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PERSPECTIVAS
DO TEXTO NARRATIVO CONTEMPORÂNEO*
Neiva Senaide Petry Panozzo - Departamento de
Educação e Ciências Humanas – UCS/CARVI - Universidade
de Caxias do Sul – UCS
Morgana Kich - Bolsista – BIC/UCS - Universidade de Caxias do Sul
– UCS
A prosa poética é uma modalidade literária
que vem se consolidando entre as publicações para a infância.
Além disso, a literatura infantil contemporânea, objeto de
leitura do público iniciante, é constituída por palavra
e ilustração e, para efetivar-se a compreensão desse
texto, é necessário que a criança interaja com os
dois códigos. Nesse sentido, primeiramente, analisamos a estrutura
e as possibilidades semânticas do texto “O menino que carregava
água na peneira”, pertencente ao livro Exercício de
ser criança, de Manoel de Barros (1999), e, na seqüência,
analisamos a prática leitora de crianças matriculadas na
3ª série em relação a essa história.
Introdução
Em investigação sobre a literatura infantil,
depara-se geralmente com estudos relacionados à palavra ou à
ilustração, dissociadas uma da outra. Ao investir-se numa
análise possível da relação entre esses dois
sistemas de linguagem, verifica-se que a ilustração significativa
nos livros infantis não é aquela que somente complementa
com imagens os dados da linguagem escrita, mas sim aquela que atua na
produção de sentido do leitor para com a totalidade do texto.
O objetivo do presente artigo é analisar o processo de construção
de sentido da criança-leitora a partir da sua relação
entre os textos visual e escrito do livro Exercícios de ser criança,
de Manoel de Barros (1999). Pretende-se abordar aspectos que auxiliem
na construção de significado, concebendo as duas linguagens
presentes no suporte livro, através da experiência de leitura
de dez crianças, com idade entre oito e nove anos (3ª série),
matriculadas em duas escolas públicas, no município de Caxias
do Sul, RS. Os alunos foram indicados pelas professoras titulares da turma,
que selecionaram aqueles que demonstrassem bom domínio de leitura.
Este trabalho pertence à pesquisa “A produção
de sentido e a interação texto-leitor na literatura infantil”,
realizada na Universidade de Caxias do Sul, com apoio da Fundação
de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul.
Pretende-se com essa apresentação contribuir para uma visão
diferenciada sobre o livro infantil, de forma que não seja visto
apenas como um texto escrito, mas como um todo de sentido, em que as suas
linguagens interajam, a fim de proporcionar ao leitor possibilidades de
construção de significados.
A captura do leitor através da interação
entre as duas linguagens

Ao enfocar
o livro Exercícios de ser criança, realizamos uma leitura
panorâmica da história O menino que carregava água
na peneira, a fim de indicar aspectos que mostrem a relação
entre a palavra e a ilustração. O primeiro contato que o
leitor estabelece com o livro é visual, já que ele, antes
de ler as palavras, vê as ilustrações; e é
tátil também, no momento em que toca o livro, folheando-o
e percebendo sua textura.
A capa da obra constitui-se por texto verbal e visual, tendo logo abaixo
do título um desenho com crianças (meninos e meninas), realizando
diferentes brincadeiras como pular corda, jogar pião, soltar pipas,
jogar bola, andar em “pés de lata”, entre outras mais.
Pode-se perceber um elo entre a palavra e a ilustração através
de uma linha que surge do título, no “ç” da
palavra “criança”, e contorna as crianças brincando,
levando o leitor, ao término da leitura do título, a olhar
diretamente para a ilustração. Acima do título há
o nome do autor, o qual se destaca pelo fato de, ao fundo do seu nome
haver bordados de cores chamativas, representando flores e folhas. O tom
laranja forte da capa, as cores dos bordados e o destaque do título
em letras brancas com sombreado de cor preta propiciam elementos que capturam
a atenção e que constituem aspectos de sedução
do leitor.
