Jorge Koshiyama
RESUMO
Esse trabalho realiza uma reflexão sobre as relações
entre leitura e poética, examinando a Poética de Aristóteles.
Nela encontramos a formalização das relações
entre poética e leitura. Examinamos como as teorias sobre a epopéia
e sobre a poética da tragédia entrelaçam-se com a
experiência de Aristóteles como leitor e espectador. À
luz desse fato, interrogamos se acontece a permanência ou a transformação
do sentido historicamente dado à leitura da Poética na história
da literatura e da teoria literária. Esta interrogação
nos conduz ao exame de outras poéticas, à consciência
da historicidade e da perspectiva teórica da construção
das poéticas a partir do ato de ler. (Bolsista CNPq)
LEITURA
Embora recentemente tenha se procurado discernir conceptualmente
o que seja leitura, ela é melhor compreendida enquanto uma forma
de entrar em relação com algo que está colocado diante
de quem exerce esse ato. Esta relação nunca é imediata,
mas é uma relação entre dois termos (receptor –
emissor: leitor – autor), entre os quais o texto, ou a obra literária
serve de meio, de razão, isto é, como mediação.
Discernindo a etimologia do termo ler, voltamos, por legere, e ?e????
a ?????. Logos, recorda Simone Weil em L’ Enracinement, “mais
que Palavra, quer dizer relação, razão”. Razão
entre dois termos, entre dois caminhos. Ocupamo- nos neste texto não
de uma leitura instrumental, mas da leitura de poesia, de uma leitura
que visa chegar a uma interpretação do texto e que, para
além da inteligibilidade do texto e das informações
nele contidas, busca fazer de uma experiência concreta de leitura
um ato de fruição estética. É sobre esta experiência
de leitura que queremos pensar. Para quem reflete sobre questões
do ensino de literatura e de teoria da literatura, isto está no
centro de um debate acerca das relações entre leitura e
poética. Uma proposição sobre a leitura conduz a
uma reflexão sobre a poética.
A POÉTICA DE ARISTÓTELES
Na poética de Aristóteles, encontramos a
formalização das relações entre leitura e
poética. A POÉTICA é um estudo sobre a poesia, ou
melhor, uma t???? uma arte poética. Que sentido ele dá à
arte e a poesia? A cultura, a vida de pensamento e de poesia, que floresceu
entre os Jônios, na Ásia Menor, em Mileto, em Quios, em Samos,
em Lesbos, sempre esteve cercada por povos e culturas mais ou menos helenizadas,
a da Cária, da Frígia, e posteriormente, por volta do sétimo
século antes de Cristo, a formação de novos corpos
nacionais e políticos, entre os Lídios, de uma parte, e
a pressão dos Persas, mais ao Oriente, submetem os Gregos da Ásia,
empurrando alguns dos seus maiores sábios para o exílio,
deslocando o centro de gravidade da cultura helênica para o Ocidente,
Mileto, primeiro, depois, para Quios e Samos, e posteriormente, quando
para eles, se fecha por um momento (até Alexandre), e para a Ática,
seu centro de reunião e sede do poder ateniense, e, mais, distante,
marcando os limites da Helenidade, Társis, na Espanha, e na Magna
Grécia, Siracusa, Crotona, Tarento. Embora cada uma dessas cidades
– desses centros – fossem políticamente independentes,
sempre persistiu um forte sentimento de unidade entre os HELENOS, como
nação e como povos, e este centro espiritual, este sentimento
de unidade organizou-se em torno de um livro de versos, de uma epopéia,
a Ilíada. E o centro de reunião de cantos e de narrativas,
que até então seriam independentes e estavam dispersos,
foi Mileto. E a um sacerdote, a um Ancião cego, de nome Homero,
que entre eles viveu, pela altura do século nono e do oitavo século
A. C. deram o nome de Pai dos Helenos. Mileto e a lenda homérica
acham-se reunidos nesta elaboração do canto épico.
E, nesta união, tece-se, entre lenda e história, o que viemos
a conhecer das origens da poesia, alcança sua forma, estrutura
e unidade, na lenda homérica e nos poemas homéricos.
