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PRÁTICAS
EDUCATIVAS NA PRÉ-ESCOLA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE
AVALIAÇÀO
Gilza Maria Zauhy Garms - FCT/UNESP de Presidente
Prudente - gilza@stetnet.com.br
Introdução
Acompanhar a criança em seu desenvolvimento requer um olhar teórico-reflexivo
sobre seu contexto sócio-cultural e expressões que se originam
do caráter evolutivo do seu pensamento. Significa considerá-la
em sua particularidade e em suas sucessivas e gradativas conquistas do
conhecimento em todas as áreas. Peculiar, portanto, que o panorama
da avaliação, em educação infantil, represente
um cenário de muitas interrogações e indefinições
quanto a uma concepção dessa prática, posto que inclui
análises e reflexões concernentes ao próprio significado
da educação infantil, à representação
de criança, e os caminhos a serem trilhados para um efetivo trabalho
pedagógico.
Nesse trabalho, a proposta de trabalho é a de contextualizar, a
prática avaliativa nas pré-escolas investigadas, abordando
questões subjacentes a essa prática como suporte para essa
discussão, buscando assim (re)significá-la.
A investigação realizada “in loco” nas salas
de pré-escolas da rede municipal de Presidente Prudente, no ano
2003, se propõe sob o pressuposto teórico – avaliação
como mediação no processo ensino-aprendizagem - defendido
por Hoffmann (1999 e 2000) e Bassedas (1999), acompanhar as tendências
presentes que tem orientado a prática avaliativa nas instituições
de educação infantil.
Estaremos, por conseguinte, diagnosticando e enunciando uma apreciação
sobre formas de acompanhamento do desenvolvimento das crianças
que permitam olhar para a avaliação como um processo de
apropriação e não como resultado preciso.
Breve cenário do processo avaliativo na educação
infantil
O tema da avaliação incluiu-se na discussão histórica
quanto a uma concepção assistencialista ou educativa para
o atendimento às crianças. A exigência de um processo
formal de avaliação parece surgir, mais propriamente, como
elemento de pressão das famílias da classe média
por propostas verdadeiramente pedagógicas, para além do
modelo de guarda e proteção do modelo assistencialista.
A prática avaliativa surge então como um elemento de controle
sobre a escola e sobre os professores, que se vêem com a tarefa
de formalizar e comprovar o trabalho realizado via avaliação
das crianças. Pressão que encontra nas diretrizes legais
– LDBEN, art.31 - referentes a essa instância educativa, impeditivos
para que a prática avaliativa não venha a incorrer em caráter
de controle tais como decisões de aprovação e reprovação
à semelhança do ensino regular.
Sem dúvida, a avaliação em educação
infantil origina-se de fatores sócio-culturais próprios
e passa a exigir, nessa década de expansão de políticas
públicas para o atendimento educacional às crianças
de 0 a 6 anos, uma séria reflexão a respeito dos seus pressupostos
fundamentais. E, principalmente, exige a investigação dos
reflexos sofridos do modelo de controle vigente no ensino regular que,
atrelados a finalidade de controle das famílias sobre a eficiência
da instituição, acaba por comprometer seriamente o significado
dessa prática em beneficio do processo educativo.
Como afirma Barbosa (2004):
Nas concepções e metodologias avaliativas utilizadas na
escola, vemos traduzidos os modos de funcionamento e os valores de cada
sociedade. Geralmente, nós educadores, fomos formados em uma cultura
classificatória e dualista, que separa os bons dos maus, afirma
o que é certo e errado, julga o outro a partir de valores e juízos
pessoais e sociais, sendo alguns deles embebidos de preconceitos. Assim,
a avaliação tem servido como um instrumento de controle
social, pois produz seletividade e exclusão (p.17).
Essa influência pode ser percebida, por exemplo,
como aponta Hoffmann (1996), na prática de elaboração
de fichas comportamentais classificatórias semestrais no que se
refere aos registros de avaliação das crianças. Da
mesma forma, alguns pareceres descritivos encerram concepções
disciplinadoras, conceituosas e comparativas que ferem seriamente o respeito
à infância. A análise dos procedimentos rotineiros
de avaliação permite-nos observar sérios reflexos,
na educação infantil, dos modelos de avaliação
classificatórios do ensino regular.