Todas as ilustrações do livro são feitas através
da técnica dos bordados, que remete a um trabalho artesanal, fazendo
com que agulhas e linhas substituam pincéis e tintas. As cores
das linhas usadas são as mais variadas e adquirem maior destaque
devido ao fundo alaranjado que percorre todas as folhas do livro (incluindo
capa e contra-capa), sugerindo continuidade e segurança. Essa técnica
encontra-se não somente nas ilustrações como também
no escrito. A palavra despropósitos é mostrada através
de ponto de bordado, assim como a palavra peraltagens, cujas letras são
objetos e personagens que brincam. As letras são imagens, num jogo
plástico de cor, forma e matéria que integra-se às
brincadeiras referenciais mostradas pela visualidade. Os signos verbais
assumem a brincadeira, joga-se com as formas, passando de letras a personagens.
Quebram-se os limites entre ser apenas palavra ou apenas imagem. A palavra
transgride e avança da sua categoria para brincar e saltar como
personagem, levando o leitor ora para o universo da visualidade, ora para
o universo da verbalização, ora misturando tudo isso num
jogo lúdico de linguagens.

O restante
das palavras apresenta-se com o mesmo tipo e tamanho de letra, porém
há vezes em que o texto escrito é disposto de maneira diferente,
disposto de maneira ondulada, em semi-círculos; às vezes
nas páginas ímpares, outras nas pares; às vezes acima
das ilustrações, outras abaixo; fazendo com que o leitor
deixe o hábito linear e dinamize seu percurso ao seguir o trajeto
das palavras.
Vários fatores contribuem para seduzir a criança à
leitura desta obra, desde o papel de suporte do livro é liso, brilhante
e consistente provocando um estímulo tátil prazeroso e facilitando
o manuseio das páginas; o tamanho, em dimensão maior do
que o usual; o cuidado constatado na elaboração do projeto
gráfico; o jogo entre ilustração e palavra, sendo
que esta última recupera aspectos próprios do mundo infantil,
a fim de seduzir a criança para adentrar-se ao texto. Tudo se soma
num convite à exploração e ao diálogo entre
leitor e objeto de leitura.
E como as
crianças lêem a história?
A experiência
de leitura contou com 10 crianças e inicia-se pelo convite à
leitura da história. Em seguida, discute-se o modo como foi lida
a obra. Primeiro enfoca-se a interação com a capa e o sentido
atribuído ao texto.
As crianças leram a capa do livro observando o que o título
e a ilustração sugeriam. Elas relatam as brincadeiras que
as personagens estavam realizando: “tem bastante crianças
brincando, pulando corda, empinando pipa, andando de perna de pau, brincando
com pião”; ou ainda, para outra criança: “vejo
crianças pulando corda, uma menina brincando com aquelas latas
lá que segura, um menino rodeando pião, outro de pipa”;
e também: “acho que aqui tem uma guria brincando com aquelas
pernas de lata que bota as mãos embaixo. Esse daqui que está
jogando pião, esse aqui está brincando de pipa, e bambolê
com as mãos também”. Ao serem questionadas se havia
alguma relação entre o título e a ilustração
da capa, seis crianças fizeram essa conexão, justificando
os Exercícios de ser criança com as brincadeiras que as
personagens realizavam na ilustração: “tem a ver porque
aqui, por exemplo, é um exercício, aqui é outro,
aqui também é outro”, apontando a ilustração.
Um aluno relacionou também a palavra “criança”
do título, com a presença de imagens de crianças
na capa: “porque aqui diz criança e aqui tem as crianças
brincando e pulando corda, jogando”. Outros dois alunos perceberam
as ações das ilustrações e inseriram nos comentários
feitos os sentimentos que as personagens sugeriam, como a interpretação
do brincar como felicidade: “eu estou vendo um monte de crianças
pulando corda, outras brincando, tem outras soltando pipa, as crianças
são felizes e tem um monte de crianças”.
Essas concepções manifestadas pelos leitores revelam que
tanto palavra quanto ilustração estão presentes para
a atribuição de significados. Existe uma percepção
da vinculação entre as duas linguagens, e a criança
as relaciona, observando e relatando as ações das personagens
com as palavras do título “exercícios” e “criança”.
Todavia, ao buscarem, nas próprias concepções, elementos
interpretativos, como ocorreu com a “felicidade”, os entrevistados
norteiam seu pensamento de acordo com o que a ilustração
está demonstrando. Esses leitores revelam dificuldade para levantar
hipóteses sobre o enredo a partir do título e da ilustração
presentes na capa.
Os entrevistados projetam no texto aquilo que eles pensam que os adultos
desejam que seja apreendido. Sendo assim, buscaram lições
no convívio social e conteúdos de aprendizagem na obra.
