João Cardoso Palma Filho - Instituto de
Artes - UNESP
Introdução
Em meados dos anos 1980, a Secretaria de Estado da Educação
do Estado de São Paulo, através da Coordenadoria de Estudos
e Normas Pedagógicas (CENP) em conjunto com professores das Universidades
Estaduais do Estado de São Paulo deu início ao processo
de revisão dos Guias Curriculares, que até então
era o currículo oficial das escolas estaduais de ensino fundamental
e de ensino médio.
Com a realização das eleições diretas para
os governos dos estados, em São Paulo saiu vencedor o candidato
do PMDB, senador André Franco Montoro, que em sua proposta como
candidato enfatizava a reorganização da educação
básica, tendo em vista ampliar o acesso e a permanência a
esse nível da educação.
Foi nesse novo contexto político que foi elaborada e discutida
com os professores e demais segmentos do magistério paulista (diretores,
supervisores e coordenadores pedagógicos) a proposta curricular
de Língua Portuguesa.
Os estudos realizados pela equipe técnica de Língua Portuguesa
assessorada por professores do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL)
da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), marcaram o início
de uma mudança na forma de “ver” e trabalhar o ensino
da língua.
O trabalho que estamos apresentando nesta mesa redonda procura resgatar
os momentos mais importantes na trajetória de elaboração
e discussão dessa proposta curricular com destaque para as repercussões
que alcançou na mídia impressa e na Assembléia Legislativa
do Estado de São Paulo.
Os antecedentes
Foi longo o caminho percorrido até a elaboração da
Proposta Curricular (Versão Preliminar). Os primeiros estudos começaram
no ano de 1976 e nem estavam voltados para o ensino de 1º Grau. Tudo
começou quando a Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas
(CENP) da Secretaria de Estado da Educação designou um grupo
de trabalho, integrado por técnicos da equipe curricular de Língua
Portuguesa , com a tarefa de elaborar a Proposta Curricular de Língua
Portuguesa para o ensino de 2º Grau. O ponto de partida foi o Guia
Curricular de Língua Portuguesa para o ensino de 1º Grau (1975).
Estes são, portanto, os antecedentes remotos.
Como primeiro passo foi produzido um conjunto de textos que tinha por
objetivo fornecer subsídios à implementação
da Proposta Curricular de Língua Portuguesa para o Ensino de 2º
Grau.
Os temas tratados eram os seguintes:
• Reflexões preliminares, que completava a proposta curricular,
explorando a noção de texto e dando uma série de
exemplos;
• Recepção de textos;
• Produção de textos;
• Variação lingüística e normas pedagógicas;
• Estrutura da Língua Portuguesa;
• Abordagens históricas da Língua Portuguesa;
• Revisão de automatismos;
• Coletânea de textos para o ensino de Português, língua
materna
Estes estudos iniciais consubstanciam uma verdadeira mudança no
modo de “ver” e trabalhar o ensino da língua.
Os antecedentes mais próximos localizam-se nas seguintes ações:
1. 1981/1987. O desenvolvimento de ações de educação
continuada envolvendo professores e gestores de educação,
por meio de cursos ministrados em convênios com as Universidades
(USP/UNESP/UNICAMP). A partir do ano de 1983 os temas relevantes à
construção da Proposta Curricular passaram a ser priorizados
na organização curricular dos cursos. Vale dizer, que questões
que só iriam aparecer na Proposta em 1986, já muito antes,
por meio dos cursos, estavam sendo discutidas com os professores e gestores
de educação.
2. 1984 – Há reorientação do trabalho da monitoria
existente nas Delegacias de Ensino. As ações voltaram-se
para o repensar crítico do ensino da Língua Portuguesa,
principalmente da prática de leitura e da produção
de textos. Esta reorientação marca também uma maior
aproximação das equipes técnicas da CENP com os problemas
concretos enfrentados pelas escolas. Um outro acontecimento que contribui
de forma decisiva para essa mudança foi a criação
do Ciclo Básico (CB).
