Luciana Pereira Ortega - Colégio Estadual
José Alfredo de Almeida – Mariluz/Paraná
Paula Andréa Diniz
1. Introdução
Com o desenvolvimento social e tecnológico, os
gêneros do discurso se desenvolveram e ganharam mais espaço
no cotidiano das pessoas. Conhecê-los e empregá-los eficientemente
no processo comunicativo é de suma importância para o crescimento
social e intelectual do sujeito. Devido à relevância desse
assunto, propomo-nos a um trabalho que pode ser considerado inovador,
pois, até o momento, não encontramos na bibliografia a que
tivemos acesso nenhum trabalho voltado para a análise da constituição
da aula enquanto gênero discursivo. Para isso, nos embasaremos nas
publicações de autores conceituados que já pesquisaram
sobre gêneros do discurso. Nosso objetivo é construir a concepção
de gênero para, em seguida, analisar aulas ministradas em cursos
das áreas de humanas, exatas e biológicas em uma instituição
privada de ensino superior.
Os gêneros do discurso são um assunto de importância
capital para a compreensão da língua em todos os seus aspectos
comunicativos. Não podemos produzir nada lingüisticamente
se não for através de algum gênero discursivo. Segundo
Marcuschi (2002), a Lingüística Aplicada é uma Ciência
que dispensa aos gêneros textuais uma atenção maior,
visto que, no ensino de línguas, ensina-se a produzir textos e
não fragmentos de enunciados.
Levaremos em consideração a teoria de Bakhtin referente
aos gêneros do discurso e tomaremos como base para desenvolver essa
análise a definição de Marcuschi sobre Tipo Textual
e Gênero Textual. Para que não haja nenhuma confusão
terminológica acreditamos ser conveniente observarmos que Marcuschi
utiliza o termo gênero textual, enquanto que Bakhtin trata o mesmo
assunto por gênero discursivo. Neste trabalho, não nos dedicaremos
à discussão que envolve essa problemática. Utilizaremos
os dois termos com o mesmo valor, ou seja, considerando-os como entidades
comunicativas sócio-discursivas.
2. Os gêneros
Segundo Bakhtin “Qualquer enunciado considerado
isolado é, claro, individual, mas cada esfera de utilização
da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados,
sendo isso que denominamos gêneros do discurso” (1992, p.
279). De acordo com essa teoria bakhtiniana, os enunciados – organizados
e agrupados – são usados em toda e qualquer atividade humana.
Essas atividades se caracterizam por condições especiais
de atuação e por objetivos específicos e, sendo inúmera,
cada esfera de atividade desenvolve tipos relativamente estáveis
de enunciados que passam a ser comumente associados a elas.
Bakhtin afirma que é preciso conhecer e dominar os diversos tipos
de gêneros para que a comunicação verbal/escrita se
estabeleça de forma coerente e eficaz. A diversidade de gêneros
varia conforme as circunstâncias, o nível social e o relacionamento
entre os sujeitos.
É de acordo com o nosso domínio dos gêneros
que usamos com desembaraço, que descobrimos mais depressa e melhor
nossa individualidade neles (quando isso nos é possível
e útil, que refletimos, com maior agilidade, a situação
irreproduzível da comunicação verbal, que realizamos,
com o máximo de perfeição, o intuito discursivo que
livremente concebemos). (Bakhtin, 1997, p. 304)
É riquíssima a quantidade de gêneros
do discurso de que dispomos (orais e escritos). Para falar, o sujeito
sempre faz opção por um determinado gênero, essa opção
é determinada em função da comunicação
verbal que se pretende estabelecer, levando-se sempre em consideração
o intuito discursivo e a constituição dos parceiros. Na
vida prática, normalmente, usamos os gêneros do discurso
com habilidade e segurança, ignorando freqüentemente sua teoria.
A nossa fala é sempre construída de acordo com as formas
do gênero.
Para todas as áreas da Lingüística e da Filologia,
o estudo concernente à diversidade dos gêneros de enunciado
nas variadas situações da atividade humana é de fundamental
importância. Segundo Bakhtin, essa importância relaciona-se
diretamente com pesquisas “acerca de um material lingüístico
concreto – a história da língua, a gramática
normativa, a elaboração de um tipo de dicionário,
a estilística da língua, etc.” (1992, p.282). Essas
pesquisas trabalham obrigatoriamente com enunciados concretos (orais e
escritos), que se ligam aos diferentes campos da atividade e da comunicação:
textos legislativos, crônicas, contratos, documentos oficiais, escritos
literários, científicos e ideológicos, reproduções
do diálogo do cotidiano em toda sua variedade formal, etc. Os pesquisadores
retiram os fatos lingüísticos de que precisam para desenvolver
seus estudos desses eventos comunicativos.
