Maria Eugênia Ribeiro D’Elia - Mestranda
da FE - UNICAMP
Este trabalho é parte de minha pesquisa de mestrado
cujo projeto intitula-se: O texto do professor no texto do aluno: intenções,
significados e resultados.
Minha preocupação inicial centrava-se em buscar que tipo
de bilhetes os professores deixavam nas produções de texto
de seus alunos ao corrigi-las e que significado os alunos davam a estes
bilhetes.
Esta inquietação surgiu de minha prática, primeiro
como professora de Português e Estudos Sociais de terceiras e quartas
séries e, nos últimos quinze anos como orientadora educacional
e coordenadora pedagógica das séries iniciais do Ensino
Fundamental.
Nesta última função, que exerço até
hoje, sento-me semanalmente com cada professora para definir conteúdos
e estratégias a serem adotados e, não é raro, as
professoras trazerem nestes encontros materiais produzidos pelas crianças
para que eu aprecie e, muitas vezes, para que as ajude a avaliar. É
uma situação muito rica, pois posso acompanhar, mesmo sem
estar na sala de aula, o trabalho desenvolvido nas quatro séries.
Dou palpites, sugiro atividades e opino, principalmente, em relação
aos textos que os alunos escrevem.
Esta tarefa, contudo, me traz angústias, questionamentos. Por um
lado, tenho um olhar diferente do da professora, pelo fato de estar num
lugar diferente do dela (embora já tenha vivenciado esta experiência,
por alguns anos). Apesar de serem freqüentes minhas idas às
salas de aulas, não pertenço, agora, a um grupo classe como
a professora pertence, não tenho o comando das situações
de ensino-aprendizagem e não acompanho os alunos em todos os momentos.
Por outro lado, o fato de ter em mãos um material do aluno, muitas
vezes corrigido e com anotações da professora, faz com que
eu o leia, não só com vistas ao processo do aluno, mas com
um olhar para as intervenções feitas por ela. Questões
relativas ao diálogo professor/alunos (à forma como se dá)
e à maneira pela qual o aluno constrói os sentidos para
as anotações feitas pela professora surgem freqüentemente.
Esta situação ocorre, principalmente, quando leio produções
de texto. É comum encontrar os seguintes comentários: “confuso”,
“explique melhor”, “clareie suas idéias”,
“começou de repente”, “organize” ou, simplesmente,
“?” , diante de alguns trechos demarcados pela professora.
Penso que, da mesma forma como o aluno produziu um texto, estas intervenções
feitas constituem-se na produção escolar da professora,
a partir da produção do aluno.
Minha preocupação situa-se, de um lado, no fato de eu lidar
com um grupo de professoras, com histórias de vida diversas, com
diferentes trajetórias de formação enquanto professoras,
leitoras e escritoras. Isso faz com que a interação de cada
uma com os alunos e a interferência delas no processo de leitura
e escrita deles sejam diferentes, bem como haja uma variação,
mesmo que pequena, no rigor com que cada uma corrige um texto. Este aspecto
é natural, inerente à condição de ser professora.
Por outro lado, os alunos, também com suas histórias de
vida variadas, trazem da família visões e expectativas diversas
a respeito da importância do ensino, da leitura, da escrita.
Assim, considerando as relações possíveis entre aluno,
professor e produção de texto e tendo claro que uma das
funções da escola é a de transmitir conhecimentos
histórico e culturalmente adquiridos (inclusive em relação
à escrita), perguntava-me inicialmente:
Que tipo de apontamentos são feitos pelo professor no texto do
aluno? Eles dão indícios de como o aluno deve reorganizá-lo/
reestruturá-lo?
De que modo os alunos significam os apontamentos em seus textos pelas
professoras? Estes apontamentos esclarecem sobre as possibilidades de
modificação do texto, tornando-o mais legível para
o leitor?
A forma como o aluno reorganiza seu texto é coerente com os apontamentos
do professor?
