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O
MASCULINO NA MÍDIA IMPRESSA
Karina
Maria Dezotti
INTRODUÇÃO
Os estudos
de gênero desenvolveram-se sobretudo a partir do movimento feminista
do século XX, desde então inúmeros trabalhos e pesquisas
tratam do tema de variados enfoques e perspectivas teóricas. Este
é, portanto, mais um trabalho que busca analisar e refletir a respeito
do gênero masculino, focalizando a representação masculina
quando dirigida para o público em geral e quando dirigida, exclusivamente,
para o público feminino, ou seja, pretendemos apreender como é
construída a argumentação quando o sujeito receptor
esperado é mais geral e quando é o gênero oposto ao
representado.
Como os meios de comunicação são fundamentais na
construção do pensamento do homem contemporâneo e
a mídia explora constantemente os temas de gêneros, tanto
o masculino quanto o feminino, optamos por realizar a análise em
um dos tipos de discurso de grande influência na opinião
pública: o publicitário, visto que nele são trabalhadas
representações que servem de estereótipos socializadores,
portanto modelos de comportamentos autorizados, dirigidos ao público-alvo.
Esse discurso extrai da própria sociedade de nossa época
os valores com os quais trabalha e muitas das mensagens que retrata, refletindo
as tendências de comportamento da população.
Os anúncios publicitários modernos, textos fortemente persuasivos,
baseiam-se nos efeitos da associação de recursos lingüísticos
aos visuais. Estamos diante de um discurso que exige uma leitura que leve
em conta sua articulação com outros discursos (o interdiscurso)
e que submete às forças ideológicas em luta na sociedade.
Assim, ao mesmo tempo em que se lastreia no “já aceito”
apresenta seus produtos como novidade.
Neste trabalho propomos uma reflexão sobre o processo argumentativo
do discurso publicitário, investigaremos os tipos de acordo pressupostos
nas premissas que constituem o conteúdo do raciocínio desenvolvido
pelo locutor, quando o auditório previsto é constituído,
basicamente, por homens; ou, até mesmo, como se constrói
a imagem masculina quando o leitor previsto é a mulher. Esta pesquisa
tem, portanto, por objetivo analisar a representação masculina
na publicidade no início do terceiro milênio, tomando por
base anúncios publicados na mídia impressa, especificamente
em revista da atualidade de ampla circulação nacional, endereçada
ao público feminino, a Nova, e outra de caráter mais geral,
Veja, de 2004 e 2005. Assim, por meio do suporte teórico da Análise
do Discurso, analisaremos peças publicitárias que utilizam
a imagem do homem como recurso de argumentação.
A REPRESENTAÇÃO
MASCULINA PARA O PÚBLICO EM GERAL
Neste momento,
direcionamos nossa reflexão sobre a representação
masculina encontrada, exclusivamente, na publicidade da Veja.
Por meio do corpus de análise, constituído por peças
publicitárias que utilizam a imagem masculina como recurso argumentativo
ou que fazem referência a ela, constatamos que estereótipos
socializadores destacam-se pela incidência com que veiculados. Nomeamos
tais estereótipos levando em conta a forma como são representados:
pai-herói (atencioso, carinhoso e preocupado com o bem-estar dos
filhos); homem-objeto (objeto de desejo); o homem que cuida da casa (dono
do lar); vaidoso (preocupado com a estética); executivo (charmoso,
responsável e inteligente, voltado à profissionalidade)
e o tradicional (machista, grosseiro, despreocupado com a estética
e insensível).
A divisão dos anúncios em estereótipos aponta-nos
para a dualidade na representação masculina, pois o pai-herói,
o homem-objeto, o homem que cuida da casa, o vaidoso e o executivo apresentam
características e valores tradicionalmente atribuídos ao
gênero feminino, enquanto o estereótipo do homem tradicional
traz os atribuídos ao masculino, como reflete o quadro dos “valores
tradicionalmente atribuídos aos sexos opostos pelo senso comum
da sociedade brasileira” (GHILARDI-LUCENA, 2002, p.126), a seguir:
Quadro I: Oposição tradicional.
