Juliana Izabel Vassoler de Godoy; FFC/UNESP -
Campus de Marília.
Considerando o vinculo intrínseco que deve haver
entre a Universidade Pública e a comunidade, foi elaborado, no
ano de 2004, um trabalho com características de extensão
através do Núcleo de Ensino da Faculdade de Filosofia e
Ciências - UNESP - Campus de Marília, com alunos encaminhados
para o reforço da E E “Maria Isabel Sampaio Vidal”
do distrito de Padre Nóbrega, da mesma cidade.
Tendo como tema norteador o “EU NO MUNDO” procuramos integrar
as disciplinas básicas com dados da realidade sócio-econômica
e cultural dos alunos, instigando sua curiosidade e iniciativa de aprender
a aprender. E de modo especifico, desenvolver o projeto Como as crianças
podem superar as dificuldades do aprender a ler e escrever? voltado para
a área de leitura e escrita, com o intuito de utilizar o conhecimento
que os alunos traziam consigo, os quais não são valorizados
no ambiente escolar.
Pensando no aluno enquanto um dos sujeitos do processo de ensino que possui
uma cultura própria, resultado das suas relações
e experiências, desde o início as propostas foram intencionalmente
pensadas para favorecer o envolvimento dos alunos buscando desenvolver
atividades, no sentido apontado por Leontiev (1992), segundo o qual esta
ocorre quando se reconhece um sentido na finalidade da ação
e esse reconhecimento é o motivo que incentiva sua realização.
Tomando por base uma metodologia de projetos o trabalho esteve voltado
para interação entre as disciplinas com o contexto sócio-cultural
concreto dos alunos envolvidos possibilitando a (re)significação
de conhecimentos historicamente construídos presentes em seu cotidiano.
A concepção de linguagem presente no desenvolvimento do
projeto específico utilizou como referência Bahktin (1988)
ao considerara-la uma construção do sujeito através
das suas relações com outros sujeitos, e ainda, pensada
e reconstruída interiormente com um sentido específico e
individual conferido por ele. Dessa forma considerando a linguagem um
produto moldado nas relações e aquele que aprende também
modifica as relações ao seu redor, daí a importância
da interlocução entre bolsistas, professores e pais com
as crianças, pois esses contatos contribuem para o estabelecimento
de relações e construção de conhecimento.
A escrita, também entendida como uma sucessão de tentativas
da criança, é um pensar sobre o que quer ser comunicado,
a quem e a coerência de idéias. Esse exercício não
é fácil, mas em um dado momento, ao confrontar suas idéias
no e com seu texto, a criança cria novas hipóteses sobre
a maneira de escrever e não podemos negar a individualidade presente
nesse processo. Assim, procuramos oferecer novos questionamentos para
propiciar sua reflexão e como vestígios dos acontecimentos
internos e voltamos a atenção para os “erros”
gramaticais, entendidos como dados singulares do pensamento (ABAURRE,
1997). Essa compreensão continua sendo fundamental para a elaboração
de um trabalho consciente e que desperte a necessidade da escrita socialmente.
Outro ponto fundamental levantado por Nemirovsky (2002) e que contribui
para o andamento de um trabalho pedagógico diferenciado foi o enfoque
dado ao papel do professor como coordenador/articulador no processo pedagógico.
Como tal não se pode ou deve esquecer que as mudanças efetivamente
ocorrem se o professor tiver a iniciativa e o desejo de melhorar sua prática
mesmo sabendo que esse é um processo e não uma solução
instantânea.
No primeiro semestre a “Turma da Galera” (nome escolhido pelos
próprios alunos da turma II) constituía-se por 17 (dezessete)
alunos, destes quatorze são da 3ª série e três
da 4ª série do Ensino Fundamental. No segundo semestre, houve
a mudança de alguns alunos e novamente fizemos uma votação
para a eleição do nome dessa “nova” turma. Escolheram
“Turma das Crianças Inteligentes”.
Quanto aos bolsistas, eram em número de seis e participavam de
projetos diferentes ligados ao Núcleo de Ensino, como de matemática
e filosofia, além de leitura e escrita. Baseava-nos nas experiências
de anos anteriores para condução da aula, diminuindo a atuação
da professora e estabelecemos uma rotina dividida em: Construção
da rotina, Calendário, Cabeçalho, Hora do conto, Hora da
conversa, Atividade do dia e Avaliação do dia, cada atividade
executada por uma bolsista.
