Leila Cristiane Pinto Finoqueto [cristianefinoquetto@yahoo.com.br]
-Universidade Federal de Santa Maria
Maria Eliza Gama Santos [melizagama@yahoo.com.br] - UFSM
Eduardo A. Terrazzan [eduterra@smail.ufsm.br] - UFSM
1. Introdução
A discussão sobre os ‘Saberes Docentes’
gerou diferentes tipologias que servem de explicações para
os diferentes tipos de conhecimentos que o professor mobiliza ao desempenhar
sua ação pedagógica. Evidenciar esses saberes significa
reconhecer a existência de uma base de conhecimentos para o ensino
e para a profissão, valorizar o saber construído e socializado
pelos professores na sua prática educativa e o sinalizar encaminhamentos
para a formação e a profissionalização docente.
Ao darmos início a um estudo mais minucioso em torno da temática
‘Saberes Docentes’ surgiram algumas questões que encaminharam
a primeira parte deste trabalho, tais como: Qual a importância dos
‘Saberes Docentes’ para o campo da formação
de professores? Por que os autores sistematizam os ‘Saberes Docentes’
de diferentes formas? Qual a legitimidade de se mesclar diferentes tipologias?
Que afastamentos e aproximações podem ser realizados entre
as tipologias estudadas?
Assim sendo, este trabalho partiu da necessidade de compreendermos melhor
as diferentes tipologias utilizadas nas pesquisas na área de Educação.
Ao nos depararmos com a diversidade conceitual, metodológica e
epistemológica buscamos definir um rol de autores mais utilizados
na literatura atual no intuito de, inicialmente, estabelecer aproximações
e afastamentos entre as sistematizações propostas por alguns
autores de referência sobre a temática ‘Saberes Docentes’
Num segundo momento, buscamos identificar possíveis relações
entre as sistematizações sobre ‘Saberes Docentes’
analisadas e os ‘Modelos de Desenvolvimento Profissional de Professores’
disponíveis na literatura.
Para isso apresentamos, brevemente, as cinco tipologias referentes à
temática dos ‘Saberes Docentes’ e a síntese
dos ‘Modelos de Desenvolvimento Profissional’ apresentados
por Carlos Marcelo (1999).
2. Saberes: autores e suas motivações para
as tipologias propostas
Para delimitarmos nosso estudo optamos apresentar, na
ordem, as sistematizações de Phillippe Perrenoud, Lee Shulman,
Maurice Tardif, Selma Pimenta e Clermont Gauthier, pois são alguns
dos autores que categorizam, numa certa medida, os saberes docentes e
encontram-se freqüentemente nas pesquisas na área de Educação.
As competências profissionais para ensinar sugeridas por P. Perrenoud
(2000) são apresentadas na forma de inventário das competências.
Esta sistematização sugere um ideal de ações
que buscam atender às mudanças atuais impostas à
atividade docente. Esta proposta foi desenvolvida com um objetivo específico,
“orientar a formação contínua para torná-la
coerente com as renovações em andamento no sistema educativo”
(2000, p. 12).
Para Perrenoud (2000), a organização em 10 grandes famílias
de competências busca delinear o movimento do professor. O conceito
de competências é designado por “uma capacidade de
mobilizar diversos recursos cognitivos para enfrentar um tipo de situações”
(2000, p. 15). Para complementar estas concepções são
necessárias algumas idéias: as competências não
são entendidas como saberes ou atitudes, mas mobilizam e integram
tais recursos; essa mobilização ocorre numa dada situação,
que por sua vez, é singular; o exercício da competência
passa por esquemas de pensamento que permitem determinar uma ação
relativamente adaptada à situação; as competências
profissionais são construídas em formação
(Perrenoud, 2000).
Ciente das condições em que se desenvolvem as competências,
citamos as dez famílias propostas por Perrenoud (2000):
• Organizar e dirigir situações de aprendizagem.
• Administrar a progressão das aprendizagens
• Conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação
• Envolver os alunos em suas aprendizagens e em seu trabalho
• Trabalhar em equipe
• Participar da administração da escola
• Informar e envolver os pais
• Utilizar novas tecnologias
• Enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão
• Administrar a sua própria formação contínua
Perrenoud parte da constatação que os programas
de formação encontram-se embasados em representações
pouco explícitas, afastadas das necessidades prementes do ofício
ou em referenciais técnicos e áridos. Para esta proposição
o autor utilizou-se do referencial de competências de Genebra de
1996, voltado à formação continuada.
O segundo autor que serve de referência para nosso trabalho é
L. Shulman, sua proposta objetiva analisar programas de pesquisa e respectivos
paradigmas, indicando avanços, limitações e contribuições
desses programas para a construção de um corpo sólido
de conhecimentos sobre processos de aprendizagem e de desenvolvimento
profissional da docência. Shulman desenvolve a base de conhecimento
para o ensino considerando o ensino uma profissão.
Apresentamos as categorias propostas por Shulman a fim de explicitar,
brevemente, a base de conhecimento para o ensino:
- Conhecimento do conteúdo de ensino (ou conteúdo específico):
envolve dois tipos de conhecimentos, o substantivo e o sintático.
O primeiro refere-se ao domínio de conceitos, idéias e fenômenos
de uma determinada área de conhecimento. O segundo diz respeito
aos métodos através dos quais novas informações
são produzidas nas investigações de campo, no intuito
de legitimar novos conhecimentos;
- Conhecimento pedagógico geral: refere-se às teorias de
ensino e de aprendizagem, gestão e organização de
sala de aula, esse conhecimento transcende ao domínio do conteúdo
de ensino;
- Conhecimento do currículo: envolve o conhecimento do programas,
dos materiais didáticos, do currículo como política
em relação ao conhecimento oficial;
- Conhecimento pedagógico do conteúdo: é a relação
que o professor faz entre o conhecimento do conteúdo de ensino
e o conteúdo pedagógico geral. É um conhecimento
construído pelo professor ao ensinar, pode ser considerado como
um novo tipo de conhecimento. É o único conhecimento que
o professor é protagonista, pois é sua construção
pessoal, aprendido durante sua atuação profissional;
- Conhecimento dos alunos e de suas características;
- Conhecimento dos contextos educacionais: inclui o conhecimento sobre
o trabalho em grupo, sobre administração escolar, políticas
de financiamento, características das comunidades e das culturas;
- Conhecimento dos fins educacionais, ou seja, metas, propósitos,
os fundamentos filosóficos e históricos da educação.