OPOSIÇÃO
TRADICIONAL |
MULHERES |
HOMENS |
Emoção |
Razão |
Sensibilidade |
Inteligência |
Submissão |
Liberdade |
Fragilidade |
Força |
Suavidade |
Agressividade |
Aceitação |
Decisão |
Proteção
(protegida) |
Proteção
(protetor) |
Fidelidade |
(in)fidelidade |
Conquista(da) |
Conquista(dor) |
Assim sendo,
mesmo a mídia utilizando o recurso do “já aceito”
que consiste em incorporar a novidade socialmente a trazendo como habitual
ou natural, pudemos apreender os principais preconceitos sociais que estão
por trás da nova imagem masculina no discurso publicitário,
que são os relacionados à ideologia machista: homens não
devem fazer “coisas de mulheres”, só pensam em futebol,
são insensíveis, são despreocupados com a esposa,
não devem ser vaidosos e são responsáveis pelo sustento
do lar. Quanto ao padrão estético dominante na publicidade
da Veja foi o do homem de boa aparência, elegante, de corpo malhado
e definido.
Ao que parece, o discurso publicitário da revista Veja vem trabalhando
com duas representações masculinas: o homem tradicional
e o novo, mostrando-se, dessa forma, oportunista, pois o representa de
acordo com sua conveniência. Esse tipo de discurso tenta apresentar
o novo como incorporado socialmente e, enquanto essa transformação
não se materializa na mente dos sujeitos, continua trazendo o tradicional.
Seu objetivo é vender o produto anunciado, não se importando
com as possíveis interferências sociais que venham a ocorrer,
como a crise de identidade masculina constantemente discutida na atualidade.
Dessa forma, não se pode fechar os olhos diante da mudança
social que está ocorrendo no universo masculino. O gênero
masculino vem sofrendo mudanças, as quais estão sendo constantemente
exploradas pela mídia. A publicidade da Veja optou por uma dupla
representação masculina com o possível objetivo de
evitar impacto social. Assim, encontramos, pelo menos duas representações
paradoxais na atualidade: a do novo homem, charmoso, vaidoso, inteligente,
sensual, bonito, educado, sensível e carinhoso, que é repleta
de feminilidade, o que torna complicada sua aceitação social,
pois a virilidade masculina é uma idéia que confronta com
todas as outras características; a do masculino tradicional, insensível,
grosseiro, despreocupado com a esposa, fanático por futebol, despreocupado
com a estética, machista e dominador, que é excessivamente
viril, o que faz com que o contraste entre a representação
do tradicional e do novo seja grande, pois ambas as representações
são interpeladas pelos discursos anteriores já instaurados
socialmente.
Esses dois perfis masculinos contraditórios são veiculados
na publicidade da revista analisada, porém o masculino tradicional
é socialmente aceito, enquanto o metrossexual busca aceitação.
Confrontemos exemplos dos dois perfis:
• O masculino tradicional:
O marido:
Essa pessoa maravilhosa que joga bola com os amigos duas vezes por semana,
mas está cansado quando você chama para sair.
Esse homem sensível que é incapaz de trazer flores e, se
traz, é por consciência pesada.
Essa pessoa amiga que reclama que você está gastando demais
até quando você compra a roupa que ele mesmo pediu.
Esse ser humano completamente diferente daquela pessoa romântica
e aventureira com quem você se casou.
Esse sujeito que é capaz de lembrar a escalação inteira
da seleção de 82, mas nunca lembrou de um aniversário
de casamento.
• O
novo homem:
PARA O HOMEM
QUE OUSA SE CUIDAR.
Diga adeus ao sabonete.
Os dois anúncios transcritos anteriormente ilustram o contraste
que há entre os dois modelos de masculinidade. O do novo homem
que vem sendo “imposto” pela mídia, não foi
tão incorporado pela sociedade, que chega até a rejeitá-lo,
demonstrando, dessa forma, que ainda não há total espaço
social para esse novo homem. Ao que tudo indica, futuramente, o tradicional
e o novo materializar-se-ão em um só perfil de masculinidade,
pois o equilíbrio precisa ser encontrado para que o novo perfil
seja aceito socialmente. Portanto, conclui-se que a publicidade da Veja
ora representa o masculino com valores tradicionais de masculinidade,
ora avança, representando-o com novos valores, ditando, assim,
o novo modelo de masculinidade.
