Lodenir Becker Karnopp - Universidade Luterana
do Brasil (ULBRA)
Relato neste artigo a experiência de tradução de textos
da Língua de Sinais (LIBRAS) para a Língua Portuguesa, apresentando
inicialmente as etapas de registro de histórias recorrentes na
comunidade surda. As possibilidades de tradução evidenciam
a generalidade do problema, introduzem algumas discussões e pretendem
produzir algumas reflexões sobre a concepção de suplementaridade,
ou melhor, de mútua dependência entre um texto e outro, com
base na trajetória narrada nessa experiência de ler e traduzir
sinais.
Ler é traduzir
Para Larrosa (s.d.) , grande parte do pensamento contemporâneo
estende a definição de traduzir/interpretar a qualquer fenômeno
comunicativo. Poderíamos dizer que a experiência de tradução/interpretação,
sobre os problemas da tradução, sobre a possibilidade/impossibilidade
de tradução, não tem somente relação
com o que acontece na mediação entre as línguas,
mas se amplia a qualquer processo de transmissão ou de construção
de sentido.
Com base nessa concepção, a experiência de tradução
de textos surdos que passo a relatar tem como referência a participação
de surdos na 47a. Feira do livro de Porto Alegre (2001), evento promovido
pela Câmara do Livro, que objetiva divulgar e promover a leitura.
No artigo “O surdo como contador de histórias” (ALVES;
KARNOPP, 2002) apresentamos algumas das práticas e processos que
surdos utilizam para contar e recontar histórias. Destacamos que,
no ato de recontar histórias para crianças surdas, os contadores
surdos transformam um texto tradicionalmente voltado para uma cultura
ouvinte em uma história com elementos da cultura surda.
Além disso, analisamos (ALVES E KARNOPP, 2002) o texto de Cinderela
(1985) e descrevemos as adaptações e transformações
para “Cinderela Surda”. Essa nova história remeteu-nos
à análise das condições de produção
e recepção textual, evidenciando que essas condições
são inseparáveis do local, das condições sócio-históricas
e institucionais em que os contadores estão situados.
A construção de histórias por surdos implicam na
interação, na construção de sentidos do texto,
com base no diálogo com outros surdos e na tradução
de uma língua e de uma cultura para outra. Surdos recontam histórias
para outros surdos e reconstróem através da língua
e da cultura os sentidos veiculados pelo texto que serviu como ponto de
partida para a criação de um outro texto.
Surdos apresentam uma releitura do texto clássico Cinderela e recontam
essa história para surdos e ouvintes numa versão intitulada
“Cinderela Surda”. Outras publicações deram
seqüência a essa experiência de criação
e tradução: “Rapunzel Surda” (2003) e “O
Patinho Surdo” (no prelo) registram histórias dos clássicos
da literatura, a partir de uma cultura visual, em que ocorre uma aproximação
com a/s história/s de vida e as identidades surdas.
Cabe considerar que inúmeras histórias são contadas
em línguas de sinais pelos surdos, mas que não são
registradas em livros e impressas para a divulgação e leitura
das mesmas em escolas de surdos e na comunidade em geral. Nesse sentido,
utilizamos a expressão “literatura surda” para histórias
que têm a língua de sinais, a questão da identidade
e cultura surda presentes na narrativa. Literatura surda é a produção
de textos literários em sinais, que entende a surdez como presença
de algo e não como falta, possibilitando outras representações
de surdos, considerando-os como um grupo lingüístico e cultural
diferente.
Livros de literatura infantil que evidenciam uma representação
dos surdos e da surdez em um enfoque clínico-patológico
são registrados na literatura (SILVEIRA, 2000); no entanto, livros
com uma visão sócio-antropológica dos surdos, que
apresentem a surdez como diferença e não como deficiência,
são escassos.
As dificuldades do processo tradutório
Pesquisas que objetivam registrar, escrever, filmar e
divulgar a produção literária de surdos encontram,
talvez, os seguintes dilemas: o desconhecimento da língua de sinais
e das situações cotidianas dos narradores, do significado
de suas lutas, dos costumes, da experiência visual e lingüística
encontradas em situações bilíngües. Por mais
belas que sejam as histórias contadas em sinais, elas chegam até
os ouvintes empobrecidas pela tradução, fragmentadas.
