Áurea Maria Paes Leme Goulart - Universidade
Estadual de Maringá
Durante os vários anos em que trabalhamos como
professora, tanto na área de Educação Especial, na
de Pré-escolar, ensino de 10 e 30 Graus, temos convivido com situações
diversas de fracasso escolar. O que leva o indivíduo a desistir?
Como se sente aquela pessoa que anos a fio convive com o fracasso, com
a discriminação, com a exclusão?
Em nosso percurso profissional temos nos questionado e buscado informações
sobre a eficácia do atendimento e encaminhamento de crianças
com dificuldades de aprendizagem para as classes especiais, com o objetivo
de “reintegrá-las”, ao sistema de ensino regular, o
que na maioria das vezes, acaba não se efetivando de fato. Esta
medida parece basear-se no pressuposto que a criança precisa primeiro
ser “preparada”, e depois “integrada” à
classe comum, como se desenvolvimento e aprendizagem fossem processos
lineares, independentes e paralelos.
Diferentes estudos têm mostrado que a convivência da criança
que apresenta necessidades educacionais especiais com as outras, denominadas
normais, pode ser um dos meios de interferir positivamente em seu desenvolvimento.
Desta forma, seria importante possibilitar-lhe a oportunidade de ser estimulada
por seus pares e conviver com os desafios com os quais certamente irá
defrontar-se no decorrer de sua vida.
Paralelamente a tais circunstâncias, temos observado que a idéia
de repensar a prática que vem sendo exercida, receber ou permanecer
com alunos que exigem outro tipo de atendimento, é um desafio que
nem todos os professores se dispõem a assumir de imediato, seja
pelo temor do desconhecido, seja pela falta de informações
e condições teóricas para orientar o processo de
aprendizagem daqueles necessitam de um acompanhamento diferenciado (Moyses
e Collares, 1996).
Foi no interior dessas preocupações que
procuramos aprofundar conhecimentos a respeito da teoria de Reuven Feuerstein
. Esta pesquisa apoiou-se em um referencial teórico que entende
o desenvolvimento como um processo interativo onde as reações
naturais, herdadas biologicamente entrelaçam-se aos processos culturais
organizados, efetivando-se em modos de pensar e agir caracteristicamente
humanos, uma vez que o ser humano não nasce num “mundo natural”
e sim num “mundo humano”. Começa sua vida cercado por
objetos e fenômenos criados pelos homens em suas diversas gerações,
e a medida que se relaciona socialmente e participa de atividades culturais,
vai se apropriando e dando novos significados estes a elementos (Fontana
e Cruz,1998).
O trabalho de Feuerstein (1983) possibilita caminhar nessa direção
teórica apontando que é por meio da interação
com outros seres humanos (experiências de aprendizagem mediada),
iniciada desde muito cedo na relação mãe-filho, ou
seja, no interior de um grupo cultural, que o desenvolvimento é
estimulado e que pode provocar nas pessoas, diferentes níveis de
flexibilidade. Da Ros (1997, p.15) analisa esse processo de forma bastante
interessante:
Em Feuerstein, inclui-se, no plano da ação educativa, a
ação deliberada de sujeitos mediadores que se interpõem
e rompem com a relação, até então estabelecida,
do indivíduo com o seu meio. Esta mediação coloca
à disposição da pessoa que apreende o mundo, as interpretações
e sentidos culturais que se aderem ao chamado “estímulo”
(grifos da autora). A ação educativa então, faz uso
deliberado de certos elementos mediadores que dão significado à
relação do aprendiz com o meio e consigo mesmo.
Uma vez que a apropriação e a re-significação,
por parte da criança dos elementos encontrados na cultura têm
como elemento mediador o signo, em especial, a linguagem, optou-se por
utilizar esse instrumento psicológico, como a denomina Vygotsky
(1984), como recurso de estimulação e de investigação
do desenvolvimento cognitivo de crianças e jovens com dificuldades
de aprendizagem, deficientes mentais ou não .Para operacionalizar
esse estudo elegeu-se, como já foi dito, a proposta de Reuven Feuerstein,
através da aplicação de alguns dos instrumentos de
seu Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI) e principalmente a mediação
. A utilização desses instrumentos requer uma aplicação
semanal, num período de pelo menos dois anos para que se possa
começar a observar resultados mais efetivos.
