Cláudia das Graças Fernandes. Universidade
São Francisco – USF
Resumo
Este artigo tem como objetivo refletir sobre a linguagem
dos prefácios e seus desdobramentos nos contos da obra Tutaméia
de João Guimarães Rosa. Escolhemos como foco de pesquisa
a linguagem dos prefácios e dos contos, visto que acreditamos que
é através do relacionamento entre eles que ocorre a unidade
da obra. Verificamos primeiramente porque Tutaméia foi (e ainda
é) a obra menos estudada de Guimarães Rosa. A primeira hipótese
é de que o escritor mineiro pretendia desafiar a narrativa convencional,
e, a segunda é de ele pretendia despertar no leitor um elemento
fundamental para a leitura – a paciência. A primeira edição
de Tutaméia foi em 1967, muitos críticos consideraram a
obra “menor” em relação às obras Sagarana
e Grande Sertão: Veredas, visto que a obra é composta por
quatro prefácios e quarenta contos curtos, essa organização
não foi compreendida pelos críticos e leitores da época
(e atual), já que a função do prefácio assumiu
outro sentido, e infelizmente G. Rosa faleceu três meses após
a publicação da obra, deixando muitos questionamentos sobre
quais eram sua intenção em publicar uma obra tão
diferente dos demais textos do escritor. Na tentativa de encontrar uma
possível resposta elaboramos esta pesquisa, com o intuito de corroborar
com os estudos literários da obra desse importante escritor da
Literatura Brasileira – João Guimarães Rosa –
para isso, fizemos um recenseamento teórico sobre o gênero
conto, bem como dos críticos da obra Tutaméia.
Introdução
Este artigo tem como objetivo refletir sobre a linguagem
dos prefácios e seus desdobramentos nos contos da obra Tutaméia
de João Guimarães Rosa. Tivemos o interesse por Tutaméia,
por tratar de uma obra pouco estudada, mas principalmente porque suas
narrativas assumem diferentes sentidos. Escolhemos como foco de pesquisa
a linguagem dos prefácios e de alguns contos representativos, da
obra, visto que e acreditamos que é através do relacionamento
entre eles que ocorre a unidade da obra.
A necessidade de delimitar um objeto de pesquisa nas aulas de Estudo Dirigido
fez com que buscássemos um autor e obra para realizarmos nosso
Trabalho de Conclusão de Curso, doravante TCC. Assim, fizemos uma
reflexão sobre nossas preferências literárias e concluímos
que o desafio seria trabalhar com uma obra de João Guimarães
Rosa, já que todas as narrativas do escritor havia um elemento
que dificultava a compreensão do texto – a linguagem, que
difere dos demais escritores.
A partir da escolha do autor, fizemos um levantamento das obras, e descobrimos
que Tutaméia, era a obra menos estudada, e foi movido pela curiosidade,
em saber o porque que essa obra foi (e ainda é) a menos estudada,
já que todas as outras receberam (e ainda recebem) inúmeros
textos críticos, que a escolhemos.
Iniciamos a leitura, e pudemos verificar que a obra tinha uma linguagem
difícil, e tivemos a necessidade de ler e reler várias vezes
o primeiro texto, e pudemos perceber que cada releitura nos fazia ter
uma compreensão do texto. A partir dessas releituras, percebemos
que os prefácios desempenham na obra uma função norteadora
da unidade da obra, ou seja, as leituras dos prefácios seguidas
dos contos dão a obra uma unidade, exatamente o que não
acontece quando lemos pela primeira vez.
Dessa forma, decidimos investigar os elementos semânticos da linguagem
de G. Rosa nos prefácios e seus desdobramentos nos contos, verificando
se o autor faz uso das características do gênero literário
conto, bem como a diferente função dos prefácios.