O terceiro autor é Maurice Tardif (2002), seu trabalho
resulta de sínteses de pesquisas empíricas realizadas junto
aos professores de profissão de escolas primárias e secundárias
e de questões teóricas sobre a natureza dos saberes mobilizados
pelos professores na prática educativa Tardif estabelece o vínculo
entre os aspectos sociais e individuais do ‘Saber Docente’,
pois no seu entendimento o saber é socialmente construído,
uma vez que é partilhado por um grupo de agentes, possuidores de
uma formação em comum, trabalham numa mesma organização
e estão sujeitos a condicionantes e recursos comparáveis;
a posse e a utilização desse saber encontra-se assentado
no sistema que legitima e orienta sua definição. Os saberes
da docência não são definidos apenas pelo viés
social, todavia, são situados na interface entre o individual e
o social. Na sua perspectiva o saber docente está a serviço
do trabalho.
Na definição de Tardif (p. 36, 2002) o saber docente é
“plural, formado pelo amálgama, mais ou menos coerente, de
saberes oriundos da formação profissional e de saberes disciplinares,
curriculares e experenciais”.
Apresentamos, sucintamente, a sistematização proposta por
Maurice Tardif.
Saberes da formação profissional (ou das ciências
da educação e da ideologia pedagógica): o conjunto
de saberes transmitidos pelas instituições de formação
de professores. O professor e o ensino constituem objetos de saber para
as ciências humanas e para as ciências da educação.
Saberes destinados à formação científica ou
erudita dos professores.
Saberes pedagógicos: a prática docente constitui-se como
uma atividade que mobiliza diversos saberes, apresentando-se como doutrinas
ou concepções oriundas de reflexões racionais e normativas.
Geralmente as doutrinas (dominantes) são incorporadas à
formação profissional dos professores fornecendo um arcabouço
ideológico e, paralelamente, algumas formas de saber-fazer. Tardif
afirma que é difícil distinguir os saberes pedagógicos
dos saberes da formação, pois estão relacionados
através da integração dos resultados de pesquisas,
que buscam legitimar cientificamente os saberes pedagógicos, à
própria formação dos professores.
Saberes disciplinares: são os saberes sociais definidos e selecionados
pela instituição universitária e oferecidos sob a
forma de disciplinas, correspondem aos diversos campos de conhecimento
e emergem da tradição cultural e dos grupos sociais produtores
de saberes.
Saberes curriculares correspondem aos discursos, objetivos, conteúdos
e métodos. A instituição escolar, por sua vez, categoriza
e apresenta os saberes sociais selecionados como modelos da cultura e
de formação. Apresentam-se concretamente sob a forma de
programas escolares.
Saberes experenciais são desenvolvidos pelos próprios professores
no exercício da sua prática, baseados em seu trabalho cotidiano
e no conhecimento do seu meio. Esses saberes incorporam-se à experiência
individual e coletiva sob a forma de habitus e de habilidades (de saber-fazer
e saber-ser).
Na seqüência, apresentamos a tipologia construída por
Clermont Gauthier (1998). Duas idéias tradicionais que não
favorece a profissionalização do ensino são apresentadas
pelo autor: o ofício sem saberes e os saberes sem ofício.
Para superar esta fragmentação fala-se num ofício
feito de saberes, visando o desafio da profissionalização.
“É pertinente conceber o ensino como a mobilização
de vários saberes que formam uma espécie de reservatório
no qual o professor se abastece para responder às exigências
específicas de sua situação concreta de ensino”
(p. 28).
O trabalho de Gauthier objetiva identificar os conhecimentos acumulados
em relação aos saberes dos professores, esta análise
é resultado de parte dos trabalhos desenvolvidos no âmbito
de um projeto de pesquisa realizadas nas salas de aula. Os saberes identificados
por Gauthier como necessários ao ensino são:
O saber disciplinar refere-se aos saberes produzidos pelos pesquisadores
e cientistas nas diversas disciplinas científicas. Acrescenta que
os professores não produzem este tipo de conhecimento, mas ao se
apropriarem do conteúdo devem impor uma série de transformações
para transmitir a matéria. Conclui então que “não
se trata de um saber disciplinar propriamente dito, mas de um saber da
ação pedagógica, produzido pelo professor no contexto
específico do ensino da sua disciplina” (p. 30).
O saber curricular diz respeito à natureza do saber curricular
dos professores em seu contexto de ensino, tendo em vista que os programas
escolares não são produzidos pelos professores, mas por
outros agentes. No Brasil, os programas são transformados pelas
editoras, em manuais, aprovados pelo Estado e utilizado pelos professores.
O saber das ciências da educação é adquirido
durante a formação ou em seu trabalho docente, são
conhecimentos profissionais que, embora não auxiliem diretamente
no ato de ensinar, fornecem noções sobre o sistema escolar,
a evolução da própria profissão, o desenvolvimento
infantil, em síntese, um conjunto de saberes desconhecidos pela
maioria das pessoas e membros das outras profissões. Esse tipo
de saber permeia a maneira de o professor existir profissionalmente.
O saber da tradição pedagógica é o saber dar
aulas. Para cada pessoa existe uma representação de escola,
de professor, de sala de aula, que foi determinada antes de qualquer curso
de formação de professores. Gauthier afirma que esta tradição
é mais forte do que se imagina, e ao invés de ser questionada,
muitas vezes, serve de modelo para os professores.
O saber experencial refere-se à vivência do professor. Ao
realizar julgamentos privados, elaborando ao longo do tempo uma jurisprudência
composta de estratégias, truques e de maneiras de fazer que, apesar
de testadas, permanecem em segredo. Apesar do professor viver muitas experiências
das quais observa resultados satisfatórios ou não, essas
permanecem confinadas na sala de aula.
O saber da ação pedagógica é o saber experencial
do professor a partir do momento em que se torna público, testado
através das pesquisas realizadas em sala de aula. Justifica que
nenhuma jurisprudência particular que se mantenha em segredo tem
utilidade para a formação de professores e não leva
ao reconhecimento do status profissional dos docentes. Este tipo de saber
é o menos desenvolvido no reservatório de saberes do professor
e, para Gauthier, o mais necessário para a profissionalização
do ensino. “Para profissionalizar o ensino é essencial identificar
saberes da ação pedagógica válidos e levar
os outros atores sociais a aceitar a pertinência desses saberes”
(p. 34).
