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  SIGNIFICADOS DA EXPERIÊNCIA DO MOVA-RS NA CONSTRUÇÃO DO SUJEITO ECOLÓGICO

Sabrina das Neves Barreto
Fundação Universidade Federal do Rio Grande – FURG
Cleuza Maria Sobral Dias
Fundação Universidade Federal do Rio Grande – FURG

Reflexões iniciais

Este artigo constitui uma reflexão realizada na pesquisa de Mestrado, desenvolvida no Programa de Pós-graduação - Mestrado em Educação Ambiental, da Fundação Universidade Federal do Rio Grande, que tem seu campo empírico junto a uma comunidade participante do Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos – MOVA-RS, buscando compreender os significados da experiência vivida por esta comunidade, junto ao MOVA, para a construção do sujeito ecológico, tomando como referência os fundamentos da Educação Ambiental.

A pesquisa orienta-se metodologicamente na abordagem (auto)biográfica e toma como material de análise as narrativas dos sujeitos participantes do estudo, uma vez que acreditamos que, ouvindo as histórias desses sujeitos, possamos desenvolver um processo de pesquisa qualitativa que nos indique em que sentido o uso social da leitura e da escrita viabiliza/qualifica suas relações, ampliando suas possibilidades de ação política, numa dimensão ético-estética de responsabilidade com o mundo que habita – princípios da Educação Ambiental. Ao percorrer as histórias dos sujeitos também estaremos percorrendo a própria história da pesquisadora que se construiu educadora nesse contexto de alfabetização de jovens e adultos.

Na verdade não há como separar o que há em mim de profissional, do que venho sendo como homem. [...] Algumas opções radicais – não sectárias – que me movem hoje como educador, portanto, como político, começaram a se gestar naquele tempo distante.Na verdade, eu não nasci marcado para ser um professor a esta maneira, mas me tornei assim na experiência de minha infância, de minha adolescência, de minha juventude.Ninguém nasce feito. Vamos nos fazendo aos poucos na prática social de que tomamos parte (FREIRE, 2001, p. 80).

Nesse sentido entendemos hoje, o quanto nossa história é encharcada pela história do Movimento de Alfabetização, uma vez que participamos dele desde sua criação aqui no estado, isto é, pudemos viver intensamente todo seu desenvolvimento. O acompanhamento de todas as turmas da região, a participação nos espaços de formação pedagógica, as “andarilhagens” nos bairros, as aprendizagens construídas... Tudo isso nos faz ver, nessa prática de alfabetização, a perspectiva transformadora e popular da Educação Ambiental defendida por Loureiro (2004), pela qual, segundo ele, “... nos educamos dialogando com nós mesmos, com aquele que identificamos como sendo de nossa comunidade, com os outros seres vivos, com os ventos, as marés, os rios, enfim, o mundo, transformando o conjunto das relações pelas quais nos definimos como ser social e planetário” (p. 24).

Nesse sentido, registramos no presente estudo a trajetória da turma do MOVA-RS do Bairro Bosque a partir do enfoque ambiental, com o desejo de contribuir com as discussões sobre a Educação Ambiental, a partir de uma prática concreta de Educação Popular, construída com princípios que hoje estão presentes na trajetória mais recente da Educação Ambiental.

A trajetória da turma do MOVA-RS do Bairro Bosque: o diálogo com a Educação Ambiental

Freire, falando do quintal da sua casa, com a poesia que revela em “À sombra desta mangueira”, nos inspira a falar do Bairro Bosque Silveira e da turma da educadora Bel, a turma deste bairro, sujeitos da pesquisa. De um lado, porque Freire é o referencial mais significativo do nosso trabalho e, neste livro, ele traz, com impressionante ternura, a relação que estabelece entre o local e o global, nosso espaço imediato, nossas histórias e relações, e a dimensão planetária disto tudo, a ampliação destas dimensões... Por outro lado, a forma como Freire escreve esse livro é essencialmente narrativa. Ele conta suas experiências para nós, leitores, partindo da sua infância, do quintal da sua casa, onde passava horas estudando, pensando, onde aprendeu a ler e a escrever, riscando com gravetos no chão... debaixo de belas árvores frondosas e propõe uma volta à sombra da mangueira, ao ser humano que reclama pelo direito às suas raízes emocionais... (FREIRE, 1995), demonstrando a importância das narrativas para compreensão da realidade e para “dar voz” aos sujeitos.