A busca de significado para a avaliação requer o estudo
das concepções de educação infantil, das teorias
de desenvolvimento e das abordagens do processo educativo que delas se
originam. Diferentes posturas avaliativas precisam ser analisadas à
luz de tais concepções. Diz Souza apud Hofmann, (1996):
Que é bem possível que a experiência vivida pela educação
nesta época possa ter gerado um repensar a respeito do seu conceito
e de sua dimensão. Novas formas de se conceber a educação
e de contextualizar a criança passaram a solicitar uma discussão
que não ocorria nos primórdios do estudo sobre o tema, abordando
a questão da criança como ser histórico e social,
sujeito que constrói o próprio conhecimento. (p.21)
Para a autora o tema da avaliação insere-se
nesta discussão, buscando-se a contestação de práticas
descontextualizadas da realidade da criança, de práticas
assistencialistas ou compensatórias que se revelam nos processos
avaliativos.
A concepção construtivista-interacionista de conhecimento
provoca um outro olhar sobre o desenvolvimento infantil e conseqüentemente
sobre posturas pedagógicas e avaliativas. Segundo Piaget (1970;
1978; 1987), a criança constrói o conhecimento na sua interação
com o objeto, entendido como o seu próprio corpo, as coisas, as
pessoas, os animais, a natureza, os fenômenos do mundo físico
em geral. A rigor, o que existe é um sujeito ativo desde o nascimento,
com estruturas orgânicas que o impulsionam à ação
e cujo desenvolvimento depende dessa mesma ação. Diante
desta concepção, o professor deixa de ser o centro do processo
ensino-aprendizagem, estabelece-se um diálogo entre ambos os pólos
da ação pedagógica, tornado-se o professor um desestabilizador,
problematizador da ação do seu aluno. Isto exigirá
do educador conhecer as reações das crianças, seus
limites e possibilidades, reconhecer suas tentativas, planejando suas
ações pedagógicas com base em tais observações
e reflexões.
Para Vygostk (1988), sócio-interacionista, a ação
da criança é também essencial para o seu desenvolvimento.
Ela atribui significados aos objetos, não a partir de sua herança
genética ou a partir dos estímulos do meio ambiente, mas
através da interação com os elementos de sua cultura
e do seu meio social. O curso de seu desenvolvimento cognitivo é
influenciado pelo meio sócio-cultural da criança, e as referências
semânticas representadas pelas palavras e conceitos vigentes no
grupo social determinam o conteúdo e a forma, tanto das estruturas
lingüísticas quanto das estruturas do seu pensamento. Dessa
forma, a criança participa ativamente da construção
de sua própria cultura e de sua história, construindo conhecimentos
e constituindo sua identidade a partir de relações interpessoais.
Igualmente importante para o autor é sua concepção
de avaliação da aprendizagem da criança. Para ele,
todo individuo tem possibilidades intrínsecas de desenvolvimento
e de progresso intelectual. Nesse sentido, para Vygostk, a mediação,
como intervenção pedagógica desafiadora do potencial
de cada criança, é tarefa essencial do avaliador, cujo papel
é o de buscar uma articulação significativa entre
os conceitos construídos pela criança e formas mais elaboradas
de compreensão da realidade.
Em referência à avaliação, tais concepções
irão implicar em posturas contrárias à constatação
e registro de resultados alcançados pela criança a partir
de ações dirigidas pelo professor, buscando, ao invés
disso, ser coerente à dinâmica do seu processo de desenvolvimento,
a partir do acompanhamento permanente da ação da criança
e da confiança na evolução do seu pensamento.
Assim tem-se uma postura avaliativa mediadora que parte do seguinte princípio:
[...] cada momento de sua vida representa uma etapa altamente significativa
e precedente as próximas conquistas, devendo ser analisada no seu
significado próprio e individual em termos de estágio evolutivo
de pensamento, de suas relações interpessoais. (HOFFMANN,
1999, p.24).