Por fim, apresentamos a quinta tipologia, de Pimenta (2000), na qual a
principal discussão se desenvolve em torno da construção
da identidade do professor nos cursos de formação inicial
a partir de uma significação dos processos formativos e,
por conseqüência, dos saberes necessários à docência.
Estas reflexões são originárias da experiência
da autora ao ministrar o ensino de didática nos cursos de licenciatura
e da realização de pesquisas sobre formação
inicial e contínua de professores.
A sistematização de Pimenta (2000), privilegia três
categorias que delimitam os saberes da docência - a experiência
- produzidos pelos professores no seu cotidiano docente, num processo
permanente de reflexão sobre sua prática, mediatizada pela
de outrem. Os saberes da docência – o conhecimento –
a relação entre ciência e produção material,
produção existencial, sociedade informática. A vinculação
do conhecimento de maneira que se torne útil e pertinente, produzindo
novas formas de desenvolvimento e progresso. E, por fim, os saberes da
docência- saberes pedagógicos remetem à construção
de saberes a partir das necessidades pedagógicas postas pelo real,
a reinvenção dos saberes pedagógicos a partir da
prática social da educação.
Apresentamos, sob a forma de tabela (Anexo I), os diferentes saberes discorridos
até então, para que possamos definir as aproximações
e os afastamentos.
3. As aproximações e os afastamentos
É importante salientar que os títulos utilizados
pelos autores para cada categoria, por vezes, não dão conta
de expressar os desdobramentos ou explicações contidas ao
longo do texto. Nossos estudos, por sua vez, contemplam pontos de aproximações,
sugerindo possíveis relações a partir de um ou mais
aspectos contidos em cada categoria.
Perrenoud fala em “organizar e dirigir situações de
aprendizagem” salientando exemplos que valorizam a necessidade de
conhecer determinados conteúdos e traduzi-los em objetivos de aprendizagem,
construir e planejar seqüências didáticas, trabalhar
a partir das representações dos alunos, percebemos que são
elementos presentes na classificação “conhecimento
do conteúdo de ensino” (específico) de L. Shulman,
que por sua vez, sugere que o professor bem sucedido tenha que conhecer
formas de transformar o conteúdo, considerando os propósitos
do ensino, favorecendo a compreensão do aluno. Ainda nesta classificação
os “saberes disciplinares” de Tardif e Gauthier encontram-se
no mesmo patamar, embora Gauthier apresente alguns questionamentos referentes
ao tipo de conhecimento do professor e a interferência desse no
ensino e na aprendizagem dos alunos. Tanto Shulman quanto Gauthier valorizam
a importância deste conhecimento/saber, mas destacam sua inoperância
quando considerado isoladamente. A categoria “saberes da docência-
o conhecimento” de S. Pimenta pode ser relacionada a esta classificação,
uma vez que a autora questiona a produção, a importância
e o uso do conhecimento, delegando aos professores da escola a tarefa
de contextualizar, confrontar e analisar as relações entre
conhecimento e poder.
A segunda competência de Perrenoud, “administrar a progressão
das aprendizagens”, apesar de apresentar um enfoque na aprendizagem
dos alunos articula saberes/conhecimentos que podem ser encontrados desmembrados
nas diferentes categorias. Pois ‘estabelecer laços com as
teorias subjacentes às atividades de aprendizagem’ requer
conhecimento pedagógico geral, na perspectiva de Shulman, no entanto,
um segundo exemplo: ‘observar e avaliar os alunos em situações
de aprendizagem, de acordo com uma abordagem formativa’ pode ser
entendido como ‘conhecimento dos alunos e de suas características’
se analisarmos também pelos estudos de Shulman. Em relação
aos outros autores torna-se uma tarefa mais complexa, pois em nenhum deles
existe uma relação explicita, na sistematização
dos ‘Saberes Docentes’.
Neste mesmo sentido, “conceber e fazer evoluir os dispositivos de
diferenciação” poderia ser considerado uma continuação
da competência anterior, pois se refere, em grande parte, a relação
professor/aluno, analisado pelo viés da operacionalização.
Na seqüência, a quarta competência sugerida por Perrenoud,
“envolver os alunos em sua aprendizagem e em seu trabalho”,
apresenta um alto nível de especificidade, de instrução
e de operacionalização, mantendo-a isolada, uma vez que
esmiúça em ações as formas pelas quais os
professores deveriam estabelecer relações com os alunos
em sala de aula no intuito de otimizar o processo ensino/aprendizagem.
O que, no nosso entendimento, pode ser identificado, em outros termos,
na categoria “conhecimento dos alunos e de suas características”
de Shulman e, principalmente, na significação que S. Pimenta
faz aos saberes da docência- conhecimento. Contudo, mesmo buscando
tal aproximação torna-se um contra-senso, agrupar classificações
que exprimem outro foco.
Outra competência que ficará isolada, no momento, é
“trabalhar em equipe”, apesar de entender que tanto esta competência
quanto “participar da administração da escola”
requer “conhecimento dos contextos educacionais” descritos
por Shulman, não podemos agrupá-las por incorrer no risco
de ignorar que as categorias apresentam naturezas distintas e, portanto,
encaminhamentos distintos.
As competências “informar e envolver os pais” e “utilizar
novas tecnologias”, no nosso entendimento, encontram-se afastadas
da conceituação proposta pela maioria dos autores, pois
mobilizam saberes tradicionais com ferramentas atuais. E incorporar os
pais na escola, perpassa organizar a escola com todos os membros da comunidade
escolar, reconhecendo-os como contexto educacional.
A nona competência, “enfrentar os deveres e os dilemas éticos
da profissão”, remete-nos, em princípio, para discussões
referentes à valorização, politização,
reconhecimento social da docência, no entanto, apresenta um caráter
pragmático que sugere adaptação à vida social
do aluno através da escola. Poderíamos aproximar esta competência
ao “saber das ciências da educação” de
Gauthier, uma vez que os conhecimentos do professor, que servem de base
para a resolução de problemas na escola, são oriundos
da formação ou do trabalho. Para esse autor são conhecimentos
que não ajudam diretamente na ação educativa, mas
fornecem um panorama da educação que a maioria das pessoas
que exercem outras profissões desconhecem.