Por que Mileto? Por que Homero? É que em Mileto, recordava-se uma
época de contatos e de conflitos muito acentuados entre os Gregos
e os Frígios. E um período de fricção e conflito
muito longo teria-se condensado na lenda de um conflito único muito
prolongado. Pouco a pouco, todo o prestígio, todo refinamento,
heroísmo e bondade, todo tesouro e valor espirituais, passaram
a adornar uma cidade e um povo, Tróia e os Troianos, passaram a
encarnar tudo que os Gregos queriam para si. E uma guerra com um povo
efetivamente estranho, apareceu a esses sacerdotes e a Homero, seu arconte,
como um conflito íntimo, como uma guerra entre irmãos, uma
luta entre os melhores homens, entre povos e pessoas (heróis) que
efetivamente eram parentes entre si, e que o reconhecendo, abstinham-se
de combater entre si, mas a lógica do conflito envolve a todos.
Se Diomedes e Sárpedon, Enéias e seu irmão colaço
(mas pode ser, também, irmão, no sentido espiritual, de
confraria) efetivamente abstêm-se de combater reciprocamente, um
dos heróis, Ulisses, procura forçar e lançar a todos
no conflito, e principalmente, fazer com que os heróis mais puros,
de um lado e do outro, parentes, através da ninfa Tétis,
e ambos, a quem o destino, - não ousaria o sacerdote Homero dizer
“o Deus” (o Théos)? – havia prometido breve vida,
e renome imorredouro, entram em conflito. E, embora, Príamo, o
Pai, que entra como suplicante e fala-lhe como Pai (“ao herói
lembrava, o velho Pai, que havia ficado na rochosa Ftia”) o tenha
perdoado, AQUILES, A Quem o crime de sangue havia tornado impuro, morre.
Mata-o Alexandre (Páris). Mas, por que nas estórias de Homero,
nada fica sem atar, por ter incorrido em pesadas responsabilidades, por
o DEUS, A IMAGEM o aspecto que, dele entre os gregos representa a retribuição
(Poseidon), o punirá, fazendo que só depois de uma purificação,
conseguisse regressar à sua Ítaca. Mas este aspecto espiritual
dos poemas, quase foi deixado de lado por ARISTÓTELES. Em sua visão
da poesia, de que ele, como leitor dos poemas de Homero e como espectador
das comédias e das tragédias representadas nos festivais
dionisíacos de Atenas, reconstitui a estrutura, o filósofo
representa-as como artes da imitação e como arte verbal
que imita, isto é, representa as ações dos homens,
seja em forma narrativa, seja em forma de drama (tragédia e comédia).
J. Hardy, editor e tradutor da POÉTICA, POÉTIQUE,COLLECTION
DES UNIVERSITÉS DE FRANCE, publiée sous le patronage de
L’ ASSOCIATION GUILLAUME BUDÉ, escreve que “a Poética
de Aristóteles é um tratado filosófico da mesma natureza
que os outros tratados acromáticos” A Visão espiritual
de Homero, cede lugar, na poética de Aristóteles, a uma
análise da poesia como arte que tem por finalidade imitar ações
dos homens, quer as heróicas, quer as de menor valor moral, compondo,
desse modo, um retrato do Homem, um retrato equilibrado e integrado. Narração,
figuras alegorias; comparações, narrações
(mitos que se imbricam em outros em um processo de elaboração
que continua e dá lugar a outros mitos (fábulas), e na tragédia,
o mito (a fábula), a elocução, os gestos, a representação,
iluminam por vários ângulos, a ação de um ser
humano, que em nenhum dos casos é apresenta. A própria análise
da técnica poética salienta que todos os elementos da estrutura
da poesia concorrem para esse efeito.
CADA vez que Agamenon retém o prêmio de Aquiles, ou quando
ele tenta forçar a aprovação, na Assembléia
dos Príncipes, de suas motivações para a guerra (uma
guerra de conquista, destruição e saque das riquezas de
Tróia), ou fala da direção que ele, o príncipe
e general dos Gregos quer dar à guerra, não se precisa da
figura cômica de Tersites para declarar-lhe a baixeza. Pois em outro
ponto da estrutura do poema, na manhã do mesmo dia apresentam-se
os motivos que HEITOR, Príncipe de Tróia, sustentado, defendido
por todos os seus e por toda sua cidade, tem de ir à guerra: por
seus pais, por sua esposa, por sua família, por seus amigos, pelo
futuro de suas crianças e das crianças de sua cidade, por
sua cidade e por sua pátria. Esta motivação é
pura. E isto é mostrado desde vários ângulos. Ao contrário
de Agamenon que é mostrado isolado de seus príncipes e comandantes,
cada um dos quais maquinando seus próprios planos particulares
para a guerra, uma cena mostra HEITOR é mostrado em meio de seu
povo. Ao amanhecer, toda a sua cidade despedem-se dos seus familiares
e preparam-se para o dia. E outros, os lenhadores, que irão cortar
lenha para manter as casas secas e aquecidas, os que vão caçar
e os que vão preparar alimentos, aqueles que vão reparar
as brechas feitas nas defesas da Cidade, os mestres, com suas crianças
e discípulos, os sacerdotes e sacerdotisas, que atuam como médicos
e enfermeiras e também pedem, em suas preces, proteção
para cada família e para cada lar, também estes se separam,
mas todos ficam juntos quanto puderem. Nenhum julgamento é feito,
mas este contraste ilumina a tudo. Ulisses é mostrado inferior
a Filoctetes. Neoptólemo perde-se, mas resgata-se, defendendo a
descendência de Heitor. NA ÚLTIMA parte da ILÍADA,
só é puro PRÍAMO, Imagem de Zeus Suplicante, e AQUILES,
quando volta a si de seu desvaio destrutivo, em verdade, auto-destrutivo.