3. 1984/1985. O surgimento do Projeto IPÊ, programa de educação
continuada posto em prática pela Secretaria de Estado da Educação,
sob a coordenação da CENP, visando o aprimoramento profissional
de professores, em serviço, teve o seguinte desdobramento no caso
do ensino da língua:
a) Orientações voltadas para a alfabetização,
abrangendo a totalidade dos professores em exercício no Ciclo Básico.
b) Orientações voltadas aos professores de Língua
Portuguesa, procurando oferecer fundamentos para o repensar da prática
educativa.
c) 1985 – Cursos de atualização para os monitores
das Delegacias de Ensino, organizados pela Equipe Técnica de Língua
Portuguesa da CENP, com assessoramento do Instituto de Estudos da Linguagem
da UNICAMP.
Estes cursos visavam os seguintes objetivos:
• Discussão dos pressupostos teóricos fundamentais
para a revisão do ensino da língua.
• Discussão das formas de atuação com a rede
de escolas estaduais e levantamento de subsídios para a elaboração
de uma proposta para o ensino de Língua Portuguesa.
• Coleta de informações para uma proposta de ensino
de Língua Portuguesa para as séries iniciais subseqüentes
ao Ciclo Básico. Pretendia-se, por meios destas orientações
e cursos, obter um retorno que expressasse, de forma crítica, o
ensino de Língua Portuguesa.
4. 1986. – A proposta foi sendo paulatinamente construída
e reconstruída até a definição da 1ª
versão preliminar, que foi submetida, em julho de 1985, à
apreciação crítica de vinte professores por Delegacia
de Ensino. Nessa fase, a Proposta também foi avaliada por professores
universitários (USP, UNESP, UNICAMP, PUC/SP). Esta discussão
com as Delegacias de Ensino gerou cento e dezoito relatórios que,
juntamente com as críticas e sugestões das universidades,
foram considerados na reformulação do texto preliminar.
5. – 1987 – Nos dias 27, 28 e 29 de julho foi realizada em
todas as escolas da rede estadual a discussão da 2ª versão
preliminar da Proposta.
Estrutura e organização da proposta curricular
Esta contém uma introdução e três partes, além
de extensa bibliografia. Na primeira parte “subsídios para
a reflexão curricular”, discute-se: a) o que é linguagem;
b) o texto; c) formas de discriminação social na atividade
lingüística; d) atividade lingüística, epilinguística
e metalingüística. Na segunda parte, o professor é
convidado a refletir sobre o “para quê”, o “quê”
e “como ensinar” a língua materna com o enfoque sobre
as seguintes questões: a escrita e o papel da interação
social escolar; o conhecimento e a representação do Mundo;
o desenvolvimento dos recursos expressivos; o respeito à linguagem
da criança e à norma padrão; a eliminação
de preconceitos e das discriminações; a criatividade e o
ensino de gramática. Finalmente, na última parte são
apresentados os conteúdos de acordo com a sequenciação
curricular vertical, por meio de ciclos de estudos: a) ciclo básico,
ciclo intermediário e ciclo final.
Os conteúdos curriculares são distribuídos pelos
três ciclos em três eixos de conhecimento: a) Atividades de
Linguagem; b) Atividades de reflexão e operação sobre
a linguagem e no ciclo final (6ª, 7ª e 8ª séries)
são apresentadas atividades relativas ao estudo da gramática
tradicional.
Em relação à gramática, os autores da Proposta
afirmam que “essa não deve ser uma preocupação
inicial, muito menos substituir uma rica atividade lingüística
e epilingüística posta em exercício na produção
e na interpretação dos textos “ .
Andrade (1989) estabelece um paralelo entre a Proposta e o Guia Curricular
de Língua Portuguesa (1973), com base em três categorias:
1) Visão da linguagem; 2) objetivos da ação pedagógica
e 3) unidade básica de trabalho.
