Ester Almeida Helmer (Universidade Estadual Paulista
– UNESP - Faculdade de Filosofia e Ciências – Marilia/SP)
Partindo do pressuposto de que o ser humano é um
sujeito ativo que mantém uma relação dialética
com o mundo e é capaz de construir conhecimento, e identificando
a escola enquanto um lugar de promoção de cultura, de produção
e socialização do saber, propomo-nos a refletir em como
se dá a formação desse sujeito ativo que, na maioria
das vezes, está inserido numa sociedade desigual mostrando sempre
que ele é incapaz, é submisso, é fraco.
Os objetivos da escola visam à formação de alunos
autônomos, conscientes, reflexivos, participativos, cidadãos
atuantes. Entretanto, o que fazer para que estes sejam efetivados? O que
fazer para que tais objetivos deixem de ser meros discursos distantes
do que se propõe formar?
Essas indagações encaminham para o motivo desta pesquisa
de Iniciação Científica, cuja idéia norteadora
é a de que a metodologia Projetos de Trabalho representa um meio
para superação de alguns desafios do fazer pedagógico,
como o processo de ensino fragmentado e descontextualizado presentes na
maioria das escolas e, ainda, a limitação do acesso ao conhecimento,
produto da humanidade, àqueles inseridos numa classe social desfavorecida.
Por meio dessa metodologia pedagógica, é possível
articular os conhecimentos escolares, organizando as atividades de aprendizagem
de modo que promovam o desenvolvimento do aluno. É possível,
ainda, fazer com que o aprendiz relacione-se com a nova informação
a partir da aquisição de estratégias que apresentem
sentido e significado, criando condições para que as crianças
vivenciem situações de aprendizagens efetivas, diversificadas
e estimulantes, levando-as a questionar e formular suas hipóteses.
Sendo assim, a função docente ganha destaque nessa metodologia,
pois ele exerce o papel de mediador na construção do conhecimento
de seus alunos na medida em que possibilita experiências ricas e
diversas, organiza intencionalmente o espaço e se dispõe
a aprender junto com a criança.
É válido ressaltar que aplicar projetos de trabalho em sala
de aula não se baseia em apenas aspectos técnicos e metodológicos,
todavia, exige mudanças radicais de cunho reflexivo quanto à
função da escola, papel do professor, visão de aluno
e também disposição dos professores em estudar o
referencial teórico proposto buscando, assim, inovar sempre sua
ação. Os professores participantes dessa pesquisa são
sujeitos ativos de sua prática profissional, conscientes de que
seu processo de formação precisa ser contínuo.
Hernandez (1998) afirma que ao trabalhar com projetos de trabalho se faz
necessário estar em alerta com alguns fatos que podem acontecer
como, por exemplo, institucionalizar essa nova maneira de organizar os
conhecimentos considerando-a a “panacéia” da educação,
ou ainda, torná-la mais um “modismo” da área
educacional distorcendo os conceitos elaborados sobre o tema.
A presente pesquisa entende os projetos de trabalho enquanto uma concepção
de educação e de escola que visam transgredir a organização
dos conteúdos escolares baseados na sua fragmentação
e na sua descontextualização, representa uma das possibilidades
de transformar o ambiente escolar num espaço favorável para
a construção de aprendizagens.
A metodologia de pesquisa adotada é de cunho qualitativo e aproxima-se
da “pesquisa-ação”, pois vai além da
descrição de acontecimentos, exige a transformação
da realidade vivenciada, por meio da reflexão e do diálogo
dos participantes-pesquisadores. A principal característica da
pesquisa-ação é o contato direto do pesquisador com
a situação pesquisada, possibilitando dessa forma a reconstrução
dos processos e relações presentes no cotidiano da escola.
Como procedimentos metodológicos, realizamos encontros com os professores
colaboradores; observação e aplicação de alguns
projetos em classe; articulação da teoria com a prática
desvelada nas salas de aula; estudo e fichamento de referenciais teóricos
e metodológicos coerentes à pesquisa; aplicação
e análise de questionários junto aos sujeitos pesquisados.
Os sujeitos dessa pesquisa são alunos e professores de classes
regulares das séries iniciais do Ensino Fundamental das cidades
de Marília e Vera Cruz. (SP).
Os professores participantes são integrantes do GEPESP (Grupo de
Estudo, Pesquisa e Extensão em Saberes e Práticas Docentes)
cujos principais objetivos centram-se (1) nas discussões sobre
os desafios da prática pedagógica; (2) no enfoque dado à
execução dos projetos de trabalho; (3) na dedicação
aos estudos teóricos que favorecem a construção da
aprendizagem significativa e (4) na melhoria da relação
aluno-professor. Esses docentes possuem um forte desejo em adotarem uma
postura pedagógica condizente com as teorias apregoadas em seu
processo de formação superior. Para isso, buscam orientações
do GEPESP no intuito de superarem os desafios encontrados na sala de aula
de forma que não caiam no ensino baseado na formação
de sujeitos passivos, destoantes do contexto social no qual se inserem.