Assim, para atingirmos o objetivo, elaboramos a seguinte pergunta de pesquisa:
como as reflexões sobre a linguagem nos quatro prefácios,
manifestam-se nos contos de Tutaméia? Acreditávamos que
G. Rosa propôs a discussão de falar sobre o “tudo”
dizendo “nada”, uma reflexão aparentemente simples,
visto que o autor apresenta essa discussão por meio das anedotas,
adivinhas, ditados populares, mas que requer do leitor a paciência
para compreender que através da forma simples do homem existe uma
grande sabedoria na visão do mundo.
Para facilitar este trabalho dividiremos em três momentos: I –
A Metodologia e o desenvolvimento da pesquisa; I I-A análise dos
dados e III – Conclusão.
I) A METODOLOGIA E O DESENVOLVIMENTO DO PROJETO
O projeto foi realizado a partir da seguinte pergunta
de pesquisa: como as reflexões sobre a linguagem nos quatro prefácios,
manifestam-se nos contos de Tutaméia? Acreditamos que o escritor
mineiro além de propor a reflexão sobre a visão do
homem diante do mundo, ele também intencionava desafiar a narrativa
convencional, criando uma obra ficcional diferente, pois apresenta um
elemento literário – o prefácio, com outro sentido,
que não é o dicionarizado.
Para responder nossa pergunta, verificamos o que os teóricos diziam
sobre o gênero conto, assim como os prefácios e encontramos
no Dicionário de Termos Literários (MOISES, 1974, p.98)
o seguinte significado: “do latim computu(m), cálculo, conta,
ou cont(m); [Grego] kóntos, extremidade da lança; ou commentu(m),
invenção, ficção, ou deverbal de computare,
calcular, contar.”
Segundo Moisés, o conto passou por diversas transformações
na história, em virtude das formas que o revestiam. Na Idade Média,
”o conto designava a simples enumeração ou relato
de acontecimentos, sem vincurlar-se particularmente a determinado tipo
de expressão literária, em seu lugar usava-se a palavra
fábula ou apólogo” ( MOISES,1974, p.98).
Após o século XVI, a palavra conto dividiu espaço
com o vocábulo de origem italiana “novela”, adquirindo
nesse momento o sentido conotativo, mas foi no século XIX que o
conto assumiu sua função como gênero literário,
pois disvinculou-se da novela passando a ser visto como estrutura diferenciada.
Em uma apreciação mais apurada sobre o conto, vimos que
para o mais célebres contistas, Edgar Allan Poe que o problema
da ficção é construí-la segundo uma seleção
criteriosa: e aconselha:
Eu prefiro começar a consideração
de um efeito. Mantendo sempre a originalidade em vista, pois é
falso a si mesmo quem arrisca a dispensar uma fonte de interesse tão
evidente e tão facilmente alcançável, digo em primeiro
lugar: “Dentre os inúmeros efeitos, ou impressões
a que são suscetíveis o coração, a inteligência
ou, mais geralmente, a alma, qual irei eu, na ocasião atual, escolher?”,
Tendo escolhido primeiro um assunto novelesco e depois com um efeito vivo,
considero se seria melhor trabalhar com os incidentes ou com o tom. (POE,
1987, p.110).
Outra apreciação sobre o conto é feita por Júlio
Cortazar, importante contista argentino, que aponta algumas características
peculiares do conto ao compará-lo ao romance, um gênero popular
e mais extenso. Para Cortázar, um bom conto não ultrapassa
vinte páginas, ou seja, a delimitação do espaço
é fundamental, assim como a precisão e dos limites da narrativa
devem ser rigorosamente seguidas, visto que os elementos de um conto não
apresentam gratuitamente.
A partir das considerações desses autores, bem como de textos
específicos de outros teóricos como Ricardo Piglia e Wolfgang
Kayser, nos ajudaram a verificar se a obra Tutaméia apresenta esses
elementos do conto.