Relacionamos a última competência proposta por P. Perrenoud,
“administrar sua própria formação contínua”,
com os “saberes da ação pedagógica” de
C. Gauthier. Se tomarmos como ponto de partida o exemplo de Perrenoud
para esta competência ‘saber explicitar as próprias
práticas’ podemos sinalizar para a profissionalização
docente de que nos fala Gauthier, passando, primordialmente, pela identificação
desse saber, validando-o perante seus pares.
Vale ressaltar que os estudos de Clermont Gauthier focalizam os saberes
da ação pedagógica – o repertório de
conhecimento do ensino- objetivando revelar este tipo de conhecimento,
por entender que a jurisprudência particular dos professores não
contribui com o aperfeiçoamento da prática docente quando
mantida entre as quatro paredes da sala de aula.
É possível afirmar que as competências de Perrenoud
encontram bastantes relações com os conhecimentos de Shulman,
pois, em certa medida, denotam a importância da inserção
do professor no contexto que atua, assim como do reconhecimento de características
que influenciam o processo de ensino/aprendizagem do aluno.
Na continuidade tomamos como base de comparação as categorias
de Shulman, utilizando o “conhecimento pedagógico geral”,
que até o momento, segundo as nossas leituras, não apresentaram
relação direta com as categorias propostas por Perrenoud.
Por outro lado, observamos a convergência desse conhecimento com
os “saberes da formação profissional” de Tardif
e os “saberes pedagógicos” de S. Pimenta.
Para Shulman o “conhecimento pedagógico geral” transcende
o conteúdo ensinado na medida que o professor possui conhecimentos
que vão desde as teorias de ensino e aprendizagem até a
organização de sala de aula. Para Tardif e para Pimenta
a discussão ocorre em outros termos. Segundo Tardif os saberes
da formação profissional são transmitidos pelas instituições
de formação de professores, ao mesmo tempo, são construídos
conhecimentos referentes ao professor e ao ensino e incorporados à
prática educativa do professor. Assim, a prática docente
além de um objeto de estudo é uma atividade que mobiliza
saberes pedagógicos. Dessa maneira, os próprios cursos de
formação de professores constroem doutrinas ou ideologias,
as quais são legitimadas cientificamente, promovendo práticas
educativas que representam o predomínio de uma ideologia educacional.
As constatações de Pimenta são enfáticas em
relação à forma como a academia constrói o
seu conhecimento e acerca da prática educativa. Os “saberes
pedagógicos” que discursa referem-se a contextualização
e problematização postas pelo cotidiano escolar, pela realidade.
Para isto seria necessário reinventar os saberes pedagógicos
e rever a fragmentação dos saberes da docência. Para
a autora, o saber cientifico que legitima e autoriza o profissional a
exercer a docência não pode prescindir da ação
educativa, pois a especificidade da formação (inicial e
contínua) é refletir sobre o que se faz e não sobre
como deveria ser feito.
De acordo com nossos estudos identificamos uma categoria que se faz presente
em quatro dos cinco autores estudados (Shulman, Tardif, Gauthier e Pimenta).
Nos três primeiros existe uma forte relação entre
os significados, apesar de apresentarem uma pequena variação
de nomenclatura. Para Shulman o “conhecimento pedagógico
do conteúdo” é um conhecimento criado exclusivamente
pelo professor ao longo da sua prática educativa, constituído
a partir da mescla do conteúdo de ensino e o conteúdo pedagógico
geral. Esse entendimento é coerente com Tardif e Gauthier quando
explicam os “saberes experenciais”. Para Pimenta o saber da
docência – a experiência- apresenta dois níveis
de significado, o primeiro refere-se aos saberes que os professores desenvolvem
durante a sua prática educativa consoante com o entendimento que
os autores anteriores fazem desta categoria. No entanto, Pimenta apresenta
um segundo nível de significado que expressa as representações
que as pessoas, em geral, possuem da escola antes de entrarem num curso
de formação de professores. Se a tipologia proposta por
Pimenta relaciona-se à formação inicial, os saberes
definidos como “saberes da experiência” remetem muito
mais ao que Gauthier chamou de “saberes da tradição
pedagógica”.
Isto significa que para falarmos de “saberes experenciais”,
na acepção de saberes construídos pelos professores
durante a prática educativa, não podemos utilizar a fala
de Pimenta na íntegra, pois a indicação inicial refere-se
aos estereótipos, às representações que os
alunos chegam nos cursos de formação e que foram construídas
ao longo de sua vivência escolar, ou seja, o que Gauthier define
como “a tradição pedagógica” que permeia
nossa consciência sem que para isso precisemos freqüentar cursos
de formação.
Outra categoria que apresentou consonância com três autores
refere-se ao currículo. O “conhecimento do currículo”,
citado por Shulman, destaca o conhecimento do material didático
e programas utilizados pelos professores no exercício da sua função.
Tardif segue esta mesma concepção, destaca que são
saberes que os professores se apropriam ao longo da sua função
e apresentam-se na forma de programas escolares. Contudo, Gauthier acredita
que além de “conhecer o programa” o professor deve
questionar a natureza deste saber curricular, conhecer em que medida os
programas oficiais foram alterados pelas editoras, compreender quais os
processos de seleção e transformação criados
pelo próprio professor.
Para concluir estas aproximações e afastamentos citamos
a última categoria de Shulman o “conhecimento dos fins educacionais”.
Em princípio esta categoria poderia ser relacionada a diferentes
categorias propostas tais como: “saberes curriculares” de
Tardif e Gauthier, aos “saberes da ciência da educação”
de Gauthier e aos “saberes da docência- o conhecimento”
de Pimenta. Isto se deve a colocação de Shulman ao citar
os conhecimentos que o professor deva possuir, enquanto os outros autores
servem-se da constatação do que os professores efetivamente
lançam mão ou não para exercer sua prática
educativa. Isto não significa que não estejam contemplados
valores, propósitos, fundamentos históricos e filosóficos
da educação nas demais tipologias.
Ao finalizarmos estas relações observamos, na verdade, muito
mais pontos de aproximação do que de afastamentos, pois
não encontramos uma categoria que não apresentasse alguns
pontos de convergência com outras categorias sistematizadas pelos
demais autores.