A partir destes questionamentos fui a campo coletar dados para uma análise
mais profunda. Propus-me a fazer uma pesquisa qualitativa e, para isso,
acompanhei todas as situações de produção,
correção ou reescrita de textos, vivenciados por alunos
de uma classe de terceira série, desde agosto de 2004 a junho de
2005, quando concluíram o primeiro semestre da quarta série.
Desta forma, pude acompanhar também a prática de duas professoras
distintas. Trata-se de alunos de uma escola da rede particular de Campinas.
Busquei estas duas séries do Ensino Fundamental, pois entendo que
é nesta fase que se inicia o trabalho mais sistemático de
escrita e de correção de textos.
Foram coletadas ao todo doze experiências de escrita de texto entre
a primeira versão, correção coletiva, correção
individual, reescrita do texto.
O processo de produção do texto
Desde a primeira experiência percebi que as professoras
propunham um tema, davam uma explicação inicial sobre aspectos
a serem observados durante a produção do texto e depois,
enquanto as crianças começavam a escrever, iam passando
de mesa em mesa, questionando as crianças sobre as histórias
que estavam sendo escritas, chamando a atenção para lacunas
nos textos ou equívocos que poderiam comprometer sua coerência
ou respondendo a questionamentos dos alunos.
Enquanto os alunos estavam na terceira série percebi que, em algumas
atividades de produção de texto, permaneciam sentados com
as carteiras encostadas, duas a duas, apesar de seu trabalho ser individual.
Esta disposição favorecia a troca de idéias entre
eles. Pude observar duplas discutindo aspectos da história, crianças
lendo, umas para as outras, trechos que já haviam escrito e, nestes
momentos, o ouvinte questionando o leitor.
Temos aí de uma importante situação de mediação.
Góes (1993, p. 102), ao tratar do escritor iniciante (suas capacidades
e limitações), afirma que: “O percurso de crescimento
se faz tanto pela atividade do sujeito, fundada em estratégias
e conhecimentos já construídos, quanto pela participação
de agentes mediadores, em especial aqueles presentes no contexto escolar”.
Nestas situações de escrita, tanto o professor quanto o
colega sentado ao lado se constituíam em mediadores do aluno escritor.
Vygotsky(1989, p.97) afirma que o que a criança consegue fazer
com a ajuda dos outros é mais indicativo de seu desenvolvimento
do que o que ela consegue fazer sozinha. Ao definir zona de desenvolvimento
proximal o autor afirma que “é a distância entre o
nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através
da solução independente de problemas, e o nível de
desenvolvimento potencial, determinado através da solução
de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração
com companheiros mais capazes”. Neste sentido, criar condições,
em sala de aula, para a troca de experiências é fundamental
e algumas das situações de produção de texto
propiciaram isso.
Segundo Bakhtin, é inerente ao ser humano expressar-se, criar textos.
“A utilização da língua efetua-se em forma
de enunciados (orais e escritos), concretos e únicos, que emanam
dos integrantes duma ou doutra esfera da atividade humana” (Bakhtin,
2000, p.279). Quando produzimos nossos enunciados não o fazemos
como algo inerente a nós. Somos socialmente constituídos
e o que falamos, fazemos, somos, escrevemos, são resultado de uma
série de vozes das quais nos apropriamos e/ou organizamos, através
das experiências que vivemos. Assim, pude observar, principalmente
como prática das professoras, um constante entrelaçar de
vozes, que iam contribuindo para a criação do texto.
Apresentando alguns dados
Trago, a seguir, duas experiências coletadas para ilustrar o que
venho discutindo.
Em minha primeira observação, em agosto de 2004 na terceira
série, encontrei professora e alunos envolvidos na revisão
de um texto que já havia sido corrigido pela professora. Para produzi-lo,
eles partiram da leitura e interpretação do texto “Mãe
com medo de lagartixa” de Ana Maria Machado, escolheram um dos bichos
que aparecem na história e escreveram seguindo o seguinte roteiro:
1. Expectativa – começo da história
a) Onde se passa a história?
b) Quem são os personagens?
