Raquel de Oliveira Fonseca (UEMS)
Na obra Pensamento e Linguagem, Vigotsky objetiva que
a fala está relacionada com o pensamento, embora o desenvolvimento
de ambos ocorra de forma diferenciada, o que pode ser observado na obediência
da fala à seqüência que as palavras lhe impõem.
Nesta obra, o autor faz referência a Stanislavsky que, como precursor
destas orientações, teria embasado seu método na
percepção de que a palavra tem seu fundamento no pensamento;
as palavras e ações no teatro não deveriam afastar-se
das idéias contidas no texto.
Para Stanislavsky, o texto é o lugar onde a personagem se dá
a conhecer; o ator deve estabelecer com o subtexto, ou seja, com as idéias
mais profundas que movem o texto, um envolvimento integral. A relação
imediata que o autor estabeleceu com o texto dramático, embora
seu objetivo fosse o ator, alerta-nos para a possibilidade de torná-lo
um campo possível de ser conquistado de maneira profunda.
O diretor aconselha o ator a não se deixar influenciar pelas opiniões
estranhas, perdendo o elemento surpresa que uma primeira leitura proporciona,
surpresa esta, que poderia ser o caminho para a intuição,
para a imaginação criadora; destaca ainda a importância
da releitura porque trechos com os quais nos identificamos, nos parecem
vivos logo no primeiro contato, enquanto outros trechos ficarão
turvos e só a familiaridade poderá iluminá-los.
Pensamos que a ênfase de Stanislavsky na necessidade de adentrar
ao texto, lê-lo profundamente e dele se tirar o elemento fundamental
para a criação deveria contagiar a nós, professores
de literatura.
Em A Criação do Papel, Stanislavsky propõe aos atores,
a busca de orientação com pessoas treinadas em literatura
a fim de aprenderem como ir direto ao cerne, como captar a peça
com todo seu ser, com seu cérebro e seus sentimentos. Após
a leitura de suas obras, convencemo-nos de que o oposto de sua proposta
também é viável.
É viável uma maior dedicação à leitura
e estudo do texto dramático na escola, na graduação
e na pesquisa. Se a concepção de que este texto navega entre
dois domínios distintos - a arte literária e as artes cênicas
- foi responsável pelo distanciamento que as pessoas treinadas
em literatura lhe reservaram, hoje os estudos culturais, os estudos comparativos
motivam-nos a um relacionamento com o texto dramático, sem preconceito;
se na sala de aula sua presença abrir espaço para jogos
dramáticos, teatrais, apostemos na intuição, na imaginação
criadora dos alunos.
O conhecimento da estrutura deste texto pode facultar ao profissional,
que se proponha a incluí-lo no programa de seu curso, embasamento
para a criação de estratégias adequadas ao desenvolvimento
de seu trabalho. Apresentamos, a seguir, algumas notas acerca dos seus
elementos estruturais.
A ausência de narração e descrição de
espaços, objetos, personagens, aos moldes do romance, exige do
leitor muita imaginação, visto que é somente por
meio dos diálogos e das didascálias que esses elementos
se transformam em imagens na mente dos leitores.
A forma dialogada que exclui o narrador e dá às personagens
maior autonomia da fala constitui marca significativa deste texto. Por
meio da fala direta, a exposição que a personagem faz de
si é mais intensa , dialogando, ela se revela.
BALL (2005) a este respeito, observa que a fala das personagens não
revela obrigatoriamente uma verdade, antes, manifesta as contradições
e ambigüidades próprias do discurso. A complexidade desta
manifestação da personagem por meio do discurso, leva-nos
a percepção de que ela é um ser que age de maneira
individual e por vontade própria.
Este agir individual é conseqüência da colisão,
ou seja, da perturbação que altera um estado inicial de
harmonia. A colisão desloca a personagem da harmonia para um estado
de desarmonia com o mundo e a este processo, segue-se o empenho pela reconquista
da harmonia. A ação, elemento central do texto dramático,
configura-se, portanto, como um movimento da personagem em busca de restabelecer
o sentimento de reencontro com a sociedade, com o outro e consigo mesma;
esta vontade é a sua vida. O dramaturgo transforma atos em estado
de espírito. HEGEL observa:
A ação consiste na revelação mais clara do
que há de mais profundo no indivíduo que, na ação,
manifesta e realiza seu ser mais íntimo; e visto que a ação
é de natureza espiritual, a expressão espiritual, no discurso,
se representa com a máxima clareza e determinação.