A REPRESENTAÇÃO
MASCULINA PARA O PÚBLICO FEMININO
Propomos,
neste momento, uma reflexão sobre o processo argumentativo do discurso
publicitário, quando o auditório previsto é constituído,
basicamente, por mulheres, especificamente na Nova.
O corpus de análise deste trabalho são anúncios veiculados
em dez exemplares da revista Nova, correspondentes às edições
do mês de maio de 2004 a fevereiro de 2005. Com o levantamento página
por página dos exemplares, encontramos 514 peças publicitárias,
das quais selecionamos aquelas em que havia a presença masculina
ou que faziam referência a ela, um total de 90 peças.
A imagem masculina encontrada nos anúncios examinados demonstra
que a representação do homem vem sofrendo mudanças
em seu perfil. As características tradicionais correspondentes
ao gênero masculino como proteção, força, virilidade,
estão presentes, porém a elas foram acrescentados charme,
vaidade, sedução e sensibilidade, constituindo, dessa forma,
uma nova representação masculina.
A análise dos anúncios possibilitou-nos apreender a presença
constante de estereótipos socializadores que influenciam o imaginário
social dos sujeitos – os quais ensinam como o homem deve vestir-se,
cuidar-se, comportar-se, expressar-se, agir e pensar. Tais estereótipos
nomeamos de: homem-objeto (objeto de desejo feminino), vaidoso (usuário
de cosméticos ou tratamento de beleza) e protetor (desempenha tal
papel quando junto a mulheres).
Passaremos a examinar, neste momento, peças publicitárias
que ilustram cada um desses estereótipos.
a) Homem-Objeto:
MOTO DESEJO
Motorola v810
Viva voz integrados (suspiros).
Display colorido com 260 mil cores (suspiros).
O menor celular com câmera integrada (suspiros).
Você suspirou tanto que saiu com olhos fechados na foto.
No texto
do anúncio do celular Motorola v810 , há conotação
de sensualidade nas palavras: “desejo” e “suspiros”.
A figura masculina exibe o corpo nu do pescoço à cintura
com o produto anunciado pendurado ao pescoço. Observamos que a
linguagem publicitária, nesta peça, utiliza o recurso lingüístico
da ambigüidade, pois as palavras “desejo” e “suspiros”
podem ser atribuídas tanto ao homem, quanto ao aparelho celular.
Mulheres
gostam de homens fortes.
O texto
transcrito pertence ao anúncio do shampoo fortificante Garnier
Fructs . Nele, um rapaz de boa aparência aparece como se estivesse
sendo arrastado pelos cabelos por uma mulher. Pode-se notar a eficiência
dos recursos persuasivos do discurso publicitário que, com economia
de palavras, diz muito, pois na frase destacada há o uso do recurso
do “já aceito”, que é o fato de as mulheres
gostarem de homens fortes, como já incorporado socialmente. A mesma
frase, ainda remete à articulação com outro discurso
(interdiscurso) que é o Bíblico, a história de Dalila
e Sanção, cuja força estava no cabelo. Há,
também a representação do homem-objeto, pois o masculino,
retratado na frase como tal, deve atender à vontade e ao desejo
feminino. Podemos, ainda, apreender, por meio de vozes implícitas,
que a masculinidade continua relacionada aos discursos anteriores, seja
o religioso, o machista, o conservador, já estabelecidos socialmente,
que construíram a imagem do homem ligada à força
e a da mulher à fragilidade. Fato este que confirma que todo discurso
carrega os discursos semelhantes já formulados em seu trajeto,
ou seja, está sempre vinculado ao interdiscurso anterior e é
sempre atravessado por outro(s) discurso(s).
b) Vaidoso:
Malbec. O
novo perfume masculino do Boticário.