2. Conflito ou problema
Que fato acontece e que obriga as personagens a agirem para resolvê-lo?
3. Resolução do problema
O que vai sendo feito para se tentar resolver o problema?
4. Desfecho final da história
Como se resolveu a situação e como ficaram, depois, as personagens?
Alguns alunos, cujos textos só apresentavam problemas
ortográficos, deveriam corrigi-los e os que tinham textos com problemas
de clareza, seqüência de idéias, coerência, adequação
à proposta, deveriam reescrevê-los.
Neste momento a professora dividia a classe entre os alunos que tinham
que reescrever o texto e os que somente corrigiriam a ortografia. A estes
últimos dava uma outra tarefa, enquanto se dedicava a auxiliar
cada aluno na reescrita de seu texto. Mais uma vez a mediação
da professora se fazia muito presente. Ela ia de mesa em mesa, reorganizando,
com cada aluno, cada parágrafo de seu texto.
O aluno R. escreveu o seguinte texto:
“ Titolo. “Cada um come o que quer.
Um belo dia, no quintal cada um comia seu prato preferido, o Rodrigo haburquer,
Pedro lasanha, Porquinho da índia folha e é claro, Bife
comendo bife.
Um certo dia a mãe dos três filhos e um bixo fez a comida
preiferida novamente soque cequerer ela põe a coisa que todos menos
gostam na comida do Bife “auface”. Quando ele comeu o bife
ele gospiu o Bife e prometeu nuca mais comer Bife no dia ceguite princaram
bastante até anoite, jegando anoite ele foram para casa comer novamente
os pratos preveridos e o Bife dise duas coisas, um é que ele não
quer mas ter o abelido de Bife e a outra que ele agora gota de macarão.
No dia ceguite a mãe foi fazer molho de tomate e fiu que no tinha
mas tomate, a mãe foi contar para o filho e o filho ficou desesperado
e foi comer Bife, retirando tudo o que dise. E o ramister também
não gostou da comidinha dele.
- Tudo denovo não”.
A professora listou todas as palavras que apareceram no texto com erros
ortográficos e marcou na margem os códigos: o para ortografia,
LM para falta de letra maiúscula e # para parágrafo. Deixou
o seguinte bilhete ao aluno:
“R., fique atento:
- à escrita das palavras
- traçado das letras
- trocas de letras
- mais clareza de idéias
Ao entregar o texto ao aluno para ser revisto, a professora sentou-se
com ele, pediu que lesse o texto todo em voz alta, voltou ao início
e foi lendo frase por frase e questionando:
P- Onde se passa esta história? Quem são esses meninos?
R- São três irmãos.
P- Bife é o apelido de um menino? Como ele se chama?
R- Bruno.
P- Você tem que dizer isso no texto.
P- Quem é o porquinho da índia?
R- È um bichinho de estimação.
P- Então você precisa escrever isso. Vamos escrever este
primeiro parágrafo.
Enquanto o aluno escrevia o parágrafo a professora ia atender outros
alunos.
Esta atividade continuou por uma hora e meia
A segunda versão do texto do aluno R ficou assim:
“Título: Cada um come o que quer.
Um belo dia no quintal de uma casa, cada um comia o que queria: o Rodrigo
comia hambúrguer o Pedro comia lasanha o Bruno que tinha apelido
de Bife comia bife e um porquinho da índia que era o bichinho de
estimação comia folha.
Certo dia, a mãe fazia comida para os três filhos e o bicho.
Fez a comida preferida de todos novamente, sem querer ela pos a coisa
que o Bife menos gosta “aface” e quando Bife mordeu ele prometeu
nunca mais comer aquela comida.
No dia seguinte eles comeram comida preferida e o Bife falou:
- Não quero comer mais bife quero comer macarrão e:
- Não quero ter o apelido de Bife quero que me chame de Bruno.