Ambos choram. Mesmo entào, Aquiles é movido pela impaciência:
“VELHO, Só te respeito, porque tu me fazes lembrar de meu
PAI, em FTIA, Rocha batida pelo vendaval. Por isso não mais ultrajarei
teu filho e to entregarei, Pois sei: como ele, eu morrerei jovem, mas
longe de casa, ninguém me pranteará.” Esta iluminação,
tentativa incerta de comunhão. Só este testemunho dão-nos
os poetas a custodiar. E ANTIGONA? Por que ângulo, este texto de
Sófocles, do qual um Antunes Filho tem apresentado uma encenação
bem cuidada, esclarece-se, à luz da teoria da tragédia apresentada
na POÉTICA? A Fábula de Anígona, liga-a como descendente
de Édipo, ao ciclo das famílias tebanas. Na peripécia
de Édipo, este, reconhece-se como inocente e culpado, marido de
sua mãe e irmão de seus irmãos. Jocasta mata-se,
Édipo cega os próprios olhos e segue para o exílio.
Guiado por Antígona, vem ter a Colona, na entrada de ATENAS. Édipo
desaparece, ou morre em Colona. De qualquer modo, ele é cultuado
como o Nume protetor de Colona: de fato, é venerado como um anscestral
na própria família de Sófocles. Antígona volta
para Tebas. Enquanto isto, como tutor de um dos sobrinhos, CREONTE assume
primeiro a regência. Depois, sozinho assume o poder. Com a precisão
de quem na vida prática foi estratego (isto é, general,
e um dos dez comandantes e administradores de Atenas, durante durante
a prolongada guerra que devastou as cidades gregas), usa o termo tirania
para referir-se a tal situação política. Mas nada
está consolidado. Um dos irmãos de Antigona, Polinices,
refugia-se em Corinto, junto à família adotiva de seu Pai.
E, ali, ergue um exército. Vem a Tebas reivindicar, junto a seu
irmão o trono e o nome do Pai. Os irmãos lutam. Ambos morrem.
Por esta altura, devido a essas circunstâncias, o velho tirano torna-se
o rei legítimos. TUDO ISTO passou-se antes de iniciar-se a tragédia.
Só então principia a ação da tragédia.
Só esta ação única é representada.
Este último dia. Que ação é esta? CREONTE,
que mandara sepultar um dos irmãos como um dos heróis do
Estado proíbe, em um édito, proíbe que se recolha
o cadáver do outro irmão, que se lhe dêem as honras
devidas aos mortos, e que o enterrem, Quem desobedecer a tal ordem, incorrendo
destarete em um crime contra o Estado, será réu de morte.
Eleva-se o protesto de Antígona. Esse édito é injusto,
porque a distinção entre os dois irmãos? Hei de sepultá-lo,
diz ANTÍGONA a sua irmã Ismênia. (PROTESTO). “Você
está louca, diz Ismênia. Quer atrair mais desgraças
sobre a família?” Mas, depois, quando Antígona vai
sepultar o irmão, ela quer acompanhá-la. Antígona
retruca-lhe orgulhosamente: ‘’Você escolheu viver.”
