Cláudia Bergerhoff Leite Abreu - FaE da
Universidade Federal de Minas Gerais FaE/UFMG
Carmem Lúcia Eiterer (Orientadora)
Introdução
Este texto é fruto de uma Pesquisa de Conclusão de Curso
de Pedagogia sobre o Projeto Veredas, curso de formação
continuada em serviço a distância em nível superior
para professores das séries iniciais da Rede Municipal e Estadual,
no estado de Minas Gerais. Segundo a Secretaria de Educação
(SEE/MG), propositora do Projeto, o objetivo do Programa consiste em melhorar
a qualidade do ensino e a aprendizagem dos alunos do ensino fundamental.
Nosso recorte se fez a partir da AFOR -FaE/UFMG, na cidade de Belo Horizonte.
O estudo investiga a fundamentação teórica sobre
atualização na profissão docente e a convergência
entre saberes experenciais e acadêmicos (de acordo com Nóvoa,
Tardif e Candau, dentre outros). Pretendemos neste texto informar sobre
os objetivos e organização do Programa Veredas e apontar
os resultados alcançados na pesquisa . Visamos a análise
que as cursistas fazem desse Programa enfatizando a percepção
delas a respeito da contribuição para sua prática,
bem como as dificuldades enfrentadas, viabilidade e compromisso com o
mesmo.
Utilizamos os Memoriais das cursistas e entrevistas semi-estruturadas
a fim de alcançar este objetivo. Destacamos nas conclusões,
a ênfase das cursistas quanto à importância da formação
continuada para a carreira do professor, a contribuição
e os reflexos do Projeto Veredas em sua prática pedagógica.
Educação a Distância Como Alternativa
Para os Professores
Atualmente, a formação de professores tem sido muito discutida,
principalmente após as mudanças políticas de 1990,
período da Reforma do Estado ligada ao Banco Mundial ampliando
as relações do Brasil com o capitalismo mundial. Tal reforma
influência diretamente a implementação de políticas
para a formação de docentes, tendo em vista o slogan da
época “Compromisso de Educação para Todos”
(SILVA JÚNIOR, 2003, p.85).
A nova LDB, de 1996, preconiza que os professores com magistério
tenham a formação em nível superior. Por causa dessas
mudanças, esses profissionais tiveram que se adaptar continuando
seus estudos de maneira a garantir as habilidades e competências
exigidas pela sociedade e por um mercado capitalista, globalizado, que
visava uma melhoria na qualidade de educação de seus filhos.
Diante desse quadro, a educação a distância emerge
como uma das alternativas para os professores se capacitarem de acordo
com as exigências explicitadas acima, permitindo o acesso dos docentes
à capacitação profissional fora das salas de aula.
Mello (1991) argumenta que a educação a distância
emerge como uma alternativa para suprir as matrículas em todos
os níveis, além de diminuir o custo se comparada com o ensino
tradicional.
Wenzel pondera que a educação a distância é
relevante para o campo da educação permanente e continuada
devido à constante preocupação com a autoformação.
Salienta que “é um caminho seguro para a atualização
de todos os profissionais e de outras pessoas que queiram manter-se atualizadas
em seu meio social e nas suas profissões” (WENZEL, 1991,
p.10).
A discussão da EAD como alternativa para a educação
presencial esteve presente nos debates promovidos pelo MEC em 1987. Para
o Ministério, os resultados da EAD serão prolongados à
medida que aumentarem as disponibilidades do tempo e a aprendizagem se
alicerçar em “determinada tecnologia e não no carisma
pedagógico do professor” (MEC, 1987, p.34).
Guimarães (1996/97) afirma que a educação a distância
difere do ensino tradicional por não exigir a presença do
estudante em sala de aula. Refletindo como é possível o
educador obter as habilidades de que necessita para se aperfeiçoar
(capacidade de escolher e avaliar conteúdos curriculares; saber
lidar com tecnologias modernas de ensino; ser consciente de sua prática
e do que ela significa no seu campo de atuação; ser um cidadão
comprometido com sua comunidade e com a sociedade) num curso de EAD complementa
que a presença da pessoa não ser necessária, não
significa falta de compromisso e qualidade de ensino. É preciso
que os estudantes tenham acesso “a materiais de instrução
de alta qualidade pedagógica e suficientemente compreensíveis
e atrativos” (GUIMARÃES, 1996/97, p.98).
Como vimos, a EAD vem se constituindo numa estratégia de qualificação
docente numa tentativa de melhorar o ensino. A seguir, falaremos da formação
dos professores em serviço em nível superior pelo Veredas
nessa modalidade de ensino.
A Organização do Projeto Veredas
Como curso a distância o Veredas apresenta as características
dessa modalidade de educação que considera relevantes para
a formação do cursista: qualidade dos materiais; a utilização
de recursos tecnológicos; organização do apoio pela
tutoria; o rigor no planejamento, na coordenação e na avaliação
e comunicação massiva.
Segunda Glaura Vasques de Miranda, coordenadora geral do Veredas, o número
inicial de alunos matriculados nas agências de formação
era de 14.196, hoje é de 14.024, realça a mínima
evasão para um curso a distância (SEE/MG, 2003). Conta com
851 tutores ao todo no Estado de Minas Gerais. Cada tutor fica responsável
por um grupo de 15 cursistas com a função de orientar e
coordenar os estudos teóricos e as atividades práticas em
momentos presenciais do Curso. Na AFOR FaE/UFMG são 564 cursistas
matriculados divididos em 40 grupos, cada grupo com um tutor.
Segundo a Secretaria do Estado da Educação, os objetivos
do Veredas são: habilitar os professores das Redes Públicas
de Educação de Minas Gerais, de acordo com a legislação
vigente; elevar o nível de competência profissional dos docentes
em exercício; contribuir para a melhoria do desempenho escolar
dos alunos das Redes Públicas de Minas Gerais nos anos iniciais
da educação fundamental; valorizar a qualificação
docente (SEE/MG, 2002, p.2). Para cumprir tais objetivos é utilizada
a moderna tecnologia da informação, o curso é oferecido
na modalidade de educação a distância contando também
com momentos presenciais.
