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EDUCAÇÃO
E DIVERSIDADE NO CAMPO: ESCOLA ITINERANTE
Alessandra Martinho de Oliveira – UEM A idéia de escrever o presente trabalho, bem como pesquisar de forma mais profunda o tema, surgiu há alguns meses atrás, quando as autoras deste foram convidadas para o Seminário Estadual Educação e Diversidade no Campo, que ocorreu no mês de abril de 2005 em Faxinal do Céu, Estado do Paraná. Neste seminário descobrimos que há algum tempo os sujeitos do campo estão se organizando de forma mais aguçada em prol de suas necessidades e que esta luta está culminando em alguns resultados, como a discussão das diretrizes operacionais para a educação do campo, que ocorreu no seminário. Descobrimos, enquanto educadoras que ainda há muito a ser realizado e discutido, mas que assim como nós, até o presente momento, existimos muitos educadores, que não sabem que a reivindicação e mobilização destes povos estão acontecendo em âmbito nacional, por isso acreditamos ser necessário não apenas conhecermos a respeito, mas enquanto educadores, agir a favor da classe popular a fim de ajudá-los, e colaborarmos para a transformação da educação. Portanto, consideramos importante a luta desses povos por uma educação de qualidade e que corresponda aos seus anseios. Vimos que os movimentos sociais organizados em busca desta educação para o campo, possuem algumas experiências educacionais que tem sido válidas para a promoção do desenvolvimento sustentável e para a inclusão social, como uma dessas práticas, podemos citar a escola itinerante realizada em acampamentos pelos membros do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). É em torno desta prática educativa que versa nosso trabalho, com o objetivo de podermos entender e contribuir, para que a escola itinerante se constitua como uma escola de qualidade e que realmente atenda as necessidades desses povos. Pois, pensando enquanto educadoras que entendem a necessidade de uma educação transformadora, consciente e crítica é coerente negarmos uma educação diferenciada a estes povos? Educação esta totalmente ligada a sua vida no campo e portanto, educação que realmente tem sentido para estas pessoas. Será que isto não diminuiria a evasão escolar? Acreditamos que pelo menos no meio rural em que a evasão é maior, por causa das dificuldades geográficas, preconceito e conteúdos totalmente desvinculados com a realidade, esta evasão poderia ser ao menos amenizada. Outra questão é: O que seria ideal uma escola itinerante, que seja construída e realizada em seu sentido prático no coletivo, por todos envolvidos no processo: pais, educandos, educadores, coordenador pedagógico, e que é adaptada conforme as necessidades locais, regionais, ou uma educação defendida por muitos como universal, igualitária, mas que sabemos que predominantemente a classe dominante se apropria e retira bons frutos? Porque não uma educação que valorize o campo como forma alternativa de diminuição da pobreza, de inclusão social, trazendo uma educação que valorize a permanência destes sujeitos do campo no seu pedaço de terra, mas que também não impeça estes sujeitos buscar a vida urbana, caso seja sua opção de vida? Diante destas questões seguiu a elaboração do presente trabalho, que neste primeiro momento está sendo apenas de cunho teórico, tendo como proposta, em um segundo momento, a vivência destas práticas educativas. Conhecendo, portanto, as Escolas Itinerantes, localizadas no Estado do Paraná, que totalizam em cinco escolas espalhadas pelo Estado, para que possamos, de forma mais perspicaz, entender o processo contribuindo para uma educação de qualidade não só do campo, mas em todas as instâncias. A Escola Itinerante é realizada nos acampamentos de camponeses organizados em movimento social, tomando-a como uma iniciativa dentro da busca dos sujeitos do campo por uma educação que atenda suas necessidades, garantido sua sustentabilidade no campo. O que se observa é que embora todo o sistema educacional brasileiro tenha problemas, no campo a situação é mais grave por conta da história da educação brasileira em que a educação do campo sempre foi negligenciada, como explicitado no trecho seguinte das Referências para uma Política Nacional de Educação do Campo: caderno de subsídios A escola no campo brasileiro surge tardiamente e não institucionalizada pelo Estado. Até as primeiras décadas do século XX, era destinada a uma minoria privilegiada; embora o Brasil fosse um país de origem e predominância eminentemente agrária, a educação do campo não foi sequer mencionada nos textos constitucionais até 1891, evidenciando o descaso dos dirigentes e as matrizes culturais centradas no trabalho escravo, na concentração fundiária, no controle do poder político pela oligarquia e nos modelos de cultura letrada européia. (2004: p.7)
“Ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na igreja ou na escola, de um modo ou de muitos todos nós envolvemos pedaços da vida com ela: para aprender, para ensinar, para aprender-e-ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou para conviver, todos os dias misturamos a vida com a educação. Com uma ou com várias: educação? Educações. E já que pelo menos por isso sempre achamos que temos alguma coisa a dizer sobre a educação que nos invade a vida. ( BRANDÃO, 1995, p. 7)
A Escola Itinerante é uma prática em acampamentos dos Sem Terra , foi legalizada no Rio Grande do Sul em 1996. Entretanto, não foi a legalização da Escola Itinerante o princípio das preocupações dos Sem Terra com a Educação, essa preocupação é muito mais antiga, a educação era promovida desde os primeiros acampamentos, mas não era reconhecida nos espaços oficiais. Por uma questão de organização, em cada Estado, as Escolas Itinerantes estão vinculadas a uma Escola-base, sendo ela responsável em relação à documentação e registro escolar dos alunos, vida funcional dos educadores, repasses financeiros, além do suporte legal e pedagógico. No Paraná a Escola-base é o Colégio Iraci Salete Strozake – Ensino Fundamental e Médio localizado no Assentamento Marcos Freire, no município de Rio Bonito do Iguaçu, pertencente ao Núcleo Regional de Educação de Laranjeiras do Sul. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) teve sua gestação entre os anos de 1979 e 1984 e sua fundação oficial em janeiro deste último ano, no 1º Encontro Nacional de Trabalhadores Sem Terra, que ocorreu em Cascavel, no estado do Paraná, e seus objetivos são “lutar pela terra, pela Reforma Agrária e pela construção de uma sociedade mais justa, sem explorados nem exploradores” (CALDART, 1999, p.1). A educação está inserida nessa luta, pois eles entendem que a ignorância leva à exploração e suas crianças são vistas como sujeitos do Movimento, e, na busca por uma educação que garanta a liberdade dos seus membros, foi que brotou no interior do MST a Escola Itinerante, que conforme o Projeto Político Pedagógico da Escola Itinerante do Paraná “se constitui numa proposta alternativa que busca atender e garantir o direito à escolarização de crianças, adolescentes, jovens e adultos que vivem em situações adversas e, por isso, não conseguem estudar na forma como a escola está organizada”. Na experiência do MST no Rio Grande do Sul e do Paraná, a educação e a escola se tornaram prioridades. A comunidade vê a Escola Itinerante como um ambiente de formação, os pais ficam tranqüilos por saberem que seus filhos estão freqüentando a escola, os educadores se sentem satisfeitos por estarem desenvolvendo um trabalho importante para o Movimento e as crianças sentem que são sujeitos no Movimento, contentes por estarem aprendendo, não apenas freqüentando uma escola, e responsáveis pela escola. Os acampamentos de Sem Terra são organizados em núcleos , equipes e setores. Todos no acampamento podem participar de alguma instância. A coordenação do acampamento é formada por dois representantes, um homem e uma mulher, de cada núcleo e tem uma direção escolhida pela comunidade acampada. Cada núcleo tem um representante nas equipes: saúde, alimentação, higiene, segurança, lenha, barracos, educação. A Escola Itinerante no acampamento é organizada pelo Setor de Educação e pela Equipe de Educação. O Setor de Educação é formado por educadores, são os que tem contato direto com as crianças em sala de aula e dão conta das atividades da escola, oficina pedagógica, biblioteca, secretaria, e, sua coordenação responde pelas questões burocráticas da escola. Os educadores, antes de ser educadores são militantes do Movimento e atuam na educação pela necessidade da comunidade, portanto, são escolhidos pela comunidade segundo os critérios: “os que já tem uma certa facilidade e habilidade de se relacionar com crianças, jovens e adultos, os que possuem maior escolaridade e os que quando chegam no acampamento demonstram espírito de sacrifício, solidariedade e amos ao estudo” (MST. Caderno nº4, 2001: p.34). Toda a comunidade é envolvida com a educação e com a escola, é uma responsabilidade de todos, “pois escola e acampamento não vivem longe um do outro, e não são distintos, são realidades interligadas, que convivem e se misturam cotidianamente” (IBID, p.35). Por isso existe a Equipe de Educação, composta por representantes de toda a comunidade: pais, educadores, educandos, coordenação e direção do acampamento. É essa equipe que planeja politicamente e pedagogicamente os rumos da escola, as famílias socializam suas preocupações e anseios em relação à escola e à educação de seus filhos, às turmas de Educação de Jovens e Adultos (EJA) e à Ciranda Infantil , desenvolvida com a colaboração de pessoas que acompanham as crianças para que a mãe possa ficar liberada do atendimento à criança, nas necessidades de brincar, ir ao banheiro, dormir, alimentar-se... O