Propomos, então, esta volta às raízes, ao local que é campo deste estudo. Para isto, apresentamos contamos um pouco da história, situando o bairro Bosque Silveira a partir da cidade do Rio Grande, contextualizando esta pesquisa.

Rio Grande foi o primeiro local a ser colonizado no Estado do Rio Grande do Sul, como ponto estratégico para a invasão e a expansão portuguesa e espanhola. Pesca, porto, indústria, comércio e turismo são as principais atividades econômicas. Embora, sendo uma das regiões, neste Estado, que mais arrecada impostos, temos índices alarmantes de miséria, de desemprego, de falta de escolaridade. Apresentamos uma infame distribuição de renda, agravada pelas frustradas safras de pescado, pelo êxodo rural e pela falta de políticas públicas que atendam às necessidades da população.

Remontando à história, Rio Grande foi pólo de progresso, atraindo para a região milhares de famílias em busca de emprego nas décadas de 40 e 50. Os movimentos sociais eram estruturados fortemente, mas a repressão aniquilou grande parte do movimento sindical e popular, somando-se a isso o fechamento de várias indústrias – de conservas, têxteis e, mais tarde, também as de pescado – sendo substituídas por outras indústrias poluentes, especialmente de fertilizantes. Houve uma grande redução da oferta de empregos, criando-se verdadeiros cinturões de miséria, bairros inteiros de desempregados, que permanecem até hoje como, por exemplo, o Bairro Bosque.

Penso nos sujeitos que participam deste estudo, nas coisas que se ouve da história do Bairro Bosque, nas narrativas de bar, de conversas informais, que expressam o quanto era linda essa localidade, repleta de árvores. Não é por acaso que se chamou e se chama Bairro Bosque, embora, atualmente, só exista na memória a imagem das belas árvores e dunas que cobriam o local. Hoje, no lugar das árvores e das dunas, temos casas, muitas casas, ‘organizadas’ em ruelas; a Lagoa, totalmente aterrada de lixo; pessoas vivendo em situações muito precárias; escolas que não atendem suas necessidades; problemas de saúde e total ineficácia dos serviços públicos; índices alarmantes de analfabetismo entre os adultos e abandono dos jovens da escola; crianças mal vestidas, mal alimentadas, desassistidas; famílias totalmente abandonadas, vítimas da falta de políticas de assistência, emprego, educação, saúde... presença evidente de violência, trabalho infantil... A imagem atual é esta mesmo, de um lugar em que a exploração impera, em que a luta pelo alimento diário determina a forma de ser, estar e se relacionar com o mundo e com os outros... Assim narram as mulheres participantes desta pesquisa:

Lembro que isso aqui era um mato. Era um bosque mesmo, uns combro grande que tinha. Agora não tem mais nada, terminou-se tudo. [...] Era uma praia de veraneio, uns anos atrás. (D. T.)

Isso tudo era aqueles combro de areia grandão. [...] Tinham poucas casas, dava de contar; o mais era tudo areia. [...] Agora é muita bagunça, né? As pessoas brigando e... muita casa, sei lá. Não sei se mudou, as pessoas que mudaram, né? Encheu, essa gente brigam, mais brigam do que se dão. As pessoa são que nem bicho. (C.)