Inspirado no universo do vinho. Uma fragrância rica em contrates,
produzida por meio de um processo rico e inovador, à base de álcool
vínico, macerado em barris de carvalho francês. Tudo para
combinar a sofisticação artesanal dos grandes vinhos com
a sedução de um grande perfume.
A linguagem
utilizada nesse enunciado é sedutora e objetiva. Por meio dela,
o anunciante tenta fazer com que o sujeito-leitor seja persuadido pela
sofisticação que o texto “afirma” ter o perfume
e que certamente lhe será transmitida para que, desse modo, o consumidor
compre o produto, pois a publicidade busca, com o prestígio do
“álcool vínico, macerado em barris de carvalho francês”
e a sofisticação “dos grandes vinhos”, preencher
o imaginário do leitor. As palavras “contrastes” e
“inovador” tanto podem ser atribuídas ao perfume, quanto
à figura masculina, que é apresentada com traços
contrastantes e inovadores, visto que aparenta ser delicado, charmoso
e viril. Assim sendo, o anúncio, por meio de recursos visuais e
lingüísticos, tenta atingir a vaidade do consumidor.
Tratamentos
Masculinos. Faça sua barba a laser.
O enunciado
anterior, do anúncio do Centro Dermatológico Akinlaser ,
é dirigido ao homem moderno e vaidoso. O produto anunciado pode
ser considerado até uma novidade no mercado, entretanto é
apresentado como habitual e comum, livre de preconceitos sociais. Se levarmos
em conta que circula, ainda hoje, na sociedade, uma voz preconceituosa
marcada por ideologia machista, podemos interpretar que esse enunciado
visa combatê-la através da naturalidade que expõe
a nova técnica de barbear ao público. Ao usar o verbo “faça”
conjugado no tempo presente do modo imperativo, o anunciante interpela,
ordena e autoriza os sujeitos a agirem de tal forma, que não é
tão comum, mas apresentada como socialmente incorporada ao universo
masculino.
c) Protetor:
O estereótipo do homem protetor também destacou-se em nossa
investigação. Tradicionalmente, esse título é
dirigido ao sexo masculino, porém quando aparece na publicidade
atual vem colorido de feminilidade, ou seja, o título de protetor
acompanha um homem mais sensível, carinhoso e charmoso.
Anúncios como o do shampoo Seda , o dos calçados Via Marte
, o dos perfumes Ocean Pacific e o do hidratante L`oréal , trazem
a figura feminina e masculina juntas com o homem exercendo seu papel de
protetor, seja por meio do gesto ou da posição em que aparece
na cena publicitária, de mãos dadas, abraços carinhosos,
mãos nos ombros ou cintura.
A ausência de estereótipos relacionados à figura masculina
exercendo a função de pai e marido, dentre outras, no contexto
histórico-social moderno muito tem a nos revelar. Assim, poderá
ser tema de um futuro trabalho de pesquisa.
Os padrões estéticos ideais e os valores tradicionais atribuídos
aos gêneros opostos se destacam tanto na representação
feminina quanto na masculina. Sendo nesta os relacionados, principalmente,
à força, proteção e virilidade, e, naquela,
os relacionados, à sensibilidade, fragilidade e delicadeza. Segundo
a antropóloga Mirian Goldenberg, “o modelo tradicional de
masculinidade está em crise, e a ele estão sendo incorporados
outros valores” , os quais alguns puderam ser constatados em nosso
estudo.
Os anúncios trouxeram Gisele Bündchen, ícone de beleza,
e várias outras lindas mulheres, magras e altas, com corpos esculturais,
cabelos longos e lisos ou encaracolados e sensuais; homens charmosos,
elegantes, exibindo corpos malhados e definidos; tais representações
materializam o estereótipo estético ideal. Dessa forma,
a publicidade age, criando e transmitindo o padrão estético
ideal de homens e mulheres à sociedade.