Diante deste princípio, percebe-se a necessidade
do abandono por parte do educador, das listagens de comportamentos uniformes,
padronizados e partir para a busca de estratégias de acompanhamento
de cada descoberta da criança. Acompanhamento no sentido de mediação;
mediar a ação da criança proporcionando-lhe desafios,
tempo, espaço e segurança em suas experiências.
Mediar significa que o professor deva estar sempre em um alerta constante
permanente acompanhando o processo de desenvolvimento de cada criança,
assumindo o papel de investigador da história e conquista de cada
criança promovendo um ambiente de confiança tendo como foco
de observação os passos, avanços e dificuldades dos
alunos.
Assim como Hoffmann, que defende uma avaliação mediadora,
centralizando a criança no processo ensino–aprendizagem,
Bassedas (1999) também propõe uma avaliação
qualitativa no sentido de priorizar a criança, ajudando-a em seu
desenvolvimento pleno. Para tanto, apresenta e discute três tipos
de avaliação necessárias na escola: a inicial, a
formativa e a somativa.
Para efetivá-los, a aplicação de uma avaliação
completa e objetiva deve iniciar-se no recolhimento de dados, observações,
obtenção de informações sobre o que os alunos
são capazes de fazer, mas, além disso, faz-se necessário
que estas informações sejam úteis para poder tomar
decisões, para ajudar os alunos e para propor a eles um ensino
mais adequado às suas necessidades. É tarefa do educador
procurar aprender a observar recolhendo somente informações
que virão a servir para interpretação e questionamento
dos processos de ensino-aprendizagem decorrentes da sala de aula e de
seus alunos.
Qualquer que seja a avaliação, sua comunicação
deverá ser efetuada para os pais, para a escola e para a própria
criança em diferentes linguagens. Para os pais deve ser clara e
compreensível, o mesmo para a escola no que se refere aos conteúdos
de ensino, já para a criança deve ser adequada à
sua capacidade de compreensão.
Pode-se afirmar então que a avaliação assume um caráter
importantíssimo no ensino infantil permitindo um regulamento no
próprio ensino, ajustando-o e adequando-o aos diferentes usuários
a quem se dirige.
Procedimentos metodológicos
Tendo por fim, conhecer para diagnosticar a prática avaliativa
presente na educação infantil, selecionamos uma amostra
de 20% das instituições municipais de Presidente Prudente
que oferecem esta modalidade de ensino, de um total de vinte, totalizando
sete escolas e em cada uma delas foi escolhida uma sala. Dessa forma,
foram observados aproximadamente 140 alunos, numa média de 20 crianças
por sala e sete professoras, num período de dois meses, entre os
meses de setembro e outubro de 2003.
Dentre as técnicas de pesquisa oferecidas pela metodologia cientifica,
apontadas por Lakatos (1985), optamos pela pesquisa documental realizada
através de repertório indireto: materiais escritos provenientes
de cada instituição selecionada, via registros do desempenho
das crianças, diários de classe, registro avaliativo dos
alunos e; através de observação direta intensiva
realizada através de duas técnicas: observação
sistemática – in loco, realizadas nas instituição
infantil selecionada, num total de 60h/a, registradas por meio de anotações
dirigidas à condução da ação docente
no que diz respeito ao processo de avaliação do desempenho
das crianças. A segunda técnica utilizada foi a entrevista
não-estruturada, utilizada para explorar mais amplamente a questão
investigada.
Análise e Discussão dos resultados
A partir da análise dos dados coletados, à luz dos estudos
teóricos realizados, foi possível destacar os dois aspectos
para reflexão: avaliação do desenvolvimento infantil
e as práticas de devolução da avaliação.
1- Avaliação do desenvolvimento infantil
A observação da criança pequena é finalidade
básica da avaliação em instituições
infantis. Segundo Hoffmann (1996 e 2000), o sentido da avaliação
na educação infantil é o de acompanhar o desenvolvimento
da criança, englobando reflexões permanentes da ação
da criança em seu cotidiano.
Nas escolas observadas, todas as professoras citaram a observação
como um procedimento avaliativo primordial para o pleno desenvolvimento
da criança.