Nesse sentido, entende que o Guia Curricular concebe a língua como
um código de função comunicativa e acentua a dimensão
gramatical. Ao revés, a Proposta considera a língua como
uma atividade humana, histórica e social, com uma dupla função:
comunicativa e cognitiva e com três dimensões: 1) gramatical
2) semântica e 3) discursiva.
Quanto aos objetivos da ação pedagógica, o Guia Curricular
enfatizava o desenvolvimento das habilidades de falar/ouvir e ler/escrever,
priorizando o objeto (língua). Por sua vez, a Proposta procura
desenvolver o desempenho do aluno com e sobre a língua, acentuando
o papel do sujeito da ação. Finalmente, conclui Andrade
(1989): “a unidade básica de trabalho do Guia Curricular
é o período, enquanto que para a Proposta é o texto.”
De onde se conclui que para os autores da Proposta, a atividade lingüística
não é uma atividade escolar, mas um processo coletivo, do
qual resulta o sistema lingüístico e comunicativo usado por
uma comunidade.
Essa atividade humana, histórica e social a que a Proposta se refere
se abre em três direções: 1) estruturação
do conjunto sistemático e estruturado dos recursos expressivos
da língua de uma comunidade; 2) “o sistema cultural, antropológico,
de representação da realidade em que as expressões
podem ser interpretadas”; 3) “a relação entre
essas expressões e a situação real em que são
produzidas.”
Por ser humana, histórica e social, na atividade lingüística
deve-se considerar o contexto real em que se dá a manifestação
das expressões. Desse modo, a dimensão gramatical de atividade
lingüística é apenas um dos elementos a serem considerados
ao lado de outros dois não menos importantes: a dimensão
discursiva ou pragmática da linguagem e a dimensão semântica
(Palma Filho, 1989).
A língua é assumida, desse modo, em seu duplo aspecto: atividade
e objeto. Como assinala Andrade (1989):
“Como atividade, operamos com a língua para estruturar e
representar nossas experiências e nos comunicar com os outros. É
atividade comunicativa enquanto ação sobre o outro, ou procedimento
comunicativo com os outros. É atividade comunicativa enquanto ação
sobre o outro, ou procedimento comunicativo e atividade cognitiva enquanto
ação sobre o mundo (...).”
A conseqüência epistemológica dessa abordagem em torno
da língua nos leva a concluir que o conhecimento deve ser construído
na relação efetiva dos sujeitos que interagem num contexto
social historicamente situado, ou seja, ao contrário da visão
epistemológica que orientou a construção do Guia
Curricular, o conhecimento deixa de ser um dado que está aí
para ser apropriado.
Em síntese, para os autores da Proposta Curricular de Língua
Portuguesa, o conhecimento não é neutro; a seleção
e a organização dos conteúdos procuraram levar em
conta o cotidiano do aluno; a relevância social desses conteúdos
e a adequação ao desenvolvimento intelectual do educando.
Desse modo, a Proposta ao considerar as características fundamentais
da língua, a sua funcionalidade, seu papel mediador da relação
homem/mundo, sua contribuição para uma maior participação
na sociedade, o faz na direção de um paradigma curricular
emancipatório e não centrado apenas no interesse técnico.
As reações
O tratamento dispensado ao estudo da gramática no ensino fundamental
foi o que mais provocou reações adversas entre os professores.
Atribuo esse comportamento ao clima criado pela imprensa de São
Paulo, que ao não fazer uma leitura atenta da Proposta Curricular
entendeu que os professores não mais deveriam se preocupar com
o ensino da gramática. O Jornal “O Estado de São Paulo”
considerou a reforma curricular subversiva e a “Folha de São
Paulo”, viu na mesma um nítido cunho populista.
Houve ainda distorção deliberada ao apresentar o modo como
os estudantes seriam avaliados. Nesse sentido e com a clara intenção
de criar um clima emocional em torno da discussão da Proposta Curricular,
o jornal informava que “a forma como se dará a promoção
dos alunos de uma série para outra ainda não está
definida. O projeto, porém, orienta professores a não reprovarem
seus alunos.”