A importância dos gêneros é tamanha que teóricos
renomados nesse campo de pesquisa afirmam que a comunicação
verbal seria quase impossível caso não fosse por algum gênero.
A respeito disso, Bakhtin escreve o seguinte:
Se não existissem os gêneros primários
do discurso e se não os dominássemos, se tivéssemos
de criá-los pela primeira vez no processo da fala, se tivéssemos
de construir cada um de nossos enunciados, a comunicação
verbal seria quase impossível. (1997, p.302)
Podemos perceber que a língua é considerada
em sua natureza funcional e não em sua estrutura formal. Assim,
a concepção bakhtiniana trata a língua em seus aspectos
discursivos, enunciativos e interativos.
De acordo com Bakhtin (1997), não há limites para os gêneros,
pois eles estão diretamente relacionados com as múltiplas
atividades da vida social. Nesse sentido, os gêneros desenvolvem-se
em proporção ao desenvolvimento das atividades humanas.
Para elucidar melhor, podemos citar como exemplo o e-mail, carta eletrônica,
uma forma de comunicação inexistente até poucos anos
atrás. Porém, devido ao desenvolvimento científico
e tecnológico, foi introduzido no cotidiano das pessoas e, em algumas
situações, seu uso tornou-se imprescindível.
A riqueza e a variedade dos gêneros do discurso
são infinitas, pois a variedade virtual da atividade humana é
inesgotável, e cada esfera dessa atividade comporta um repertório
de gêneros do discurso que vai diferenciando-se e ampliando-se à
medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa.
(Bakhtin, 1997, p.279)
Marcuschi (2002, p.19) corrobora com essa afirmação.
Para ele, os gêneros surgem juntamente com as necessidades e atividades
sócio-culturais, assim como nas evoluções tecnológicas.
Podemos afirmar que o desenvolvimento tecnológico ampliou e desenvolveu
os gêneros (orais e escritos) de forma significativa. Atualmente,
vivemos em uma época dominada pela “cultura eletrônica”
(TV, rádio, telefone, computador e, especialmente, a internet).
Isso nos leva a novas formas discursivas como: teleconferências,
videoconferências, “chats”, aulas virtuais, etc.
Segundo Marcuschi, “presenciamos uma explosão de novos gêneros
e novas formas de comunicação, tanto na oralidade como na
escrita” (2002, p.19). O autor diz que esses novos gêneros
não são criações inéditas, visto que
se construíram a partir de outros gêneros já existentes.
Isso nos remete à concepção bakhtiniana sobre a “transmutação”
dos gêneros e acerca da absorção de um determinado
gênero por outros surgindo novos.
Podemos observar que os gêneros do discurso são extremamente
heterogêneos, causando, muitas vezes, dificuldades para definir
o “caráter genérico do enunciado” (1997 p.281).
Nesse sentido, Bakhtin afirma ser de suma importância teórica
considerar a distinção existente entre o gênero de
discurso primário (simples) e o gênero de discurso secundário
(complexo).
De forma simples e objetiva, podemos dizer que o gênero primário
caracteriza-se por enunciados naturais e espontâneos, que ocorrem
no momento imediato da fala, e o gênero secundário é
formado por enunciados da fala aprimorados através da escrita.
Assim, este gênero está ligado a comunicações
culturais consideradas mais complexas e evoluídas, principalmente
escritas: artística, científica, sociopolítica. Por
essa razão, não possuem o imediatismo do gênero primário.
De acordo com Bakhtin, no decorrer do processo da formação
dos gêneros secundários, estes absorvem e transmutam os gêneros
primários (simples) de todas as espécies, que se constituíram
em circunstâncias de uma comunicação verbal espontânea.
A relação existente entre os gêneros primários
e os secundários, em oposição ao processo histórico
de formação dos gêneros secundários, é
o que esclarece a natureza do enunciado e principalmente a correlação
existente entre língua, ideologias e visões de mundo.