Para o registro das observações do desenvolvimento infantil
realizadas pelas professoras, comprovou-se em todas as escolas, a utilização
dos cadernos de registro e diários de classe. Nos cadernos de registro,
em seis escolas observadas, havia anotações individuais
de cada aluno referente a comportamentos no período de adaptação
(1a. semana na escola) e também a descrição do desenvolvimento
cognitivo e psicomotor da criança pontuando avanços e retrocessos
de um bimestre à outro. Raramente eram apontados dados sobre o
aspecto afetivo.
Estes dois tipos de instrumentos avaliativos, cadernos de registro e diários
de classe, não eram utilizados diariamente e sim, em determinados
períodos (semanas, quinzenas) ou final de bimestres.
Para Bassedas (1999) e Barbosa (2004) estes são instrumentos utilizados
pelos professores para observar as crianças, anotando as situações,
as experiências e os diversos aspectos da caminhada do grupo, dos
alunos individualmente e de seus processos tanto na aprendizagem quanto
no âmbito relacional e de grupo. Instrumentos valiosos de reflexão
sobre a prática, por conter o registro, a memória do trabalho
realizado com a turma. Constitui também o ponto de referência
para o planejamento e a avaliação do trabalho.
O que foi observado, quanto ao uso do diário é que na maioria
das escolas atribui o nome de Planejamento ao diário, descrevendo
apenas o conteúdo a ser trabalhado no dia. Três momentos
– Roda; Atividades e Recreação - apareceram com freqüência
para a descrição do que seria trabalhado e são coladas
as atividades que serão entregues às crianças no
dia.
Diante disso, pode-se afirmar que o diário de classe e/ou de aula
apresenta um caráter totalmente descritivo, sem o acompanhamento
e registro do educador de como a criança ou o grupo se comportou
diante de uma atividade.
Existe também uma ficha individual de “Acompanhamento do
Desenvolvimento Infantil”, que apresenta uma função
equivalente aos cadernos de registro e diários de classe. As anotações
que o professor faz no caderno de registro são praticamente repassadas
para essa ficha de acompanhamento do desenvolvimento infantil, pois, contêm
os mesmos dados: descrição do desenvolvimento cognitivo
e psicomotor da criança.
Esta ficha é um instrumento de preenchimento obrigatório
exigido pela escola e pela Secretaria de Educação, para
esta interessa registrar quantas crianças se encontram em determinados
níveis de desenvolvimento da escrita, do desenho e da matemática.
As sondagens são um outro tipo de instrumento avaliativo com fins
de observação do desenvolvimento infantil, que são
realizadas através de atividades de escrita, matemática
e desenho. Muito semelhante à sondagem, quanto às atividades
propostas, há a avaliação diagnóstica que
é aplicada na Pré-escola em três momentos. O 1.º
momento, ocorre nos meses de fevereiro e março e tem como objetivo
a verificação de conhecimentos no âmbito cognitivo
e psicomotor. O 2o. Momento é referente aos meses de junho e julho
e é realizada durante o ensino para diagnosticar as dificuldades
na aprendizagem. No 3º Momento esta avaliação é
feita nos meses de outubro e novembro, com o intuito de obter dados sobre
o processo percorrido pelo aluno desde o início do ano, os quais
farão parte do relatório final.
As avaliações diagnósticas foram verificadas em todas
as Pré-escolas apresentando atividades de escrita e número
muito semelhantes.
Estes diagnósticos e sondagens são o tipo de avaliação
que Bassedas (1999) chama de avaliação inicial e que deve
ser primordial para as escolas de Educação infantil. Neste
tipo de avaliação é possível informar ao docente
os conhecimentos prévios das crianças em relação
aos conteúdos e planejar, programar e apresentar melhor a atividade
ou unidade trabalhada.
Além da avaliação inicial, contém nas Propostas
Pedagógicas e no dia-a-dia observado nas professoras, a avaliação
formativa. Esta é realizada durante o processo de ensino-aprendizagem
com o propósito de informar o resultado da aprendizagem durante
o desenvolvimento das atividades escolares. Assim, pela observação
das salas, notou-se que todas as atividades que eram trabalhadas no dia,
a professora fazia anotações dos níveis de desenvolvimento
de cada criança, níveis da escrita e matemática.
Dessa forma, todas as atividades eram avaliadas.