Entretanto, pudemos perceber que somente os elementos dos contos, não
nos ajudariam a encontrar a resposta a nossa pergunta de pesquisa, assim
buscamos nos trabalhos dos críticos da obra rosiana a ajuda para
compreender a linguagem de Guimarães Rosa.
Segundo Novis (1989, p.23), a “paciência” é a
qualidade necessária ao leitor e o núcleo da obra Tutaméia,
uma vez que é freqüente a menção ao atributo
nas epígrafes; os prefácios e os contos são também
permeados pelo elogio dessa qualidade. O próprio Guimarães
Rosa diz que é necessário obedecer à regra básica
do jogo da leitura, que exige a paciência, uma vez que somente pela
releitura do texto é que o leitor conseguirá ver o outro
texto. Para Novis, os prefácios não apenas anunciam o assunto
a ser abordado como, entre um prefácio e outro, há uma ligação;
assim, todos os contos e prefácios integram-se entre si.
Outra crítica de Tutaméia é Irene Simões,
que assim como nós escolhemos o trabalho com os prefácios
para a compreensão da obra. Assim, o estudo de Simões (198__,
p.19) atenta que,cada prefácio pretende responder a uma pergunta:
O que é estória? Qual sua matéria básica?
Como ler a estória? e Qual é o processo de criação?
A autora diz que, para responder estas perguntas, é
necessário entender o que é o prefácio. Etimologicamente
significa “fala antes”, em um texto ou na advertência,
é ordinariamente breve, antecedendo a obra e apresentando-a ao
leitor (FERREIRA, apud SIMÕES 2001, p.588), pois só assim
entendemos o qual a função dos quatro prefácios na
obra.
De acordo com Aristóteles (1985, p. 206), o primeiro a teorizar
sobre os discursos introdutórios, o exórdio “é
o começo do discurso; o que lhe corresponde em poesia é
o prólogo, na aulética, o prelúdio”. Esse termo
antecede historicamente a palavra prefácio.
Segundo o filósofo, o discurso demonstrativo exprime logo de inicio
o que se pretende apresentar. O exórdio, como parte deste discurso,
indica o assunto a ser discutido. Aristóteles fala sobre a função
dos exórdios, porque na época essa era uma regra que deveria
ser seguida pelos oradores.
Segundo César Giusti (2004, p.03), Aristóteles propôs
aos exórdios as diversas funções que os prefácios
apresentam na obra literária, assim discriminada: Demonstrativa,
Sinestésica, Pertinente, Topológica e Didascálica.
A primeira função refere-se à metalinguagem do processo
da criação. A segunda apresenta a visão univisual
do autor diante da obra. Na terceira função, o prefácio
é uma gratuidade da obra, não tendo razão de ser,
visto que ele não quer ser a ficção. Na penúltima,
é o uso retórico de forma tradicional, como ornamento do
discurso introdutório. E, na última função,
é a pedagogia de leitura, ou seja, a metapoética, que é
falar sobre a linguagem do prefácio.
As considerações dos críticos e do filósofo
nos fizeram concordar com a definição de Simões a
respeito dos prefácios:
[...] possuem função norteadora e se, de
um lado, "desviam” a atenção do leitor e obrigam-no
a refletir, por outro, conduzem ao centro e enigma das estórias,
cujas facetas poderiam ser assim representadas: o avesso da linguagem
(“Aletria e Hermenêutica”), a invenção
da palavra (“Hipotrélico”), a dupla realidade (“Nós,
os temulentos”), o mundo representado (“Sobre a Escova e a
Dúvida”). Essas quatro facetas multifazem-se em outras e
fundem-se em torno de um único tema: o questionamento da linguagem,
do homem e do mundo. (SIMÕES, 1979, p.25).
.
A seguir faremos a análise sucinta de dois prefácios, visto
que aqui nosso maior objetivo é expor a realização
da pesquisa, sobre a linguagem e seus desdobramentos nos contos de Tutaméia.
II) – Análise dos dados.