Essa é a realidade do nosso país, dos países da América Latina, se decidirmos romper com as barreiras para pensar melhor a miséria. O modelo de desenvolvimento imposto aos países do Terceiro Mundo vem acabando ao longo da história com as possibilidades de vida, dignidade, democracia, liberdade... Esse modelo imposto, e colocado em prática com eficiência pelos nossos governantes, gera esta miséria absoluta que abrange a vida humana em todos os seus aspectos. E é em resposta a isso, parafraseando Leff (2001), que emerge a Educação Ambiental, propondo uma mudança nos valores que orientam o comportamento dos agentes econômicos e da sociedade em seu conjunto.

Concordamos com Gadotti (2000, p.79), quando afirma que “a lógica que explora as classes sociais – que cria pobres e oprimidos – é a mesma que explora a natureza e exaure seus recursos”. Vivemos em tempo de globalização, de uma globalização competitiva, subordinada às leis do mercado, que transforma vida em coisa, pessoas em objetos, terra em propriedade, natureza em material, recurso... Não é difícil imaginar, visualizar estas reflexões em fatos do nosso cotidiano, do que vemos e conhecemos da nossa América Latina – tão bem apresentada no filme Diário de Motocicleta, que conta a viagem de Che Guevara, ou ainda nos livros de Eduardo Galeano. Pensamos na realidade do nosso país, do Estado do Rio Grande do Sul, da cidade de Rio Grande, do bairro Bosque Silveira... assim vamos entendendo os mecanismos e as contradições da sociedade em que vivemos – capitalista, excludente, expressa de diversas formas na vida da nossa população: pesca predatória, porto privatizado, indústria poluidora, turismo sem planejamento, desemprego, sub-emprego, exploração da vida, da natureza...

É neste contexto que a Educação Ambiental vem reafirmando um sentido, talvez um pouco esquecido na prática educativa, “no que se refere ao entendimento da vida e da natureza, e revelar ou denunciar as dicotomias da modernidade capitalista e da ciência cartesiana e positivista (esfera econômica – esfera social; sociedade – natureza; mente – corpo; matéria – espírito etc,)” (LOUREIRO, 2004). A adição do termo ambiental à educação demarca uma dimensão, mas que, com o passar do tempo, torna-se insuficiente para marcar um posicionamento específico da Educação Ambiental.

Assim, torna-se emergente resgatar a tradição da Educação Popular, articulando saberes populares e científicos em práticas educativas formais e não-formais, como a do MOVA-RS, bem como em práticas de Educação Ambiental. É um terreno fértil, onde poderemos construir ainda muitas contribuições. Acreditamos, contra práticas opressoras, que a Educação Ambiental somente será problematizadora e libertadora se for construção da própria comunidade, enfatizando o que coloca Isabel Carvalho:

Educar para a cidadania é construir a possibilidade de ação política, no sentido de contribuir para formar uma coletividade que é responsável pelo mundo que habita. Ter uma atitude ecológica é assumir essa responsabilidade que se exerce em todo tempo e lugar, sendo cidadão. A educação pode ter um papel fundamental na construção dessas práticas sociais cidadãs, desde que assuma sua inalienável dimensão política. (1992)

Paulo Freire não discutiu especificamente a Educação Ambiental, no entanto suas idéias têm contribuído significativamente para fundamentá-la, pois mesmo sem tratar diretamente da questão ecológica em seus escritos, o propósito de toda sua obra é essencialmente ecológico. A EA tem um compromisso emancipatório, deve ser baseada em premissas de uma educação libertadora, crítica, popular, contrária a uma educação bancária, comportamentalista, conforme as categorias freireanas. Segundo ele:

O acatamento ao outro, o respeito ao mais fraco, a reverência à vida não só humana mas vegetal e animal, o cuidado com as coisas, o gosto da boniteza, a valoração dos sentimentos [...] transgressão da ética nos adverte de como urge que assumamos o dever de lutar pelos princípios éticos mais fundamentais como do respeito à vida dos seres humanos, à vida dos outros animais, à vida dos pássaros, à vida dos rios e das florestas (2000, p. 66-67).