Os Planos de Ensino apresentam os objetivos gerais e específicos
de cada área de conhecimento que deverá ser ensinado à
criança. Logo, as atividades propostas estarão sempre centradas
nos objetivos que se pretende alcançar, contudo observamos centração
nas atividades de escrita e de matemática. Ao término dessas
atividades havia a correção e avaliação no
caderno de cada aluno.
E por fim, a avaliação somativa, que é realizada
no final do ano visando avaliar o progresso do aluno em nível de
conhecimento.
Concluindo, além da observação, dois instrumentos
são comumente usados para o registro do desenvolvimento da criança,
os cadernos de registro e diários de classe. Além destes,
há a presença de sondagens, avaliações diagnósticas,
formativas e somativas que vêem para completar o grupo dos instrumentos
avaliativos utilizados na Pré-escola.
Dessas constatações foi possível inferir que as professoras
não registram o desenvolvimento da criança diariamente,
como descrito na forma com que eram feitas as anotações
nos cadernos de registro em linhas anteriores: “... estas não
eram registradas diariamente e sim, através de determinados períodos
ou final de Bimestres”. Dessa forma, o educador está negando
à criança o direito de acompanhamento do seu desenvolvimento
porque registrar todo dia permite uma riqueza de detalhes e reflexões
sobre a ação da criança, diferente do registrar em
determinados períodos onde o professor terá que “puxar
pela memória” e através de atividades o que a criança
realizou em um dado momento. O cotidiano da criança não
está sendo levado em conta.
Da mesma forma, ocorreu com os diários de classe, onde apenas eram
descritas as atividades que seriam trabalhadas em determinado dia, negando
uma descrição “qualitativa/reflexiva” de como
os grupos e a criança (individualmente) trabalharam frente à
atividade.
Às avaliações diagnósticas/sondagens, avaliação
formativa e somativa, são apontadas como primordiais da avaliação
mediadora e as escolas se utilizam delas, porém, no momento em
que estas avaliações deveriam estar sendo utilizadas com
o intuito de proporcionar o desenvolvimento pleno da criança acompanhando-a
em suas ações, nos seus aspectos cognitivos, psicomotores
e afetivos, os professores utilizam-nas com a finalidade da obrigação
de enviar dados para a Secretaria da Educação.
Refletir sobre a ação da criança observando-a diariamente
é o que deveria ocorrer nas instituições infantis
e o acompanhamento da ação dessa criança deve vir
seguido de observações e registros englobando todos os aspectos
conjuntamente: campo afetivo, cognitivo e psicomotor. Estes três
campos são indissociáveis no desenvolvimento infantil. Portanto
não há como avaliar a criança em um só aspecto
ou avaliar separadamente cada campo, no caso como ocorreu nas escolas
observadas. Avalia-se a criança no aspecto cognitivo, separado
do psicomotor e às vezes avalia-se no campo afetivo.
Um dado importante acerca da avaliação mediadora é
que neste tipo de avaliação deve haver um direcionamento
desta, pelo e para o professor e aluno, e só secundariamente, deve
ser um “dado” para o sistema. Diante do exposto, o ideal é
olhar para a avaliação pensando na contribuição
que esta venha trazer, desenvolvendo assim, o potencial máximo
de cada criança, para depois sim, pensar na junção
dos dados para cumprir a exigência dos preenchimentos das fichas
solicitada pela Secretaria da Educação.
2- Prática
de devolução da avaliação
A comunicação da avaliação é essencial
no processo de ensino-aprendizagem. Qualquer que seja a avaliação,
esta deverá ser comunicada a pais, alunos e escola e em diferentes
linguagens. Para os pais deve ser clara e compreensível, ou seja,
simples e breve. O que se pôde notar nas falas das professoras foi
o compromisso de estar mostrando as atividades aos pais para estes verificarem
a evolução de seus filhos. Uma professora entrevistada fez
o seguinte relato:
Aqui no bairro, muitas vezes os pais não entendem. A gente trabalha
muito com eles e só explicar não resolve, alguns apresentam
dificuldades para entender o que a gente fala. Então a gente tem
o caderno em que as atividades são coladas e apresentadas para
os pais. A gente aqui faz três atividades semelhantes, uma no começo,
a outra no meio e a outra no final do ano. Assim, os pais vão perceber
que a criança evoluiu.