A natureza do enunciado – oral e escrito, primário e secundário
– liga-se diretamente ao estilo, podendo evidenciar a individualidade
de quem fala ou escreve. Mas nem todos os gêneros são aptos
a refletir o estilo individual. Nesse aspecto, o mais favorável
é o gênero literário, pois neste o “estilo individual
constitui uma das suas linhas diretrizes” (Bakhtin, 1997).
Para Bakhtin, o conteúdo temático, o estilo verbal e a construção
composicional constituem-se a base para a formação do enunciado,
reflexo das singulares condições de produção
vivenciadas pelo sujeito nas diversas esferas comunicativas. 1
A variedade dos gêneros do discurso pode revelar
a variedade dos estratos e dos aspectos da personalidade individual, e
o estilo individual pode relacionar-se de diferentes maneiras com a língua
comum. O problema de saber o que na língua cabe respectivamente
ao uso corrente e ao indivíduo é justamente problema do
enunciado (apenas no enunciado a língua comum se encarna numa forma
individual). (Bakhtin, 1997, p.283.)
3. Diferenças entre Tipo Textual e Gênero
Textual
Para Marcuschi (2002), é de suma importância
teórica e terminológica analisar e definir de forma clara
a diferença entre tipo textual e gênero textual. Pois esta
distinção é imprescindível em todo o trabalho
com a produção e a compreensão textual.
Podemos dizer que tipo textual é a construção formal
do enunciado, ou seja, sua elaboração é construída
a partir da norma padrão da língua. Além disso, relaciona-se
apenas com cinco categorias teóricas definidas e determinadas por
“aspectos sintáticos, lexicais, relações lógicas
e tempos verbais”: narração, argumentação,
exposição, descrição, injunção.
Segundo o teórico, a noção de gênero textual
é muito mais abrangente, visto que se liga com toda e qualquer
atividade comunicativa envolvendo de forma predominante os critérios
de “ação prática, circulação
sócio-histórica, funcionalidade, conteúdo temático,
estilo e composicionalidade” (Marcuschi, 2002, p. 24-25). O autor
afirma que a expressão “tipo de texto” e “gênero
de texto” são usadas de forma errônea nos livros didáticos
e também em nosso cotidiano.
No interior dos gêneros textuais há a presença marcante
dos tipos textuais. E possível que um mesmo gênero apresente
vários tipos de texto podendo prevalecer um determinado tipo, conforme
o gênero em questão. Uma das características básicas
dos tipos está pautada nos traços lingüísticos
predominantes. Nesse sentido, o autor afirma que “um tipo é
dado por um conjunto de traços que formam uma seqüência
e não um texto” (Marcuschi, 2002, p. 27). No momento em que
se nomeia um determinado texto como “narrativo”, “descritivo”
ou “argumentativo”, está se levando em consideração
a seqüência tipológica que prevalece e não é
o gênero que está sendo nomeado. “É importante
perceber que os gêneros não são entidades formais,
mas sim entidades comunicativas” (Marcuschi, 2002, p. 25).
4. Domínio discursivo
Marcuschi trabalha com a expressão domínio
discursivo para caracterizar a produção discursiva de uma
determinada atividade humana. Esses domínios não são
textos nem discursos, mas propiciam o surgimento de discursos bastante
específicos. Do ponto de vista dos domínios, falamos em
discurso jurídico, discurso jornalístico, discurso religioso,
etc.. Esses domínios não caracterizam um gênero específico,
mas a partir deles surgem muitos outros. Com base nessa definição
podemos considerar a aula como parte integrante do domínio discursivo
da esfera educacional.
5. A aula e os gêneros
Marcuschi considera a aula expositiva como parte integrante
dos gêneros textuais. Assim, podemos dizer que esse é um
gênero oral que constrói textos em situações
comunicativas concretas.
Segundo Bakhtin, o gênero do discurso secundário está
relacionado a comunicações culturais consideradas mais complexas.
A aula expositiva é um gênero secundário, visto que
é o resultado de realizações lingüísticas
concretas que estão embasadas no estudo científico e seguem
um roteiro estabelecido anteriormente pelo professor que a ministra, apesar
de estar fundamentada no gênero primário e de, muitas vezes,
este gênero tornar-se evidente em sala de aula.
Considerando a importância que o sistema educacional deveria ocupar
na sociedade, o estudo sobre os gêneros, neste caso, a aula expositiva,
é fundamental para uma melhor compreensão do trabalho realizado
em sala de aula.