Ao aplicar alguns dos instrumentos do PEI em crianças, jovens e
adultos integrantes de classes especiais para deficientes mentais, consideramos
necessário conhecer o efeito dos mesmos, também em crianças
e adolescentes, freqüentadores de classes regulares do ensino público,
que estivessem apresentando algum tipo de dificuldade no processo de aprendizagem.
Foi importante, inicialmente, a busca da compreensão do processo
de construção do pensamento dos indivíduos no início
do trabalho, que de acordo com diferentes estudiosos, não se estabelece
de forma aleatória e muito menos isolado do contexto em que se
encontra.
A Teoria da Modificabilidade Cognitiva aponta a possibilidade dos indivíduos
modificarem-se e ampliarem sua capacidade mental, no interior da cultura
à qual pertencem tornando-se mais receptivos aos instrumentos simbólicos
construídos pelos homens no transcorrer de sua história.
Com base nos estudos socioculturais da mente, optamos pela investigação
da mediação como unidade de análise. Isto se deve
ao fato de que a pesquisa sociocultural procura entender a relação
entre o funcionamento mental humano e o contexto cultural, histórico
e institucional onde essa ação humana se efetiva. Vem reforçar
tal escolha, a análise estabelecida por esse autor que entende
como falsa questão, a antinomia Indivíduo-Sociedade (Wertsch,
1998, p.60). Ele propõe que;
[...] o funcionamento mental e o contexto sociocultural sejam entendidos
como momentos dialeticamente interativos, ou aspectos de uma unidade mais
inclusa da análise - a ação humana (grifos do autor).
Como se entende aqui, a ação não é conduzida
nem pelo indivíduo nem pela sociedade, embora haja indivíduos
e momentos sociais para qualquer ação. Pelas mesmas razões,
um relato da ação não pode se originar do estudo
do funcionamento mental ou do contexto sociocultural em isolado. Em vez
disso, a ação fornece um contexto dentro do qual o indivíduo
e a sociedade (bem como o funcionamento mental e o contexto sociocultural)
são entendidos como momentos inter-relacionados.
Nossos estudos visaram explicitar a concepção de desenvolvimento
e aprendizagem na teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural e suas
contribuições ao processo de educação, seja
de uma forma geral ou de forma mais específica à educação
especial. Tem sido adotada em diversos países (Chile, Venezuela,
Colômbia, Argentina, México, França, Portugal, Espanha,
Estados Unidos, Canadá, Israel, Índia, entre outros) e apontada
como uma das alternativas no trabalho de integração e educação
de crianças com necessidades educacionais especiais, ao mesmo tempo
em que prepara o professor para ser, antes de tudo, um profissional atento,
observador, organizado e compromissado com o desenvolvimento dos alunos.
Sua proposta parece apresentar pontos comuns aos estudos realizados por
Piaget, (importância de a criança encontrar significado naquilo
que está aprendendo; a necessidade do desafio; da desequilibração)
e Vygostsky (a aprendizagem se faz a partir da inserção
da criança na cultura, o papel fundamental da linguagem como produto
histórico na organização do pensamento, e na formação
de conceitos científicos).
Feuerstein, parte da premissa de que a teoria de aprendizagem deve ter
como ponto de partida, o conhecimento da criança. Ao mesmo tempo,
defende que o processo de aprendizagem não é só individual,
mas também histórico-cultural, no qual o papel do professor
assume uma importância fundamental (Kozulin,1994 ; 1996).
Aparentemente, o que Feuerstein propõe não é algo
tão inovador. No entanto, de forma consistente e organizada incita
à reflexão sobre a plasticidade cerebral e a importância
de estimular e desenvolver o raciocínio, planejar e mediar experiências
de aprendizagem junto às crianças, inseridas num contexto
cultural, levando ao que denomina modificabilidade cognitiva estrutural.
Nessa perspectiva, o pesquisador alicerçou seu trabalho em três
elementos que se constituem o alicerce de sua teoria: 1- Experiências
de Aprendizagem Mediada (EAM); 2- Avaliação Dinâmica
do Potencial de Aprendizagem - (LPAD ); 3- Programa de Enriquecimento
Instrumental.
Procuramos compreendê-lo a partir do que concebe por processo educativo
e de seu posicionamento frente à díade: desenvolvimento/aprendizagem.
