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CONSTRUÇÃO DE BONECAS NEGRAS DE PANO COMO ELEMENTO DE CONSTRUÇÃO
DE UMA IDENTIDADE POSITIVA
Sueli Aparecida Gonçalves - Professora de Geografia da Rede Municipal de Educação do município de Campinas – SP - Coordenadora do Programa MIPID (Memória e Identidade Promoção da Igualdade na Diversidade) “É o instante que valoriza diferentemente os objetos. A cada momento muda o valor da totalidade, isto é, mudam os processos que asseguram a incidência do acontecer, e muda a função das coisas, isto é, seu valor específico”.(Milton Santos p. 158) ““. Um breve passeio pela história As bonecas estiveram presentes em todas as civilizações
do passado, desde os tempos das cavernas, as bonecas vêm acompanhando
o desenvolvimento do homem e de suas civilizações, elas
foram e são utilizadas em rituais religiosos. No Japão,
no dia 25 de setembro, o Ninguyo Kuyo, ou “consolo das almas”.
Mulheres que não podiam engravidar e conseguiram ter um filho levam
uma boneca para ser queimada no templo Klyamizu – Kannanda, em Tóquio.
Também é hábito dos japoneses colocar bonecas de
celulóide ao lado de uma criança doente. Acredita-se que
a doença passe da criança para a boneca que, depois de receber
os maus fluídos, é jogada fora. No Brasil, antes de se tornarem brinquedos infantis, também eram usadas para os ritos de magia negra. Hoje, podemos afirmar que o trabalho com bonecas de pano nos dá a possibilidade de explorar elementos de extrema importância no desenvolvimento das crianças, como a afetividade, o cuidado com o outro, o respeito, a amorosidade. Além disso, no âmbito dos educadores a boneca permite resgatar momentos da infância onde o brincar assume as cores da realidade imaginada e vivida pelos personagens. A criação da Oficina de Bonecas Negras de Pano No início do ano de 2004, a Secretaria Municipal de Educação, o Departamento Pedagógico e o Programa MIPID realiza uma parceira com a Cooperativa Realidade de um Sonho – cooperativa de mulheres da região do Campo Belo, bairro periférico de Campinas – SP, para desenvolver a Oficina de Confecção e Sensibilização de Bonecas de Étnicas de Pano para os educadores da Rede Municipal de Ensino. Está Oficina tinha como objetivo debater a questão racial em nossa sociedade, explorando os conceitos de raça, étnica, racismo e discriminação, as políticas de ação afirmativas, explorar a brincadeira e o lúdico como elementos a serem incentivados e cultivados no espaço escolar seja com professores ou alunos e a construção coletiva de propostas pedagógicas de trabalho com as bonecas nas Unidades Educacionais. Neste caso especifico, com a confecção de bonecas étnicas de pano, que foram utilizadas como elementos a serem incentivados e cultivados no espaço escolar, seja com professores ou com alunos para a contribuição da formação de uma identidade positiva dos afrodescentendes. Levando os envolvidos a uma reflexão, para a continuidade das ações que irão garantir a criança negra o direito de viver e conviver em igualdade de condições, bem como localizar na escola um espaço de socialização. A metodologia Compreendeu três eixos: - Confecção das bonecas étnicas - Construção coletiva de proposta pedagógica
de trabalho com as bonecas nas Unidades Escolares - Experiências vivenciadas no decorrer do ano de
2004/05 pelo grupo de educadores A elaboração de um caderno de registro de
memória da sua boneca. Em outra Unidade Educacional, a Equipe de Gestores e educadores envolvidos convidaram as famílias para participarem do processo de discussão, elaboração e criação das bonecas de pano. Foi constituído um Grupo de Mães que tinham algumas habilidades com o costurar, cortar e pintar. Partindo destas habilidades, realizamos uma discussão teórica referente à temática étnico racial, do que é ser não-branco em nossa sociedade, quais as implicações que isto acarreta na maioria das vezes dentro dos espaços vividos. Após as reflexões iniciou-se o processo de confecção destas bonecas que, posteriormente, foram entregues para os alunos desta Unidade Educacional. Neste resgate de relatos, outra Unidade Educacional situada
na região Sudoeste, utilizou-se do mesmo processo de discussão.
A Oficina teve outro desdobramento, ou seja, o grupo de educadores e gestores,
confeccionaram as bonecas, porém deixaram a cabeça separada
do corpo. Realizaram encontros com os pais e responsáveis pelas
crianças e posteriormente entregaram este “corpo” e
a “cabeça” dentro de um saco separado. Cada família
teria a responsabilidade de dar vida para a boneca, através do
processo de costurar a cabeça no corpo, pintar o rosto, vestir
estas bonecas e bonecos, criar um nome e sobrenome, nome dos pais, etc. Entendemos que estes processos desenvolvidos pelas educadoras são de fundamental importância, pois permite recuperar as composições familiares desde os antepassados. São atividades que produzem conhecimento através de histórias particulares com ações afirmativas positivas, propiciando um maior empoderamento das crianças negras e não-negras na construção da identidade, levando-os a compartilhar responsabilidade, aliado ao ato de brincar. Acreditamos que as ações afirmativas positivas se definem como políticas públicas e também privadas voltadas à concretização do princípio constitucional da igualdade material e a neutralização dos efeitos da discriminação, seja racial, de gênero, de idade, etc. Para nós o processo de continuidade e visibilidade das ações educacionais, de promoção da igualdade étnico-racial e de implementação da LDB9394/96 e 10639/03 depende de um maior número de pessoas de vários segmentos, secretariais, da apropriação de fato e de direito da temática pelos gestores educacionais. Diante desta realidade, entendemos ser essencial a formação do educador para a implementação de uma política pública de promoção da igualdade racial.
BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: lembranças
de velhos. 3 ed., São Paulo : Companhia das Letras, 1994. |
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