Deveria ser possível encontrar formas de escrever e apresentar
as histórias surdas que transmitissem as formas visuais que utilizam
para narrar suas histórias de vida, piadas, mitos..., sem perder
o movimento que as mãos produzem, as expressões corporais
e faciais que vão construindo e desvendando o enredo, as personagens,
o cenário.
Quando as histórias surdas começam a ser construídas
em língua de sinais e o todo aparece, quando um trecho contado
ou uma versão do cotidiano de pessoas surdas torna-se mais ou menos
claro ao público, é como assistir histórias clássicas,
em que mesmo sem entender muito bem tal língua, tem-se a evidência
do imaginário de uma comunidade que compartilha uma experiência
visual e uma língua sinalizada; com registros ao alcance da descoberta
e da compreensão dos presentes, aprendizes, leitores.
Se fosse possível mergulhar no mundo surdo – em suas diferenças
lingüísticas e culturais – e trazer à tona vários
elementos culturais, talvez esse grupo fosse entendido de forma mais adequada
em suas lutas e reivindicações lingüísticas,
sociais, educacionais.
É fato que, em geral, a qualidade da forma e do conteúdo
não é uma preocupação central em livros sobre
surdos. Como qualidade literária, os livros têm diferenças
entre si, segundo a criatividade dos compiladores, sua compreensão
do grupo estudado, dos costumes, da língua. É raro, por
inúmeros motivos, que a obra escrita e traduzida esteja à
altura daquilo que é narrado em sinais.
Diante disso, encontramos uma gama de trabalhos literários sobre
surdos no Brasil. Se concentrarmos nossa análise na produção
de livros de literatura infantil que tematizam a surdez, verificamos que
os autores são ouvintes e retratam o surdo como ‘deficiente
auditivo’, perfeitamente integrado à comunidade ouvinte,
sendo usuário de uma língua oral. No texto “Contando
histórias sobre surdo(as) e surdez”, Silveira (2000) analisa
sete livros destinados às crianças em que a temática
da surdez e dos surdos se faz presente. Os livros analisados foram: “Audição”
(SUHR & GORDON, 1998); “Os cinco sentidos” (BOSMANS, 1997);
“A gente e as outras gentes” (LIMA, 1995); “Nem sempre
posso ouvir vocês” (ZELONKY, 1988); “A letreria do dr.
Alfa Beto” (CARR, 1988); “Dor de dente real” (TRABBOLD,
1993); “O livro das palavras” (AZEVEDO, 1993). A visão
dos surdos e da surdez em tais obras se compõe a partir da representação
“medicalizada”, vista como deficiência, mas supostamente
‘compensável’ pelo uso do aparelho auditivo e pela
leitura labial, conjugando-se tais aspectos a uma visão compensatória
da deficiência. (SILVEIRA, 2000).
“Não se pode deixar de registrar, entretanto,
que todos os livros analisados foram escritos por ouvintes, que narram
a surdez a partir de seus filtros sociais, de suas experiências
de certa forma alheias ao cerne da vivência culturalmente imersa
na surdez.” (SILVEIRA, 2000, p. 202)
Uma escrita literária, tendo como base naquilo
que é narrado, parece ser um primeiro passo para uma apreciação
que corresponda à criação de histórias por
surdos. Mas a escrita, como a tradução, já é
uma injustiça às narrações, pois perdem as
características, o sabor específico da língua de
sinais, da interação com os pares surdos, da situação
de espaço visualmente rico, dos olhares, das expressões
faciais. A tradução das histórias em sinais supõe
um universo culturalmente compartilhado com o cotidiano de pessoas surdas.
Uma escrita à altura dos narradores deve recriar esse clima, uma
escrita a ser feita, por exemplo, pelos próprios surdos, em ensaios
para escrever ficção, em português e na própria
língua de sinais, quando se sentem desafiados a pesquisar ou expressar
sua cultura.
Nesse perspectiva, Ramos (s.d) tem utilizado a terminologia “tradução
cultural” para conceituar com maior precisão “a obviedade
muitas vezes esquecida do significado intrínseco de uma tradução
- ser ela um movimento não só entre línguas mas também
entre culturas” (RAMOS, s.d.).