Os valores tradicionais que diferenciam os gêneros opostos possuem
presença marcante nas peças publicitárias. O discurso
que carrega a ideologia: “rosa para meninas e azul para meninos”
– que se propaga de geração a geração
– esteve fortemente presente nas peças examinadas. Em anúncios
em que há a imagem feminina, a presença da cor rosa é
constante, seja no plano de fundo, nas letras, nos frascos de perfumes
ou nas roupas, além de elementos que reforçam a feminilidade
como flores e corações. Já quando há a figura
masculina, a presença da cor azul se sobrepõe por meio de
plano de fundo, letras, frascos de perfumes, além de características
que reforçam a masculinidade como barba por fazer, músculos
à mostra, posição de protetor, mas com um toque inovador
de charme e sensualidade.
O anúncio do perfume 212 Carolina Herrera feminino e masculino
é um dos que ilustram os resultados da análise, pois nele
aparecem tanto os padrões estéticos dominantes quanto os
valores tradicionais atribuídos aos gêneros opostos. A peça
publicitária traz um casal jovem quase se beijando, enquanto a
figura masculina exibe abdômen malhado e definido, reforçando
o padrão estético masculino ideal, a figura feminina exibe
um rosto delicado e apaixonado, reforçando, por sua vez, os valores
tradicionalmente atribuídos ao gênero feminino: delicadeza
e sensibilidade. Há, ainda, a presença dos frascos de perfume,
o masculino é azul, o feminino é rosa, ou seja, as cores
que tradicionalmente diferenciam os sexos opostos.
Enquanto muito se discute sobre a igualdade dos gêneros, a Nova
faz questão de, nas páginas de sua publicidade, reforçar
facetas sociais e culturais que diferenciam homens de mulheres.
Através de sua linguagem sedutora e manipuladora, a publicidade
vem desvendando um novo homem, pois dos 90 anúncios em que havia
ou fazia-se referência à figura masculina, apenas os anúncios
da tintura Garnier Nutrisse, o das lingeries Triumph e o do depilador
Philips destacaram a representação do homem tradicional:
Os depiladores Philips Beauty são o que toda mulher sempre quis:
sensíveis, inteligentes e não causam irritação.
Ah, se os homens fossem assim.
Ou seja,
toda mulher deseja o novo homem, pois as características citadas
correspondem a ele. No texto, há outro pressuposto: os homens não
são sensíveis e inteligentes, além de causarem irritação.
Dessa forma, o anúncio traz a representação do perfil
masculino tradicional.
O enunciado: “Os homens podem continuar sem ar mais um pouquinho”,
pertence ao anúncio da Triumph , que traz um homem que age por
instinto, viril e vulnerável aos encantos femininos, e a mulher
representada é aquela que provoca o sexo oposto, remetendo ao discurso
das revistas femininas do século XX que interpelava o imaginário
das mulheres fazendo-as ter por único objetivo a conquista do sexo
oposto, que, na época, obteve grande destaque (SOUZA, 2004). Já
o anúncio da Garnier , com o enunciado: “Chocolates tão
nutritivos que deixam os homens com água na boca”, apresenta
a mulher interessada em sedução, e o homem como aquele que
se deixa seduzir, ou seja, ele continua sendo vulnerável aos encantos
femininos. Nesses dois anúncios, o homem assume o papel de vítima,
ao ser provocado pela mulher e o discurso publicitário articula-se
com outros discursos (interdiscurso) como o dos poetas românticos
do século XIX. Assim, a imagem que se faz do masculino é
mais tradicional, sem as características modernas presentes nos
outros 87 anúncios investigados.
De uma maneira geral, nas peças publicitárias da revista
examinada, o masculino é representado como: moderno, charmoso,
sensual, exótico, sensível, delicado, características
anteriormente dirigidas apenas ao sexo feminino – adicionadas à
virilidade masculina – ou seja, ocorre a representação
do novo homem ou do homem metrossexual. Para muitos “ainda”
é o homem que “faz coisas de mulher”, pois com a incidência
com que veicula no discurso midiático, interpelando, dessa forma,
a mente dos sujeitos, com certeza, será incorporado socialmente,
visto que a repetição é um recurso que leva à
aceitação.