O Veredas propõe algumas diretrizes curriculares, tais como: organizar
a formação de acordo com os princípios da ação-reflexão-ação,
articulando teoria e prática em todos os momentos, desde o início
do Curso; situar o processo de formação no contexto da escola
em que atua o cursista e da rede de educação fundamental,
estabelecendo parcerias; incorporar em todas as situações
de aprendizagem reflexões sobre a realidade atual, bem como experiências
com diferentes aspectos da cultura, de modo a favorecer o crescimento
pessoal e profissional do cursista, sua inserção no mundo
e o exercício de sua cidadania; incorporar no próprio currículo
do Curso os aspectos éticos, políticos e estéticos
a serem observados na elaboração e no desenvolvimento das
propostas político-pedagógicas das escolas (SEE/MG, 2002,
p.3/4).
As atividades de ensino e aprendizagem tem duração de 3.200
horas, serão desenvolvidas em sete módulos com duração
de 16 semanas cada, abrangendo as atividades planejadas de acordo com
as diretrizes apontadas acima. Na semana que inicia o semestre, ocorrem
as atividades presenciais, em 40 horas são apresentados os conteúdos
e as atividades previstas para o período, elaboração
de planos de trabalho e o acerto de reuniões entre cursistas e
tutores. Esse tipo de atividade favorece uma interação com
colegas, tutores e com a instituição de ensino em que fazem
o curso.
As atividades individuais a distância visam o estudo sistemático
dos componentes disciplinares do currículo. Alguns trabalhos são
preparados de forma interdisciplinar e integrada para serem desenvolvidos
em atividades coletivas. Um Guia de Estudo orientará as atividades
individuais nas leituras que devem ser feitas pelo menos 10 horas semanais
durante as 16 semanas de duração dos módulos.
As atividades coletivas acontecem três vezes em cada módulo.
Há uma reunião mensal dos tutores com o grupo de cursistas,
num período de oito horas, com o objetivo de promover a socialização
entre os professores cursistas, favorecendo a aprendizagem, a reflexão
sobre a prática, a participação, o trabalho coletivo,
estudos interdisciplinares. Esta reunião objetiva ainda o planejamento
das atividades da prática pedagógica que cada professor
cursista desenvolverá em sua turma no mês subseqüente.
A Importância da Formação Continuada
Segundo Santos (1998), a formação dos professores deve ser
contínua, definindo a formação continuada ou em serviço
como a que promove o aperfeiçoamento profissional do docente visando
a melhoria de sua prática através de domínio de conhecimentos
ou métodos relacionados à sua profissão. A autora
afirma que esse tipo de formação pode suprir lacunas da
formação inicial ou ser apenas atualização.
Gonçalves (1995 c) cita alguns fatores relevantes que interferem
na profissão docente: os comportamentos e atitudes que se modificam
com o tempo e influenciam o trabalho escolar com os alunos e na personalidade
do professor; o percurso profissional baseado no processo de crescimento
individual, processo de aperfeiçoamento de competências,
de eficácia no ensino e de organização do processo
de ensino-aprendizagem e o processo de socialização profissional;
as carreiras dos professores no âmbito individual ou coletivo; contexto
sociopolítico e cultural; a vida particular; método (auto)
biográfico utilizado pelo docente que aponta a concepção
de sua formação.
Destaca que professores sentem grande necessidade de uma formação
contínua e revela os motivos: desenvolvimento da carreira, atualização
constante, inovação no ensino. Gonçalves (1995 c)
enfoca a importância da formação continuada para a
busca de respostas às necessidades reais do professor e como educação
permanente possibilitando iniciativas pedagógicas das escolas e
dos professores.
Já Nóvoa menciona Zeichner quanto a necessidade da prática
docente estar articulada entre as Universidades e as escolas, valorizando
os “espaços da prática e da reflexão sobre
a prática”(ZEICHNER apud NÓVOA, 1995 b, p.26). Sobre
isso, encontramos maior explicação no texto de Zeichner
(1995 a) discutindo a necessidade da prática reflexiva estar presente
na formação dos professores associada aos conhecimentos
externos referentes ao aspecto de ensino-aprendizagem.
Esteve lembra que as diversas falhas do sistema de ensino, muitas vezes,
são atribuídas aos professores, causando reações
por parte dos mesmos. A essa circunstância, o autor chama de mal-estar
docente, ou seja, “o conjunto de reações dos professores
como grupo profissional desajustado devido à mudança social”
(ESTEVE, 1995 b, p.97), fenômeno que não se restringe ao
Brasil.
O autor observa ainda que, devido às grandes alterações
sociais, os professores não mais recebem alunos somente da elite
ou de uma determinada classe social na sala de aula. Atualmente, convivendo
com crianças de diversos níveis sociais, vêem-se compensando
falhas do meio social do qual os alunos se originam, configurando em alterações
das funções docentes. Esteve aponta essa fragmentação
da atividade docente como uma das causas do mal desempenho profissional
ressaltando, no caso, não a incompetência do professor em
exercer seu trabalho, mas sim para executar e cumprir um leque tão
extenso de funções (avaliação, orientação,
administração, etc).
Diante do exposto acima, veremos a seguir a importância da relação
entre os saberes acadêmicos e experenciais para o aperfeiçoamento
do professor em serviço.
Associação Entre Saberes Acadêmicos
e Experenciais
Tardif (2002) explica que os saberes acadêmicos são selecionados
e definidos pela universidade e que são identificados como saberes
disciplinares. Os professores não têm controle sobre esses
saberes estabelecidos pela instituição. Por outro lado,
os saberes experenciais são os saberes específicos que os
professores desenvolvem na prática de sua profissão que
“brotam da experiência e por ela são validados”
(TARDIF, 2002, p.39).