Claro que a arte de narrar se transforma, ao passar para a escrita ou
para outra forma de registro. Os escritores surdos, usuários da
língua de sinais, têm problemas parecidos ao de outros escritores
(tradutores) ao registrar as narrações. Não basta
filmar, fielmente, e transcrever na língua; e depois traduzir,
mesmo da maneira mais detalhada. Sempre vai se tratar de uma outra forma
de narrar, com recriação inevitável pela pessoa que
registra. Uma recriação escrita que exige dos escritores
uma nova tradução literária na escrita dos sinais
(sign writing) , e o domínio das tradições literárias
em português.
Cícero, um do primeiros teóricos da tradução
e interpretação, proferiu no século I ªC. um
dito clássico que nos acompanha desde então: Not ut interpres
sed ut orator, em que adaptamos para o seguinte dito: “Não
como o que interpreta, mas como o que sinaliza”, ou de forma alternativa
em nossos registros e traduções afirmamos: “Tão
fiel quanto possível, tão livre quanto necessário”.
Alguns materiais têm surgido recentemente, aproximando a tradição
em sinais com as formas escritas. Um exemplo disso é o livro de
literatura infantil “Tibi e Joca – uma história de
dois mundos” (BISOL, 2001), que narra a história de um menino
surdo em uma família com pais ouvintes que começam a usar
a língua de sinais. O texto explora o visual (o desenho) e, além
da história sucintamente registrada na língua portuguesa,
há um boneco-tradutor que sinaliza a palavra-chave que vai dando
seqüencialidade à história.
De todo modo, a escrita hoje faz parte do mundo surdo, indispensável
aos surdos para a defesa dos seus interesses e cidadania. Há quem
pense que a escrita pode contribuir para a destruição da
riqueza em sinais; mas a escrita, por si só, não é
necessariamente um fator contrário. Pode-se pensar na escrita como
a busca por raízes culturais, associada a formas de arte, como
teatro e vídeo.
Além da escrita, outras formas de documentação, como
o teatro, a poesia sinalizada, vídeos e filmagens são fundamentais
como registro das formas lingüísticas que vão se perdendo
ou se transformando. Para uma escola de surdos manter o leque de possibilidades
artísticas e expressões da língua de sinais, os registros
visuais são indispensáveis na criação de bibliotecas
visuais e podem contribuir para uma escrita posterior, com traduções
apropriadas. Infelizmente, formas visuais e teatrais não têm
sido muito usadas, menos ainda a escrita.
Caminhos da tradução: sinalizando possibilidades
Com base em modelos propostos para a produção
textual (CLARK E IVANIC, 1997) e considerando também a especificidade
implicada pelas formas de ver e significar o mundo, a partir de uma experiência
visual, descrevo, neste artigo, caminhos da tradução com
o objetivo de apresentar a proposta de traduzir sinais e registrar histórias.
Essa possibilidade de tradução está dividida em várias
etapas, que foram desenvolvidas por um pesquisador surdo, uma pesquisadora/intérprete
ouvinte e uma desenhista surda.
Etapa 1) Universitários surdos selecionaram textos
clássicos da literatura infantil, com o objetivo de ler essas histórias
e posteriormente recontá-las para crianças surdas na 47a.
Feira do Livro de Porto Alegre. Tais histórias foram contadas em
Língua de Sinais nesse evento e foram filmadas. Ao analisarmos
essas histórias nas filmagens, percebemos a releitura feita pelos
contadores de histórias - o texto havia sido adaptado, transformado.
Etapa 2) Decidimos traduzir essas histórias da
Língua de Sinais para a Língua Portuguesa. No processo tradutório,
deparamo-nos com muitos desafios teóricos e práticos concernentes
à tradução dos sinais para o português. É
preciso esclarecer desde já que, por um lado, um intérprete
ou um dicionário de LIBRAS não devem ser os árbitros
de uma tradução, nem aqueles que determinam qual a resposta
exata para uma dúvida ou qual a significação correta
para um determinado sinal. A LIBRAS está em movimento constante
e os significados não são estáveis, nem fixos. Por
outro lado, convém esclarecer que os textos traduzidos foram amplamente
discutidos com os surdos contadores das histórias. Esse movimento
levou-nos a determinadas escolhas sem, contudo, esquecermo-nos de limites,
muitas vezes intransponíveis da tradução. As escolhas
feitas estiveram apoiadas e cerceadas pela cultura da comunidade interpretativa
na qual os escritores se inserem e para a qual eles destinam seu trabalho.
