Dácio Tavares Lobo Júnior –
Departamento de Fundamentos Pedagógicos – Universidade Federal
Fluminense
Eda Maria Henriques - Departamento de Fundamentos Pedagógicos –
Universidade Federal Fluminense
A proposta deste trabalho é comunicar a realização
de um projeto de publicação de textos de alunos-monitores
nas disciplinas oferecidas pela Faculdade Educação da Universidade
Federal Fluminense – os Cadernos de Monitoria – cujo objetivo
é ampliar a relevância da pré-docência no ensino
superior, registrando a experiência de leitura, escrita e autoria
dos alunos e valorizando o espaço da monitoria como locus de produção
e socialização do conhecimento sobre a prática e
a formação do profissional de educação.
Os Cadernos de Monitoria da Faculdade de Educação da UFF
têm a intenção de ser uma publicação
periódica anual para registrar e gerar reflexões em torno
do trabalho dos monitores das disciplinas oferecidas pela Faculdade de
Educação da UFF. Isto inclui o curso de Pedagogia e diversas
outras licenciaturas da Universidade nas quais a complementação
pedagógica, através de disciplinas oferecidas pelos Departamentos
da Faculdade de Educação, se faz necessária.
A determinação pioneira de publicação dos
Cadernos amplia a relevância do trabalho de pré-docência
– representado pela Monitoria – e materializa um esforço
conjunto de professores e alunos no sentido da divulgação
da produção acadêmica discente daquela Faculdade.
Em sua concepção básica, trata-se de uma coletânea
de textos de monitores, um material dirigido não só aos
estudantes dos cursos de graduação em Pedagogia da UFF situados
em Niterói e Angra dos Reis, como também aos diferentes
licenciandos de outros cursos da Universidade, professores, orientadores,
pesquisadores e estudiosos do trabalho pedagógico em geral.
Considerando-se que a Semana de Monitoria da UFF na Faculdade de Educação
vem se tornando, nos últimos anos, um encontro expressivo e com
grande participação da comunidade acadêmica, tornou-se
oportuno registrar de modo mais perene a produção discente
de qualidade que anualmente se apresenta nesses eventos. Sobretudo, é
interessante registrar que as premiações obtidas pelos nossos
alunos-monitores e a qualidade demonstrada nas apresentações
de muitos outros trabalhos foram fatores determinantes que inspiraram
e sugeriram a criação dos Cadernos de Monitoria.
Com este tipo de iniciativa, materializou-se uma intenção,
que vínhamos acalentando, há algum tempo, quanto à
possibilidade da monitoria converter-se em um espaço de produção
de conhecimento; e um espaço singular. Na monitoria encontramos
uma dupla dimensão de construção de saberes: uma
relativa aos conteúdos específicos das disciplinas, outra
referente à construção de um saber-fazer pedagógico.
A atividade do monitor proporciona aprofundamento nos saberes específicos
de uma determinada disciplina, seja relendo textos já trabalhados
em outros períodos, seja tomando contato com novas abordagens e
novos materiais bibliográficos (especialmente quando o professor
da disciplina muda e o monitor passa a ter outro orientador), seja produzindo
sínteses escritas das aulas, seja quando faz a leitura de provas
e trabalhos escritos com a supervisão e intervenção
didática do professor. Nesse tipo de prática, a monitoria
toma contato com a leitura e a escrita do outro com todas as suas diversidades,
desde a leitura de textos clássicos de autores consagrados no campo,
num extremo, até a leitura de textos dos colegas, produzidos em
situações muitas vezes emergenciais e com inúmeras
limitações. Nesse material de leitura tão amplo encontram-se
grandes diferenças de maturação, de rigor conteudístico,
de tempo de produção, de competência lingüística,
de qualidade gráfica, de comprometimento de seus autores, etc..
A variedade dessas leituras pode permitir ao monitor ampliar a compreensão
da disciplina e ver as leituras possíveis que os alunos fazem dela
enquanto autores em seus próprios textos. Na atividade pré-docente
do estudante ele pode perceber que nas escrituras acadêmicas dos
alunos estão presentes suas leituras, mais especialmente, seus
diversos níveis de leitura e uma assimilação maior
ou menor dos conteúdos trabalhados ao longo do curso. É
possível também perceber o seu próprio desenvolvimento
vendo o desenvolvimento de outros colegas matriculados naquela disciplina.
Isso requalifica suas novas leituras e suas futuras escrituras de modo
a situar o estudante em um processo contínuo e coletivo de produção
de conhecimento.
Por outro lado, o monitor também participa da produção
de um conhecimento didático – poderíamos dizer prático-profissional
– resultante de sua atividade, de seu fazer cotidiano que o coloca
como um terceiro elemento na relação pedagógica entre
professor e alunos. A mediação pedagógica do monitor
costuma ser fundamental em algumas situações que envolvem
uma certa adequação didática, tanto dos conteúdos,
quanto da metodologia e do material de leitura a serem trabalhados. Dessa
atividade resulta um acúmulo de experiência docente que,
por intermédio da reflexão teórica construída
ao longo da sua formação, pode se expressar em forma de
artigos ou ensaios que vão objetivar e socializar a experiência
de ser monitor.