4. Identificação e caracterização
dos modelos
Buscamos a partir deste momento entender as concepções
de ‘Desenvolvimento Profissional de Professores’, assim como
também discorrer sobre alguns modelos utilizados para este fim.
Para isto, nos baseamos em Carlos Marcelo (1999), que trabalha sobre esta
temática, ao esclarecer pontos relevantes para a construção
e implementação de processos de desenvolvimento de professores.
Neste sentido, a busca pela conceituação do termo e da identificação
de práticas que podem viabilizá-lo, torna-se indispensável
para refletirmos esta questão. Podemos ver na literatura atual
uma variedade de termos (reciclagem, aperfeiçoamento, qualificação,
formação de professores, etc.) utilizados para definir estes
processos formativos. Carlos Marcelo (1999, p.137) utiliza o termo ‘Desenvolvimento
Profissional de Professores’, pautado nas idéias de “evolução
e continuidade”, superando assim a idéia de que os conhecimentos
profissionais são adquiridos de tempos em tempos, em eventos pontuais
e desarticulados.
O desenvolvimento profissional serve como dispositivo para a integração
dos conhecimentos referentes ao currículo, à escola e a
inovação; ao ensino e aos professores. Entendemos que ao
proporem-se processos de desenvolvimento profissional de professores,
estas áreas de conhecimento, não só devem ser consideradas
equivalentes quanto a sua importância para a melhoria da prática
docente, como, também se deve buscar suas interações
para a aquisição de um conhecimento capaz de superar as
situações impostas ao espaço escolar.
Da escola cobra-se, hoje, uma gestão participativa, com inovações,
currículos adaptados às suas realidades e construídos
pelos professores, novos concepções e práticas de
ensino, de avaliação, outras formas de envolvimento com
a comunidade. No entanto, sabemos que estas exigências estão
longe de serem alcançadas, por vários fatores, entre eles
a formação dos professores, os recursos, a estrutura institucional
vigente, as políticas públicas. No que diz respeito a formação
dos professores, se faz necessário criar espaços onde possam
adquirir conhecimentos que lhes permitam transitar nos diferentes setores
da escola e contribuir com suas ações pedagógicas
para o desenvolvimento da escola como um todo.
Neste sentido, podemos dizer que, o desenvolvimento da escola está
diretamente relacionado com o desenvolvimento profissional dos professores
e com os conhecimentos adquiridos em processos desta natureza.
Para tanto, é possível sugerir que processos formativos
devem ter o contexto em que está inserido como referência
para a elaboração de suas propostas e seleção
dos conteúdos que deverão ser estudados e aprendidos pelos
professores. No entanto, não podemos dizer que isto seja uma prática
usual, pelo contrario, o desenvolvimento profissional quando acontece,
tem sido de forma “planificada e desenvolvida fora do contexto escolar”
(p.141).
Para Marcelo (p.141), a melhoria do ensino depende do reconhecimento de
que o desenvolvimento da escola está intrinsecamente ligado ao
desenvolvimento profissional dos professores e de forma diretamente proporcional.
Neste sentido, e buscando formas de atender a esta concepção
de desenvolvimento profissional, Carlos Marcelo estuda e apresenta cinco
modelos de processos de desenvolvimento de professores que destacaremos
a seguir.
4.1. Desenvolvimento profissional autônomo
Esta forma de buscar o desenvolvimento profissional está
diretamente relacionada à capacidade dos professores em buscarem
processos de desenvolvimento de forma individual, a partir da identificação
de suas necessidades e da crença de que é capaz de superá-las
por meio de estudos individuais.
Neste sentido, é imprescindível a identificação
das situações passíveis de mudanças e da disponibilidade
para tal. O professor, para realizar seu auto-desenvolvimento, já
deve carregar consigo competências que lhe permitam refletir sobre
suas ações pedagógicas e a partir delas planejar
suas atividades formativas de forma mais imediata e a longo prazo. Neste
sentido, fica aparente que o professor para chegar neste estágio
de autonomia deve passar por um processo de que lhe possibilite desenvolver
as competências necessárias a esta capacidade. Também,
sabemos que, apesar da buscar pelo desenvolvimento profissional partir
do professor este elemento deve estar associado a outros que lhe darão
suporte para a mudança.
Neste sentido Carlos Marcelo (p.150), diz que “são necessários
juntamente com a autonomia, outros elementos, entre eles a participação
nesta problemática, que significa a adaptação a situações
mutáveis”, ou seja, ver a mudança como possível
de acontecer e também necessária.
O desenvolvimento profissional, não é um processo linear,
ele sofre desequilíbrios e desestabilizações, dependendo
das fases, das crises; os momentos vividos pelos professores em seu trajeto
profissional.
Nesta modalidade de desenvolvimento profissional, deve-se buscar a “comunicação
horizontal entre os professores”, colocando-os como participantes
e co-participantes do aperfeiçoamento de si próprio e dos
colegas. Além de possibilitar a difusão de trabalhos e propostas,
rompendo com o isolamento profissional, cognitivo e afetivo que os professores
vivem em seus ambientes de trabalho.
4.2. Desenvolvimento profissional baseado na reflexão,
no apoio profissional mútuo e na supervisão
Este modelo de desenvolvimento profissional pode acontecer
de acordo com algumas estratégias. Pode-se proporcionar um desenvolvimento
baseado na “reflexão, na reflexão sobre a ação
e na supervisão clínica como estratégia reflexiva”.
A seguir vamos especificar cada uma delas na tentativa de entendermos
a dimensão e as concepções, assim como se há
alguma demonstração dos conhecimentos e saberes privilegiados
neste tipo de modelo de desenvolvimento..
Reflexão como estratégia formativa: quando a reflexão
apresenta-se como elemento norteador das ações formativas,
é a partir dela e para ela que são construídas as
estratégias para o encaminhamento do processo. A reflexão,
neste caso, é comparada a um espelho onde o professor pode se ver,
adquirindo uma autoconsciência crítica sobre suas ações
pessoais e profissionais. Para Marcelo este tipo de reflexão poder
ser dividido em dois tipos: as que necessitam de observação
e análise das ações em sala de aula e aquelas que
potencializam a reflexão por meio da linguagem, das construções
pessoais e conhecimentos.