Ela, escolheu estar com eles, seus mortos. Só espera cumprir a
Justiça. Antígona cumpre sua promessa, tenta dar sepultura
ao irmão. Esta ação desencadeia uma tríplice
resposta: Primeira: a solidariedade relutante da irmã, que quer
parte da honra pela ação executada. Ao que ela, em substância,
responde, sozinha, com os seus, com os AMADOS. Se é que fez um
delito, sozinha o cumpriu, sozinha por ele responderá. A segunda
resposta é o confronto com Creonte. E seu julgamento: Antígona
será murada viva em uma cripta. Antígona caminha sozinha
e despede-se do sol. De dentro de suas casas, de seus muros, todos a ouvem,
ninguém lhe responde. Hemon, seu noivo e filho de Creonte, tenta,
em vão, dissuadi-lo. Lança-se, de espada em punho, sobre
o PAI, e deixa-se murar vivo. com Antígona. Mas sera isto da parte
uma ação ou uma reação ao que aconteceu? Outras
reações em cadeia: A Rainha, mãe de Hemon, suicida-se
e o coro, intervindo inusitadamente como ator, diz-lhe: “Conheces,
agora, a completa justiça”.
Focalizando a “ação” de Antígona, agora,
a partir da poética da tragédia, tal como o ESTAGIRITA a
delimitou temos que a ação imitada na tragédia (como
estrutura geral da ação no poema trágico), isto é,
como a ação de seres humanos superiores (andres aristoi)
em ocasiões ou situações sem saída. Isto é
tipificado. Vale para toda tragédia: Um único curso de ação
é necessário ou possível. Indicado tal curso tal
curso de ação, tão necessário quanto verossímil,
o que a tragédia quer imitar é como tal inexorabilidade
choca-se com e repercute sobre o cárater do herói. Concretizando
melhor; Frente à Necessidade, como reagirá o protagonista?
É do confronto entre o DESTINO e o CARÁTER do Herói,e
do confronto entre o protagonista e o antagonista que surge a revelação.
E, o que nela dá-se a ler é a revelação de
quem somos, o discernimento em relação a nós mesmos,
ou em relação à situação. A REVELAÇÃO
leva ao “RECONHECIMENTO” o qual é a conclusão
de uma trama, de uma ação poeticamente bem urdida. Isto,
quanto à estrutura.
ESTRUTURA DA AÇÃO
E, quanto à Antigona ? Nesta tragédia, a
ação é conduzida por protagonista, antagonista e
dois deuteragonistas, do guarda e do coro, Ao estudar a recepção,
constatamos que a História colocou Antígona no lugar do
protagonista e Creonte no lugar do antagonista. Mas, se olharmos a estrutura
desta ação, teremos surpresas. – Podem Hemon ou Ismênia
serem o protagonista ou o antagonista? Ismënia opõe-se à
ação da irmã, ou consumada esta, dá-lhe tímido
apoio. Hemon opõe-se ao Pai, é murado, mais do que escolhe
morrer com Antígona. De sua parte nesta ação, como
a de Ismênia, pode-se dizer que ajuda à revelação
de ANTÍGONA e de CREONTE. Pode Antígona ser protagonista?
Pode. Pode Creonte ser protagonista da ação? Pode. –
Podem um e outro serem colocados no papel de antagonista? Podem. Do que
isto depende? Depende dos valores que um e outro escolhem, e do que cada
um dos dois oponentes coloca como o curso principal da ação.
CREONTE E A ORDEM DO PODER
- SUBMISSÃO AO PODER
Tomemos o ponto de vista de Creonte. Para ele, o curso
de sua ação é balizado pela Lei da Polis. Submete-se
à Cidade e à Razão de Estado. Porém, sendo
um tirano, ele é a Lei e a Razão de Estado. Para ele, tudo
reduz-se a uma ação política. Os EDÍPIDAS
subverteram o Estado. Trouxeram a guerra, a confusão e a morte
à Polis (à Cidade). Agora, todos morreram. Justo é,
pensa Creonte, honrar quem defendeu a Cidade e desprezar quem a atacou.
Acabada a luta, que o deixou livre para exercer legalmente o poder, o
REI quer para sua pátria um período de Paz e Ordem. Mas
ele quer para si e para os seus, a força de sua linhagem. Por isto
a tornou noiva de seu Filho. Do seu ponto de vista, Antígona rompe
o pacto, a ordem que ele tudo fizera para construir.
UM DEVER: obediência ao AMOR
Quanto a Antígona, ela encara sua ação
não como uma ruptura, porém como um restabelecimento da
Justiça. Antígona não coloca sua ação
como uma resposta à ordem do Rei. Não coloca a ação
em termos políticos. Isto é difícil de compreender
para nós que não somos gregos. Antígona move-se e
vive num espaço estritamente familiar, fora do político.