O autor é a favor da associação dos saberes transmitidos
pelas instituições de nível superior relacionados
a formação de professores e aos saberes experenciais desses
profissionais em exercício, ou seja, os saberes baseados no trabalho
cotidiano e no conhecimento do seu meio. Para ele, “a pedagogia
é o conjunto de meios empregados pelo professor para atingir seus
objetivos no âmbito das interações educativas com
os alunos” (TARDIF, 2002, p.117), ressaltando a importância
da relação entre Instituições de Formação
de Professores e os profissionais da educação que atuam
nas escolas.
Candau também se preocupa com a relação entre os
saberes produzidos pelo professor no ambiente de trabalho e nos cursos
de formação de professores. Segundo ela, os saberes provenientes
da experiência são validados por ela mesma e habilitam para
o saber fazer e o saber ser, considerando fundamental a relação
teórico-prática que “deve permear a formação
docente e extrapolar os limites da academia, daí o seu caráter
de formação continuada” (CANDAU apud FRAZZON 2001,
p.84).
Em outro trabalho, Candau (2002) frisa a importância da união
entre a teoria e prática para a formação do educador
na perspectiva de um trabalho simultâneo ao contrário do
que afirma acontecer nos cursos de Pedagogia e de Licenciatura em que
teoria pedagógica e prática educacional são vistas
de maneira separada. Na ótica da autora, a união entre a
teoria e a prática “traz em si a possibilidade do educador
desenvolver uma ‘práxis’ criadora na medida em que
a vinculação entre o pensar e o agir pressupõe a
unidade, a inventividade, a irrepetibilidade da prática pedagógica”
(CANDAU, 2002, p.69)
Nóvoa aponta para a mesma direção de Candau quando
diz que a reflexão da prática valoriza os saberes dos professores.
Ele explicita que “...a formação continuada deve alicerçar-se
numa ‘reflexão na prática e sobre a prática’
através de dinâmicas de investigação-ação
e de investigação-formação, valorizando os
saberes de que os professores são portadores” (NÓVOA
apud FRAZZON 2001, p.85).
A partir dos autores apontados, pudemos constatar a importância
que assume o saber fazer para a formação continuada e a
vida profissional dos professores. Concordamos que além da formação
acadêmica, as experiências cotidianas em sala de aula são
relevantes e devem ser consideradas na formação do docente.
Acreditamos que, de fato, a prática e o saber acadêmico tendem
nesse contexto a se complementarem contribuindo para a qualificação
profissional do mesmo.
Os memoriais e as entrevistas
Selecionamos para a pesquisa 3 professoras, as quais chamaremos de F1,
F2 e F3 integrantes das escolas que denominarei de E1, E2 e E3, respectivamente.
As escolas E1 e E3 estão localizadas na Região de Venda
Nova enquanto E2 situa-se na Região Norte em Belo Horizonte. E1
e E2 fazem parte da Rede Municipal de Educação enquanto
E3 pertence à Rede Estadual. As cursistas em questão fazem
parte do grupo 31, AFOR FaE/UFMG do Veredas. A escolha se pautou pela
disponibilidade que demonstraram em relação a esta pesquisa.
O Memorial é um depoimento escrito pela cursista sobre o processo
vivenciado por ela, enfocando a ressignificação de sua identidade
profissional com reflexões da prática pedagógica
em uma perspectiva interdisciplinar. De acordo com o Manual de Avaliação
do Veredas (2004), ele traria uma reflexão das experiências
da cursista e é considerado um instrumento valioso para o autoconhecimento.
No Veredas, os textos devem privilegiar a experiência pedagógica
relacionando-a com os conhecimentos teóricos. O objetivo é
acompanhar e verificar o desenvolvimento da cursista quanto à “sua
capacidade de ação-reflexão-ação e
ressignificação de sua identidade profissional” (SEE/MG,
2004, p.24).
Para complementar os dados do estudo, optamos por entrevistas semi-estruturadas
como instrumento auxiliar na produção do conhecimento para
as especificidades propostas nesta pesquisa. As questões foram
formuladas após análise dos Memoriais, identificando alguns
aspectos relevantes que deveriam ser complementados, de maneira que as
cursistas pudessem se expressar livremente. Realizamos as entrevistas
durante uma reunião com a tutora com o grupo na AFOR FaE/UFMG.
Aproveitamos para lembrar e esclarecer os objetivos da pesquisa às
cursistas, realçando a necessidade de seus depoimentos orais. As
entrevistas foram gravadas e transcritas para não perdermos a autenticidade
dos dados coletados.
Formação das Professoras Antes do Veredas
1) Segundo o Memorial, a cursista F1 teve sua primeira experiência
como professora quando começou a ajudar sua tia que era professora
aposentada nas aulas particulares de matemática. A cursista acredita
que sua tia pediu ajuda porque “não entendia a matemática
moderna”. Dessa forma, conta que aos dez anos já era professora
e fala do orgulho da família por ela: “comecei a dar aula
de matemática, a partir daí comecei a ter os meus próprios
alunos, já dominava conjuntos ... Fiquei muito feliz o dia que
a minha mãe preparou uma festa surpresa no dia das professoras.
Vejam só. Eu só tinha dez anos e já era considerada
professora”.
Após a formação inicial em magistério de 2º
grau fez vestibular em faculdade privada em Belo Horizonte para Licenciatura
Curta em Estudos Sociais (Geografia e História). A cursista avalia
que foi um “curso muito bom”, pois além de ter proporcionado
o conhecimento do povo, da história, dos Estados e da cultura do
Brasil ainda a ajuda em seu trabalho em sala de aula atualmente, já
que há quatro anos leciona História: “na Newton Paiva
cursando estudos sociais eu podia colocar a teoria em prática”.
A professora não elucida com detalhes sua afirmação,
nem relaciona o curso à sua prática atual.
2) Já F2 conta que fez magistério na cidade de Cordisburgo
no interior de Minas, pois em sua cidade natal não havia 2ª
grau. Revelou que passou por várias dificuldades para concluir
os estudos. Em 1987, diz que fez e foi aprovada em concurso para trabalhar
como professora pela Rede Municipal de Ensino em Belo Horizonte. Lotada
continuou a aprimorar-se em sua profissão fazendo cursos de contação
de história e de Alfabetização e Letramento pelo
CAPE. Já nesse período, F2 garante que esses cursos contribuíram
para uma mudança significativa em sua prática pedagógica.