Isso é um reflexo da concepção de literatura infantil
disseminada pelos adultos, nos ambientes familiar e escolar. Identifica-se
essa situação pela explicação que as crianças
dão quando questionadas sobre o que elas imaginariam aparecer no
livro.
Um sujeito relacionou o fato de as personagens estarem brincando, assim
como fizeram as demais, mas direcionou sua interpretação
a boas atitudes que se deve ter com o outro, como a amizade e a solidariedade:
“ah, assim exercícios de ser criança, de ser amigo,
compartilhar com os outros”. Outro aspecto citado está relacionado
à felicidade: “...têm bastante crianças brincando,
sendo feliz”. Nota-se aqui que, ao conversar sobre a capa, o aluno
não mencionou somente aspectos objetivos, imagens de crianças
atuando, mas falou sobre sentimentos, como amizade, solidariedade e felicidade,
e comportamentos que os adultos incentivam entre as crianças. Mistura-se
na interpretação as dimensões objetivas às
referências subjetivas e experiências pré-existentes.
Nessa mesma linha de pensamento, observou-se que outros aspectos encontrados
pelos alunos refletem o comportamento valorizado pelos adultos. Ao serem
indagados sobre o conflito da narrativa, um sujeito comentou: “eu
acho que as crianças vão parar, vai vir uma outra pessoa
e vai perguntar porque elas não estão mais brincando e elas
vão dizer que alguém mandou elas parar, aí a pessoa
vai dizer que nem sempre é bom fazer o que as pessoas falam. A
gente precisa se divertir, mas também se não for brincadeira
legal...”. Na fala dessa criança fica visível o fato
de que não se pode fazer tudo o que os outros pedem. Muitas vezes,
o infante se depara com esse tipo de situação, de ter feito
algo errado, e que não devia, porque alguém havia mandado
e cabe ao adulto mostrar à criança o que é certo.
Percebe-se também nessa fala a concepção infantil
sobre o que é brincar, diferenciando o que é divertimento,
e que não é certo realizar brincadeiras de mau gosto. Encontra-se,
assim, mais um padrão de comportamento semeado pelo adulto, para
buscar-se a boa convivência social.
Outro entrevistado fez a relação entre os dados da capa
e da história, dizendo que as crianças iam brincar, se divertir,
fazer exercícios, adicionando o fato de que é saudável
exercitar-se: “acho que as crianças dentro desse livro vão
brincar, se divertir, porque aqui nessa capa eles estão... Vão
fazer exercícios”. E acrescentou: “é bom fazer
exercícios, dentro dessa capa acho que tem... crianças vão
brincar, fazer exercícios”. A relação que se
pode fazer dessa manifestação é com a influência
das mídias, pois a todo instante, a imprensa ressalta a importância
da prática de esportes, é saudável e faz bem. A criança
relaciona essas idéias propagadas pelo mundo da cultura adulta
e insere na sua busca de um sentido daquilo que poderia vir a ser a história
do livro.
Um dos focos da literatura infantil, depois da década de 80, é
a valorização dos interesses e imaginário da criança,
levando-a a ter contato com leituras de textos emancipadores. Porém,
em virtude de sua origem e trajetória estarem ainda estreitamente
ligadas a características pedagógicas, a proposta de levar
a literatura à criança é violada no momento em que
pais e professores querem que ela perceba nos textos a transmissão
de ensinamentos. Uma das crianças comprova esse aspecto, quando
diz que, para ela, o importante num livro de histórias é
o fato de poder aprender algo: “ah, tem livros que ensinam também,
que ensina a gente. Ensina a brincar com as pessoas, não brigar,
é uma coisa que diz paz, assim”. Outra criança deixa
transparecer que a mãe incentiva o ato da leitura como sendo uma
ação com resultados positivos, ou seja, ela mostra ao filho
que ler é uma atividade a qual o auxiliará em entender e
compreender melhor os textos, ajudando a fazer novas descobertas: “acho
importante assim que a gente pode aprender a fazer coisas novas, a poder
aprender algumas coisas novas que nem assim: tu lê bastante livro
e a minha mãe fala que é pra mim ler bastante livro que
eu vou saber mais palavras, eu vou ser melhor. Eu vou conseguir entender
melhor”. No entanto, o ato de ler não é visto como
uma atividade de prazer e de lazer, já que a mãe mostra
ao filho que a leitura tem por objetivo fazer com a criança cresça
intelectualmente e que ela deve ler bastante para que isso aconteça.