Para alcançar tal objetivo buscamos compreender suas raízes
teóricas e a seguir foram aplicadas atividades baseadas nas Experiências
de Aprendizagem Mediada, em cinco grupos compostos por jovens e crianças
de classe especial e do ensino regular, além de instrumentos de
intervenção sugeridos por Feuerstein.
Nessa discussão que ora realizamos, apresentaremos um recorte da
pesquisa mencionada, trazendo reflexões a respeito da importância
de se repensar a avaliação que vem sendo aplicada aos alunos,
focalizando a necessidade do professor aprender a conhecê-los melhor,
utilizando-se para isso de uma avaliação de seu potencial
de aprendizagem, ou seja, do que são capazes de aprender e não
apenas o conhecimento que já dominam, o adquirido.
A maioria dos testes psicológicos e pedagógicos que têm
sido utilizados para identificar o nível do desenvolvimento das
pessoas pode ser enquadrada sob a denominação geral de avaliação
normativa e têm se caracterizado por apresentar atuações
padronizadas estáticas (Feuerstein et al., 1993; Linhares, 1995).
Também Vygotsky (1984, p. 95-98) criticou a avaliação
do desenvolvimento do sujeito por meio de testes, argumentando que nesta
situação é possível verificar apenas o nível
de desenvolvimento já alcançado pelo sujeito e não
o que o mesmo possui potencialmente:
[...] não podemos limitar-nos meramente à determinação
de níveis de desenvolvimento, se o que queremos é descobrir
as relações reais entre o processo de desenvolvimento e
a capacidade de aprendizado. Temos que determinar pelo menos dois níveis
de desenvolvimento [...] O nível de desenvolvimento real caracteriza
o desenvolvimento mental retrospectivamente enquanto a zona de desenvolvimento
proximal caracteriza o desenvolvimento mental prospectivamente [...] Assim,
a zona de desenvolvimento proximal permite-nos delinear o futuro imediato
da criança e seu estado dinâmico (grifos nossos) de desenvolvimento
propiciando o acesso não somente ao que já foi atingido
através do desenvolvimento, como também, àquilo que
está em processo de maturação.
Para Feuerstein et alii, (1993), semelhantemente ao que preconiza Vygotsky
(1984), o processo de avaliação deve ter como objetivo desvelar
o potencial que a criança possui para aprender e não somente
identificar conhecimentos já dominados.
O LPAD é uma proposta elaborada por Feuerstein (op. cit.) para
avaliar o potencial de aprendizagem que possuem crianças, adolescentes
e adultos para desenvolverem processos cognitivos específicos (seja
em situações de exposição direcionada a problemas
e processos de pensamento, seja em conseqüência de seus próprios
esforços independentes). Apresenta como características:
1- Ênfase à avaliação dos processos fluídos
do pensamento, a percepção, a aprendizagem e a resolução
de problemas frente à avaliação das faculdades estáticas
e/ou da aprendizagem prévia.
2- Inclui o ensino no processo de avaliação auxiliando o
aluno nesse momento e conseqüentemente, melhorando as condições
dessa investigação. Permite ao professor identificar funções
que ainda não estão totalmente desenvolvidas, mas que se
manifestaram com a sua ajuda. Dessa forma, essa atividade modifica os
sujeitos em direção a uma capacidade mais elevada e uma
maior eficácia para resolver problemas similares, assim como leva
à generalização dos princípios e processos
adquiridos.
Dessa forma, a importância da ação avaliativa está
em observar o comportamento do sujeito e verificar como utiliza sua percepção
ou experiências anteriores para resolver uma dada situação.
A postura assumida pelo professor é a de investigar em determinadas
tarefas, a natureza e a adequação do desenvolvimento de
funções cognitivas, como tais funções modificam-se
ou não, a partir de quais intervenções e como essas
funções cognitivas modificadas se aplicam a novas situações:
O desvendamento do potencial de aprendizagem através da avaliação
dinâmica requer fixar alguns pressupostos básicos relativos
à natureza e desenvolvimento do processo de pensamento, até
alcançar tal modificabilidade [...] Uma parte essencial do modelo
conceptual que serve de base à avaliação do potencial
de aprendizagem através das técnicas dinâmicas é
a suposição de que os processos de pensamento lógico,
da aprendizagem e resolução de problemas e sua aquisição
estão baseados em uma série de funções cognitivas
que são pré-requisitos da aprendizagem, ou seja, se modificam
com a experiência (FEUERSTEIN et alii, 1993, p.13) .