O modelo de produção textual utilizado na tradução
dos sinais, considera a seguinte afirmação: “o texto
está inserido no processo de forças sociais que o produzem”
(CLARK e IVANIC, 1997). Entendemos que a tradução cria um
outro texto, que já não pode manter uma relação
de oposição, criando assim uma dicotomia "texto original
vs. texto traduzido" nem de equivalência "texto original
= texto traduzido", mas supomos apenas uma relação
de suplementaridade, ou melhor dizendo, de mútua dependência
(BARBOSA, 2000) . Neste sentido, procuramos contextualizar a tradução/produção
textual em língua de sinais em uma prática social, explorando
e analisando as seguintes questões:
a) o contexto social em que a tradução/produção
textual está inserida.
O ‘contexto social’ considera não apenas as circunstâncias
locais em que as pessoas estão produzindo histórias, mas
também o clima social, cultural e político em que essa produção
acontece. O contexto social considera ainda as relações
de poder, os interesses, valores e crenças que mantêm essas
relações de poder.
b) os processos e práticas da tradução/produção
textual
Que gênero textual está sendo produzido? Escrever uma carta
é processo muito diferente de um anúncio. Produzir uma narrativa
em sinais envolve construir um enredo, contar uma história de ficção.
O enredo, as personagens, o local, o tempo e as imagens construídas
são objetos de análise dos processos e das práticas
da produção de textos na língua de sinais.
Outro aspecto a ser considerado é que os eventos comunicativos
apresentam singularidades em relação aos processos e práticas
utilizados para cada situação; por exemplo, dar condolências
a um amigo, fazer uma reclamação, responder questões
colocadas em uma prova, conversar por internet ou conversar face-a-face
com um amigo envolvem naturalmente produções lingüísticas
diferenciadas, conseqüência de eventos formais ou informais
que requerem planejamento adequado para a elaboração do
texto, seja ele escrito ou em sinais. Além das questões
mencionadas, um outro aspecto a considerar é a restrição
imposta pelo tempo e pelo espaço nas produções textuais.
c) o propósito (objetivo) da tradução/produção
textual;
Textos são produzidos e apresentam vários propósitos:
persuadir, divertir, informar, entre tantos outros. No entanto, consideramos
também que textos criam subjetividades, verdades, tensionam, posicionam....
d) a relação entre aquele que produz um texto e aquele que
o interpreta;
Uma das questões envolvidas no processo de produção
textual é a seguinte: Por quem o texto foi produzido? Pragmaticamente,
o texto estaria sendo produzido para quem? Quais as relações
de poder-saber entre os interlocutores?
Os aspectos acima referidos foram considerados na tradução
de textos surdos, tendo em vista o pensar sobre o fazer tradutório
e sobre o ato tradutório, por parte daqueles que praticam a tradução
– surdos e ouvintes!
Etapa 3) Após essa primeira experiência,
que resultou na publicação de "Cinderela Surda",
resolvemos fazer a coleta de outros textos (filmagem) produzidos em língua
de sinais por surdos em vários locais, tais como: escolas de surdos
e associações de surdos. As histórias foram catalogadas,
selecionadas, traduzidas, ilustradas e encaminhadas para publicação.
A experiência de traduzir Cinderela Surda e Rapunzel
Surda
Em Cinderela Surda, o primeiro problema foi a questão
da autoria na escrita do texto. Não sabemos quem contou a história
de Cinderela Surda pela primeira vez. Ela é uma história
recorrente na comunidade de surdos e nós resolvemos registrar e
divulgar esse belo texto. A autoria do texto, portanto, é dos contadores,
mas é também do domínio público das comunidades.
Por outro lado, há uma autoria no texto produzido, e na sua escrita
em português.