O processo
de significação
As crianças
demonstraram dificuldade para entender a história. Nenhuma delas
sabia o que significava “despropósitos” e “peraltagens’
- palavras de extrema importância para o entendimento da narrativa.
Eis aqui dois exemplos que comprovam a falta de entendimento em relação
a esse vocabulário: “a mãe falou bem assim: filhote
você vai ser poeta, daí ele falou: não, eu quero ser
despropósitos” e também “ele foi capaz de interromper
o vôo de um pássaro, foi capaz de modificar a tarde botando
uma chuva nela. O menino fazia pró.... prodígios”.
O sujeito também não compreendeu o sentido de prodígios.
O protagonista descobriu que escrever seria o mesmo que carregar água
na peneira, já que ele era ligado em despropósitos e havia
aprendido a fazer peraltagens com as palavras. Há um trecho do
livro em que a mãe do menino diz a ele que ele será poeta
e que, por isso, ele irá carregar água na peneira a vida
toda. Ela acrescenta ainda que o menino encherá os vazios com suas
peraltagens e que algumas pessoas o amarão pelos seus despropósitos.
Somente três crianças relacionaram o ato de carregar água
na peneira com o ato de escrever. Ao contar a história, uma delas
disse que o menino poderia ser noviça, monge e mendigo, ao mesmo
tempo. Em seguida, foi perguntado a ela como o menino conseguia fazer
isso, e a criança respondeu que era quando ele escrevia: “ele
seria capaz de ser noviça, monge e mendigo ao mesmo tempo. - Como
é que ele podia ser ao mesmo tempo? F6: No escrever”. Nessa
interpretação feita pelo entrevistado, torna-se visível
a busca de elementos significativos presentes nas linguagens verbal e
visual, confirmando-se que ambas cooperam com o leitor na construção
de significados. Quando a criança estava relatando a história,
após já tê-la lido, ela passava as páginas
do livro contando o que o menino estava fazendo, olhando somente as ilustrações.
No momento que houve o questionamento sobre como a personagem poderia
tornar-se noviça, monge ou mendigo, de imediato, buscou na mesma
página dessa ilustração o texto escrito, conseguindo
desvendar a pergunta e descobrindo o sentido da história: “no
escrever o menino viu que era capaz de ser noviça, monge ou mendigo
ao mesmo tempo” (p. 21).
A segunda criança que conseguiu fazer a relação do
ato de escrever com o de carregar água na peneira mostrou-se, inicialmente,
em dúvida sobre o vínculo entre as duas ações.
No entanto, ao folhear algumas páginas do livro, observou o que
o texto visual estava mostrando e passando os olhos pelo texto escrito,
a criança tornou-se segura daquilo que estava pensando: “deixa
eu ver como que eu posso entender essa história... que ele fez
uma poesia. Que prá interromper o vôo de um passarinho é
só colocar um ponto na frase e que... uma pedra pode se transformar
numa flor”. E ao ser questionado se o protagonista fazia isso através
da poesia, ele respondeu: “ele escrevia. Ele escrevia..... Ele aprendeu
a usar as palavras que ele não sabia. Ele viu que podia fazer peraltagens
com as palavras. E com o tempo ele descobriu que ele podia escrever e
seria o mesmo que carregar água na peneira”.
A terceira criança, ao contar a história, começou
a folhear o livro desde as páginas iniciais e observava os desenhos
com atenção. Dependendo da ilustração, ela
relatava o que havia acontecido. Dessa forma, torna-se evidente que essa
criança, após ter lido o escrito, buscou, no visual o apoio
necessário para a construção do sentido. Segue abaixo,
o trecho da conversa que demonstra o modo como compreende as linguagens:
“o menino que carregava água na peneira, ele... ele começou
a fazer... despropósitos, ele fazia peraltagens, ele montava casa
sobre orvalhos, ele gostava mais do vazio do que do cheio e descobriu
que escrever seria o mesmo que carregar água na peneira. O menino
viu que era capaz de ser noviça, monge ou mendigo ao mesmo tempo.
Ele foi capaz de interromper o vôo de um pássaro, foi capaz
de modificar a tarde botando uma chuva nela”.