Antes do Veredas, F2 começou a fazer Normal Superior em faculdade
particular na cidade de Pedro Leopoldo, região metropolitana de
BH. Estava no 2º período quando optou por fazer o Veredas:
“achei o daqui até melhor que o de lá. Tava com remorso
de ter largado, mas depois eu vi que se eu não tivesse largado
eu ia arrepender muito”.
3) Quanto à formação da professora F3, fez o magistério
na cidade de Mantena, interior de Minas Gerais. Elogiou o curso afirmando
que foi “maravilhoso” e os professores denominando-os de “competentes”
e seu empenho para realizar as tarefas dizendo que tomou “gosto”
pela profissão antes mesmo da prática. Entretanto, foi contraditória
em seu depoimento no Memorial ao dizer que o curso era conteudista, pois
“só nos enchia de conteúdos, na maioria deles muito
fora da realidade dos alunos, era um tal decoreba que cansava a todos.
Era muito rígida com coisas desnecessárias. Com isso, em
vez de incluir o aluno na escola, excluía-os, pois as chances de
mostrar seus talentos eram mínimas”.
Na década de 90, F3 participou dos cursos PROQUALIDADE (Projeto
de Qualidade da Educação Básica) e do PROCAP (Programa
de Capacitação de Professores). Segundo F3, esses cursos
foram um incentivo para continuar se aprimorando na profissão.
Simultaneamente ao estímulo dos cursos anteriores, havia a pressão
da lei obrigando os professores a terem curso superior para continuarem
trabalhando. Dessa forma, acreditava que perderia a estabilidade conquistada
com aprovação no concurso.
A Educação, A Escola e o Papel Docente Para
as Cursistas
Consideramos relevante abordar sobre a concepção de Educação
para as cursistas corroborando Garcia (1995 a). Para o autor, as concepções
que os professores possuem acerca do ensino influenciam no modo como realizam
sua prática. Também Tardif (2002) frisa que os saberes dos
professores têm origem nos lugares sociais que precederam à
carreira ou estão situados fora do ambiente de trabalho, citando
os saberes provenientes da família, do professor, da escola em
que se formou, sua cultura, das universidades.
Segundo o autor, isso faz com que no exercício de sua profissão,
o docente busque esses valores para solucionar seus problemas profissionais.
Ressalta que os professores tomam suas decisões baseadas em valores
morais ou normas sociais, em tradições escolares, pedagógicas
e profissionais oriundos de uma assimilação e interiorização
anterior alicerçada em sua “experiência vivida”
(grifos no original).
1) Com relação ao papel docente, F1 compara em entrevista
a situação do professor de antigamente com a atual. Para
ela, o docente era mais valorizado sem mencionar o fator financeiro, mas
a questão do respeito pelos alunos. “Os meninos respeitavam
mais. Tanto que antigamente chamava de senhora, hoje chama de dona, fala
palavrão”. Indagamos sobre os motivos que teriam levado a
essa mudança e ela apontou que “os motivos podem ser a família,
a maioria fica mais sozinho, estão mais independentes”.
2) F2 argumenta que os docentes precisam reivindicar e lutar ainda que
por meio de paralisações e manifestações:
“Infelizmente nossos governantes só começam a dar
ouvido nossos clamores após dias e dias de manifestações,
paralisações das atividades escolares prejudicando e muito
o trabalho pedagógico. Mas não é por isso que vamos
deixar de lado nossas reivindicações justas. Temos compromisso
com nossas crianças, mas precisamos lutar por melhores condições
de trabalho, salário digno, progressão na carreira. Não
podemos deixar de lutar por nossas causas, porque quem abandona a luta
está desistindo de viver”.
3) F3 teceu seus apontamentos sobre concepção do papel do
docente tendo como base o modelo de uma professora que teve em seu magistério:
“professora é aquela que preocupa em desenvolver nos seus
alunos, o sentimento, a valorização do próximo, o
prazer pela vida, a solidariedade e atos de boa educação
e outros”.
2) Quanto às concepções de escola, F1 não
opinou. Informaremos então as idéias de F2 e F3. Para F2,
a escola “ainda é um dos poucos espaços em que a sociedade
pode-se comprometer com a democratização do acesso às
linguagens que constróem o pensamento e o cidadão”.
Ressalta o compromisso da escola ao “formar cidadãos autônomos
e conscientes, tem que contribuir para que as pessoas se posicionem criticamente
frente ao universo de informações que são expostas
diariamente”.
A professora diz na entrevista que o papel da escola não é
só educar e ensinar a ler. Vê a escola como uma continuação
da casa do aluno: “pra mim a escola é a segunda casa deles
mesmo”. Informa que E2 está atendendo em tempo integral,
porém privilegia as crianças que “ficam na rua o dia
inteiro, que a mãe trabalha o dia inteiro e que tem mais dificuldade
de aprendizagem”.
3) Em entrevista, F3 declara que tem apreço pela escola e que considera
sua profissão uma vocação: “tenho um carinho
muito grande pela escola. Acho até que, vocação?
No meu caso, eu acho até que sim. Eu já tive oportunidade
de fazer outras coisas que eu sei com fins lucrativos maiores, né,
mas eu me apeguei tanto à escola, sabe?” Lamenta a questão
salarial, mas informa que trabalha como se estivesse começando
a carreira: “sei que a gente ultimamente é mal remunerada,
né, mas nem por isso é que eu vou descontar nos meninos.
Eu trabalho com o mesmo pique que na época que ingressei”.
Enfatiza que após 24 anos de trabalho “eu saio com o mesmo
entusiasmo de quando eu comecei no prezinho aquela época com 17
anos, 18, eu gosto daquilo que eu faço”.
Outra visão apontada pela cursista é a de que a escola “é
também uma instituição de educação
que procura tirar da marginalidade tantos jovens que estão por
este mundo, fazendo-os adquirirem conhecimentos suficientes pelo menos
para sua sobrevivência”. Ao refletir sobre as dificuldades
e desafios que enfrenta na escola (violência, indisciplina, aprendizagem,
etc.) salientou que o importante é a busca de soluções
sem esperar que alguém ou a instituição o faça
por ela.