A partir
deste relato, notou-se que na maior parte das escolas, as professoras
comunicam a avaliação infantil para os pais através
das fichas de desenvolvimento do aluno, como já foi demonstrado,
das atividades desenvolvidas nos Bimestres (provas bimestrais) que ficam
guardadas nas pastas das crianças, além das atividades semelhantes
realizadas durante o ano a fim de mostrar, de uma outra forma, a evolução
da criança.
Pelo constatado é preciso repensar novas práticas para comunicar
resultados, pois cada vez mais, as famílias desejam e necessitam
participar do trabalho pedagógico. Para tanto, a escola ao possibilitar
espaços para os pais exporem suas expectativas com relação
a seus filhos e analisarem o trabalho contribuirá certamente para
a construção da ponte entre a casa e a instituição
de educação infantil. Nesse sentido, a exposição
das aprendizagens pode ser realizada por meio de apresentações,
dramatizações, painéis, compilação
de documentos, cadernos, histórias em quadrinhos e outros tantos
meios, bem como o registro de toda a vida escolar da criança, com
suas marcas e experiências.
Compartilhar a avaliação com a família é condição
essencial para que a escola possa ter um conhecimento mais completo e
global do seu filho, condição não registrada no período
de observação.
Além da comunicação da avaliação aos
pais, os alunos também devem ser comunicados sobre sua evolução.
Para a criança, segundo Bassedas (1999), a comunicação
deve ser adequada à sua capacidade de compreensão. Em nenhum
momento verificou-se esta comunicação para as crianças
nas salas de aula observadas e isto pode acarretar conseqüências
negativas porque segundo a autora, informar a criança sobre a sua
avaliação é muito importante porque permite motivá-las,
animá-las e ajudá-las no conhecimento das próprias
possibilidades e necessidades.
À escola também deve ser comunicada sobre a avaliação
das crianças, através de uma linguagem clara e referente
aos conteúdos de ensino. Muitos professores utilizam gráficos
referentes ao desenvolvimento cognitivo das crianças, para demonstrar
o andamento da sua sala em níveis de escrita e matemática.
Diante de tudo isso, a avaliação sendo uma categoria intrínseca
do processo de ensino-aprendizagem e tão importante para o caminhar
deste, nada mais significativo do que comunicá-la às partes
envolvidas nas instituições infantis tais como pais, alunos
e escola.
Porém, como se sabe, os aspectos do desenvolvimento infantil registrado
permite verificar que a criança é avaliada/observada somente
no campo cognitivo e psicomotor, portanto, o que está sendo comunicado
aos pais e escola, não retrata o que se valoriza na educação
infantil: uma avaliação mediadora que tenha a criança
como centro do processo avaliativo.
Considerações
finais: buscando caminhos
Em oposição à avaliação mediadora,
constatou-se que as escolas observadas utilizam-se de modelos da prática
classificatória da escola tradicional onde a prática avaliativa
se reduz ao preenchimento de fichas de desenvolvimento do aluno e registros
padronizados descritos ao final de determinados períodos. As fichas
de desenvolvimento da criança só levam em consideração
o que ela já sabe fazer em termos cognitivos e psicomotores e os
cadernos de registro não retratam a história de cada criança
e, muito menos, reflexões permanentes da ação infantil
que detectam o raciocínio do aluno frente ao conhecimento. Dessa
forma, a criança não se encontra no centro do processo avaliativo
porque a função primeira de se avaliar é para cumprir
uma exigência da Secretaria da Educação, que reduz
a ação avaliativa ao preenchimento de fichas através
de dados numéricos. E dessa forma percebe-se que o sistema é
prioritário para os professores e escolas em detrimento do desenvolvimento
da criança e a criança em si, quando a postura correta é
de a avaliação ser elaborada pelo e para o professor e só
secundariamente, ser um “dado” para o sistema.
Os dados atestam que não há uma proposta de avaliação
mediadora nas instituições infantis observadas e que a criança
não é a figura principal da ação avaliativa.