6. A construção do corpus
Primeiramente, escolhemos, dentro de uma instituição
particular de ensino superior, aulas dos cursos de Matemática,
Educação Física e Comunicação Social
como objetos da pesquisa. Em seguida, fomos a campo fazer as gravações
das aulas de disciplinas aleatórias dentro dos cursos selecionados.
É de importância capital considerar o ambiente em que ocorreu
toda enunciação. O espaço físico das aulas
era amplo e bem iluminado, ou seja, adequado para o trabalho em sala de
aula. O número de alunos era, em média, de 20 a 25. A imagem
que os corpos discentes faziam dos professores era de respeito, competência
e credibilidade.
Fizemos a integral transcrição de duas horas/aula de cada
disciplina, bem como procuramos obter de alguns alunos a devolutiva do
conteúdo ministrado e a imagem das partes envolvidas no processo
de ensino/aprendizagem.
As transcrições das aulas foram o ponto de partida para
a análise das seqüências tipológicas e, a partir
destas, pudemos observar os critérios sócio-comunicativos
apontados por Marcuschi.
Observamos que os professores da universidade em questão estão
enquadrados em um rígido sistema, da forma de avaliação
à maneira de conduzir as aulas. Assim, pudemos perceber que a ideologia
dos professores aos quais assistimos às aulas envereda por um caminho
marcado por coerções.
6.1 Comunicação social
Para realizarmos esta análise tomaremos como objeto
de estudo uma aula de Realidade Sócio-Econômica Política
e Cultural Brasileira ministrada no quarto ano letivo do curso de Comunicação
Social, em uma Universidade privada em 2005, no período noturno.
Um dos objetivos desse curso é formar profissionais capacitados
a criar, planejar e administrar campanhas ou peças publicitárias,
por meio de diferentes linguagens e tecnologias comunicacionais. A disciplina
em questão objetiva desenvolver no corpo discente a visão
crítica dos problemas sócio-culturais para que esse atue
de forma consciente no mercado de trabalho. A carga horária dispensada
para estas aulas é de 32 horas.
O objeto de discussão dessa aula é um texto de Roberto Tabaki,
“Indivíduo Sem Rosto”. Apesar de o professor não
se posicionar claramente quanto às questões propostas pelo
texto pudemos vislumbrar uma ideologia intrínseca que se revela
na escolha deste pelo professor - a ideologia referente às deficiências
sócio-políticas do país.
O professor trabalha pressupondo que os alunos tenham feito uma leitura
prévia do texto, o qual aduz sobre aspectos do cidadão brasileiro.
Assim, a funcionalidade implícita em sua escolha é despertar
nos alunos uma reflexão crítica sobre o panorama sócio-político
do país.
/.../ o autor desse texto aqui, gente, é um antropólogo
chamado Roberto Tabaki. Ele é um dos mais renomados estudiosos
da cultura brasileira, ta? Escreve semanalmente no jornal “O Globo”,
ta! É ..., ele tem sido né, um professor, um professor visitante
nas universidades americanas e européias, para falar sobre cultura
brasileira, sociedade brasileira. É um sujeito assim, bastante,
bastante, renomado, nacionalmente e internacionalmente, né.....É....o
tipo, é, isso aqui é uma palestra que ele fez há
alguns anos atrás e o título já é bem é........já
é bem sintomático, né!. O título dessa palestra.
Então ele deu, o título é “Individuo sem rosto”.
Quanto à circulação sócio-histórica,
o professor contextualiza o conteúdo e faz menção
ao original veículo de publicação e ao intuito do
texto. Dessa forma, é proporcionada aos alunos uma oportunidade
maior de compreensão dos aspectos envolvidos na discussão
colaborando para o desenvolvimento de uma consciência crítica.
No que tange as seqüências tipológicas encontramos os
seguintes tipos textuais: injunção, argumentação
e exposição. Porém, observamos a predominância
da seqüência expositiva-argumentativa, ou seja, o professor
conduz a aula expondo fatos e idéias e argumentando sobre elas
objetivando atuar sobre os seus interlocutores. Tendo em vista a predominância
dessa seqüência podemos dizer que é um meio utilizado
pelo professor para atingir a funcionalidade.
O conteúdo temático da aula em questão gira em torno
da exposição de aspectos sócio-políticos e
culturais do Brasil e suas nuances baseados na visão contida no
texto trabalhado pelo professor.