De acordo com Freire, “a ecologia ganha uma importância fundamental neste fim de século. Ela tem de estar presente em qualquer prática educativa de caráter radical, crítico ou libertador. Não é possível refazer este país, democratizá-lo, torná-lo sério, com adolescentes brincando de matar gente, ofendendo a vida, destruindo o sonho, inviabilizando o amor” (2000, p. 67).

Embaladas por essas reflexões, voltamos a contar mais um pouco sobre a turma do MOVA-RS, do Bairro Bosque Silveira.

A turma do MOVA-RS do bairro Bosque: contando um pouco dos primeiros contatos

Em diversas idas e vindas pelos bairros da região foi que conhecemos a turma do MOVA-RS do Bosque, que foi organizada com o auxílio da EMATER. Era uma turma de pescadores e beneficiadores de pescados. Acompanhamos a formação desta turma, a definição da educadora, a organização do espaço... e fizemos algumas visitas que sempre instigavam pela relação entre educandos e educadora, pela dinâmica das aulas, pela organização do espaço físico... Existia algo que os unia. Parecia existir uma ética solidária que os fazia comprometer-se com a própria formação e com a construção de novas relações.

Era uma turma de em torno de 15 alunos, todos moradores do Bairro Bosque Silveira e imediações, como o Bairro São Miguel. Na grande maioria eram mulheres, que trabalham “limpando” peixe, siri e camarão. Mulheres donas de casa, esposas, mães, avós, trabalhadoras. Quanto aos homens, no início era só um, depois foram participar da turma mais três. Todos tinham idades e características distintas – dois mais velhos, um deles aposentado e o outro ainda em serviço, outros dois jovens, que vieram de outra turma próxima.

As aulas aconteciam no Galpão do Sr. Ota, aluno da turma, pai da educadora e dono do Galpão. Este também é o local de trabalho de alguns alunos. É uma peça de alvenaria grande, com um espaço mais reservado onde as aulas aconteciam. A mesa tinha que ser forrada com papel a metro, diariamente, porque muitas vezes ela era usada para o trabalho com pescados. Os bancos foram feitos pela comunidade para a realização das aulas. Retornando lá atualmente, vejo a “sala de aula” intacta, conservada, como se tivesse sido preparada para os encontros: mesa, bancos, quadros, exatamente como era organizada para a realização das aulas.

Os alunos, entre 25 e 70 anos, aproximadamente, envolveram-se de forma intensa no processo de alfabetização, passando a participar ativamente de discussões, espaços de formação, da vida da comunidade. As aulas, pelo relato da educadora e observações que realizei, tinham o diálogo como principal estratégia metodológica, reafirmando o papel da oralidade no trabalho de alfabetização: “O ser humano é um ser que fala. Que fala ou cala, que ouve ou escuta. Onde há seres humanos pode haver ou não escrita, mas sempre há linguagem. Em uma cultura alfabetizada, escrita, a primazia – cultural, educacional, social – é concedida, entretanto, à linguagem escrita e, entre seus produtos, o livro” (FRAGO, 1993, p. 84).

Educadora e educandos tinham consciência disso, tanto que queriam – e expressam ainda – a vontade de usar a escrita de uma forma funcional; mas sabem também a dimensão política da linguagem – falada ou escrita, no seu uso como ferramenta para pensar e intervir na realidade. O uso da oralidade através do diálogo remonta a Freire, quando fala da emancipação pela palavra, e relaciona-se diretamente à Educação Ambiental, pois o diálogo é seu princípio e fundamento.

A educadora, apesar de não possuir formação pedagógica acadêmica, mas o Ensino Médio e ter participado da formação inicial e continuada propiciada pelo próprio Movimento na época, ainda que com diversas limitações, conduzia o processo de forma positiva, trabalhando com a concepção de temas geradores. Essa perspectiva metodológica traz uma importante contribuição á Educação ambiental, pois como defende Loureiro é a “expressão das questões, simbolismos e conflitos existentes na região em que se está trabalhando, sendo reconhecidos como tais pelo conjunto os atores sociais envolvidos no processo pedagógico, podendo servir como elemento sensibilizador, mobilizador e aglutinador das forças sociais que atuam na área de abrangência (no ambiente)” (2004, p. 45).