A metodologia projetos de trabalho tem demonstrado ser uma possibilidade
para que esses ideais não sejam discursos vazios que se contradizem
na prática.
O fato de o desejo de mudança na prática docente partir
dos professores traz resultados positivos para essa pesquisa, já
que o envolvimento deles torna-se mais intenso demonstrando um ávido
interesse pela proposta metodológica. O resultado não seria
o mesmo caso o desejo de mudança não partisse dos educadores,
mas tivesse um caráter impositivo vindo da direção
ou coordenação da escola ou até mesmo da secretaria
de ensino.
Dando continuidade a pesquisa iniciada em 2004, estão sendo realizados
dois projetos, de cunho interdisciplinar, denominados “Projeto Lixo
é Luxo” com alunos e professora de uma 1ª série
numa Escola da cidade de Vera Cruz (SP) e “Projeto Aprendendo sobre
Industrialização” com alunos e professora de uma 4ª
série numa Escola da cidade de Marília (SP). Ambos os projetos
surgiram da necessidade de contemplar conteúdos curriculares de
forma que superassem o ensino descontextualizado e fragmentado, despertando
no aluno o desejo por aprender e de identificar-se enquanto sujeitos do
seu próprio processo de construção do conhecimento.
O trabalho cooperativo entre professores-alunos e alunos-alunos constitui
num dos objetivos dos projetos.
Os alunos que desenvolvem o “Projeto Lixo é Luxo” estão
em processo de aquisição da leitura e da escrita. Embora
não escrevam convencionalmente, entendendo que se trata de um processo
de construção paulatina, é por meio de experiências
ricas e diversas organizadas intencionalmente pela professora, que se
apropriarão da linguagem escrita de forma eficaz. Para isso a organização
dos conteúdos escolares por meio dos Projetos de Trabalho tem sido
um instrumento utilizado pela educadora que prevê atividades com
diversos tipos de textos que desempenham uma função social.
A pseudoleitura é uma estratégia bastante utilizada pelas
crianças que, simulando a leitura convencional, esforçam-se
para relacionar logicamente a escrita à fala. Sendo assim, essa
estratégia corrobora para a formação de sujeitos
leitores e escritores de textos.
Quanto ao “Projeto Aprendendo sobre Industrialização”
é surpreendente a capacidade dos alunos em estabelecer relações
e utilizar o conhecimento apreendido em outras situações
quando necessário. O projeto está abrangendo conteúdos
de diferentes áreas – da Segunda Guerra Mundial à
Visita a uma Indústria da cidade - e com diferentes tipos de texto:
cartas, relatórios, textos informativos, enumerativos, dentre outros.
O envolvimento é intenso, a título de ilustração:
Quando a professora questionava sobre quanto tempo empreender no projeto
a resposta que obteve foi: “Todos os dias, inclusive sábado
e domingo!”. Esse desejo de aprender estimulado nos alunos desperta
na professora o interesse de inovar sua ação promovendo
assim um ciclo de trabalho cooperativo em que professor estimula aluno
e os alunos estimulam o professor.
Ambas as professoras preocupam-se em dar voz e vez às crianças
permitindo que formulem suas hipóteses, sugiram atividades, decidam
a rotina do dia e participem ativamente daquilo que foi proposto.
A título de conclusão, a escola é um espaço
onde encontram-se os instrumentos e os objetos materiais e não
materiais criados social e historicamente, por isso a necessidade do professor
criar situações diversificadas de acesso à cultura.
Os Projetos de trabalho podem oferecer as condições necessárias
para o professor efetivar essa concepção de escola.
A metodologia em questão definitivamente não pretende “facilitar”
o trabalho docente, ela constitui-se, numa alternativa para efetivação
de uma aprendizagem eficaz e significativa. Orientar a prática
do professor sob esse enfoque empreende uma tarefa árdua e exige
dedicação intensa e disposição para aprofundar,
refletir e transformar o fazer pedagógico.
REFERÊNCIAS
ANDRÉ, M.E.D.A. Etnografia da prática escolar.
7. ed. Campinas, SP: Papiros, 1995.
HERNÁNDEZ, F. Transgressão e mudança na educação:os
projetos de trabalho. Porto Alegre: Artmed, 1998a.
HERNÁNDEZ, F., VENTURA, M. A organização do currículo
por projetos de trabalho. Porto Alegre: Artmed, 1998b.
JOLIBERT, J. (coord) Formando crianças leitoras de textos. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1994.
_________________ Formando crianças produtoras de textos. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1994.
VIGOTSKI, L.S. A construção do pensamento e da linguagem.
São Paulo: Martins Fontes, 2001.