acompanhamento pedagógico é feito pelo Setor de Educação do acampamento, no dia a dia pelos estudos dos materiais do MST e de outras experiências de educação popular e duas vezes por ano acontecem os Encontros Estaduais de Educadores das Escolas Itinerantes, e também pelo Setor de Educação Estadual que é constituído por pessoas responsáveis para atender as demandas de cada Regional, divisão geográfica dos locais de acampamentos e assentamentos realizada pelo movimento, mas, Na realidade, o verdadeiro acompanhamento se dá, lá no próprio acampamento, pelas famílias acampadas, através da direção, coordenação e núcleos de base. São elas que cotidianamente lançam um olhar observativo, de acompanhamento. Nessa realidade, tudo é explicitado, tanto as críticas quanto os elogios ao processo (MST. Caderno nº4, 2001: p.37). No MST, a família é corpo e sujeito, e na sua participação estão as crianças, elas são a esperança do Movimento, são quem sustenta o sonho, quem acredita nas possibilidades. As crianças têm papel ativo, participam da organização da escola, das discussões no acampamento, reivindicam por suas necessidades, são chamados de Sem Terrinha e tidos como pessoas do movimento, elas se enxergam assim, e exigem uma escola que seja delas. Mas esse pensamento é fruto de um amadurecimento na consciência de luta das crianças, que acontece pelo que lhes é proporcionado, pelo direito de falar, cantar. Em um novo acampamento, no início de uma Escola Itinerante, as crianças opõem-se à forma como é direcionado o trabalho, sempre envolvendo e visando organização e solidariedade, pois são acostumadas ao individualismo e à competitividade que aprenderam no outro tipo de escola que freqüentavam. Essas crianças que são os educandos e educandas da Escola Itinerante, Elas são pessoas, crianças que fazem parte do Movimento Sem Terra. Elas vêm juntas com seus pais para o acampamento com o objetivo comum: construir uma sociedade justa, uma escola para estudar, conquistar a terra, e mais do que nunca, com o sonho de produzir nela alimentos para sua sobrevivência. E junto, trazem o desejo profundo de viver com mais dignidade. (MST. Caderno nº4, 2001: p.26)
vindas das diversas realidades, das comunidades rurais empobrecidas (meeiros, arrendatários, filhos de pequenos agricultores, bóias frias), das periferias das cidades (em sua maioria vítimas do êxodo rural), e que já trazem em sua trajetória em busca de melhores condições de vida, a condição de itinerância. Quando chegam ao acampamento trazem uma situação de subnutrição, problemas de saúde, além disso, a grande maioria carrega consigo uma trajetória de exclusão do Sistema Educacional. Grande parte dos jovens e adultos são analfabetos e ou subescolarizados, como nos comprovam as estatísticas do Censo da reforma Agrária. (PARANÁ, 2003: P.7). Por conta dessa condição em que chegam aos acampamentos a Educação de Jovens e Adultos - EJA se faz uma necessidade e é entendida como um trabalho de formação política e cultural pelo Movimento. Seu objetivo é a alfabetização, escolarização e formação crítica dos acampados. No processo de escolarização é importante que eles estejam agrupados, levando em conta a socialização e a heterogeneidade como situações que contribuem para a formação da cidadania. A EJA deve garantir aos educandos o acesso aos saberes universais, respeitando e valorizando sua vivência e cultura, mas possibilitar que eles tenham uma formação profissional para atuar nos mais diversos campos do conhecimento, para além da agricultura. Nessas condições, vemos que a EJA no MST é permeada das idéias de Paulo Freire, para quem a educação de jovens e adultos teria que ser uma educação libertadora, voltada para classe dominada e com o intuito de libertar esta classe por meio de um ato de conhecimento e de um ato político, “por isso não devia ser a mesma alfabetização que se faz numa sociedade em que as classes trabalhadoras se acham submetidas ao silêncio imposto pela classe dominante”. No Caderno Nº 10 da EJA do MST são apresentados alguns aspectos fundamentais que devem ser levados em conta no processo de alfabetização na EJA, segundo os quais podemos perceber a preocupação do MST com todas as atribuições de seus membros, eles são vistos como militantes do movimento, seres humanos e como indivíduos, e, enquanto tais, carregados de história, cultura, anseios, sonhos, frustrações, esperanças. Esses aspectos são os transcritos no Projeto Político Pedagógico da Escola Itinerante do PR:
A conquista de uma Escola Itinerante oficializada é muito importante para as pessoas do MST pois representa a aceitação pelo governo de seus esforços e de seu trabalho extremamente valioso no âmbito educacional da nação brasileira. REFERÊNCIAS BRANDÃO,
Carlos Rodrigues. O que é Educação. 33 ed. São
Paulo: Brasiliense, 1995. |
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