As características que se referem ao masculino tradicional como
despreocupação com a estética, insensibilidade e
frieza foram totalmente abandonadas do discurso publicitário veiculado
nas peças analisadas, porém a virilidade, a força
e a proteção mantiveram-se presentes. Constatamos que Nova,
a revista feminina mais vendida no mundo, possui um perfil inovador e,
assim sendo, traz quase que unicamente a representação do
homem moderno, visto que dos 90 anúncios investigados apenas 3
trouxeram a imagem do homem tradicional. Fato este que nos permite afirmar
que as leitoras identificam-se com essa nova representação,
pois a argumentação publicitária constrói-se
para e pelo(s) sujeito(s). Portanto, a representação do
homem tradicional vem sendo substituída por uma imagem moderna
que – lenta e silenciosamente – ultrapassa fronteiras nunca
antes cruzadas pelo gênero masculino e que ignora vários
preconceitos sociais. Segundo o psicólogo Alon Gratch, “o
que está acontecendo, no fundo, é uma incursão masculina
pelo universo feminino em quase todos os domínios” .
A IMPORTÂNCIA
DO PÚBLICO-ALVO
Na análise
da publicidade da revista Veja, constatamos que ora a publicidade traz
a representação do masculino tradicional, ora a representação
do novo homem, ou seja, o processo on-line utilizado pela mídia,
que consiste em avançar e retrair. Partindo do pressuposto de que
é uma revista conservadora, isso ocorre para não causar
um forte impacto social. Enquanto Nova possui um perfil mais inovador
e, assim sendo, traz quase que unicamente a representação
do homem moderno, visto que dos 90 anúncios investigados apenas
3 trouxeram a imagem do homem tradicional.
A seguir, apresentaremos o Quadro II que mostra os resultados comparativos
obtidos na análise de exemplares de cada revista examinada. Através
dele podemos afirmar que o público-alvo é um fator determinante
nas representações de identidades. Com a análise
dos principais estereótipos presentes na Veja, sobressai-se a figura
masculina ligada à família, por meio da representação
do pai-herói, do homem do lar e do marido ideal; à profissionalidade,
através da representação do executivo bem-sucedido;
e a ligada à estética, com a representação
do homem-objeto e do vaidoso. Já em Nova, os estereótipos
que se destacam são somente os relacionados à estética,
deixando de lado as identidades masculinas ligadas à família
e à vida profissional, mas inserindo uma outra representação:
a de protetor.
Quanto aos valores tradicionalmente atribuídos aos homens na representação
masculina, Nova trouxe apenas os mais marcantes, ou seja, proteção
e força, assim, garantindo a virilidade inerente ao masculino em
sua representação. Enquanto Veja trouxe, além desses
valores, insensibilidade, despreocupação com a família,
fanatismo por futebol e responsabilidade de sustento do lar.
Os valores tradicionalmente atribuídos ao feminino na representação
masculina são semelhantes em ambas as revistas, porém na
publicidade de Nova, como já foi dito, a representação
do homem ligado à família não existe, portanto os
valores como interesse por culinária e pelo lar, bem como cuidados
com os filhos, presentes em Veja, não são veiculados.
Com a análise da publicidade da revista Nova, a representação
masculina encontrada foi a do novo perfil masculino livre de preconceitos
sociais. Na revista Veja, encontramos pelo menos dois perfis contraditórios:
o do novo homem e o do masculino tradicional, assim sendo, preconceitos
como homens não devem fazer “coisas de mulheres”, ser
vaidosos e demonstrar emoções destacam-se no discurso publicitário.