Analisamos o nessa pesquisa dois prefácios, que
julgamos fundamentais para a unidade da obra, são eles o primeiro
“Aletria e Hermenêutica” e o último “sobre
a Escova e a Dúvida”
O primeiro prefácio é considerado a primeira barreira dentro
da obra, assim como os demais. As discussões apresentadas por G.
Rosa neste prefácio refere-se a reflexão sobre o humor,
anedota de abstração, o não-senso.
O autor propõe ao homem brincar com as palavras, criando uma nova
realidade, um mundo encantado, de forma que possamos ler o mundo por um
ângulo anedótico.
De acordo com Simões (1979, p. 30):
“em Aletria e Hermenêutica, o autor propõe
uma nova matéria para a estória, este prefácio revela
uma proposição, consciente em relação à
desautomatização da linguagem, a procura da palavra “indispensável”que
melhor traduza a informação estética, o que , no
fundo, é proposto pelo autor em seus contos”.
Ao mesmo tempo em que é proposta a brincadeira
com as palavras, G. Rosa discute outro assunto nesse prefácio,
os paradoxos, a oposição entre o “tudo e o nada”,
que inicialmente mencionamos neste trabalho, retomam para considerarmos
que além dessa reflexão esse prefácio anuncia o real
posicionamento do escritor diante da obra, tanto que permeia os elementos
mais profundos do homem, ou seja, os questionamentos mais invisíveis
do indivíduo. A linguagem deste prefácio é com tom
anedótico e simples
Já o segundo, analisa o que finaliza a obra “Sobre a Escova
e Dúvida”. A linguagem presente neste prefácio é
a erudita e a oral, é a retomada dos três prefácios.O
jogo entre a oposição erudita e popular faz com que a obra
adquira a unidade proposta pelo escritor mineiro, refletir sobre o tudo
dizendo o nada, fazer as oposições dos elementos naturais
do dia a dia do homem, visto que é dessa forma que o homem adquire
sabedoria.
De acordo com Simões (1979, p.35) “Sobre a Escova e a Dúvida”-
o mais longo dos quatro prefácios – caminha em direção
a indagações transcendentes. E cada uma das partes aprofunda
a anterior”. Podemos dizer, de acordo com Simões, que neste
prefácio inicia as indagações a cerca da Literatura.
Essa análise sucinta nos fez concluir a seguir que o autor pretendeu
com essa obra, propor uma nova teorização literária.
III) Conclusão
Ao finalizarmos nossa pesquisa chegamos a seguinte conclusão
que a linguagem usada por João Guimarães Rosa nos prefácios,
bem como nos contos exercem a função de elo entre autor,
leitor e estórias, e para isto o autor utiliza uma linguagem lúdica
e anedótica, já que é através do humor que
a criação das palavras (sentidos) do autor acontece, pois
para o escritor mineiro a liberdade de criação é
o bem mais sublime do homem. Assim, concluímos que a linguagem
lúdica proposta por ele, tem como objetivo libertar o homem da
visão única de um dado objeto. Dessa forma, acreditamos
que de maneira geral conseguimos encontrar uma possível resposta
para a linguagem de G. Rosa.
IV)- Referências Bibliográficas
ARISTÓTELES, Arte Retórica - Arte poética,
in: Exórdio. SP, DIFEL. 1964 (Col. Clássicos Garnier).
CORTÁZAR, Julio. Valise de Cronópio, 2ª Edição.
São Paulo. Editora Perspectiva, 1993. Debates
MOISÉS, Moisés. Dicionário de Termos Literários,
19 ed. São Paulo: Cultrix, 2002.
NOVIS, Vera. Tutaméia: Engenho e arte. São Paulo: Perspectiva,
1989.
POE, Edgar Alan, Poemas e Ensaios, RJ, Globo, 1987, p. 109 –122.
SIMÕES, I. G. Guimarães Rosa: As Paragens Mágicas.
São Paulo: Perspectiva, ?. Debates.