Se não está definida, como que orienta os professores para
a promoção automática dos alunos?
A realidade era bem outra, pois em texto distribuído para todos
os professores da rede estadual de ensino, documento elaborado pela CENP
intitulado; “A mudança curricular na Secretaria da Educação”,
sobre o tema da avaliação dizia o seguinte:
Neste sentido, assim como no Ciclo Básico, a retomada
do conceito de avaliação deve perder o caráter de
mero instrumento de aprovação ou reprovação
do aluno, uma arma manejada freqüentemente contra ele, para ganhar
a dimensão propriamente educativa que deve ter. E assim (...) a
avaliação deve ser entendida como um dos aspectos do processo
de aprendizagem que permite ao professor e à escola (...) observar
os resultados de sua prática pedagógica e rever os procedimentos
para melhor atingir os objetivos propostos (ARELARO; BARRETTO; PALMA FILHO).
Quanto ao conteúdo do ensino de Língua Portuguesa, o documento
dizia que em relação ao ensino desta disciplina curricular,
a ênfase deveria ser em levar o aluno a produzir o seu próprio
texto oral ou escrito, interpretando mensagens recebidas, estimulando
atividades de reflexão e operação sobre a linguagem.
Respeito ao “dialeto” do aluno e conscientização
do valor expressivo desse “dialeto”, tendo como pressuposto
os seguintes princípios teóricos: a) ênfase no caráter
social da linguagem; b) consideração de que a atividade
de linguagem se realiza nos processos reais de comunicação
como discurso ou texto; c) predominância das atividades de linguagem
e do trabalho com o texto sobre a descrição gramatical (respeitada
essa ordem na introdução de quaisquer conteúdos).
Como se vê as informações dadas pelo jornal são
gratuitas e tem nitidamente a intenção de provocar reações
desfavoráveis ao conteúdo da reforma curricular em geral
e, em particular, a do ensino de Língua Portuguesa.
É importante, também considerar a metodologia usada pelo
jornal. Em relação a Proposta de Língua Portuguesa,
a “Folha” informa que “professores mostram resistência”
e “Reforma curricular é discutida e visa a não reprovação.”
A matéria jornalística foi feita com base em depoimentos
tomados de professores em um estabelecimento de ensino da Capital que
lá se encontravam discutindo as propostas curriculares. Ao todo,
ainda de acordo com o jornal estavam presentes 460 professores, dos quais
foram ouvidos cinco, que a exceção de um, emitiram opiniões
desfavoráveis à proposta. Segundo a “Folha”
“uma dúvida comum a todos era se poderiam ou não reprovar
os alunos considerados com baixo aproveitamento”.
Sobre esse pronunciamento, os dirigentes à época, da Secretaria
da Educação esclareciam que: “se os professores considerarem
que um aluno não tem condições de ser promovido,
ele poderá ser reprovado.” Como se vê, uma verdadeira
“pérola”, mas que dá bem idéia de como
foram conduzidos os debates pela mídia impressa, uma vez que também
no “O Estado de São Paulo” e “Jornal da Tarde”,
o nível da discussão não foi muito diferente.
Houve ainda uma outra professora que nesta mesma entrevista declarou:
“Não se ensina mais gramática e não existe
mais certo e errado.”
Uma outra identificou no projeto de Língua Portuguesa uma verdadeira
conspiração contra o ensino da Língua Pátria,
vendo nesse processo “uma estratégia subliminar de manter
os alunos na ignorância, e assim torná-los mais manipuláveis.”
Mais adiante, a mesma professora acrescente: “ pode até ser
tachada de elitista, mas considera que a proposta inverte o papel da escola:
os alunos já possuem um conhecimento e os professores não
só devem reconhecê-lo, mas aprender com eles.