Dificuldades e Rotina de Estudos
Em seu Memorial, F1 atesta que enfrentou alguns obstáculos no início
do Curso, misturava os sentimentos e dúvidas, a ansiedade, medo,
alegria, entusiasmo, etc. Além dessas dificuldades, cita a falta
de tempo para se dedicar aos estudos. Para superar esses percalços
procurava a ajuda da tutora e do material didático. Acrescentou
ainda que diante da necessidade de superação não
se deteve ao material didático do Veredas recorrendo a outros livros
e pessoas com formação em curso superior.
1) Na entrevista F1 não deu maiores detalhes sobre as dificuldades
continuarem ou diminuírem com o tempo: “não, continua
a mesma coisa”. Numa tentativa de instigar a professora a falar,
perguntamos se o fato do Veredas não ser presencial não
seria um fator de dificuldade. Ela respondeu somente: “mesmo não
sendo presencial”. Completou dizendo apenas que faz as atividades,
monografia, Memorial, leitura de livros: “a gente nunca fica sem
fazer nada. Tem que tá sempre mexendo”.
2) F2 certifica que teve muita dificuldade no início do Curso chegando
a pensar que não daria conta: “quando eu vi aquele tanto
de livro, aquele tanto de coisa pra ler”. Associou a ansiedade em
dar conta das leituras: “aí eu lia tudo rápido, às
vezes tava pegando o livro e já tava acabando de estudar”.
Observou que com o passar do tempo começou a achar mais fácil
porque percebeu que muita coisa já tinha visto no magistério
e até mesmo na faculdade privada em Pedro Leopoldo: “então,
do meio do curso pra cá eu já não achei dificuldade
não”. Para a professora, as dificuldades passaram a ser a
monografia, mas ainda assim, com o tempo “eu comecei eu vi que não
era nenhum bicho de sete cabeças”. Frisou que as novidades
e o medo do desconhecido no início foram encarados por ela com
seriedade se acostumando com o tempo. O fato do Veredas ser a distância
não foi obstáculo para a cursista enfatizando a assistência
da tutora.
3) F3 ponderou que sentiu dificuldades para fazer o Veredas, já
que há muito tempo estava sem estudar, reconhecendo que retornou
ao hábito do estudo através do PROCAP. Entretanto, se contradiz
ao afirmar “com o Veredas eu não tive tanta dificuldade assim,
não”. Caracteriza difíceis as matérias Filosofia
e Sociologia: “essas matérias a gente teve que estudar mais
para compreender mais, porque eu acho que o nosso nível de compreensão
é ainda baixo e estava baixo pelo fato de ler pouco”.
A professora sente orgulho de seus trabalhos dizendo que após avaliação
“graças a Deus, nunca voltou trabalhos meus com observações
de coisas que estavam erradas”. Contudo, confessa outra obstáculo:
a escrita no padrão culto da Língua Portuguesa. Por isso,
tem vontade de fazer Letras:
“Eu tenho muita dificuldade ao escrever, né, os textos na
língua portuguesa, no padrão culto da língua portuguesa,
eu confesso. Por que eu tenho vontade de fazer Letras, justamente para
tirar essa dificuldade. Eu acho muito bonito as pessoas escreverem aqueles
textos coerentes, coesos, corretos, acho isso muito bonito”.
Para sabermos sobre o compromisso das cursistas com o Veredas perguntamos,
em entrevista, sobre a rotina de estudos e o compromisso com as atividades
realizadas no Programa.
1) F1 afirmou que lê os textos à noite, aos sábados
e domingos: “quando eu pego os livros que tem que ler vou lendo
a noite , eu leio sábado, domingo, vou sublinhando, né,
as partes principais. Depois é que vou mexer com o Memorial e a
monografia”. Quanto à realização de tarefas,
explica que faz as atividades do caderno dos módulos e depois os
entrega. Com relação às atividades coletivas, enumera
as oficinas e as aulas de informática que, segundo ela, foram em
torno de 3 aulas desde que começou o Curso. Notou que as aulas
tiveram o objetivo de auxiliar na configuração do Memorial
e da monografia.
2) F2 conta que planeja o tema a ser estudado separando duas horas à
noite todo dia. Lê, faz resumos, trabalha no Memorial ou na monografia:
“eu ponho dois dias pra estudar um livro, eu tiro um dia pra fazer
Memorial, um pra monografia, eu não misturo não”.
Assegura ainda que não faltou nas atividades presenciais do Veredas
enaltecendo a importância dessas atividades: “procuro tá
participando de tudo, porque eu acho que é importante, né,
já que o curso é a distância então se não
participar você fica por fora do que tá acontecendo”.
3) A professora F3 também separa um tempo para se dedicar aos estudos
que é de 4:00 às 6:00 da manhã, informando que trabalha
à tarde como costureira para completar as despesas ficando cansada
à noite: “dá 10:30/11:00 eu não agüento
mais estudar. Eu acho tempo perdido estudar uma coisa e cochilar em cima
dos livros. O que eu faço: prefiro levantar bem cedinho porque
aí eu levanto com minha cabeça fresca e consigo reter o
que eu tô fazendo”.
O Uso da Informática no Veredas
Sartori situa o desenvolvimento da tecnologia utilizada na EAD no tempo.
Os materiais impressos enviados via correios seriam os de primeira geração
como os jornais, as revistas, apostilas, cadernos didáticos, guias
de estudo. Na segunda geração tecnológica estão
incluídos fitas de vídeo, de áudio, telefone, fax,
etc. A primeira e segunda gerações aliada ao uso da informática
e da internet seria a terceira geração: “a que agrega
as potencialidades telemáticas às tecnologias já
desenvolvidas, fazendo uso de todos os recursos para tornar eficientes
e eficazes modelos educacionais não baseados em encontros face
a face entre quem ensina e quem aprende” (SARTORI, 2002, p.126).