Respondendo sobre o que discutiam nas aulas uma das participantes da pesquisa narra:

Falava sobre governo, sobre... sobre o que era estudar, pra que precisava estudar... um monte de coisa ela falava. Porque a gente não sabia ler, a gente não sabia muitas coisa, assim, sobre... planejamento familiar... isso tudo a gente não sabia, sobre saúde né? Nunca a gente ia, nunca tinha freqüentado essas coisa. Então ela falava muita coisa que era importante... o negócio sobre as doenças, um monte de coisa... isso tudo ela falava. (I.)

É esta história, que neste texto expressa-se em fragmentos, que nos leva a querer pesquisar o processo de alfabetização no MOVA-RS, a fim de compreender em que sentido a experiência vivida no MOVA-RS, pelo grupo de alfabetizandos do Bairro Bosque Silveira, viabilizou ou qualificou as relações sociais destes sujeitos, ampliando suas possibilidades de ação política, numa atitude ecológica, comprometendo-se com o mundo que habitam – princípios da EA.

As reflexões feitas até o momento já apontam para a formação de sujeitos ecológicos, sujeitos que se percebem em um mundo que os desafia, inquieta-os e despoja-os de suas maneiras habituais de ver e agir (CARVALHO, 2004, p. 26).

É evidente no relato dos sujeitos, o início de uma participação constante em espaços, instâncias até então desconhecidos ou tido como inatingíveis:

Eu tinha vergonha de achar assim que eu ir e não saber fazer, mal sabia falar também. Eu achava tudo isso assim... que as pessoas iam, talvez, dizer assim: - Ai, essa pessoa não sabe ler, não sabe falar, não sabe se expressar... E aí eu ficava, botava na minha cabeça: -Ah, eu não vou, pra falar bobagem eu não vou! Agora eu vou. Agora eu não paro mais em casa. [...] agora eu peguei a comunidade Nossa Senhora dos Navegantes, eu já cuido da Igreja, limpo a Igreja, cuido das contas de luz, pagar essas coisas tudo, que eu tinha vergonha de fazer porque não sabia.

Antes eu votava pra quem eles diziam pra eu votar, agora eu vou sozinha. Vou lá e voto pra quem eu quero e pronto! (D. T.)

Hoje, com as lentes da Educação Ambiental, ao olhar a prática educativa desenvolvida no Movimento, visualizamos na mesma a perspectiva transformadora e popular da EA e acreditamos que, mesmo não tendo a EA como princípio do Movimento, o trabalho que era realizado tinha claro este cunho, na afirmação do diálogo, na construção da autonomia, na participação, na cooperação, entre outros.

Fazendo uma apressada análise do MOVA-RS, a partir das lembranças, é possível perceber o diferencial deste Movimento em relação às outras propostas, o engajamento, a “militância”, característica fundamental do Educador Ambiental, assim como coloca Taglieber: (...) o educador ambiental precisa ter um senso de comprometimento, cooperação e de “militância” pela causa da EA. Buscar interagir com o maior número possível de pessoas da comunidade escolar, estimulá-las a perceberem a necessidade do foco ambiental da educação atual (...) (2004, p. 19).

Outra dimensão que podemos perceber é a ampliação de seus círculos de comunicações, propiciado pelas oportunidades de participação em encontros e pelo sentido dado à alfabetização no Movimento. Segundo Brandão:

Alfabetizar não é ensinar a ler e escrever. Alfabetizar é permitir que pessoas ampliem seus campos de diálogo com as outras pessoas dos seus círculos de vida através, também, do aprender a ler e escrever. A aquisição qualificada de habilidades funcionais de acesso e uso da palavra escrita é importante nesse processo de descobertas, mas não é a única aprendizagem essencial na alfabetização (2003, p. 219).

