘as necessidades formativas dos
professores. Como dissemos há pouco, as leis e os programas de
pós-graduação de caráter generalista nunca
levantam todas essas contradições de modo convincente e
exaustivo, durável e sobretudo concreto. Assim, conforme pontua
Tardif (2002) cabe a cada formador reconstruir no seu dia a dia o saber
escolar - diferenciado do saber científico de referência
- um conjunto de conhecimentos realmente utilizados a partir de elementos
temporais, plurais, heterogêneos e situados na prática pessoal
profissional, - aí se encontra a complexidade.
Vasconcelos (1996), ao tecer considerações sobre as capacidades
que deveriam ser desenvolvidas pelo professor universitário, cita
o conhecimento profundo do conteúdo que ensina, o senso crítico
para compreender a realidade que o cerca e a realização
de pesquisas. A análise dos dados, o questionamento, o levantamento
e a testagem de hipóteses, por exemplo, são atividades que
envolvem, segundo a autora, todas essas três capacidades acima indicadas,
embora, na prática, os docentes, em geral, têm no máximo
duas delas bem desenvolvidas.
Ao sugerir que o professor ancore o ensino nas suas pesquisas, não
pretendemos a extinção das disciplinas tradicionais, fundamentais
para qualquer curso do ensino superior profissionalizante. Acreditamos
que esses conteúdos devam ser ensinados, mas não como uma
mera repetição do que já está escrito nos
livros-texto. na perspectiva dos Eles devem ser enfocados a partir dos
problemas que, ao contrário, o formador deve problematizá-los
e explorá-los didático-pedagogicamente, tendo em vista a
formação de futuros professores de matemática. Ou
seja, o formador precisa assumir uma postura investigativa diante do saber
que ensina. Dessa forma, o aluno estará aprendendo, não
apenas o conteúdo, mas também um modo - inquiridor e reflexivo
- de estabelecer relação com o conhecimento.
Professores “calouros” rumo à profissionalização
docente: aprendendo a aprender a profissão professor
Aprendemos quando introduzimos alterações
na nossa forma de pensar e agir, e ensinamos quando partilhamos com o
outro, a nossa experiência e os saberes que vamos acumulando.
(Sousa, 2003)
Dissemos há pouco que o trabalho docente exige
daquele que o exerce uma formação com habilidades e competências
específicas que pressupõe uma consciência social,
pois o alvo do seu exercício é possibilitar ao aluno a capacidade
de apreender o conhecimento dando a ele novas significações
que o farão entender e interagir melhor na sociedade que vive.
Aprofundar a discussão nas questões dos processos formativos
é deparar-se com a construção dos Saberes Docentes
como percurso indispensável para a profissionalização
do ensino.
Os Saberes como fundamentos de uma prática pedagógica que
identifica a categoria docente, acaba por promover a competência,
facilitar o exercício da autonomia e profissionalizar o professor.
Podem ser concebidos como uma teoria de argumentação que
justifica a tradição pedagógica do professor. Os
Saberes Docentes constroem as concepções que definem a prática
pedagógica do professor de forma individualizada e original, e
são provenientes de diferentes fontes. Perrenoud (1993) enfatiza
que só é possível pensar a formação
dos professores, pensando e repensando constantemente à luz das
ciências humanas, as práticas pedagógicas, a estrutura
e funcionamento dos cursos, das escolas e dos sistemas educativos.
Como se percebe, é preciso antes de tudo entender a complexidade
do ensino, uma atividade caracterizadamente plural e interativa. Isto
porque, o docente do ensino superior, no seu dia-a-dia, na heterogeneidade
da sala de aula e nos contextos onde atua, está sempre diante de
situações complexas para as quais precisa intervir e encontrar
respostas, sejam elas vinculadas à relação professor-aluno,
sejam elas de cunho didático-pedagógico, e estas, repetitivas
ou não, dependem exclusivamente de sua habilidade e competência
de leitura de mundo, e também, do contexto específico onde
atua.
A intervenção direta ou indireta do professor na realidade
onde atua requer saberes diversos. Alguns destes são aprendidos
nos cursos de formação e outros são provenientes
da experiência cotidiana. A junção destes saberes
dará as condições fundantes para que este professor
seja capaz de refletir e constituir seu saber pedagógico, pois
a “especificidade da formação pedagógica, tanto
inicial como a contínua, não é refletir sobre o que
se vai fazer, nem sobre o que se deve fazer, mas sobre o que se faz”
(Houssaye, 1995, p. 28)
Gomez e Sacristan (1998) também dão ênfase à
preocupação com o coletivo da escola, quando discutem como
a mesma pode converter–se num contexto significativo de aprendizagem,
se assume uma configuração estruturalmente artificial, distante
da vida e dos problemas relevantes da comunidade em nível político
social e cultural, no cotidiano das salas de aula. Dizem os autores, que
a ação pedagógica exercida pelo professor, entendida
como complexa, revela a necessidade de um reservatório de conhecimentos
de ensino por parte do docente, para a realização da própria
tarefa educativa. É necessário que o docente domine o conteúdo,
tenha talentos, bom senso, seja dotado e deixe fluir sua intuição,
acumule experiências e assimile uma cultura geral.