Neste sentido, a reflexão pode ocorrer de várias maneiras,
através da redação e análise de casos, da
análise de biografias profissionais, da análise de construtos
pessoais e teorias implícitas, da análise do pensamento,
representados por metáforas e da análise do conhecimento
didático do conteúdo através de árvores ordenadas.
No primeiro grupo ficam as reflexões sobre a redação
e a análise de casos e sobre as biografias dos professores, nas
primeiras o ponto de partida para o planejamento e das atividades formativas
são as histórias que os professores contam de sua vida profissional,
já na segunda o ponto de partida se da nas experiências e
concepções narradas em suas autobiografias.
Marcelo baseia-se em Shulman (1986), que identifica três tipos de
conhecimento, os proposicionais, procedimentais e os de casos. O conhecimento
proposicional deve ser “esmiuçado”, ou seja, dividido
em categorias, para ser planejado e organizado para a aprendizagem dos
professores.
O conhecimento dos professores se ordena em histórias. As histórias
dos professores trazem descrições de fatos reais, reflexões,
suas interpretações dos fenômenos. Descrições
estas, impregnadas de suas crenças, idéias e concepções
sobre o ensino.
As autobiografias assim como, a redação são instrumentos
utilizados em processos de desenvolvimento profissional, pautam-se na
idéia de que as pessoas agem de acordo suas interpretações
e significados das coisas que as rodeiam. Assim acontece com os professores
em seus ambientes profissionais, que constituem e constroem seus conhecimentos
pedagógicos “pelas circunstancias ecológicas da ação”
que se encontram envolvidos.
Para Marcelo (p.156), as biografias devem responder as seguintes questões:
qual é a realidade em que trabalho?, como penso e ajo na minha
classe?, como cheguei até aqui?, que quero fazer a partir de agora?.
Na busca por respostas a estas questões o professor expõe
seus conhecimentos pedagógicos, suas necessidades formativas (conscientes
e inconscientes), suas expectativas profissionais, etc. Tornando esta
estratégia um elemento fundador de processos de desenvolvimento
profissional.
A análise dos construtos pessoais e de teorias implícitas
também representa estratégias para o desenvolvimento profissional
com base na reflexão, na supervisão e no apoio mútuo.
Marcelo refere-se aos conhecimentos adquiridos pelos professores e organizados
em construções teóricas e metodológicas expressos
através dos pensamentos dos professores.
Este modelo de desenvolvimento de professores parte da análise
dos construtos pessoais e elementos dos professores. Esta análise
segundo Marcelo (p. 157), segue seis passos: a descrição
das concepções segundo um tema concreto; o confronto entre
as teorias expostas e a dos colegas, detectando aproximações
e afastamentos; a ampliação dos conhecimentos dos professores
por meio de leituras, estudos, conversas, onde ocorre a exploração
de outras teorias que complemente as teorias pessoais; a fase de compartilhar
suas novas descobertas e consensuar entre os professores definições
acerca das teorias expostas anteriormente.
O professor, ao externar suas concepções, estrutura seus
pensamentos com base em teorias implícitas, neste sentido, é
importante que o professor reconheça tais teorias, para assim submete-las
a mudanças. Para a análise das teorias implícitas,
pode-se utilizar diferentes instrumentos em diferentes momentos.
Podemos também ressaltar a possibilidade de análise do pensamento
por meio de metáforas, ou seja, a linguagem cotidiana que na maioria
das vezes os professores utilizam para descrever os processos de ensino
e de aprendizagem é impregnada de metáforas. Com isto podemos
dizer que são maneiras de materializar o pensamento. O significado
é transportado de uma palavra para a outra. Por meio das metáforas
podemos identificar as concepções e as práticas dos
professores, descrevendo, assim, a postura e o papel assumidos pelo professores
em sala de aula. Observamos que este tipo de análise pode oferece
elementos importantes para que se compreenda o trabalho do professor e
com isto poder pensar nos processos de desenvolvimento profissional.
Outra fonte importante de informações sobre o trabalho do
professores das coisas que ele sabe e/ou precisa aprender é o conhecimento
didático que tem a respeito dos conteúdos que ensina. Marcelo
(p. 161), diz que “o conhecimento didático do conteúdo
permite conhecer as formas de representação utilizadas pelos
professores para compreender o conteúdo que ensinam e para o transformar
em conhecimento ensinável”. Esta análise pode se dar
através das árvores ordenadas elaboradas a partir de uma
lista de palavras referentes a uma temática selecionada pelo próprio
professor.
Reflexão na ação como estratégia formativa:
este tipo de processo pretende levar o professor a uma prática
reflexiva sobre o ensino que realiza. Subentende a necessidade de parceria
e cooperação por parte do grupo de professores, pois este
tipo de reflexão requer a observação por parte de
uma outra pessoa, que além de registrar, deverá oferecer
um apoio profissional mútuo (coaching) em seu ambiente de trabalho.
Para tanto, é importante que a escola já tenha ou busque
institucionalizar uma cultura de trabalho cooperativo, não só
com relação às atividades formativas, mas abrangendo
a escola como um todo.
O desenvolvimento da escola, a melhoria do ensino, não ocorre com
mudanças individuais ou isoladas, mas com o envolvimento de toda
a escola. Neste sentido Seller e Hannay apud Marcelo (1999, p.163) afirmam
que: “o apoio profissional mútuo requer um ambiente que propicie
a cooperação, e estabelecimento partilhado de metas e a
tomada de decisões. Se as qualidades e experiências que ajudam
os professores a agir desta forma não estiverem presentes, então
o coaching não será eficaz”.
É importante ressaltar que este tipo de apoio profissional, não
acontece ao acaso, ele necessita ser praticado, experienciado e assim
ser construído no ambiente escolar.
Também podemos salientar outra estratégia para a formação
de professores, a supervisão clinica. Esta estratégia requer
uma forte interação entre o professor e aquela que o supervisiona,
pois para sua concretização necessita de uma observação
sobre a prática do professor em sala de aula. Para Weller apud
Marcelo (1999, p.165) a “supervisão clínica”
é como “uma supervisão centrada no aperfeiçoamento
do ensino através de ciclos sistemáticos de planificação,
observação e uma análise intelectual intensiva de
ação do professor para provocar uma modificação
racional”.