Para ela, tão natural quanto respirar, é amar igualmente
e honrar a seus dois irmãos e dar-lhes sepultura por igual. Houvesse
ou não ordem humana (??µ??) contrária ela lhe daria
sepultura, pois como ela reivindica no confronto com Creonte “a
obediência às ordens imprescritíveis de DEUS”,
no que lhe diz respeito, ela está, cumprindo-as, vivendo sob uma
disciplina espiritual, em obediência ao Amor. Pois, não só
é um ultraje reconhecidamente inaceitável deixar um cadáver
sem sepultura. Do ponto de vista espiritual, é um crime. Pois aquele
que não é cuidado, não é lavado com água,
com óleo, com unguento e com especiarias, não é devidamente
purificado para seguir ao encontro de Deus, fazendo do cumprimento desses
ritos fúnebres um ato de amor e uma ocasião de exprimirmos
gratuitamente, o amor que lhes tínhamos e temos: certamente, em
seu caso, é de um ato de obediência gratuita ao Amor, que
se trata. O confronto entre ambos – ANTÍGONA e CREONTE –
é a ocasião da revelação de cada um, diante
de si mesmo, primeiro, e, depois, diante do outro. Em ANTIGONA (1936:
A FONTE GREGA), Slmone Weil sintetiza este confronto.
ANTÍGONA:
“Tuas ordens, pelo que penso, têm menos autoridade
do que as leis não escritas e imprescritíveis de Deus.
Todos os que estão presentes aqui me aprovam.
Eles o diriam, se o medo não lhes fechasse a boca.
Mas os chefes têm muitos privilégios, e sobretudo
o de agir e de falar como lhes apraz.”
(...)
Rápidas como flechas, duras espadas, as frases
cruzam-se. À lei de Deus, o Rei opõe a razão de Estado.
Um atacava a pátria, o outro a defendia
Devemos tratar da mesma forma o homem honesto e o culpado?
—Quem sabe se estas distinções são válidas
para os mortos?
—Um inimigo, mesmo morto, não se torna um amigo por causa
disso.
—Eu não nasci para partilhar o ódio, mas o amor.
A quem emite o juízo do Estado, o amor incondicional
só pode incomodar. Ao que e a quem não pode compreender,
ele, o Rei, em quem se encarna a violência, que é a lei do
Estado, impõe a morte:
Pois bem
vá para o túmulo e ama os mortos, se precisas amar
Mas, e Antígona? Repreende Ismênia. Pela primeira vez sentimos
uma certa dureza nas palavras de Antígona?
Escolheste viver, e eu morrer. Tem coragem, vive.
Quanto a mim,minha alma já morreu.
Não admite manipulações. Mas o rei quer manipular
a tudo e a todos. Quer tratar tudo, pessoas, almas e coisas, como sua
propriedade. Isto vai contra a lei da vida. Por isto, a vida tratará
duramente com ele. Não pode reduzir as pessoas a instrumentos,
não lhe pertencem: e o deserto se fará à sua volta,
mortos a esposa e o filho. Por uma vez, em Sófocles, o coro abandona
sua impassibilidade. Porém, chegareis a vos conhecer?
Quanto a Antígona, tem algo pelo qual ela deve responder. O orgulho.
Como é purificada? Caminhando sozinha, até a morte pelas
ruas de sua cidade, vive este desamparo, vive esta paixão, até
ela cumprir-se, diante de Deus. Todo o mal que ela sofre, não diminui.,
Vive esta palavra: minha alma está morta. Vive como morta. Ah!
Perder-se nos amados. Esta ordem parece dura, mas muitos anos depois,
o Mestre deu-nos a mesma ordem, único caminho para a santidade.
Na leitura da POÉTICA e desses poemas, perdemo-nos na contemplação
de uma ordem luminosa.
BIBLIOGRAFIA
ARISTÓTELES. HORÁCIO, LONGINO. A POÉTICA
CLÁSSICA. São Paulo, CULTRIX, 1988.
_____________POÉTIQUE, Paria, Les Belles Lettres,. 1952.
BOSI, A. (ORG.) LEITURA DE POESIA, 1ª Edição, Ática,
1996.
COUTINHO, A. CRÍTICA E POÉTICA, RIO DE JANEIRO, Livraria
Acadêmica, 1968.
W., Simone. A CONDIÇÃO OPERÁRIA E OUTROS ESTUDOS
SOBRE A OPRESSÃO, RIO DE JANEIRO, Paz e Terra, 1979.