Podemos, então, considerar os Saberes Docentes como doutrinas,
concepções produzidas a partir de reflexões sobre
a prática educativa, formando as teorias pedagógicas. Para
Fernandes (1996).
a prática docente e a formação do educador têm
um eixo importante: o Saber de Experiência como expansão
de um Saber Social. Daí a necessidade de trabalhar esse eixo e
suas relações com os Saberes de Formação e
os saberes Curriculares. A relação dos Saberes com a prática,
com a ação, lembra o conceito de práxis. O ator social
dessa práxis é o professor.
Ao abordarem esse aspecto nas entrevistas, alguns sujeitos demonstraram
reconhecer o potencial formador presente nessas atividades, enfatizando,
contudo, sua insuficiência diante das especificidades do trabalho
com a formação inicial de docentes. Nesse sentido, alguns
relatos enfocaram as dificuldades vivenciadas pelos profissionais como
indicam os depoimentos abaixo:
...no princípio, eu quebrei muito a cara e isso é desconfortante,
(...) só não é pior porque você consegue sair
dessa situação, você consegue acumular experiência
e tal (...) acho que (...) você podia entrar mais (...) sabendo
mais das coisas, de como fazer, tendo mais apoio (...) No final, quando
você já tem esse acúmulo... [então, pode dizer]:
"Ah, então tá, hoje eu vou na universidade [tal]"...
Eu já sei o que vou fazer, eu já sei como agir com os futuros
professores. Você já tem uma metodologia de trabalho [e]
você acaba tentando ser apoio de quem está entrando...
...porque até que a gente começa (...) a
entender um pouco qual é a concepção do curso, entender
um pouco da fala das pessoas, assim... você leva um bom tempo (...)
Eu não sei se estava num período de adaptação
e tudo, mas para mim foi difícil...
Nesse sentido, a utilização da expressão
quebrar a cara, no primeiro depoimento, como forma de caracterizar esse
momento inicial, aponta a tentativa da entrevistada de descobrir o que
seria próprio dessa atuação profissional –
processo perpassado por um sentimento de desconforto. A sua perspectiva
se modifica, no entanto, quando ela elabora suas próprias vivências,
construindo sua experiência como formadora de professores. Isso
faz com que ela se sinta em condições de passar a ocupar
uma posição de referência para os colegas que estão
chegando, como alguém que já domina um pouco mais o trabalho
proposto.
Reafirmando as questões ressaltadas acima sobre a inserção
dos professores estagiários, uma das entrevistadas relacionou esse
momento à sua trajetória profissional anterior, possibilitando
a incorporação de outros fatores na análise desse
processo.
Tais depoimentos ilustram, de maneira bastante peculiar, a forma como
os sujeitos foram descobrindo e desenvolvendo a docência superior.
Para a maior parte dos entrevistados, o processo de apropriação
desses modos de agir, aconteceu ao longo das suas atividades, à
medida que eles foram estabelecendo um contato com as especificidades
dessa atuação profissional e dando início, assim,
à construção da sua posição de formadores.
Dessa forma, embora os sujeitos tenham integrado, em geral, grupos de
trabalho que apresentavam ligação com o seu percurso profissional,
seus depoimentos indicaram que o estabelecimento de conexões entre
a vivência precedente e a experiência com formação
docente em serviço, não ocorreu de maneira direta. Os sujeitos
precisaram de um tempo para desenvolver as habilidades necessárias
para aquela atividade, quando passavam, então, a se perceber realmente
como formadores de professores.
Podemos dizer, portanto, que os relatos demonstram, como salienta Dubet
(1995), um trabalho do sujeito no sentido de construir sua experiência,
conferindo-lhe coerência. Nessa perspectiva, conforme o professor
formador consegue relacionar os elementos presentes em sua atividade profissional
como professor e como formador, ele significa, para si mesmo, os sentidos
de sua abordagem metodológica e, conseqüentemente, da sua
atuação. Daí a importância da reflexão
sobre a prática educativa.
Schön (1983) distingue diversas formas de reflexão, referindo-se
em especial a reflexão na ação e a reflexão
sobre a ação. A “reflexão na ação”
é um processo de diálogo com uma situação
problemática que exige uma intervenção concreta e
que se processa de uma forma fortemente intuitiva. Trata-se de uma análise
sem o cuidado e o distanciamento de um escrutínio mais rigoroso
e sistematizado, mas com a riqueza da captação viva dos
múltiplos fatores intervenientes e com as vantagens da possibilidade
de intervenção imediata, ligando elementos racionais e afetivos.
Por outro lado, a “reflexão sobre a ação”
desenvolve-se num momento posterior à própria ação,
processando-se de forma formalizada, com apoio da linguagem e por isso
com outra possibilidade de rigor. Tem lugar, muitas vezes, a partir de
discussões e trocas de experiências entre professores preocupados
com problemas comuns.