Encerrando a reportagem, a “Folha” informa que apenas uma
entrevistada declarou-se favorável ao que estava sendo proposto
para o ensino de Língua Portuguesa, pois entendia “que a
idéia de centrar o ensino da Língua na produção
de textos é muito boa, pois contribui para o desenvolvimento da
criatividade dos alunos”. E, acrescenta: “não querer
ensinar gramática para os alunos nas primeiras séries.”
Finaliza informando que já “vem aplicando as novas propostas
desde o primeiro semestre, mas diz que não sabe se vão dar
certo. É uma experiência (...) mas ninguém sabe se
é válida.”
Em editorial datado de 30/07/1987, intitulado: “A ignorância
no poder”, a Folha de São Paulo investe contra a reforma
curricular, em especial destacando as propostas curriculares de Língua
Portuguesa, Geografia, História e Ciências. A reforma curricular
é considerada neste editorial como sendo dogmática e que
procura desenvolver “um processo de ultra-sociologização
e ultrapolitização do conhecimento científico”.
Além do mais, a leitura (?) é considerada “assim simultaneamente
tediosa e divertida.”.
No dia 13/9/1987, o jornal “O Estado de São Paulo”
publicou ampla reportagem (p.28) encimada pelo título: “Luta
de classes, lição na escola pública”. Nesta
ocasião, um professor da Faculdade de Educação da
Universidade de São Paulo, referindo-se a Proposta Curricular de
Língua Portuguesa, considerou-a “estratosférica”
e ao assinalar as falhas da mesma aponta: “elaborada pela UNICAMP
ano passado (...) foi tudo feito de cima para baixo, o magistério
não foi consultado nem a Faculdade de Educação chamada
a participar (...) recebemos a proposta pronta para discutir e não
alterá-la, com contribuições e sugestões,
basta ver a bibliografia recomendada:quase todos são professores
da UNICAMP, que se citam mutuamente, o resultado é uma proposta
tendenciosa, unilateral.”
Estas considerações receberam imediata resposta de um dos
assessores da Proposta Curricular de Língua Portuguesa, professor
da UNICAMP: “(...) a proposta não é estratosférica.
Ela causa impacto porque, ao invés de passar receitas, cobra atitudes,
deixando claro que no ensino tal como está há muito autoritarismo;
muito preconceito e muito ritual vazio (...). Dizer que a proposta é
ruim porque é da UNICAMP é alimentar um tipo de competição
e ressentimento entre instituições que não aproveita
a ninguém. Há tanto a fazer pela melhoria do ensino, que
será melhor não desperdiçarmos nossas parcas energias
em composições estúpidas.” Concluindo o texto
que enviou ao “Estadão”, com a seguinte afirmação:
“Nas circunstâncias atuais quem está do lado do “e
pur si muove” é a Secretaria da Educação tentando
inovar, sem improvisações, contra a incompreensão
de quantos prefeririam que tudo fique como está, um cordão
infelizmente numeroso na imprensa, na rede e até mesmo na Universidade.
E as inovações não estão sendo impostas (nem
poderiam sê-lo).”
No dia 04/08/1987, “O Estado de São Paulo”, publicou
carta na seção “Queixas e reclamações”,
com o seguinte teor: “Causa estranheza o enfoque parcial adotado
no artigo “Proposta politiza o currículo escolar”,
de 25 próximo passado (...). Ora, o aspecto talvez mais importante
da atual Proposta Curricular de Português para o primeiro grau é
o de chamar a atenção do professor para as três dimensões
da linguagem: a discursiva ou pragmática, a gramatical e a semântica,
propondo-se o texto como unidade, por excelência, de trabalho. Resgata-se
desse modo a dimensão do significado, da reflexão, sem a
qual seria vão o trabalho com a língua materna” e
conclui: “São sempre passíveis de aperfeiçoamento
as propostas apresentadas. Perder-se, porém, em resistência
que apelam para possíveis vieses ideológicos (...) seria
ignorar a seriedade e competência com que foram elaboradas as propostas
educacionais ora apresentadas pela Secretaria da Educação.”