O livro Cinderela Surda foi construído a partir de uma experiência
visual, com imagens, com a escrita da língua de sinais (Sign Writing)
e com o texto em português, focalizando a cultura e identidade surda,
por exemplo:
Cinderela e o príncipe eram surdos e aprenderam a Língua
de Sinais Francesa quando eram pequenos.
Cinderela era filha de nobres franceses e aprendeu a Língua de
Sinais com a comunidade de surdos, nas ruas de Paris.
O rei e a rainha contrataram o mestre LeEpée, para ensinar a Língua
de Sinais ao príncipe herdeiro. (HESSEL, ROSA E KARNOPP, 2003,
p. 6-8)
No conto, observamos inicialmente a contextualização
do aprendizado da língua de sinais por Cinderela e pelo príncipe.
Ambos são surdos e aprendem em diferentes locais a usar a língua
de sinais. Essa informação inicial foi acrescida pelos autores,
pois remete ao modo como muitos surdos adquirem os sinais: uns com os
outros, em comunidade, em pontos de encontros, em escolas de surdos.
Presente no texto, encontramos a negociação de que “Cinderela
Surda” apresentaria a luva rosa em substituição ao
sapatinho de cristal, pois as mãos que sinalizam estão em
foco na língua de sinais. Outros elementos adaptados no reconto
da história substituíam, por exemplo, o sino pelo relógio
de parede, visualmente importante, além da inserção
de personagens surdos ao enredo da história – Cinderela,
o príncipe e a fada são personagens surdos e usuários
da língua de sinais.
“Rapunzel Surda” foi o segundo livro de literatura infantil
que produzimos. O texto faz uma releitura da clássica história
de Rapunzel. O objetivo foi recontar a história a partir da cultura
surda – a exemplo do que foi feito no livro anterior, Cinderela
Surda. Assim, o livro Rapunzel Surda foi reconstruído a partir
da experiência visual do surdo, incluindo desenhos que tentam reproduzir
expressões faciais e corporais e, além disso, o texto foi
traduzido para o português e registrado na escrita da língua
de sinais (Signwriting). Utilizamos a escrita do sinais com o objetivo
de divulgar e ampliar materiais produzidos nessa língua.
Rapunzel Surda mostra as formas de comunicação entre surdos
e ouvintes e, também a variedade dialetal e lingüística
presente na língua de sinais. Para isso, surge inicialmente o contexto
da infância de Rapunzel, que vivia na torre e só tinha contato
com a bruxa, produzindo entre elas uma forma de comunicação
através do uso de sinais caseiros. Quando Rapunzel torna-se jovem
aparece o príncipe que, sendo usuário da língua de
sinais em uma comunidade de surdos, apresenta uma forma diferente de produzir
sinais. Fica assim evidente a variedade lingüística e cultural
na forma de produzir sinais entre os surdos.
Por uma conclusão
A pesquisa sobre as histórias narradas por surdos
pretende servir de apoio à comunidade surda, pois pode proporcionar,
principalmente às escolas, um material baseado na cultura das pessoas
surdas, escrito em português e em signwriting (escrita da língua
de sinais) .
O trabalho de registro de histórias contadas por surdos, apresenta
toda a complexidade exposta anteriormente. É primeiro passo, porém,
registrar a ficção e o imaginário da comunidade surda,
envolvendo os próprios surdos e tradutores, no registro das histórias
em sinais.
O trabalho de registro e escrita tanto na língua portuguesa quanto
na escrita do sinais (SW) está ligado, assim, ao de educação,
que é muito mais amplo – pois esse envolve o preparo para
a vida na sociedade brasileira, além da reafirmação
da cultura surda. A escrita, desse modo, aparece como afirmação
cultural e da diferença.
Em Cinderela Surda e Rapunzel Surda, as narrativas e as representações
da cultura surda, caracterizada pela experiência visual, são
corporificadas em livros para crianças de um modo singular, em
que o enredo, a trama, a linguagem utilizada, os elementos visuais, os
desenhos e a escrita dos sinais (Sign Writing) evidenciam o caminho da
auto-representação do grupo de surdos na luta pelo estabelecimento
do que reconhecem como suas identidades, através da legitimidade
de sua língua, de suas formas de narrar as histórias, de
suas formas de existência, de suas formas de ler, traduzir, conceber
e julgar os produtos culturais que consomem e que produzem.
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