Em qualquer caso, a reflexão parte sempre do confronto de uma prática
com um quadro de referência teórico, que pode ser uma reapreciação
dos objetivos inicialmente fixados ou um confronto com outras perspectivas
e valores. Por isso é tão essencial a explicitação
de objetivos, propósitos, intenções inerentes, por
exemplo, à prática de uma metodologia de projetos. E também
por isso é tão importante o contato com múltiplas
fontes de informação – livros, revistas, outros professores
ou mesmo parceiros exteriores ao sistema educativo – que podem proporcionar
contatos estimulantes, potencializadores de novas perspectivas de análise.
A reflexão permite uma progressiva explicitação (e
conseqüente conscientização) do “conhecimento
na ação”. Ao mesmo tempo, conduz à identificação
de quadros teóricos relevantes para a análise de situações
práticas. Um professor reflexivo vive permanentemente num ciclo,
da prática e da teoria à reflexão, para voltar de
novo à teoria e à prática. A teoria é fundamental
para um alargamento de perspectivas e para indicar linhas condutoras da
reflexão. A prática permite o envolvimento ativo do próprio
professor, proporcionando uma experiência concreta a partir da qual
é possível refletir. A reflexão estimula novos interesses,
chama a atenção para novas questões e possibilita
uma prática mais segura, mais consciente e mais enriquecida.
O professor está longe de ser um profissional acabado e amadurecido
no momento em que recebe a sua habilitação profissional.
Os conhecimentos e competências adquiridos antes e durante a sua
formação inicial são manifestadamente insuficientes
para o exercício das suas funções ao longo de toda
a carreira. Por outro lado, o professor não pode ser visto como
um mero receptáculo de informações – pelo contrário,
deve ser encarado como um ser humano com potencialidades e necessidades
diversas, que importa descobrir, valorizar e ajudar a desenvolver. O desenvolvimento
profissional é assim uma perspectiva em que se reconhece a necessidade
de crescimento e de aquisições diversas, processo em que
se atribui ao próprio professor o papel de sujeito fundamental.
Diversos fatores contribuíram para a emergência desta nova
visão do professor como profissional em permanente desenvolvimento.
Em primeiro lugar, mudanças crescentes nas condições
sociais, implicando mudanças no sistema educativo (nos objetivos
da educação, nos currículos, nos alunos, no próprio
conceito de escola). Em segundo lugar, mudanças na teoria educacional,
proporcionando novas orientações didáticas e novas
perspectivas para fundamentar a ação do professor. E, finalmente,
mudanças na própria visão do papel do professor,
reconhecendo-se agora a complexidade e dificuldade de sua função.
O desenvolvimento profissional dos professores diz respeito aos diversos
domínios onde se exerce a sua ação. Assim, há
a considerar a prática letiva e as restantes atividades profissionais,
dentro e fora da escola, incluindo a colaboração com colegas,
projetos de escola, atividades de âmbito disciplinar e interdisciplinar
e participação em movimentos profissionais. Mas há
igualmente que ter presente o caráter fundamental do autoconhecimento
do professor e do desenvolvimento de seus recursos e capacidades próprias
– ou seja, a dimensão do desenvolvimento do professor como
pessoa.
O desenvolvimento profissional pode seguir diversas estratégias.
Em especial, sobressai a via dos projetos profissionais, ao lado de outras
atividades que envolvem uma atitude de procura profissional que remetem
para uma prática de auto-questionamento – reconhecendo e
experimentando materiais e recursos, estudando e investigando em torno
dos saberes constituídos, relativos tanto a conteúdos de
ensino como a questões de ordem pedagógica. Depende de diversas
condições que se referem, sobretudo, ao próprio sujeito,
ao seu contexto institucional e aos recursos disponíveis, incluindo
recursos humanos e materiais (interiores e exteriores a escola). Bastará
referir, mais uma vez, o papel determinante que cada professor tem no
seu próprio desenvolvimento profissional e a importância
de se conjugarem condições institucionais e recursos adequados
para que este desenvolvimento possa ter lugar em condições
favoráveis.
Perceber desde de cedo a complexidade do ato pedagógico, das relações
que se estabelecem na sala de aula, possibilita ao professor que sua prática
não se resuma a uma simples discussão acadêmica entre
aluno e professor, mas que nesta prática se constitua, não
apenas de saberes acadêmicos, disciplinares e racionais,mas que
ele também seja constituído do valor das emoções,
dos desejos, das inseguranças tanto dele próprio na condição
de professor, como do aluno na condição de aprendiz.
Os seres que interagem ali, no espaço da sala de aula, são
complexos e inacadados (Freire, 1996). Faz-se necessário que ele
não perca a noção do humano neste contexto acadêmico.
O fato de o professor universitário estar emerso num ambiente intelectual,
racional, científico pode colaborar para seu afastamento da sensibilidade
e afetividade, sentimentos que nos possibilitam ser criativos, inventivos
e capazes de parar refletir e reavaliar situações e posturas.
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