A terceira geração caracterizaria bem o Veredas. A partir
do exposto acima, consideraremos neste trabalho como recursos tecnológicos
para efeito de aprendizagem das cursistas desde os materiais impressos
até a comunicação via internet.
Sobre os materiais didáticos oferecidos pelo Veredas, as cursistas
enaltecem sua qualidade, principalmente no tocante aos materiais impressos.
Em seu texto, F1 elogia: “o material didático é muito
bom, tem um ótimo conteúdo, textos fáceis, linguagem
clara”. No mesmo sentido, em entrevista, F2 concorda: “os
livros ótimos, os textos muito atuais, sabe, não deixando
nada a desejar de uma faculdade de ensino regular”.
F3 também exalta o material impresso dizendo que irá reler
alguns conteúdos depois que o Curso acabar: “principalmente
sociologia, filosofia que ficou muita coisa ainda sem que eu compreendesse,
então eu gostaria até de reler se eu tiver oportunidade...Então
ele enriquece muito”.
1) Perguntamos para as cursistas se elas conhecem e utilizam o site com
as informações do Veredas com a intenção de
sabermos se a internet se constitui num auxílio em sua aprendizagem.
F1 garante conhecer e utilizar o site e o canal de rádio via web.
A cursista declara gostar mais do site devido a contribuição
que esse oferece para o planejamento de seus estudos: “Agora eu
prefiro o site só do Veredas. Ali tem as atividades que cê
vai fazer, os eventos que têm, vem falando de trabalhos, provas,
tem tudo”.
2) A professora F2 relata que já acessou a rádio Veredas.
Porém, observa que há pouco tempo tentou e não conseguiu
acessar, realçando o site: “ajuda muito, inclusive eu peguei
muita coisa pra minha monografia”.
3) No entanto, F3 lamenta não ter tido a oportunidade de acesso,
visto que não possui computador em casa e, apesar de ter computador
na escola o acesso à internet é negado. Frisa que: “não
ter computador é um entrave muito grande na minha vida. Eu tive
dificuldade de desenvolver meus trabalhos”. Acrescenta que seu horário
de estudo em casa é reservado para as leituras dos livros e os
rascunhos dos trabalhos para então poder somente digitar na escola.
Em entrevista, F3 reclama que a informática do Veredas foi superficial
tendo a necessidade de fazer um curso particular para dar conta e fazer
os trabalhos e quando precisa, utiliza o computador da escola, já
que não possui esse aparelho em casa.
Os vídeos do Programa não foram citados nos Memoriais e
entrevistas como recursos tecnológicos utilizados no apoio à
aprendizagem a distância.
A Contribuição do Veredas Para a Formação
Pedagógica do Ponto de Vista das Cursistas
A partir da leitura dos Memoriais e das entrevistas das cursistas F1,
F2 e F3, percebemos a importância atribuída por elas ao Veredas
para a sua formação pedagógica. As professoras expressaram
em seus textos a satisfação de estar fazendo o Curso que,
segundo elas, está ajudando-as a melhorar a prática pedagógica
das mesmas.
1) F1 ressaltou que o curso possibilitou uma reflexão sobre o trabalho
em sala de aula, trocas de experiências e aperfeiçoamento
profissional. Enfocou que “me ajuda na prática pedagógica,
na avaliação de resultados dos alunos, a entender finalidade
do PPP (Projeto Político Pedagógico), me ensina a transmitir
os conteúdos aos alunos”. Dessa forma, a professora acredita
que sua atuação pedagógica em sala de aula mudou
desde o início de sua participação no Projeto Veredas.
Em entrevista, F1 cita a contribuição dos conteúdos
curriculares: “tem certos conteúdos que ajuda demais”.
Avalia que voltou a ler outros conteúdos que não os disciplinares:
“de vez em quando aí eu lia uns livrinhos. Agora eu já
pego Perrenoud, Zabala, mas antigamente não, eram os saberes mais
curriculares. Geralmente pegava o livro didático para dar aula”.
2) F2 faz uma análise, em seu Memorial, da contribuição
do Veredas dizendo que ampliou seu olhar para coisas que não percebia
antes. Afirma que procura aproveitar ao máximo o Curso, que está
aprendendo e crescendo muito e isso está se refletindo também
na aprendizagem de seus alunos:
“O Veredas abriu as portas para que eu possa aprimorar mais meus
conhecimentos e refletir minha prática pedagógica através
de um profundo estudo, utilizando informações importantes
dos diversos componentes curriculares do curso. São conceitos e
idéias que me ajudam a crescer como profissional e principalmente
como pessoa, quando vejo que consigo dar mais de mim para o crescimento
intelectual dos alunos”.
3) F3 exaltou a importância do Curso para sua formação:
“antes do Veredas, eu sempre segui os livros didáticos à
risca, mantinha os alunos sempre enfileirados, sem quase nada de novo.
Agora com os estudos dos textos dos módulos estou sentindo que
a mudança está acontecendo pouco a pouco e o meu aluno está
mais feliz”. De acordo com o Memorial, a professora tem procurado
colocar em prática algumas das teorias estudadas no Curso mudando
o ambiente da sala de aula, organizando as tarefas para que os alunos
trabalhem em duplas e grupos, refletindo sobre a relação
professor-aluno.
Conclusão
Neste estudo, abordamos o Projeto Veredas, que visa a formação
dos professores em serviço da Rede Municipal e Estadual de Minas
Gerais na modalidade da educação a distância, para
habilitá-los em nível superior para o magistério
nos primeiros anos do ensino fundamental.
De acordo com a análise dos Memoriais, a formação
inicial das cursistas é o magistério. F1 continuou seus
estudos com o Curso de Licenciatura Curta em História em faculdade
privada, em Belo Horizonte. F2 começou a fazer Pedagogia na cidade
de Pedro Leopoldo, mas interrompeu para fazer o Veredas. F3 não
chegou a começar nenhum curso em nível superior, porém
fez outros cursos de aperfeiçoamento.