No dia seguinte a mãe foi fazer macarram e vio que não tinha
tomate e o Bruno resolveu comer bife.
E começou tudo de novo.”
Além de ter se sentado com R para ajudá-lo na reescrita
de texto, a professora conseguiu fazer o mesmo com outros dois alunos,
FP e VT. Os demais foram corrigindo sozinhos seus textos, tirando dúvidas
quando surgiam.
Ao analisar a primeira e a segunda versões, percebi que além
desses três alunos, nenhum outro modificou seu texto, mesmo tendo
um bilhete indicando para que o fizesse. Eles se limitaram a fazer algumas
das correções ortográficas apontadas.
Alguns dos bilhetes deixados pela professora:
“VT, vamos explicar os fatos que acontecem na história com
mais detalhes e mais coerência”.
“J, você é capaz de escrever com mais atenção,
preocupando-se com a clareza de idéias e com as ações
do texto”.
“FP, você precisa desenvolver seu texto com mais detalhes,
para que haja clareza de idéias”.
Atenção ao traçado das letras e organização.”
“GD, vamos escrever o final da história com mais detalhes?
Fique atento à clareza de idéias”.
“Gostei! Você desenvolveu bem sua história, mas precisa
ficar atento à escrita das palavras e ao foco narrativo. Você
faz parte ou não da história?”.
O fato de alguns alunos não modificarem o texto, a partir do bilhete
da professora, me faz pensar que talvez alunos de terceira série
não consigam compreender alguns dos aspectos contidos nos bilhetes
como clareza de idéias, foco narrativo, coerência, mais detalhes
e chama a atenção para a importância da mediação
oral da professora no momento de reescrita.
Góes (1997, p.102) afirma que “a revisão parece especialmente
difícil para a criança pequena porque envolve um julgamento
sobre o processo de criação do texto, o que implica assumir
um ponto de vista objetivo sobre os próprios pensamentos e sentenças”.
Apresento agora outra experiência de produção de texto
dos mesmos alunos, já na quarta série. Eles leram o texto
“Chantecler e Peterlote” recolhido por Geoffrey Chaucer e
fizeram a produção de texto a partir da seguinte proposta:
“O galo sentia-se poderoso no lugar em que vivia. Agora pense em
outro animal que também se sinta igual ao galo e crie uma história
onde este animal irá descobrir que não é tão
poderoso como pensava”.
Durante o tempo em que as crianças escreviam, a professora ia passando
de mesa em mesa, respondendo a questões, lendo trechos de texto,
questionando os alunos. Nesta série eles sentavam-se separados
uns dos outros. Não havia conversas entre os alunos durante a produção
de texto.
Na semana seguinte, os alunos receberam os textos corrigidos, com bilhetes
da professora. Ela explicou os códigos de correção
que usou (os mesmos da terceira série) e disse que para alguns
alunos daria uma folha em branco, pois o texto deveria ser reescrito.
Os demais deveriam fazer somente a correção ortográfica
na primeira versão. Dos trinta e três alunos da classe, doze
tiveram que reescrever o texto.
Nesta experiência, procurei apreender o sentido que alguns alunos
davam para o bilhete deixado pela professora em seu texto e estabelecer
uma relação entre o que a professora escreveu e a comparação
entre a primeira e a segunda versão de alguns textos.
Ao entregar o texto para R, pedi para ele ler o bilhete da professora
e perguntei o que ele entendia por “desenvolver mais as idéias”.
Ele respondeu: “É criar mais coisas pra história ter
mais detalhes”.
Deixei R trabalhando e não vi mais seu texto. Ao analisá-lo,
depois de pronto, percebi que R o conservou quase na íntegra. Seu
texto inicial é dividido em três parágrafos. Ao reescrevê-lo,
ele mantém iguais o primeiro e o segundo, sendo que ao copiar este
último, pula parte da frase, comprometendo seu entendimento.