As aulas ocorriam pela manhã, no salão paroquial, pois na
escola não havia sala disponível para as aulas, porém
esse local encontrava-se em péssimas condições de
conservação com o sistema de iluminação precário
e insuficiente, paredes sujas, limpeza irregular e com a área da
cozinha e dos banheiros avariada.
Do início ao fim do ano letivo a turma permaneceu com a mesma professora.
No começo de cada semestre ambas as turmas apresentavam pouco ou
nenhum domínio de fundamentos básicos como leitura e escrita,
resolução de operações matemáticas
simples e interpretação.
O planejamento das aulas foi feito semanalmente em conjunto com o professor
coordenador do projeto específico e ocorriam encontros quinzenais
com o grupo de professores, bolsistas e estagiários voluntários
que faziam parte do projeto EU NO MUNDO, a fim de debater sobre o andamento
dos trabalhos em cada turma. Infelizmente, mesmo com vários convites
a professora e a direção da escola não compareciam
nesses encontros.
Com relação às turmas, mesmo com número reduzido
de alunos havia uma grande diversidade na relação da criança
coma a língua, alguns escreviam pequenas frases, outros não
reconheciam as letras ou números, além disso, as condições
do local, o comportamento agressivo e dificuldade em desenvolver um trabalho
interesse e envolvente.
No segundo semestre visualizamos resultados mais significativos quando
o projeto relacionado à Cultura popular foi melhor definido e também
quando os alunos passaram a perceber que a participação
deles era importante e estava sendo valorizada dentro do ambiente escolar.
Nossa proposta era a de construção de álbuns de ditados
populares, charadas e cantigas para exposição na escola
ou em outro local público.
O primeiro ditado popular foi trazido por uma bolsista que após
fala-lo e escreve-lo na lousa acrescentou seu nome e de sua mãe
que o havia ensinado, na aula seguinte a responsabilidade de trazer novos
ditados era dos alunos, assim também fizemos com as charadas. Quando
eles chegavam com os novos ditados e charadas solicitavamos para os demais
alunos escreverem nos cadernos com auxílio dos bolsistas, somente
depois era escrito na lousa e corrigido coletivamente.
As cantigas exigiam uma dinâmica diferente, antes do cabeçalho
faziamos uma grande ciranda e cantavamos duas ou três músicas
e caso alguma fosse diferente do repertório conhecido era repetida
nos dias seguintes até que os alunos pudessem, tendo a memorizado,
registrá-la em seus cadernos e depois reconstruí-la coletivamente
na lousa pela professora e, ao mesmo tempo, questionando suas hipóteses
sobre as palavras.
Após terem registrado um número significativo dessas manifestações
culturais era o momento de passá-la na folha que era colocada no
álbum. Em pequenos grupos eles se responsabilizavam pela escrita
e ilustração das páginas.
Conjuntamente com esse trabalho propomos a correspondência com uma
turma de outra cidade incentivando a troca de ditados, charadas e cantigas.
Presenciamos, então, um novo salto qualitativo na participação
dos alunos, que estava além de nossas expectativas e acabou envolvendo
a todos no fim do ano.
Como resultados alcançamos um maior avanço no comprometimento
dos alunos com as atividades e conseqüentemente uma melhoria na leitura
e escrita, mas com o diferencial do conteúdo valorizado partir
deles próprios, demonstrando a funcionalidade da leitura e escrita
nesse contexto e (re)significando sua cultura enquanto conhecimento.
REFERÊNCIA
ABAURRE, Maria Bernadete Marques; FIAD, Raquel Salek;
MAYRINK-SABINSON, Maria Laura Trindade.
Cenas de aquisição da escrita: o trabalho do sujeito com
o texto. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1997 (Coleção
Leitura no Brasil) (REVER: TÍTULO E AUTORIA DO CÁPITULO)
BAKHTIN, Mikhail Mikhailovich. Marxismo e filosofia da linguagem. São
Paulo: Hucitec, 1988.
LEONTIEV, A. N. Uma contribuição à teoria do desenvolvimento
da psique infantil. In: VIGOTSKII, L. S.; LURIA, A. R.; LEONTIEV, A. N.
Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo, Ícone:
Edusp, 1988.
NEMIROVSKY, Mirian. Seqüências didáticas. In:______.
O ensino da linguagem escrita. Porto Alegre: Artmed. 2002.