Pudemos constatar com os depoimentos orais e escritos das professoras
os diferentes motivos para continuarem a se aperfeiçoarem na profissão
como o direito de continuar a exercer a profissão, a necessidade
de atualização e o sonho de ingressar em um Curso Superior.
F1 afiança que só está no Veredas para ter o direito
de continuar trabalhando na Prefeitura: “eu estou fazendo o Veredas
por causa da prefeitura porque eles falaram que tinha de fazer, se não,
não tinha feito porque meu curso é de licenciatura curta.
Se eu fosse fazer vestibular iria completar meu curso de História
e Geografia”.
Já a professora F2 relata que o estudo é algo muito cobrado
na Prefeitura e que era necessário se atualizar na profissão:
“na Rede a gente é muito cobrada, assim, a estudar mesmo,
principalmente na Rede Municipal. Então eu vi que na minha escola
só tinha eu e uma colega minha sem curso superior, então
eu falei vou ter que estudar muito, né, porque tá todo mundo
aperfeiçoando em pós-graduação e eu só
com curso em magistério, então eu sempre corri atrás”.
A cursista informa que começou fazer Normal Superior em outras
escolas particulares, entretanto havia o empecilho financeiro: “comecei
na Fafi não tive condição de pagar, em Pedro Leopoldo”.
Sobre o Veredas, afirma que “este caiu feito uma luva e também
pra tá colocando na sala de aula o que eu tô aprendendo aqui”.
F3 declara que sempre teve vontade de continuar seus estudos fazendo curso
superior, seu sonho era fazer Letras. No entanto, havia o entrave de no
interior não haver faculdades. Mesmo depois de estabelecida em
Belo Horizonte e dobrando turno de trabalho, seu salário não
dava para pagar faculdade particular, pois era arrimo de família.
Sobre o Veredas afirma apenas que “esse curso é muito rico,
acrescentou muita coisa na minha carreira, mas muita coisa já sabia.
Eu sempre fiz cursinhos de aperfeiçoamento. Então, eu não
tô assim, tão por fora de tudo, certo?” A cursista
F3 reforça no Memorial, a importância da formação
continuada ao se referir ao módulo III:
“ao término de mais uma unidade estou percebendo a importância
de um professor estudar, procurar rever sua prática, promover reuniões
com o objetivo de discutir com os colegas os problemas mais sérios
que acontecem numa escola, sejam eles: indisciplina, violência,
aprendizagem...”
As considerações das docentes enaltecem a importância
da formação continuada. Procuramos saber, em entrevista,
então como o Veredas se tornou uma alternativa de estudo. F2 e
F3 atestaram que fazem este Curso por questões financeiras pois
seus salários impossibilitam o pagamento de uma faculdade particular.
F1 observou a obrigação por parte do governo. Para ela,
outro motivo seria a falta de tempo para se dedicar aos estudos citando
o fato de o Veredas ser um curso de educação a distância.
Em entrevista, F1 disse que não escolheu o curso, está fazendo
por causa da Prefeitura. Acrescentou ainda que “o fato do Veredas
ser a distância também influenciou por causa do tempo, do
trabalho nos dois turnos”.
Para F2, a escolha se pautou por condições financeiras tanto
porque não tem possibilidades de pagar escola particular quanto
pelo fato de a Rede Pública Municipal pagar salários por
habilitação: “então, quem fez só magistério
o salário é um quem tem curso superior o salário
é outro”. Relata que apesar das dificuldades financeiras
como o gasto de gasolina, já estava no 2º período da
Faculdade de Pedro Leopoldo quando surgiu o Veredas. Certifica que ficou
receosa e com remorso de largar o curso e ingressar no Veredas. Aceitou
a idéia após incentivo de uma colega: “eu não
queria largar Pedro Leopoldo, as colegas, eu tava amando. E uma colega
da escola falou: você vai arrepender, porque cê sair com um
diploma da UFMG...”. Nota que por o curso não ser pago “veio
a calhar”.
F3 também alega ter escolhido o Curso por questões de ordem
financeira: “Escolhi o Veredas pelo fato de não pagar. Pelo
fato de eu não ter gastos do meu bolso porque esse me faz muita
falta. Eu acho que se não fosse este eu estaria ainda sem estudar”.
Acreditamos que a EAD pode ser uma alternativa, não só pelo
aumento do número de vagas disponíveis, mas também
porque pode oferecer oportunidades para o aperfeiçoamento profissional
do professor. Mas concordamos com as inquietações de autores
que defendem a educação a distância sobre a necessidade
de uma boa qualidade do ensino. Lobo Neto (1991) aponta ser essencial
a presença no curso de um projeto pedagógico. Guimarães
(1996/97) crê que a alta qualidade pedagógica dos materiais
de instrução se constitui em fator de atração
e compreensão do aluno suprindo a questão presencial.
Constatamos com as entrevistas a qualidade dos materiais pedagógicos
do Curso que incluem os didáticos impressos e os recursos tecnológicos.
As cursistas enalteceram o material impresso dizendo: “livros ótimos;
textos fáceis; linguagem clara; atuais”. No entanto, não
opinaram sobre o uso ou a qualidade dos vídeos do Programa, apesar
de termos conhecimento do empréstimo desse material por parte da
tutora algumas vezes. Isso denota, talvez, uma concepção
incompleta ou distorcida sobre o significado de materiais pedagógicos.
No entanto, utilizam esse tipo de recurso no ambiente escolar como professoras,
por exemplo, computadores que auxiliam na aprendizagem da escrita e nas
tarefas de pesquisa, retro-projetores, cd’s e vídeos, porém,
não citaram o uso de cartazes, jornais ou revistas.
Com os depoimentos orais percebemos que a informática tem se constituído
em ferramenta de aprendizagem para as cursistas como deseja o Veredas.
F1 e F2 utilizam o Portal Veredas para buscarem informações
sobre a programação do Curso e pesquisarem referências
bibliográficas para a construção de textos. Entretanto,
F3 não dispõe das mesmas vantagens que as outras por não
possuir computador em casa e ter acesso dificultado a esse aparelho no
ambiente escolar para internet. Utiliza-o apenas para digitar seus trabalhos.