Considerações finais
Ao escrevermos este texto para esta Mesa Redonda, tínhamos em mente
resgatar um momento importante da história das reformas curriculares,
no ensino público no Estado de São Paulo.
Decorridos vinte anos desse instante aqui relatado, as questões
apontadas naquela reforma curricular permanecem atuais.
É nosso entendimento, que a Proposta Curricular de Língua
Portuguesa, ao lado de outras (História, Geografia e Ciências)
estabeleceu um marco divisório em relação ao conhecimento
escolar que é disponibilizado para os estudantes na educação
básica, pois foi a que mais se distanciou do paradigma curricular
dominante, representado pelo Guia Curricular de Língua Portuguesa.
Como, acredito os leitores puderam perceber, a cobertura jornalística
caracterizou-se pela parcialidade. De um modo geral, preocupou-se com
as questões ideológicas, que foram apresentadas de uma forma
maniqueísta, revivendo mesmo, em alguns momentos, o clima de “guerra
fria” e de “caça às bruxas” dos anos 1950.
Não houve por parte da imprensa, como é de se esperar, a
preocupação em fazer uma análise mais detalhada e,
portanto, mais aprofundada em seus aspectos essenciais, da Proposta Curricular
de Língua Portuguesa. Muito pelo contrário, os jornais “O
Estado de São Paulo”, “Folha de São Paulo”
e, em menor proporção o “Jornal da Tarde”, desde
o início, mesmo antes de ouvirem as poucas pessoas que foram consultadas
sobre o assunto, posicionaram-se contra as propostas curriculares, externando,
principalmente por meio de editoriais as posições dos referidos
jornais.
Seja como for, os citados periódicos com milhares de leitores tiveram
um papel muito importante na divulgação da Proposta Curricular
de Língua Portuguesa, entre outras, e na divulgação
das críticas. Pena que o contraditório ficou prejudicado
pela parcialidade desses meios de comunicação. Muitos debates
nas escolas foram pautados pelas matérias publicadas nesses jornais.
A reação contrária da imprensa citada à reforma
curricular também foi responsável pelas repercussões
alcançadas junto à Assembléia Legislativa de nosso
Estado e, em grande parte, pautou a ação da própria
Secretaria da Educação que, a partir de um determinado momento
começou a se preocupar exclusivamente em responder as criticas
publicadas nesses jornais.
Ficou evidente, aliás, que a Secretaria da Educação,
a partir de 1987, não tinha um plano geral para a implementação
das propostas curriculares na rede estadual, muito provavelmente por falta
de vontade política, uma vez que não tinha compromissos
com o movimento de reorientação curricular pensado e iniciado
no governo anterior (1983-1987).
Bibliografia Consultada
ANDRADE, Zuleide Ferraz Garcia de. A Proposta Curricular
da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo
para o ensino de Língua Portuguesa no 1º grau: uma avaliação
crítica. São Paulo: PUC (dissertação de mestrado),
1989.
ARELARO, Lisete Regina Gomes; BARRETTO, Elba Siqueira de Sá; PALMA
FILHO, J.C. A mudança curricular na Secretaria da Educação.
São Paulo: “Jornal Educação Democrática”,
1985.
DOMINGUES, José Luiz. “Interesses humanos e paradigmas curriculares”.
Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília, 67
(156): 351-66 maio/ago. 1986.
PALMA FILHO, João Cardoso; ALVES, Maria Leila; DURAN, Marília
Claret Geraes. Ciclo Básico em São Paulo – memórias
da educação nos anos 1980. São Paulo: XAMÃ
VM Editora, 2003.
PALMA FILHO, João Cardoso. Reforma curricular da Secretaria da
Educação do Estado de São Paulo para o ensino de
1º grau (1983-1987): uma avaliação crítica.
São Paulo: PUC, 1989.
SÃO PAULO. Secretaria de Estado da Educação/Coordenadoria
de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP).
Proposta Curricular para o ensino de Língua Portuguesa –
1º Grau – 2ª edição preliminar, 1986.