Transcrevemos a seguir uma parte do diálogo em que as educandas demonstram a importância do processo de alfabetização:

Que mudou, mudou, né? Porque eu aprendi a ler, não um monte assim, mas eu aprendi, né? Eu posso sair agora, não tenho que esperar, ah meu filho me leva lá que eu tenho que pegar ônibus, né, que eu tenho que ir a tal lugar, eu posso ir, eu vou pra onde eu quiser, pego ônibus e qualquer um eu consigo ler. E eu acho que pra mim ficou melhor, que eu consigo ver as coisas né? Consigo andar sozinha, não preciso andar com as pernas dos outros. Mas eu ainda quero ler meu livro todinho. Pegar assim e ler sem ficar voltando pra trás.[...] Consigo ajudar meu filho com os tema da escola. Consigo ler os folhetinho de Igreja, que antes eu queria e não sabia ler.Escrevo bilhetes dizendo onde fui. (C.)

Podemos perceber tanto a função social quanto o próprio sentido de afetividade impresso nessa trajetória, pois a apropriação do código escrito os liberta de algumas amarras ciscunstanciais do tão afamado mundo letrado, como podemos perceber também na fala seguinte:

Pra mim foi bom. Foi bom mesmo... eu vivia dentro de casa, vivia parada. Eu acordei, pra mim foi um sonho e eu acordei. Essa aula do MOVA pra mim foi um sonho. Eu acordei com vontade de sair, com vontade de estudar mais, porque eu vou voltar de novo. Eu falo: - Fulano me convidou pra ir em tal lugar.- Como é que vai, tu não conhece fulano, não conhece cicrano... - Que que tem, eu me enturmo lá.. Me enturmo. Converso daqui, converso dali e de repente faz amizade e é o que tem acontecido. Agora eu não paro mais, me ligou e , me chamou, me convidou... [...] To indo, não sei nem aonde é que é, mas to indo. Antes eu não ia a lado nenhum. (T.)

Reflexões, Pensamentos e Palavras Iniciais da pesquisa: finalizando este texto

Os relatos suscitam algumas reflexões pertinentes à pesquisa sobre o significado da alfabetização para os sujeitos, os problemas causados pela descontinuidade das políticas públicas – prática comum em nosso país – a necessidade de construção de políticas específicas, voltadas a alguns segmentos da sociedade, entre elas, as de Educação Ambiental, de Educação de Jovens e Adultos, bem como a importância de práticas pedagógicas baseadas na Educação Popular, entre tantas outras questões que até agora emergiram dos contatos estabelecidos.

Como se trata de uma pesquisa em andamento, as reflexões são provisórias, propiciadas pela inserção no contexto estudado, e tem demonstrado a importância que os sujeitos investigados atribuem ao processo de alfabetização, bem como o desejo de continuidade dos estudos e de aprofundamento dos conhecimentos até então construídos.

Referências Bibliográficas:

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A pergunta a várias mãos: a experiência da pesquisa no trabalho do educador. São Paulo: Cortez, 2003.

CARVALHO, Isabel. Texto apresentado no curso de capacitação em educação ambiental para professores da rede municipal, Projeto Roda Viva, em 19 de março de 1992. Disponível em: http://www.intelecto.net/cidadania/meio-6.html > Acesso em 17 nov. 2004.

FREIRE, Paulo. À sombra desta mangueira. São Paulo: Olho D’Água, 1995.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: Editora UNESCO, 2000.

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FREIRE, Paulo. Política e Educação. São Paulo: Cortez, 2001.

GADOTTI, Moacir. Perspectivas atuais da educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.

LEFF, Enrique. Saber Ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 2001.

LOUREIRO, Carlos Frederico B. Trajetória e fundamentos da educação ambiental. São Paulo: Cortez, 2004.

TAGLIEBER, Erno José. Reflexões sobre a formação docente e a Educação Ambiental. In: ZAKRZEZSKI, Sônia Balvedi; BARCELOS, Valdo. Educação Ambiental e compromisso social: pensamentos e ações. Erechim: EDIFAPES, 2004.

 
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