Desta forma, as funções cognitivas deficientes são
pesquisadas nas três fases em que ocorre o ato mental: na fase da
percepção do problema a ser resolvido pela criança
(entrada); na elaboração ou organização e
avaliação dos dados e na fase em que o aluno apresenta a
solução, ou resposta.
A ênfase recai sobre a capacidade de mudança do sujeito.
A proposta aponta para um afastamento explícito dos procedimentos
estáticos convencionais que são substituídos por
um paradigma dinâmico, pelo qual, procura-se medir o grau de modificabilidade
a partir de uma situação de aprendizagem (Beyer, 1996).
Existe também a preocupação de identificar as funções
que precisam ser melhoradas na criança por meio da análise
dos processos utilizados por ela na solução das tarefas
propostas.
Linhares (1995, p.23) citando Lidz, (1987) afirma que essa modalidade
de avaliação (LPAD) não é nova: [...]A combinação
entre avaliar e intervir ensinando diretamente o examinando durante o
procedimento de avaliação não se caracteriza em novidade,
embora só [...] na década de 70, começasse a receber
uma atenção mais significativa e a ser estudada de forma
mais ampla.
Assim, a contribuição mais significativa desta forma de
avaliação corresponde à sondagem da sensibilidade
do examinando à instrução. A identificação
pelo examinador das estratégias cognitivas utilizadas pela criança
na solução de uma determinada tarefa, permite verificar
a probabilidade de modificação em seu desempenho, já
na própria situação de avaliação. Possibilita
também à criança mostrar seu potencial de transferência
e generalização de aprendizagem (Linhares,1995).
A aprendizagem constitui-se em uma parte fundamental e ativa no processo
de avaliação dos níveis iniciais de eficácia
com uma tarefa (linha de base). Por meio da mediação durante
o processo de avaliação, são ensinados os princípios
de pensamento e possíveis caminhos (pistas) para a resolução
de problemas. De acordo com Feuerstein et alii (1993, p.11):
[...] tal enfoque pressupõe um firme afastamento dos procedimentos
normais e clássicos da psicometria nos quais o papel do examinador
é de objetividade e neutralidade, não fornecendo nenhuma
instrução específica ou mesmo um retorno (feedback)
na atuação do sujeito, no lugar de entrar ativamente no
processo de ensino-aprendizagem como parte do procedimento de avaliação.
Para Feuerstein et alii (1979, 1993), o potencial de aprendizagem e a
avaliação dinâmica constituem a base estrutural do
LPAD. O potencial de aprendizagem corresponde ao fenômeno, geralmente
observado no qual as pessoas manifestam uma capacidade de pensar e conduzir-se
inteligentemente muito melhor do que manifestam por meio de sua conduta.
Esse conceito apresenta dois aspectos observáveis:
1- Os processos cognitivos e as estratégias que estão presentes
no repertório de uma pessoa e nem sempre são utilizados
de forma eficiente e constante;
2- O fenômeno de modificabilidade humana que, pelo impacto de condições
externas, como por exemplo EAM (Experiências de Aprendizagem Mediada),
ou necessidades determinadas por uma situação, provoca nas
pessoas, uma conduta que anteriormente não existia em seu repertório.
O pesquisador argumenta que aumentando o tempo em que um sujeito investe
na tarefa, tranqüilizando sua ansiedade, ou ainda, reforçando
sua motivação e interesse, é possível ajuda-lo
a revelar seu potencial oculto até então. Para ele, as metas
de uma avaliação do potencial de aprendizagem são:
• Identificar as funções bem desenvolvidas;
• Identificar as funções cognitivas que estão
funcionando de forma deficiente;
• Avaliar a resposta ao ensino de estratégias e princípios
cognitivos;
• Calcular os tipos e quantidade de intervenções necessárias
para superar as dificuldades cognitivas;
• Sensibilizar tanto os mediadores como os sujeitos ante os processos
implicados no enfrentamento de uma determinada tarefa.