Sem dúvida é urgente analisar o significado da avaliação
no contexto próprio da educação infantil, resgatando
seus pressupostos básicos e evitando tenazmente seguir modelos
da prática classificatória da escola tradicional. Em primeiro
lugar, porque nessa instância educativa, felizmente, a avaliação
não se constitui numa obrigatoriedade do sistema oficial de ensino
em determinar índices de aprovação. E, sendo assim,
é possível fugir de quaisquer procedimentos classificatórios
e seletivos que imperam no ensino regular. E, principalmente, porque os
estudos e pesquisas realizadas sobre avaliação, em todos
os graus de ensino, permitem concluir que práticas classificatórias
não têm sido exercidas em beneficio dos alunos, contribuindo
para o seu desenvolvimento ou para a melhoria do processo de aprendizagem,
mas sim, contra os estudantes, como um meio eficaz de seleção
e exclusão escolar.
Como romper com o ideário pedagógico instaurado entre os
educadores da educação infantil que assimilaram do ensino
regular a concepção de que a avaliação é
uma prática neutra ou descontextualizada, onde os professores determinam
sentenças sobre os alunos sem perceber o seu comprometimento com
os julgamentos proferidos?
Barbosa ( 2004) ao posicionar-se sobre o tema avaliação,
como ela própria diz constitui-se um dos termas mais controversos
no campo educacional, afirma:
Podemos romper, ao menos parcialmente, com essa visão de avaliação
ao ampliarmos a compreensão acerca das concepções
do processo pedagógico, do acompanhamento da aprendizagem e também
ao repensarmos a ética e a responsabilidade social que temos com
o avaliar, o ensinar e o aprender. (p.17)
Para tanto,
a tarefa educativa precisa ser considerada um processo que necessita ser
amplamente documentado e analisado. Isto porque, neste processo cada sujeito
tem um percurso pessoal, e seu acompanhamento é a única
forma de não valorizar apenas o produto final.
A rigor, o acompanhamento das aprendizagens e a avaliação
na educação infantil como registra a autora, não
pode prescindir de uma série de instrumentos que auxiliem a verificar
como está a criança em suas múltiplas formas de ser,
expressar-se, pensar. Dentre eles: a observação, os anedotários;
diário de aula, o livro da vida da turma; as planilhas; entrevistas;
debates; controle coletivo do trabalho; agenda escolar; auto-avaliação;
análise das produções; conselho de classe e trabalhos
de integração e de consolidação dos conhecimentos.
Após os registros, é preciso organizar e analisar as informações
recolhidas. A apreciação qualitativa é a avaliação
propriamente dita dos resultados alcançados, referindo-os às
metas fixadas, realizadas pelos adultos ou pelos adultos juntamente com
as crianças, por meio de relatórios parciais ou dossiês
das crianças e do grupo. Os portifólios assumem aqui importante
contribuição como instrumento de avaliação
individualizada, no sentido de ser a própria criança a registrar
a memória da sua vida, avaliar suas próprias aprendizagens,
documentar seus próprios projetos. Como afirmam Grace & Shores
(2001):
O portifólio é definido como uma coleção de
itens que revela, conforme o tempo passa, os diferentes aspectos do crescimento
e do desenvolvimento de cada criança [...]. (p. 13)
A criatividade é a única limitação imposta
aos conteúdos de portifólios de crianças [...]. Para
as crianças, para os pais, para os professores e toda a equipe
escolar, abrir um portifólio bem-feito é como abrir uma
arca do tesouro. Alguns itens irão causar um sorriso ou uma risada;
outros irão trazer velhas lembranças; outros itens irão
motivar os jovens aprendizes (e seus pais e professores!) para experimentar
novas tarefas e re-experimentar as velhas. Todos os itens irão
proporcionar informações a respeito do crescimento e do
desenvolvimento de cada criança.(p.45).
Utilizar
novos instrumentos de coleta de dados ou re-significar aqueles com os
quais já trabalhamos constitui um dos caminhos para superação
de concepções avaliativas disciplinadoras, sentencivas e
comparativas que ferem seriamente o respeito à infância.
Este é um dos caminhos necessários (embora não suficientes),
para a construção da educação infantil que
queremos!
Referências Bibliográficas
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Ano II n.º 4, Abril/Jul, 2004.
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