A idéia de cidadão nos coloca em primeiro
lugar a questão dos direitos, certo?Todos os direitos. Direitos
individuais nós já falamos: liberdade, né, liberdade
de expressão, liberdade religiosa, tá? E....Direitos sociais,
não é saúde, educação, habitação,
saneamento, tá!
Ao tocar o aluno em sua criticidade, ele extrairá
do texto um sentido individualizado de acordo com sua vivência,
sua particular visão de mundo e sua história de leituras,
que corresponde ao conceito de ação prática sustentado
por Marcuschi. O aluno será levado a uma ação, no
caso, a de pensar com mais conhecimento sobre a situação
do cidadão, em conseqüência, na sua própria situação.
O professor tem o discurso marcado pela repetição de idéias
e palavras, utilizando expressões de reforço argumentativo
no intuito de convencer, persuadir e influenciar seus alunos quanto à
importância do que está proferindo e, assim, atrai a atenção
deles para o assunto apresentado.
Com relação à participação dos alunos
em sala, pudemos perceber que praticamente durante toda a aula eles se
portaram de forma passiva, apenas receptiva. Nos momentos em que alguns
alunos tentaram interagir com o professor através de questionamentos,
este foi sucinto e evasivo dando continuidade à explanação.
Esse comportamento dos alunos não nos surpreende, pois a nossa
experiência profissional em sala de aula e pesquisas recentes comprovam
esse comportamento passivo. Nesse sentido, é importante lembrarmos
os papéis sociais assumidos nessa situação. O discurso
do professor é legitimado pela instituição. Além
disso, o aluno coloca-se em uma posição de inferioridade
com relação ao texto. Essas imagens influenciam diretamente
na questão do aprendizado e na leitura abstraída do texto.
...um sujeito ao enunciar presume uma espécie de
“ritual social da linguagem” implícito, partilhado
pelos interlocutores. Em uma instituição escolar, por exemplo,
qualquer enunciação produzida por um professor é
colocada em um contrato que lhe credita o lugar de detentor do saber:
“o contrato de fala que o liga ao aluno não lhe permite ser
“não-possuidor do saber”: ele é antecipadamente
legitimado”. (Maingueneau, 1997, p.30)
6.2 Educação física
A análise que seguirá tem como corpus aulas
de Biodinâmica ministradas no período noturno. A carga horária
dispensada para estas aulas do quarto ano é de 32 horas.
Os objetivos gerais do curso primam pela formação de profissionais
capacitados a contribuir para a melhoria e desenvolvimento da Educação
Física na realidade brasileira, bem como capacitar profissionais
comprometidos com um projeto de transformação social através
da atividade física, do esporte, da recreação e do
lazer junto à comunidade. A disciplina em questão tem como
cerne o ensino da dinâmica dos movimentos e toda a parte óssea
e muscular envolvida no processo.
O conteúdo temático trabalhado concerne aos movimentos de
adução, abdução e suas nuances. Para expor
o conteúdo de forma clara e objetiva, o professor utilizou-se de
mapas do corpo humano e também tomou um aluno voluntário
para ilustrar os movimentos descritos acima.
No decorrer da explicação do professor, fica nítida
sua intenção de despertar no aluno a conscientização
corporal. Assim, a funcionalidade recai sobre um assunto de suma importância
para o profissional que tem como ferramenta de trabalho o próprio
corpo. Podemos dizer que a ideologia dominante é a do culto do
corpo, da saúde e do bem-estar. Esta ideologia é herança
cultural dos greco-romanos que exaltavam na arte o culto à estética
do corpo perfeito.
Quanto ao critério ação prática, a receptividade
dos alunos leva a pensar que o reflexo em suas vidas seria imediato, pois
respondiam positivamente às injuntivas lançadas pelo professor.
Dessa forma, o mestre trabalha diretamente na formação do
futuro profissional de Educação Física, que deverá
estar plenamente consciente de seu papel social e de sua responsabilidade
enquanto atuante na saúde das pessoas.
Com base na análise das seqüências tipológicas
constamos que o discurso docente está pautado em exposição,
descrição e injunção. Entre estas, há
uma nítida predominância da seqüência injuntiva,
este fato nos leva a considerar um estilo peculiar do professor que tem
como intuito interagir e reforçar os conceitos apresentados durante
a aula. Acreditamos que a predominância dessa seqüência
tipológica liga-se diretamente ao gênero textual aula presente
na área da saúde.