Em relação ao processo específico do LPAD, é
importante ainda, compreender que poderão ser utilizados instrumentos
psicométricos clássicos, sob o ponto de vista da avaliação
dinâmica e que, portanto, sua função normativa deixa
de ser considerada. Os instrumentos para a avaliação dinâmica
caracterizam-se por:
• exigir individualmente algumas funções
cognitivas extremamente importantes;
• representar em seu conjunto uma gama relativamente ampla de funções
cognitivas específicas;
• empregar materiais e tarefas atrativas, interessantes, estimulantes,
motivadoras e prazerosas, tanto para crianças como para adolescentes
e adultos;
• exigir tarefas que solicitam a utilização de processos
mentais elevados,
• apresentar um conteúdo que não exige conhecimento
anterior ou um grau de familiaridade com os instrumentos.
• Possuir um controle quanto à modalidade;
• Estar elaborado de tal forma que uma pequena mudança ocorrida
nos sujeitos, após uma exposição aos estímulos
possa ser identificada (mostrando a possibilidade de modificabilidade
dos mesmos) (Feuerstein et alii. 1993).
O LPAD está indicado somente quando, tanto o mediador, como o sujeito
(ou os pais do sujeito), desejam investir várias horas, talvez
em mais de uma oportunidade, na tarefa de unir-se em um esforço
de colaboração para localizar as funções cognitivas
deficientes, identificar as áreas cognitivas e motivacionais fortes,
avaliar com que prontidão as funções cognitivas são
modificadas ou atenuadas com a mediação e organizar um programa
de intervenção (Feuerstein, et alii, op. cit. ).
Comparado com outras formas que muitas vezes são utilizadas para
avaliação, o LPAD possui um custo elevado e consome um tempo
excessivo. No entanto, o LPAD é muito econômico financeiramente,
quando se considera que neste procedimento existe um compromisso em observar
os processos de modificabilidade em determinadas áreas, (e não
em apenas identificar, ou tentar remediar as funções cognitivas
deficientes), e avaliar em que áreas as possibilidades de intervenção
se fazem necessárias, e principalmente quais as áreas cognitivas
e motivacionais fortes.
Essa modalidade de avaliação pode ser aplicada tanto de
forma individual como coletiva. As circunstâncias que indicam a
utilização da forma coletiva ou individual de avaliação
diferem bastante. A avaliação individual, possibilita uma
quantidade e uma qualidade de interações entre o mediador
e o sujeito, diferentes da avaliação coletiva. A forma coletiva
é mais utilizada como um indicador prévio daqueles que necessitarão
da avaliação mais intensa ou ainda como meio inicial de
estimular o interesse dos estudantes pelo trabalho acadêmico e o
conhecimento de suas próprias capacidades e limitações,
no sentido de incentivá-los a superar as possíveis dificuldades
encontradas.
Feuerstein (1980) ao discutir as causas das diferenças e incapacidades
dos indivíduos levanta a possibilidade de interferir nesses elementos
com o auxílio do que denomina Experiência de Aprendizagem
Mediada. Mostra como os elementos cognitivos e afetivos engendram, de
forma integrada, o processo de ensino-aprendizagem no interior do contexto
cultural em que se situam os aprendizes. Desta forma, a busca da compreensão
do desenvolvimento cognitivo precisa ser acionada, a partir das interações
sociais nas quais os indivíduos se constituem.
Ao procurar investigar tais questões partiu-se do pressuposto de
que, se toda criança pode aprender e a motivação
interior para tal é construída, estimulada, ampliada, limitada
ou destruída pelas múltiplas determinações
a que a criança está submetida, o primeiro passo no processo
de ensino-aprendizagem consiste na mediação estabelecida
com o sujeito na promoção de sua aprendizagem e conseqüentemente
de seu desenvolvimento.
Nessa perspectiva é preciso, com o auxílio de um instrumental
teórico, debruçar-se sobre a prática escolar e analisar
os comportamentos e sentimentos manifestos de diferentes formas pelos
alunos, professores, familiares, integrantes da instituição
escolar. Em outras palavras, faz-se necessário descobrir “pistas”
que contribuam na busca de alternativas rumo à superação
de dificuldades manifestadas pelos alunos que, na maioria das vezes, concorrem
para o fracasso e a evasão escolares.
Ao mesmo tempo, é de suma importância que sejam identificadas
as funções cognitivas nas quais o processo ensino-aprendizagem
pode basear-se inicialmente, garantindo ao aprendiz um sucesso inicial
que o auxilie a superar o sentimento de baixa estima e o estimule a enfrentar
novos desafios. Ao consolidar-se um auto-conceito mais positivo, as barreiras
para a identificação e a correção de outras
funções que não estão funcionando devidamente,
diluir-se-ão aos poucos, com o auxílio de uma mediação
criteriosa e efetiva e ao mesmo tempo, carinhosa, do professor.