Quadro II: Comparação entre Veja e Nova
Revista |
VEJA |
NOVA
|
Público-alvo |
Adulto
em geral |
Adulto
feminino |
Principais estereótipos
|
Pai-herói
Executivo
bem-sucedido
Homem-objeto
Marido
ideal
Vaidoso
Homem
do lar |
Homem-objeto
Vaidoso
Protetor |
Preconceitos sociais
|
Não
devem fazer “coisas de mulheres”
Não
devem ser vaidosos
Não
devem demonstrar suas emoções |
|
Valores tradicionalmente atribuídos aos homens
presentes na representação masculina
|
Fanatismo
por futebol
Insensibilidade
Desleixo
com a esposa
Proteção
Força
Responsabilidade
pelo sustento do lar |
Proteção
Força |
Valores tradicionalmente atribuídos ao feminino
presentes na representação masculina |
Sensibilidade
Vaidade
Delicadeza
Charme
Elegância
Preocupação
com a estética
Cuidados
com os filhos
Interesse
em culinária
Interesse
pelo lar |
Sensibilidade
Vaidade
Delicadeza
Charme
Elegância
Preocupação
com a estética
|
Representação masculina
|
Dualidade:
NOVO HOMEM: vaidade, sensibilidade,
delicadeza, charme e virilidade.
MASCULINO TRADICIONAL: insensibilidade,
agressividade, despreocupação com a estética, machismo.
|
Unicidade:
NOVO HOMEM: vaidade, sensibilidade,
delicadeza, charme e virilidade.
|
Ao
investigarmos as representações masculinas destinadas
a cada público-alvo, deparamo-nos com as representações
sociais presentes no imaginário dos sujeitos, visto que o discurso
publicitário interage com a sociedade, pois ao mesmo tempo que
produz identidades, costumes, valores, acaba sendo criado de acordo
com o imaginário dos sujeitos (SOULAGES, 1996). Assim, ao analisarmos
a representação masculina presente na revista Nova, podemos
concluir que as leitoras identificam-se com o perfil do novo homem.
Veja, por ser dirigida ao público adulto geral e ser considerada
uma revista tradicional, traz a dualidade na representação
masculina, portanto há pessoas que se identificam com o novo
perfil e outros com o tradicional. A publicidade de cada revista constrói-se,
principalmente, de acordo com os interesses de seu público-alvo.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Por
meio da análise dos anúncios publicitários podemos
ver que todos os elementos, tanto os visuais quanto os verbais, trabalham
harmoniosamente para a construção do sentido. Ao leitor
cabe realizar uma leitura crítica para absorver o sentido integralmente,
pois se realizar uma leitura ingênua ou desapercebida muito se
perderá (ORLANDI, 1999).
Partindo dos princípios de que as mudanças sociais são
realizadas por meio de discurso e de que o discurso publicitário
é de grande influencia no imaginário social, os resultados
da análise apontam para a construção de uma nova
masculinidade ou para a desconstrução da masculinidade
tradicional, ou seja, o discurso publicitário vem ajudando a
construir a identidade masculina da modernidade. Identidade esta repleta
de adjetivações anteriormente destinadas, exclusivamente,
ao gênero feminino.
O discurso publicitário ao desvendar e/ou ao fabricar essa nova
masculinidade expõe novas facetas masculinas ou mesmo facetas
antes encobertas socialmente.
Estudar como a mídia tem representado o homem moderno é
uma das possibilidades de compreender a realidade atual. Assim, desvendar
alguns dos mistérios do gênero masculino por meio da análise
das formas de sua representação em anúncios publicados
em revista da atualidade é uma forma de descobrir qual é
o papel do homem na sociedade contemporânea e compreender melhor
as mudanças sociais.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
GHILARDI-LUCENA,
M. I. A publicidade e a representação do feminino: tradição
e modernidade em anúncios dos anos 90. Em: BARZOTTO, V. H e GHILARDI,
M.I. (orgs) Nas telas da mídia. Campinas: Alínea/ALB,
2002, p. 119-140.
SOULAGES, J.-C. Discurso e mensagens publicitárias. Tradução
de Maria Luiza Ramiarina e Lais Vilanova. Em CARNEIRO, Agostinho Dias.
O discurso da mídia. Rio de Janeiro: Oficina do Autor, 1996,
p. 142-154.
SOUZA, A. F. C. O Percurso dos sentidos sobre a beleza através
dos séculos – Uma Análise Discursiva. Dissertação
de Mestrado em Lingüística (IEL). Campinas, SP: Unicamp,
2004.
ORLANDI, E.P. Análise de discurso. Princípios e procedimentos.
Campinas, SP: Pontes, 1999.
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