Como é que chama essa porção aqui
ó que tem mais cores? Porção curva ou menor e essa
aqui que é a porção mais longa é chamada de
porção? Bom muito bom. A ação primaria e fazer
a flexão do cotovelo, só que ele é um músculo
mono-articular ou ele é um músculo poli-articular? Erro.
Veja só ele é mono porque atravessa uma articulação
só, então ele é mono porque atravessa uma articulação
só? O homeotóide só atravessa essa articulação
aqui ele não chega até o cotovelo, e esse músculo
passa pelo cotovelo? Ele passa pelo ombro?
O aspecto da circulação sócio-histórica
não é trabalhado, uma vez que não há indicativos
que remetam as suas condições de produção.
O professor não relaciona o conteúdo trabalhado a nenhuma
obra específica, e o suporte utilizado constitui-se apenas de gravuras
suspensas sobre o quadro negro. Porém, não podemos deixar
de mencionar que existe a circulação sócio-histórica
do próprio discurso do professor a partir da sua vivência
de mundo e suas inferências.
A marca do estilo do docente é a profunda interação
que mantém com os alunos através de uma linguagem clara
pautada por expressões próximas do público alvo,
na maioria jovens de 18 a 25 anos.
O fato que corrobora com essa afirmação é a participação
efetiva de um aluno que colocou-se como voluntário para a ilustração
física dos movimentos de abdução e adução,
bem como os músculos envolvidos nesse processo. Os alunos interagem
o tempo todo com o professor respondendo às injuntivas lançadas
por ele, o que proporcionou um clima amigável, descontraído
e confiante.
6.3 Matemática
As aulas da disciplina de Cálculo ministradas no
quarto ano do curso de Matemática versaram sobre a observação
dos fenômenos da natureza e sua transposição para
o âmbito matemático. Assim como as demais aulas objetos da
pesquisa, a carga horária dispensada para esta disciplina é
de 32 horas.
O curso tem como objetivo: formar educadores competentes do ponto de vista
científico e humano, atuantes e atualizados no ensino da Matemática.
A disciplina de Cálculo objetiva desenvolver no aluno o aspecto
da racionalidade matemática, bem como proporcionar formação
pedagógica para a atuação do profissional em sala
de aula.
Com relação à funcionalidade, observamos que o professor
procura, através dos exemplos utilizados em sala, despertar no
aluno um olhar mais aguçado sobre os fenômenos que acontecem
a sua volta para que ele desenvolva um pensamento racional, voltado para
a exatidão e, nesta aula, especificamente, pautado na lei de causa
e efeito. Assim, o aluno é capaz de relacionar os conceitos dessa
área com as situações do seu cotidiano e atribuir
um sentido maior ao conteúdo ministrado em sala de aula.
“Quem faz iogurte em casa? Você faz iogurte
em casa? Você já contou os bichinhos alguma vez? Nunca contou
os bichinhos, mas, por exemplo, você vai fazer o iogurte lá
na tua casa, você vai ter a variável y, fx e uma população
p, a população depende do tempo, se você colocou lá....”
Com relação às seqüências
tipológicas, verificamos a presença da injunção,
exposição e argumentação. Entretanto, a predominância
no discurso do docente é da seqüência expositiva-argumentativa.
Esse aspecto relaciona-se diretamente com a funcionalidade almejada pelo
professor, pois, através do encadeamento dessas seqüências
o discurso toma forma e leva o aluno a desenvolver sua criticidade em
torno dos fenômenos da natureza e seu uso no âmbito matemático.
No que diz respeito à ação prática, observamos
que durante a aula os alunos tiveram uma participação efetiva
no processo de ensino-aprendizagem. Isso ficou evidente nos momentos em
que colaboraram com exemplos extraídos de suas próprias
vivências para enriquecer a aula e atribuir sentido ao conteúdo
temático abordado em sala.
Fazendo um contraponto entre outras aulas das ciências exatas e
o presente corpus analisado, observamos que esta aula se difere da grande
maioria no que tange à contextualização do conteúdo
temático abordado. Podemos afirmar que o ensino, de uma forma geral,
ainda está pautado no estruturalismo. E esse recorte ao qual tivemos
acesso destoa dessa realidade. Visto que o docente contextualizou o assunto
e com isso permitiu que o aluno fizesse relações entre o
dado e o novo, evidenciando a direta relação entre o conteúdo
e a circulação sócio-histórica.