Esse estudo pode ser entendido como a tentativa de estabelecer um diálogo
com a realidade encontrada: as múltiplas ações estabelecidas
em sala de aula e fora dela (Demo 1997). Houve um esforço direcionado
no sentido de propiciar aos participantes, além da intervenção
pedagógica através da mediação e do Programa
de Enriquecimento Instrumental, situações onde a intermediação
de elementos culturais (passeios, contatos com outros elementos externos
ao ambiente escolar como teatro, museus, além de outras situações
lúdicas e/ou formais) interferisse qualitativamente em seu desenvolvimento
cognitivo e a partir daí, trazer subsídios para o trabalho
do professor.
Ao mesmo tempo, a observação e avaliação contínuas
das atitudes e manifestações dos participantes, possibilitaram
o acompanhamento do desenvolvimento e aprendizagem das diferentes turmas.
Foram selecionadas quatro categorias para avaliar o potencial de aprendizagem
dos educandos:
Comunicação: exploração da
capacidade de expressão como auxílio à abstração;
Auto-regulação: valorização do auto-conceito,
identificação pessoal, dificuldades e habilidades, controle
da impulsividade, maior independência.
Ampliação de conceitos: utilização de conceitos
cotidianos explorados com os participantes, nas atividades nas situações
do dia a dia com o objetivo de ampliá-los e aproximá-los
dos conceitos científicos.
Organização do Pensamento: manifestação em
atitudes, ou através da linguagem, da capacidade de planificar
a ação.
As atividades de investigação foram iniciadas em março
de 1997, no interior de um projeto de extensão em andamento desde
1995, junto ao Colégio de Aplicação Pedagógica
da Universidade Estadual de Maringá (CAP), estendendo-se posteriormente
a crianças e jovens pertencentes à classes de ensino regular.
Este projeto denominado: Atividades Alternativas para Pessoas com Necessidades
Especiais , oferece atendimento individualizado e em grupos a crianças
e jovens - com deficiência intelectual, sensorial e condutas típicas
- oriundos de instituições escolares da comunidade.
Sob a direção de professores e com a colaboração
de acadêmicos de diferentes cursos da Universidade Estadual de Maringá,
são proporcionadas, duas vezes por semana, no período vespertino,
atividades em Ateliês de Artes Plásticas, Música,
Informática, Jogos Matemáticos, Atividade Motora e Letramento.
A aplicação da teoria da Modificabilidade Cognitiva ocorreu
no Ateliê de Letramento, onde contou com o auxílio de acadêmicas
dos Cursos de Pedagogia e Letras.
Primeiramente houve a aplicação em pequenos grupos de um
dos testes do LAPD , em todos os participantes desse estudo. De acordo
com Feuerstein (1980), a forma coletiva de aplicação permite
economizar tempo pois, normalmente são gastas mais de quinze horas
na avaliação do potencial de cada sujeito, deixando-se a
aplicação dos testes somente para aqueles em que a avaliação
coletiva indicasse a necessidade de uma investigação mais
acurada.
Os instrumentos utilizados para a avaliação das crianças
e jovens foram selecionados a partir dos estudos organizados por Feuerstein
e apresentados no manual do LPAD cujas instruções e orientações
de utilização foram discutidas e aplicadas no curso oferecido
pelo Instituto San Pio em Madrid, Espanha, sob a coordenação
do professor José Maria Beltran e ministrado pelos professores
Doutores David Sasson e Steven Gross durante 120 horas/aula.
Tomados no conjunto, os instrumentos representam uma gama relativamente
ampla de funções cognitivas específicas. São
tarefas que requerem processos mentais mais elevados e podem ser aplicados
tanto individual como coletivamente. Nessas duas modalidades os princípios
de avaliação dinâmica são os mesmos, mas há
algumas mudanças em relação aos objetivos, procedimentos
e resultados.
Os instrumentos utilizados para avaliação
inicial dos grupos (coletiva) foram:
• Organização de pontos (Feuerstein, adaptado de André
Rey);
• Desenho da Figura Complexa (Rey);
• Teste de Aprendizagem de posições (Rey)
• Progressões numéricas (não para todas as
turmas)
Para a Avaliação Dinâmica Individual, foram selecionados
os instrumentos de acordo com as necessidades individuais de cada participante.