Esta ação não acontece ao acaso, é uma ação
planejada entre o professor e o supervisor. Os aspectos que serão
observados e posteriormente analisados são previamente Esta estratégia,
diferentemente das anteriores, não se baseia em juízos pessoais,
ou metáforas, casos e histórias, mas em “evidências
observáveis”. Também visa o desenvolvimento de competências
de conduta e intelectuais, não pretendendo, no entanto modificar
a personalidade do professor mas, aperfeiçoar o ensino por meio
da prática de ensino.
4.3. Desenvolvimento profissional por meio do desenvolvimento
e da inovação curricular e a formação do centro
Este modelo de desenvolvimento profissional está
fortemente pautado na resolução de problemas, subentende
que os adultos aprendem de maneira mais eficaz quando têm a necessidade
conhecer ou de resolver um problema. Neste sentido, a elaboração
do currículo escolar ou sua modificação pode gerar
novas necessidades didáticas e pedagógicas aos professores.
Sendo assim, podemos observar que uma condição para este
modelo de processo é a participação do maior número
possível de professor e de membros da comunidade escolar. A melhoria
do ensino acaba por ser o resultado da melhoria da escola como um todo.
A inovação curricular, quando assumida pelos professores,
implica na necessidade deles em conhecer outros conteúdos referentes
à avaliação, estratégias didáticas,
ensinar, aprender, etc. Portanto, este processo de conhecer para mudar
representa o próprio processo de desenvolvimento profissional com
base na inovação curricular. No entanto, ressalta Marcelo
(1999, p. 168), este tipo de processo exige certas condições
como: existência de inovações de qualidade; acesso
à informação; interesse e apoio da administração;
interesse dos professores; agentes de mudanças externos; pressão/apoio/apatia
da comunidade; disponibilidade de fundos para o seu desenvolvimento; resolução
de problemas e disposições burocráticas.
Projeto de desenvolvimento curricular centrado na escola diferencia-se
por três aspectos: quanto ao número de profissionais participantes;
quanto às atividades desenvolvidas e quanto ao tempo disponibilizado
para este fim. E segundo Guarro apud Marcelo (1999), deve “respeitar
as seguintes fases: identificação e análise de necessidades;
desenvolvimento ou implementação; e avaliação”.
O desenvolvimento pode ser centrado na escola, pautando-se no princípio
de que é neste espaço de trabalho que surgem diferentes
problemas e também podem ser resolvidos.
Para Hewton apud Marcelo (1999, p.171), o “fato deste tipo de formação
ser prioritariamente levado a cabo no local de trabalho e durante o tempo
escolar faz com que exista inicialmente uma maior implicação
por parte dos professores”. Assim como, também denota algumas
condições para acontecer. Podemos ressaltar a liderança
por parte dos profissionais, que assumem definitivamente os avanços
da escola; a estrutura organizacional e seu funcionamento, que deve favorecer
as trocas e a interação de todos nos problemas apresentados;
e a adequação do tipo do modelo de desenvolvimento profissional
ao contexto e a realidade da escola em questão.
4.4. Desenvolvimento profissional por meio de cursos de
formação
Este representa o modelo de formação mais
conhecido, difundido e praticado. Para Wood apud Marcelo (1999, p.178),
um curso se define como “um grupo de pessoas que participam durante
um certo período de tempo em atividades estruturadas para alcançar
determinados objetivos e realizar tarefas estabelecidas de antemão,
as quais levam a uma nova compreensão e mudança da conduta
profissional”.
Os cursos têm, em sua maioria, objetivos voltados ao treinamento
dos professores para o desenvolvimento de determinadas competências,
que normalmente são ensinadas por especialistas em encontros pontuais
de grupos numerosos de professores e normalmente fora do espaço
escolar.
4.5. Desenvolvimento profissional por meio da investigação
A investigação-ação pressupõe
profissionais capazes de refletir sobre sua atividade profissional, ou
seja, é a possibilidade de um professor teorizar sobre seus problemas
práticos de sala de aula. Esta prática reflexiva se dá
de forma planejada e organizada para a obtenção de informações
e documentação das experiências escolares e acontece
mediante a vontade do professor em investigá-la, não acontece
de forma espontânea e ao acaso, surge por meio dos problemas que
se apresentam aos professores em suas atividades escolares e que na tentativa
de resolvê-los, buscam acabam por refletir sobre eles, descobrindo
a necessidade de uma intervenção mais profunda. Este modelo
pressupõe profissionais capazes de desempenhar com eficácia,
para tanto, Marcelo (1999, p.184) coloca que a formação
de professores deve contemplar no seu “currículo o objetivo
de formar profissionais que reflitam sobre sua própria prática,
dotados de conhecimentos e competências que permitam concretizar
esta função de indagação a que nos referimos”.
5. Possível articulação entre os
saberes docentes e o desenvolvimento profissional de professores
Após estabelecermos as aproximações
e os afastamentos, que julgamos pertinentes, entre as diferentes sistematizações
dos autores que discutiram a temática saberes docentes, tratamos
de articular quais desses autores encaminhariam, sob a perspectiva dos
cinco modelos apresentados por Carlos Marcelo, ao ‘Desenvolvimento
Profissional dos Professores’. Esta articulação ocorre
em duas vias, pois ao pensarmos nas diferentes tipologias apresentadas
e na motivação de cada autor tentamos clarear este campo
conceitual que, por vezes, aparentemente, possuem o mesmo significado
e a mesma orientação epistemológica. As aproximações
não objetivaram nivelar, assim como os afastamentos não
significam ausência de pontos convergentes, no entanto, na nossa
leitura, representam lacunas num processo de construção
de conhecimentos referentes à profissionalização
docente. Num campo que persiste a diversidade e a pluralidade tanto conceitual
quanto metodológica das pesquisas concordamos com Mizukami (2004,
p. 34) que “embora sirvam de quadros explicativos, há necessidade
de desenvolvimento de pesquisas que os comprovem, que mostrem suas limitações
e seus avanços em relação à produção
da área (...) e mesmo, quem sabe, um dia os superem em seus pontos
mais vulneráveis e reducionistas e que ainda não dão
conta, por si sós, de explicar processos de aprendizagem profissional
da docência”.