Quando você parte para prática isso aí
não é nada assim, a coisa modifica, você parte dos
dados do mundo real, e a partir de dados do mundo real que é que
você vai modelar alguma coisa. É claro que, sem dúvida,
sem essa equação matemática que está no quadro
aí, vocês não iam fazer nada, né. Primeiro
a equação matemática teórica para depois correr
atrás dos modelos, funcionam como ferramentas.
Com relação ao estilo observamos que o discurso
deste professor é marcado pela clareza, objetividade e concisão.
Isso nos leva a crer que essa forma de se expressar pode estar relacionada
com a formação discursiva que subjaz às ciências
exatas.
8. Conclusão
Todos os esforços despendidos na realização
deste trabalho nos trouxeram grande satisfação no que diz
respeito ao conhecimento que obtivemos na sua execução.
Com relação à análise que desenvolvemos percebermos
o quanto o discurso argumentativo está presente no gênero
aula expositiva. Entretanto, não podemos nos esquecer de que este
tipo textual está presente em nosso dia-a-dia, visto que constantemente
tentamos convencer nosso interlocutor de que estamos de posse da verdade.
Normalmente, as pessoas que alcançam uma posição
social de destaque ou de privilégios são aquelas que desenvolveram
sua capacidade argumentativa e também adquiriram habilidade para
distinguir esse tipo de texto e sua relevância na sociedade. Daí
a importância de o professor articular seu discurso com base nesse
tipo textual e explorar trabalhos em sala de aula envolvendo os gêneros.
Isso é imprescindível para o crescimento intelectual dos
alunos. Assim, eles aprenderão a desenvolver sua habilidade argumentativa
e persuasiva.
Dentro do recorte que analisamos pudemos concluir que existe uma constituição
modelo do gênero textual aula. É importante salientar que
a pesquisa foi desenvolvida a partir de um corpus delimitado, portanto
não é passível de generalizações.
Com base na análise das seqüências tipológicas
percebemos que de modo geral o discurso argumentativo permeia o gênero
textual aula. Neste contexto, ação prática e funcionalidade
visam à formação profissional, seja ela na área
de humanas, exatas ou biológicas. Com a ressalva de que na área
de humanas essa característica é mais latente, visto que
trabalha com questões sociais, políticas, etc.
Observamos a singularidade do estilo. Cada professor conduz o trabalho
em sala de aula de acordo com sua área específica e, principalmente
pela receptividade dos alunos. Para nós, isto ficou muito claro
no momento em que estivemos presentes às aulas para proceder às
gravações. Nesse sentido, acreditamos ser relevante mencionar
a distinção entre a aula de Realidade Sócio-Econômica
Política e Cultural Brasileira com as demais analisadas. Na primeira,
o discurso do professor é assimétrico, assumindo uma posição
mais distante dos alunos e evidenciando o quanto às imagens feitas
entre os interlocutores interferem no processo de ensino/aprendizagem.
Nas demais, os professores mostravam-se mais acessíveis aos questionamentos
dos alunos propiciando uma interação mais eficaz.
A circulação sócio-histórica presente nos
três momentos se dá através da ideologia do discurso
do professor e, particularmente, na aula de Realidade Sócio-Econômica
Política e Cultural Brasileira, o professor se remete a um texto
específico, materializando o conteúdo.
Com relação à análise das aulas em questão
gostaríamos de salientar que é possível que se faça
uma classificação diferente desta apresentada por nós.
Visto que este assunto não é fechado, nem estanque. Além
disso, não tivemos contato com outras classificações
além das apresentadas por nós. Nosso trabalho foi embasado
nas teorias a que tivemos acesso no momento e no conhecimento que temos
acerca do assunto adquirido na experiência do cotidiano.
Referências Bibliográficas
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação
verbal. Trad. Maria E. G. G. Pereira. 2. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1997. (Coleção Ensino Superior)
BEZERRA, Maria Auxiliadora; MACHADO, Anna Rachel. Gêneros Textuais
& Ensino. 2 ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros textuais: definição
e funcionalidade. In: DIONÍSIO, Ângela Paiva;
MANGUENEAU, Dominique. Novas tendências em analise do discurso.
3 ed. Campinas: Pontes, 1997.