O terceiro parágrafo ele divide em dois, na reescrita. Conserva
o conteúdo do texto e acrescenta dois aspectos que foram perguntas
que a professora deixou no bilhete para sugerir um enriquecimento maior
da história:
Bilhete da professora: “...é necessário desenvolver
mais a sua idéia, por exemplo, qual foi a doença que ele
teve ou por qual motivo voltou a latir”.
Primeira versão: “...mas certo dia ficou doente e não
pode cantar e a lua apareceu”.
Segunda versão: “...mas certo dia ficou doente e era pneumonia
e não pode cantar e a lua nasceu”.
Primeira versão: “... ficou deprimido por 7 dias, mas depois
voltou a latirsó que não para lua nascer”.
Segunda versão: “...ficou deprimido por uma semana, mas depois
voltou a latir porque pensou que era bobera e voltou a latir, só
que agora não para lua nascer”.
R, ao reescrever o texto, inclui somente dois aspectos sugeridos pela
professora, troca duas palavras por sinônimos e não amplia
a história.
O aluno LC desconsidera as dicas da professora: “Gostei
da sua história, mas acho que você poderia ter desenvolvido
mais a sua idéia. Por exemplo, ter contado como ele mandava nos
gatos, o que ele sentiu quando caiu no rio ou como era a gata, sua namorada”.
Na reescrita, troca a palavra “umiliação” por
dor, mesmo tendo o modelo correto, dado pela professora. Faz a substituição
de então por e, conforme apontado pela professora.
Primeira versão: “Depois o gato ficou calado de tanta umiliação
que recebeu, então o gato descobriu que gatos que tem donos tomam
banho normalmente então mudou totalmente sua personalidade e até
se casou com a gata e eles viveram felizes para sempre”.
Segunda versão: “Depois o gato ficou calado de tanta dor.
Que ele pensou o que ele fez com os gatos, então o gato descobriu
que gatos que tem donos tomam banho normalmente e mudou totalmente sua
personalidade e até se casou com a gata e eles viveram felizes
para sempre”.
A aluna G escreve o seguinte final para sua história:
“... quando Miler caiu na armadilha a caçadora mas quando
ela viu a aranha ela gritou e nunca mais voltou, a aranha desembaraçou
o nó e o leão aprendeu a lição, não
importa o tamanho o que importa é a ajuda”.
A professora escreve: “G, eu gostei da idéia da sua história,
mas não entendi o final dela. Releia a parte que Miler caiu na
armadilha e veja se é possível melhorar para ficar mais
fácil de entender”.
Segunda versão: “... quando Miler caiu na armadilha da caçadora
Miler começou a balançar para tentar se soltar, mas era
muito grossa daí apareceu a aranha quando a caçadora viu
a aranha ela saiu correndo e nunca mais apareceu por lá”.
G, ao reescrever a história suprimiu parte importante que havia
escrito que foi a ajuda da aranha para soltar o leão e a conclusão
do leão.
A aluna F escreve um texto com poucos detalhes.
Bilhete da professora: “Sua idéia é boa, mas fica
mais interessante quando contada com mais detalhes. Você poderia
ter contado um pouco sobre o gato, o que ele fazia para proteger o território,
como era o gato da amiga de sua dona ou como a briga entre os gatos terminou”.
Primeira versão: “ A Maria falou para a amiga ir embora.
E o Miau aprendeu uma grande lição ninguém pode gritar
com ninguém pricipaumente visitas”.
Segunda versão: Maria pediu para a amiga ir embora e combinou de
encontrá-la no shopping. A briga acabou tudo bem. E o Miau ninguém
deve gritar com ninguém”.
Parece que F sente necessidade de responder a uma questão da professora
quando escreve “A briga acabou tudo bem”. Ao reescrever o
texto, a aluna pula parte da última frase, comprometendo o entendimento.
A aluna IQ termina sua história assim:
Primeira versão: “Depois de muito tempo Julia namorou com
Peter, e eu se que eles se felizes”.
Bilhete da professora: “Gostei da história e ainda bem que
tudo terminou bem, eles se entenderam. Releia o último parágrafo,
eu acho que está faltando alguma coisa”.