Alguns deles: Organização de pontos (Feuerstein, adaptado
de André Rey);
Desenho da Figura Complexa (Rey); Teste de Aprendizagem de posições
(Rey); Progressões numéricas (Feuerstein ); Teste de desenho
de Padrões (Feuerstein, adaptado de Grace Arthur); Memória
Associativa; Teste I de Redução Funcional (Feuerstein);
Teste de Memória de palavras.
A Avaliação Coletiva permitiu conhecer, na medida do possível,
o potencial de modificabilidade de cada indivíduo dentro do grupo.
Constou das etapas de pré-teste, aprendizagem e pós-teste,
propostas por Feuerstein. Inicialmente o trabalho com os instrumentos
exigiu muita interação e incentivo dos participantes do
grupo. A aplicação contou com a ajuda de estagiários
que atenderiam individualmente os participantes após a explicação
coletiva dada pela pesquisadora. Foram discutidos os princípios
e as normas para a execução da tarefa e o atendimento individual
também era oferecido à medida que havia solicitação
dos sujeitos.
A aplicação do LPAD nesses elementos foi efetivada muito
mais para mostrar-lhes seu potencial de aprendizagem e a possibilidade
de modificabilidade, do que levantar todas as funções cognitivas
deficientes. Uma vez que a aplicação do PEI também
auxiliaria a avaliação contínua, identificação
das dificuldades individuais e ainda a motivar o indivíduo a participar
do programa, procuramos aplicar alguns testes que evidenciassem a capacidade
de cada um. A partir daí, a participação efetiva
do grupo foi uma conquista bem mais fácil. Além desses motivos,
optamos por aplicar inicialmente alguns testes do LPAD coletivo por permitir
obter os dados relacionados aos sujeitos, em situação semelhante
àquela de sala de aula.
Conforme afirma Feuerstein (1979), para obter a informação
sobre um sujeito em situação próxima à real,
o exame coletivo pode contribuir uma vez que o sujeito se sente parte
de um grupo e provavelmente prestará mais atenção
às normas e instruções que são dadas, já
que não são dirigidas somente a ele nem respondem exclusivamente
às suas necessidades. Permite também a obtenção
de dados sobre o grupo, a partir dos quais se poderá elaborar um
programa de intervenção para o grupo; representa uma situação
mais padronizada que o teste individua ao mesmo tempo que é econômico,
pois oferece a possibilidade de avaliar ao mesmo tempo, um maior número
de sujeitos.
No LPAD como já foi comentado, caracteriza-se por necessitar de
mediação e ensino. O ensino é o ponto central nesse
tipo de avaliação. Os diferentes tipos de interação
por meio das Experiências de Aprendizagem Mediada (EAM) atendem
a cinco princípios básicos:
Intencionalidade: a mediação é o resultado de um
ato volitivo realizado tanto por parte do mediador como por parte do sujeito
( reciprocidade).
Trancendência: uma interação mediada transcende as
exigências da tarefa imediata e está orientada para princípios
mais generalizáveis e objetivos mais remotos.
Mediação do Significado: a atuação na tarefa
é uma resposta a uma necessidade criada e/ou reforçada por
um propósito mediado ao sujeito pelo mediador. Este comunica ao
sujeito o propósito dos problemas e as tarefas particulares.
Mediação do Sentimento de Capacidade: é estimulado,
mediante um duplo processo: as tarefas são estruturadas de maneira
que permitam o êxito e inclusive os sinais de êxito mais insignificantes
são interpretados ao sujeito como indicadores de atitude crescente.
Regulação da Conduta: é de grande importância
uma vez que seu efeito é determinante direto do resultado. É
importante que o mediador estabeleça no princípio, um controle
suficiente da conduta do sujeito para permitir que a atenção
e o esforço deste sujeito se concentrem na tarefa.
Podemos afirmar, que no processo de avaliação realizado
com o grupos de alunos investigados foi possível identificar, em
alguns dos participantes: melhora das funções cognitivas,
mais consciência de suas dificuldades e empenho em superá-las;
ampliação da capacidade de auto controle; domínio
da linguagem e identificação de algumas funções
cognitivas que posteriormente trabalhadas em sala de aula, permitiram
aos participantes a superação das mesmas.
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