O reconhecimento dos saberes docentes é imprescindível para
que possamos discutir a qualidade do trabalho docente, no entanto, não
é suficiente. O ‘Desenvolvimento Profissional dos Professores’
servindo como dispositivo para integração de conhecimentos
referentes à escola e a inovação, ao currículo,
ao ensino e aos professores possibilita que, inseridos na escola, os professores
possam repensar sua formação a partir da realidade que o
contexto apresenta e partindo da análise de suas necessidades possam
em conjunto buscar a solução dos problemas.
É nesse sentido, que selecionamos o modelo de ‘desenvolvimento
profissional por meio do desenvolvimento e da inovação curricular
e a formação do centro’, dentre os modelos apresentados.
As razões que justificam a escolha deste modelo, e não de
outro, parte da premissa de que os docentes são profissionais que
atuam na escola, espaço em que surgem os principais problemas referentes
à sua prática educativa, portanto, tais problemas devem
ser solucionados pelos docentes e pela comunidade escolar. Outra premissa,
é que este processo deve ser sentido pela escola como um todo e
não por sujeitos ou grupos isolados. Marcelo (1999) deixa claro
que as propostas devem ser sentidas como necessárias pelo grupo.
Desta maneira, propor uma inovação curricular significa
modificar a escola na sua estrutura basilar, exigindo a participação
efetiva do maior número possível de professores, pois é
necessária uma compreensão que objetive e operacionalize
as propostas na busca da qualificação do ensino. E por fim,
por entendermos que embora Carlos Marcelo apresente cinco modelos distintos,
nada impede que o ‘Desenvolvimento Profissional de Professores’
ocorra através de cada modelo isoladamente (autônomo, baseado
na reflexão, na investigação, através de cursos),
no entanto, nossos estudos nos fazem acreditar numa proposta ampla, socializada
e profunda.
Mas enfim, qual ou quais autores, que discutem a temática ‘Saberes
Docentes’ possibilitariam um encaminhamento convergente com este
tipo de desenvolvimento profissional ?
Como afirmamos anteriormente, estas relações são
resultados de um estudo mais minuciosos das sistematizações
dos ‘Saberes Docentes’ com vistas ao ‘Desenvolvimento
Profissional dos Professores’, pois a compreensão dos saberes
deve nos servir de ferramenta para um avanço na área da
Educação.
A sistematização de L. Shulman é, inicialmente, o
reconhecimento de um corpo sólido de conhecimentos que a profissão
deva possuir, num segundo momento, o autor estabelece como o professor
constrói os seus conhecimentos. Para Shulman o reconhecimento social
e a profissionalização docente são uma realidade
incontestável. Shulman seria, então, um dos autores que
encaminhariam adequadamente ao desenvolvimento profissional? Possivelmente,
pois pondera sobre o currículo, sobre as características
dos alunos e dos contextos, os fins educacionais, sobre o conhecimento
pedagógico (geral e do conteúdo) e, também, sobre
o amálgama do conhecimento pedagógico do conteúdo.
Em Gauthier encontramos alguns avanços, assim como em Shulman,
pois através das conceituações, procura identificar
e questionar os processos de construção dos ‘Saberes
Docentes’. Gauthier objetiva a profissionalização
do ensino através da legitimação do saber docente,
processo que se dá por meio dos ‘saberes da ação
pedagógica’. Observamos nesse autor que sua concepção
de profissionalização docente pauta-se na construção
coletiva.
Em relação à tipologia de P. Perrenoud, apesar de
apresentar bastantes relações com L. Shulman, não
identificamos a discussão efetiva sobre o que defasou a qualidade
do ensino, a influência das tecnologias, o papel do professor na
escola, mas sim, buscou fornecer ferramentas que justificariam a importância
ou função do docente no contexto atual. Perrenoud evidencia
a relação professor/aluno/comunidade, o que faria parte
inicialmente de um projeto construído coletivamente pela comunidade
escolar, no entanto, somente delega as novas funções ao
professor. Aparentemente, esta tipologia é coerente com as necessidades
do ensino, entretanto, esta prescrição ainda recai no vazio
do como sem que o professor, efetivamente, conheça os porquês.
Apesar das tipologias de M. Tardif e C. Gauthier apresentarem algumas
aproximações, o tratamento despendido por cada um deles
aos ‘Saberes Docentes’ é distinta. Tardif identifica
os saberes da docência a partir da relação do professor
com os saberes (produzidos ou não por eles). Além dessa
constatação, Tardif problematiza a divisão entre
os saberes oriundos da universidade e os saberes docentes originados na
prática educativa, apesar de abordarem saberes de naturezas e de
importâncias distintas.
A tipologia proposta por Pimenta não atenderia ao ‘Modelo
de Desenvolvimento Profissional’ selecionado exatamente por se tratar
de um trabalho direcionado para a formação inicial e nas
condições em que se desenvolve esse aprendizado docente.
As discussões são geradas em torno da Universidade e na
valorização dos saberes discentes. Não desconsideramos
que a formação inicial faz parte de um contínuo de
formação de professores, como a própria autora sugere,
mas se tivéssemos que optar por uma sistematização
dos saberes docentes direcionados ao professor em exercício, a
sistematização de Pimenta apresentaria algumas lacunas,
dentre elas, a construção do currículo.
6. Bibliografia
PIMENTA, Selma Garrido (org.): (2000). Saberes pedagógicos
e atividade docente. 2 ed. São Paulo/BRA: Cortez.
MIZUKAMI, Maria da Graça N.: (2004). ‘Aprendizagem da docência:
algumas contribuições de L. S. Shulman’. In: Educação
Revista do Centro de Educação. Santa Maria/BRA, v.29, n.2,
p. 33-49.
PERRENOUD, Philippe: (2000). Dez novas competências para ensinar.
Tradução Patrícia Chittoni Ramos. Porto Alegre/BRA:
Artes Médicas Sul.
TARDIF, Maurice: (2002). Saberes docentes e formação profissional.
Tradução Francisco Pereira de Lima. Petrópolis, Rio
de Janeiro/BRA: Vozes.
GAUTHIER, Clermont: (1998). Por uma teoria da pedagogia: pesquisas contemporâneas
sobre o saber docente. Tradução Francisco Pereira de Lima
– Ijuí/BRA: Ed. UNIJUÍ - (Coleção fronteiras
da educação).
MARCELO, Carlos: (1999). Formação de professores. Para uma
mudança educativa. Tradução Isabel Narciso. Porto/PORTUGAL:
Porto Editora.