Segunda versão: “Depois tudo acabou bem e Peter nunca mais
se achou o melhor skeitista. E todos ficaram amigos e sempre será
o jeito certo”.
Parece-me que IQ não consegue identificar a lacuna à qual
se refere a professora, modificando todo o final.
O aluno GD escreve o seguinte parágrafo:
Primeira versão: “Até que um dia uma formiga jornalista
estava entrando na casa de uma pessoa para pegar um chocolate para formiga
atômica, quando ouviu na televisão que todas as formigas
podiam o dobro de seu peso então publicou em todos os jornais estava
escrito Pedro o formiguinha não é tão boa”.
Bilhete da professora: “Gostei da sua história, mas não
entendi o final. Releia o último parágrafo e veja se é
possível explicar melhor”.
Segunda versão: “Até que um dia o formiga atômica
pediu chocolate e a formiga rainha mandou uma formiga jornalista pegar
o chocolate. Ela estava andando na rua e entrou numa casa para pegar o
chocolate e ouviu na TV que toda formiga pode carregar o dobro do seu
peso e publicou em todos os jornais isso e a formiga atômica nunca
mais apareceu por lá”.
Esse aluno, ao reescrever o parágrafo, o deixa mais claro.
J escreve uma história sobre um pavão que
achava que todos iam ao zoológico só por causa de suas penas,
mas depois percebe que não iam só por causa dele.
Bilhete da professora: “J, gostei muito da idéia da sua história,
mas é preciso desenvolvê-la mais. Por exemplo: como era o
zoológico, como o pavão ficou nesses três dias. Quando
a história tem mais detalhes ela fica mais interessante de ser
lida”.
J, ao reescrever, produz outra história. Não conserva nenhum
elemento da primeira. Escreve sobre um leão que rugia para a lua
nascer.
GB escreveu uma história sobre um leão que
se achava o melhor e encontra outro leão maior e mais forte que
o faz perceber que ele era muito exibido.
Bilhete da professora: “GB, gostei muito da sua história,
mas é preciso desenvolver mais a sua idéia. Por exemplo,
o que os leões faziam para mostrar do que eles não gostavam,
ou como eram as lutas. Procure contar com mais detalhes porque fica mais
interessante para ler”.
Perguntei ao GB o que ele entendia por “desenvolver mais a idéia”
e ele disse que era escrever com mais detalhes.
GB escreve outra história, sem seguir a proposta e não consegue
terminar seu texto. Sua segunda história é sobre uma andorinha.
Os alunos FP, VT e R refizeram os textos com a mediação
da professora. Ela foi perguntando o que eles queriam escrever, como eram
os personagens, eles iam escrevendo linha por linha, ela ia lendo e fazendo
as intervenções necessárias. Os três conservaram
a idéia do primeiro texto e incluíram as sugestões
deixadas pela professora.
Esta pesquisa está em andamento. Concluí, em junho, a coleta
de dados e devo passar agora à análise dos mesmos. Por esse
motivo, não poderei aqui chegar a uma conclusão sobre os
aspectos apresentados.
Gostaria, portanto de enfatizar o quão forte foi a presença,
em todas as observações feitas, da mediação
oral do professor, tanto no momento da escrita quanto na reescrita do
texto, mediação esta que me pareceu efetiva à construção
do texto.
Um texto não tem um sentido único, ele vai-se construindo
na relação com o leitor. Vários sentidos vão
emergindo e o vão constituindo. O professor, representante leitor
nestas experiências relatadas, ao interagir com o aluno, vai buscando
esses sentidos e vai compartilhando-os com o aluno. Este, por sua vez,
tem a oportunidade de contar à professora o sentido que buscava
dar ao texto e que, algumas vezes, não conseguiu ao escrever, mostrando
muitas vezes que “a leitura que ela realiza é apenas uma
das possíveis leituras do texto produzido” (Ometto, C. 2005,
p.130).
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