Ao mesmo tempo, publicizar a produção dos monitores pode
aproximar o aluno da leitura e da escrita, na medida que aproxima o leitor
do autor. Nos Cadernos de Monitoria os autores são colegas que
podem ser encontrados na sala ao lado, no pátio ou nos corredores;
os autores de um ano podem ser os leitores de outro e vice-versa. Tão
importante quanto valorizar a pré-docência
Esta segunda dimensão de produção de conhecimento
na monitoria é particularmente rica no âmbito dos alunos-monitores
da Faculdade de Educação. A especificidade da formação
do profissional de educação, sua necessidade de reflexão
e prática dentro de referenciais das disciplinas pedagógicas
fazem da monitoria, nessa área, uma situação bastante
especial. A prática educativa tem sido o lugar da ação
e da reflexão de nossos alunos em muitas esferas: no exercício
profissional (já que muitos são profissionais docentes nas
redes públicas e instituições privadas), nas disciplinas
do currículo em geral e, mais especificamente, no componente curricular
Pesquisa e Prática Pedagógica, nas monografias de final
de curso, nas palestras durante os eventos, etc. Sendo assim, a monitoria
oferece uma condição privilegiada de observação,
uma possibilidade de interpretação do fenômeno educativo
a partir também de dentro e com orientação do professor
responsável. Isso tem apontado para o desenvolvimento em nossos
alunos de uma identidade docente em formação bastante comprometida
com a prática educativa articulada com a pesquisa, prática
sempre refletida e registrada por muitos monitores.
Nesse sentido, visando concretizar um projeto de publicação
de artigos oriundos das reflexões dos monitores em torno de sua
prática nas disciplinas oferecidas pela Faculdade de Educação,
formou-se um grupo de trabalho inicial para discutir a viabilidade e as
formas desta nova publicação. O grupo foi então instituído
pela direção da Unidade como Comissão Editorial para
confecção de um primeiro número dos Cadernos de Monitoria.
Composta de modo diversificado, a Comissão (constituída
por professores indicados pelos dois Departamentos da Faculdade Educação
da UFF) decidiu a estrutura física da publicação
(número possível de páginas, tipo de capa e encadernação,
quantidade de seções, formatação da edição,
etc.); organizou o processo de captação dos trabalhos dos
monitores e, através de edital, abriu inscrições
para os artigos e realizou a apreciação dos mesmos, encaminhando-os
para a editoração final organizada por dois professores
membros da Comissão Editorial.
Em sua primeira edição, os exemplares dos Cadernos de Monitoria
2003 trouxeram uma coletânea de trabalhos apresentados na VI Semana
de Monitoria da UFF ocorrida em 2002. Encontram-se, na publicação,
textos de estudantes do curso de Pedagogia e de outras licenciaturas articuladas
com a Faculdade de Educação, mostrando um mosaico interessante
da reflexão discente universitária, bem como o entrelaçamento
dos diferentes campos científicos na sua dimensão pedagógica.
A organização concreta da edição da coletânea
procurou ordenar os diversos artigos através de um fio condutor
que iniciasse com reflexões sobre o sentido da Monitoria e a identidade
do trabalho dos monitores; atravessasse discussões específicas
dos conteúdos das disciplinas e finalizasse com novas reflexões
sobre a prática cotidiana da pré-docência junto aos
alunos em geral.
A especificidade e qualidade dos textos dos monitores favoreceram uma
unidade bastante coerente, dentro da diversidade que apresentavam. Mesmo
os trabalhos que obtiveram Menção Honrosa na VI Semana de
Monitoria, em 2002, ainda que tivessem sido assinalados com o devido destaque,
compuseram a edição dentro de uma perspectiva de produção
coletiva, contribuindo com uma linha editorial que pudesse possibilitar,
em seu ordenamento, mais unidade e encadeamento de conteúdo à
publicação.
Em sua continuidade – e buscando superar as falhas e limitações
que invariavelmente acompanham todo trabalho inaugural como este, os Cadernos
de Monitoria da Faculdade de Educação pretendem também,
nas próximas edições, além de publicar na
íntegra os trabalhos premiados na Semana de Monitoria do ano (além
de outros artigos selecionados pela Comissão Editorial), incorporar
uma seção especial com os Anais daquela Semana de modo a
trazer, a cada número dos Cadernos, o registro de todos os resumos
dos trabalhos apresentados no ano imediatamente anterior. Outras idéias
interessantes e críticas construtivas ainda poderão surgir,
pois estamos certos de que o aperfeiçoamento de um projeto como
esse deve se fazer na experiência contínua de sua produção
iniciada com o primeiro número.