As outras crianças também buscaram nas duas linguagens o
apoio para o entendimento da narrativa. Todas elas, ao contarem a história,
depois de terem realizado a leitura do livro, folheavam as páginas
e procuravam elementos tanto no plano escrito quanto no visual. Porém,
não conseguiram alcançar a relação encontrada
pelas outras três crianças já mencionadas. Dois alunos,
ao contarem o que havia ocorrido, disseram que só o menino conseguia
carregar água na peneira enquanto as outras personagens não
eram capazes de fazê-lo: “eu me lembro também que só
ele conseguia carregar água na peneira, todo mundo tentava e só
ele conseguia”. O segundo aluno disse que só o menino conseguia
carregar água na peneira e, ao ser questionado em relação
às outras personagens, falou: “os outros eu acho que não
porque aqui ó: ele está conseguindo e os outros tá
caindo toda a água”. No texto escrito não está
dito que só o menino conseguia carregar água na peneira,
isso está posto somente nas imagens. Percebe-se ainda que a última
criança apresentava dúvida naquilo que ela havia dito, apontando
a ilustração como a prova do seu argumento. Outro aspecto
interessante é que não aparecem, nas imagens, nem a mãe
do menino nem o pai. Eles estão presentes somente no escrito. Porém,
dois alunos, ao serem questionados sobre as personagens da história,
apontaram outras crianças que estavam próximas ao menino
como sendo o pai e a mãe dele, no caso da primeira criança,
ela encontrou o pai e a mãe e, da segunda, somente a mãe:
“tem o filho, o pai, tem 1, 2, 3, 4, 5 filhos. Tem 6 filhos, 6 crianças
seria e um pai e uma mãe” (p. 18 e 19). Outra criança,
ao ser indagada sobre determinada personagem, afirma que é a mãe
do menino: “eu acho porque o cabelo é de mulher e tá
com batom na boca ainda”. Isso comprova que essas duas crianças
viram que na história o pai e/ou a mãe do menino apareciam,
buscando nas ilustrações uma forma de mostrar que as personagens
do texto escrito estavam presentes no visual. A imagem atua como uma forma
de apoio para comprovar aquilo que a palavra aponta.
Um dos entrevistados disse que, além de carregar água na
peneira, ele “conseguia transformar uma pedra numa flor. Conseguia
fazer o tempo mudar de sol pra chuva. Ele conseguia fazer coisas mais
do que a gente pode fazer. - E como ele conseguia fazer tudo isso? M?:
Ele tinha alguma espécie de poder, alguma coisa de força
assim... Não sei direito”. Nesse caso, a criança deixa
claro que havia alguns aspectos na história que possibilitava ao
menino carregar a água na peneira e transformar algumas coisas,
e que isso não estava claro para ela. Nota-se que o entrevistado
afirma que o menino conseguia fazer isso através de uma espécie
de poder. Porém, não se deu conta de que isso devia-se ao
fato de o menino realizar tais ações pela escrita da poesia.
Muitos entrevistados deixaram de atribuir significação a
aspectos do texto, como cenário e outros elementos não referidos
pela palavra, fazendo uma leitura superficial das narrativas apresentadas.
Percebe-se que é difícil para a criança, relacionar
o concreto - carregar água na peneira - com o abstrato - conseguir
fazer despropósitos e peraltagens através da poesia. Essa
idéia baseia-se no fato de que os alunos não têm contato
freqüente com textos poéticos, dificultando-lhes o entendimento.
Além do mais, em textos poéticos, nem tudo é mostrado.
No caso do livro trabalhado, a criança, para apropriar-se da história,
tem que fazer associação entre os dados explícitos
e as figuras de linguagem, precisa tratar com os sentidos figurados. As
ilustrações, neste caso, atuam como mediadoras, participam
na construção de sentido atribuída ao texto pelo
leitor. Pela natureza desse tipo de texto, que se mostra híbrido
nos aspectos constituidores das palavras e das imagens, o processo de
leitura dessa obra oferece um grau considerável de dificuldades
para o leitor. O papel do mediador de leitura deverá ser de constante
diálogo, elemento indispensável para levantar referências
que permitam estabelecer conexões de significação
ao texto organizado por elementos narrativos, poéticos e plásticos.
Referências
Bibliográficas
BARROS, Manoel
de. Exercícios de ser criança. Rio de Janeiro: Salamandra,
1999.
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