(HEGEL, 1999. 224)
PRADO (1988) considera que para alcançar a busca
do homem em sua essência e em sua relação com o mundo
é necessário observá-lo em seu exterior e interior;
o dramaturgo deve traduzir em palavra, ou seja tornar consciente o mundo
submerso de sentimentos e reflexões mal formulados que não
se erigem aos olhos alheios, e dos quais, nem se têm plena consciência.
E nesse processo, o papel do antagonista, criando conflitos é recurso
que contribui para que os mais íntimos sentimentos sejam expostos.
Percebemos o texto dramático como um quadro extraído de
um todo, no exato momento em que a harmonia é quebrada; delimita-se
portanto, por dois momentos de harmonia. Embora haja textos em que a impressão
que se tem é que aquele o quadro é parte é da desarmonia
que é o todo, mesmo neste caso o quadro extraído será
marcado por extrema tensão – lembramo-nos aqui de Navalha
na Carne de Plínio Marcos. Pode-se entender que o tempo dramático
é o presente; uma desarmonia passada estimula a ação
presente ao retorno da harmonia pretendida para o futuro.
O narrador é a instância enunciadora que estrutura o texto
narrativo. AGUIAR e SILVA (1983), objetiva que a narrativa representa
a interação do homem com o meio físico histórico
e social e a representação que nele se dá de suas
concepções, atos e estados do mundo; a totalidade da vida
configura-se pela totalidade dos objetos. O texto dramático, por
outro lado, representa a totalidade da vida por meio das ações
humanas que se opõem, o elemento essencial é o homem e não
a sociedade, mesmo que, a mediação da atividade humana,
dos costumes, da classe social estejam subjacentes às ações;
neste texto, tudo está subordinado a dinâmica do conflito.
O tempo é relativamente condensado, o espaço
é relativamente rarefeito, as personagens supérfluas são
eliminadas, os episódios laterais abolidos, desenvolvendo-se a
ação como uma progressão de eventos que resulta forçosamente
da conformação ( psicológica, ética, sociocultural,
ideológica ) das personagens e das situações em que
estas se encontram envolvidas. (AGUIAR E SILVA,1983. 609).
VELTRUSKI (1988), quanto a funcionalidade do texto dramático,
observa que o todo da obra é construído por pluralidades
semânticas; cada personagem, como sujeito parcial, é a manifestação
de uma totalidade contextual que se dá a conhecer pela fala. A
pluralidade das vozes que se revezam e interpenetram, é fator preponderante
na construção semântica da obra.
Quando STANISLAVSKY (1986), fala em leitura e análise do texto,
aponta estratégias que vão desde a percepção
da entonação, do ritmo, à compreensão do emprego
das pontuações, das pausas. Ele se preocupa com detalhes
que se não observados podem desqualificar por completo o entendimento
do texto, das idéias que estão na base de onde se originam
as palavras.
A leitura do texto dramático se bem direcionada no sentido da compreensão
do texto, do significado das falas e das réplicas traz consigo
a sugestão do jogo. O aluno que lê razoavelmente bem, sente-se
motivado a participar da leitura. Quando se lê em voz audível
as falas de uma das personagens e se recebe réplicas de uma outra
pessoa e sobretudo, quando essas falas são compreendidas no seu
todo, o jogo se estabelece, independentemente do uso de qualquer outros
signos, senão das palavras.
Viabilizar a leitura do texto dramático em sala de aula, pode ser
uma experiência interessante pela expectativa que gera no aluno
frente a atividade diferenciada e pela relação imediata
estabelecida com o desempenho de seus ídolos, atores das telenovelas.
Por fim, a qualidade da nossa literatura dramática testifica a
favor de sua valoração.
Referências Bibliográficas
AGUIAR E SILVA. Teoria da Literatura. Coimbra: Livraria
Almedina,1983.
BALL, David. Para trás e para frente: um guia para leitura de peças
teatrais – trad. Leila Coury. São Paulo. Perspectiva,2005.
HEGEL. A estética. São Paulo: Nova Cultural, 1999.
PRADO, Décio de Almeida. O teatro brasileiro moderno. 1930-1980.
São Paulo: perspectiva. Editora da Universidade de São Paulo,
1988.
STANISLAVSKY, Constantin. A construção da personagem. Trad.
Pontes de Paula Lima. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1986.
¬¬____________-. A criação do papel. Trad. Pontes
de Paula Lima. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1990.
VELTRUSKY. J. O texto dramático como componente do teatro. In:
GUNSBURG, J. (org.) Semiologia do teatro. São Paulo: perspectiva,
1988.
VIGOTSKY. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2000.