Acreditamos na qualidade do Curso Veredas constituído na modalidade
de EAD. Contudo, para que a qualidade de ensino seja satisfatória
e possa promover a aprendizagem do aluno, é necessário que
ele faça sua parte, ou seja, ao ingressar em um curso deve ser
comprometido esforçando-se para realizar as tarefas e estudos ainda
que estes sejam a distância. Por isso, procuramos compreender como
se deu o envolvimento das cursistas com o Veredas, já que nenhum
curso, mesmo presencial, garante sozinho a aprendizagem e aproveitamento
de seus alunos.
Para F1 e F2 a educação a distância a princípio
não foi fator de obstáculo nos estudos. O depoimento de
F3, no entanto é contraditório, pois afirma que estudar
sozinha era um obstáculo e, depois argumenta que não teve
muita dificuldade com o decorrer do curso, enaltecendo inclusive a correção
de seus trabalhos.
Para vencer esses percalços, as docentes estabeleceram uma rotina
de estudos para cumprirem as atividades de leitura, exercícios,
redações como Memorial e monografia. F1 estuda à
noite e aos finais de semana dando preferência primeiro às
leituras dos módulos e depois Memorial e monografia. Participa
das atividades coletivas, oficinas e aulas de informática.
F2 informa que separa um tempo também à noite, a cada dia
se dedica a um tema diferente. Considera importante a participação
das atividades na AFOR para não ficar “por fora do que tá
acontecendo”. F3 estuda de madrugada, pois não consegue estudar
depois da rotina de trabalho e porque se dedica aos filhos neste horário.
Nesse sentido, F3 opina no Memorial que para vencer as dificuldades desse
Curso sem ajuda de um professor é preciso interesse e boa vontade:
“somente as pessoas organizadas e com vontade própria darão
conta desse curso a distância. Pois o mesmo exige que o interessado
corra atrás, busque alternativas e encontre saídas para
suas dificuldades”. Em entrevista, reforça que:
“Às vezes, o fato de ser a distância atrapalhou porque
tinha dúvida. Tinha que procurar o colega, estudar sozinho com
dicionários, entende? Mas ao mesmo tempo, dependeu da boa vontade
de cada um, certo? Não acho que o professor em sala de aula, no
nosso caso, já somos adultas, né. Mas eu aceitei bem a maneira
pela qual o curso foi aplicado”.
Como vimos acima, além da qualidade que se espera de um Curso é
desejável também que o aluno se comprometa para uma aprendizagem
condizente e satisfatória. É nessa relação
que acreditamos: entre o Veredas e o professor-cursista, entre saber acadêmico
e experencial. Julgamos essencial e fecunda essa troca de saberes.
Ao refletir a prática pedagógica, o professor estará
refletindo a respeito de seus valores, normas e condutas pessoais que
adota no meio escolar. Zeichner (1995 a) frisa que a prática reflexiva
deve estar presente na formação dos professores associada
aos conhecimentos externos referentes ao aspecto de ensino-aprendizagem.
A associação entre Universidade e os saberes experenciais
é ressaltada por Nóvoa (1995), Tardif (2002) e Candau (1999).
A autora assegura que os professores buscam a formação continuada
nas Universidades através de acordos com secretarias de educação,
vagas nos cursos de graduação para professores das redes
de ensino; acordos para cursos específicos para fins de aprimoramento,
presencial ou a distância (CANDAU, 1999). Corrobora a importância
da relação entre teoria e a prática em que os saberes
da Universidade não ficam restritos a esta instituição
caracterizando a formação continuada (CANDAU apud FRAZON,
2001).
As professoras afirmaram que o Projeto ajuda em sua formação
melhorando na prática pedagógica, principalmente através
dos conteúdos curriculares modulares. Todas argumentaram nos Memoriais
e entrevistas que têm refletido sobre a prática pedagógica
tanto em questões referentes ao ensino quanto à aprendizagem
dos alunos.
F1 garante que os conteúdos ajudam-na a entender o Projeto Político
Pedagógico, a troca de experiências e o aperfeiçoamento
profissional. Para F2, a reflexão da prática e de sua história
pessoal deve ser entendida como uma exigência “na formação
de um bom professor”. F3 enaltece o Curso asseverando que mudou
sua prática pedagógica, pois além dos livros didáticos
procura outras fontes de informação ficando mais segura
refletindo na aprendizagem de seus alunos. Tem buscado colocar algumas
teorias do Veredas em prática como o trabalho em duplas e grupos
e aspectos relacionados à relação professor-aluno.
Estamos de acordo com Nóvoa (1995 a) ao afirmar que deve haver
uma articulação entre a formação e o que ele
chama de projectos das escolas. Isso faz com que haja o desenvolvimento
profissional dos professores. O conceito de desenvolvimento profissional
dos professores é explicado por Garcia (1995 a). Para ele, o termo
desenvolvimento sugere continuidade e evolução superando
“a tradicional justaposição entre formação
inicial e aperfeiçoamento dos professores” (GARCIA, 1995
a, p.55, grifos no original) tanto na perspectiva individual quanto no
seio coletivo.
Como Sacristán, acreditamos que o professor não é
um técnico nem um improvisador, mas sim um profissional que pode
utilizar o seu conhecimento e a sua experiência para se desenvolver
em contextos pedagógicos preexistentes (SACRISTÁN, 1995
b).
Diante do exposto acima, salientamos a importância e a contribuição
que o Projeto Veredas assume para as professoras. Vimos que, por seus
depoimentos, talvez, se não fosse este Curso continuariam somente
com a formação inicial em magistério devido, principalmente,
a condições financeiras, empecilho maior para fazer um curso
particular. Com o Programa, as professoras estão se sentindo mais
seguras por terem um diploma de curso superior que, segundo elas, lhes
garantirá a permanência no emprego e também o aumento
salarial. Além disso, declaram a satisfação com o
Programa, afirmam estar refletindo sua prática a partir da teoria
confirmando, mais uma vez, a importância da Universidade e a valorização
dos saberes da experiência.
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