Com a primeira edição dos Cadernos foi dado apenas um passo
inicial. O segundo número já se encontra no prelo e esperamos
que ele se inclua em um movimento crescente de valorização
da pré-docência desempenhada pelos monitores e de difusão
do seu processo de formação acadêmica na Universidade,
pelos próximos anos. Tal iniciativa, além de expressar um
importante movimento na busca da construção de uma identidade
que diferencie a Monitoria de outras práticas acadêmicas
igualmente importantes (como, por exemplo, a Iniciação Científica),
destaca o seu potencial como espaço de múltiplas possibilidades
de construção de saberes e conhecimentos em torno da prática
docente. Desta forma, para além dos aspectos formais e normativos
onde professores-orientadores e monitores situam suas práticas
(como o número de horas de trabalho do monitor, os relatórios,
entre outros), surgem desafios que, justamente por não constarem
de manual de instruções, podem se constituir num terreno
fértil para aqueles que desejarem se debruçar sobre eles.
A partir da nossa experiência como professores-orientadores da Monitoria
do Departamento de Fundamentos Pedagógicos da UFF, gostaríamos
de destacar dois aspectos que nos parecem particularmente interessantes
e que envolve, na sua dimensão desafiadora, tanto monitores quanto
professores. Nos referimos inicialmente ao fato mais óbvio da mudança
de posição do estudante que, ao se tornar monitor, passa
a se relacionar com as turmas a partir de um outro lugar, não mais
de aluno, nem tampouco do lugar de professor; que para se constituir exige
esforço, aprendizagem e conquistas mútuas.
Outro aspecto menos óbvio muitas vezes não admitido pelo
orientador, diz respeito a questões implicadas não só
na própria orientação, mas também no compartilhar
da direção do processo pedagógico, procedimento de
caráter formador, mas que remete a situações que
exigem um certo descentramento de papéis e de relações
de poder, uma certa possibilidade de escuta.
Tais questões, ao nosso ver, tornam-se particularmente importantes,
na medida em que esta experiência de pré-docência implica
não só em um aprofundamento do conteúdo da disciplina,
mas também em interações com práticas que
remetem, de forma explícita ou implícita, a determinados
modelos pedagógicos e a instituição de sentidos,
crenças e valores sobre o conhecimento e sobre o processo de ensinar
e aprender. Assim, diante do quadro de possibilidades até contraditórias
inerentes à monitoria, o monitor pode se perceber como alguém
que tem muito a aprender, mas também muito a colaborar a partir
de suas experiências e seu privilegiado ponto de observação,
ou se ver reduzido a apenas mais um complemento que deve se adequar a
modelos rígidos e imutáveis. Da mesma forma, o professor
a partir da dinâmica deste processo conjunto, pode se permitir reavaliar
suas próprias concepções, inclusive sobre o potencial
das atividades colaborativas ou se manter em suas invulneráveis
certezas.
Considerações como essas levam-nos a pensar em uma ferramenta
conceitual muito trabalhada por Vygotsky, a zona de desenvolvimento proximal,
que se refere à profunda interdependência do processo de
desenvolvimento com os recursos socialmente fornecidos para esse desenvolvimento,
isto é, a importância da integração entre os
diversos tipos de colaboração e promoção de
desenvolvimento. Isto inclui colaboração entre pessoas,
mas também engajamento em atividades colaborativas em certos contextos
sociais, em determinados ambientes estruturados culturalmente.
Nesse sentido, a prática da monitoria pode se constituir em espaço
privilegiado de desenvolvimento não só pelos desafios do
cenário institucional, da própria estruturação
da atividade pelo monitor e pelo professor-orientador, como também
pela reflexão sobre a importância da qualidade das interações
sociais e das relações intersubjetivas contidas na construção
conjunta de um exercício de pré-docência. Acrescido
ao fato de que o espaço da monitoria como espaço de pesquisa
– eixo fundamental na formação do educador –
potencializa as interações e construções possíveis
entre aluno/monitor/professor/conteúdo.
Compreendemos, então, o projeto dos Cadernos de Monitoria também
como uma perspectiva de exercitar aquele descentramento de papéis
e de relações de poder entre professores e alunos e entre
alunos e alunos, a que nos referimos anteriormente. Pensamos no seu potencial
catalizador, promovendo através de uma zona proximal, o desenvolvimento
do conjunto desses sujeitos pela leitura, pela escritura e pela autoria.
O processo de crescimento desse exercício conjunto está
registrado na qualidade dos resumos e dos trabalhos e no reconhecimento
e apoio da Faculdade de Educação da UFF.
É importante ressaltar que foi somente com o entusiasmo dos monitores,
com sua participação concreta, aperfeiçoando seus
textos, dialogando com seus orientadores e colegas, que se tornou possível
a produção coletiva dos Cadernos de Monitoria. O caminho
é cheio de promessas e os estudantes estão apostando nele
a julgar pelo grande número de trabalhos de qualidade inscritos
para o segundo número dos Cadernos. Esta continuidade apresenta
uma perspectiva de trabalho que envolve monitores, professores e estudantes
em geral numa atividade de produção de conhecimento, de
autoria e de desenvolvimento mútuos.