Ana Carla Ramalho Evangelista Lima - Escola Despertar
– FSA/BA - PEC/UNEB
Resumo
A busca por alternativas metodológicas que permitam
ao professor tematizar a sua prática, discutir suas dificuldades,
tomar consciência do que é válido em seu trabalho
e dos aspectos que precisam ser melhorados, são ações
que permeiam todo o projeto de formação dos educadores da
Escola Despertar. A formação do professor enquanto pesquisador
da sua própria ação e escritor de sua trajetória,
registrando os significados construídos com a prática, foram
os eixos do Projeto de Formação Docente ao qual se refere
esse relato de experiência.
“O registro é História, memória
individual e coletiva eternizadas na palavra grafada.
É o meio capaz de tornar o educador consciente de sua prática
de ensino,
tanto quanto do compromisso político que a reveste.”
(Madalena Freire)
Um pouco da história: os caminhos trilhados
Este estudo relata, analisando, o processo de formação
docente, continuada, envolvendo a escrita de registros de aula, relatos
e artigos, a partir da investigação da própria prática,
dos professores da Educação Infantil e séries iniciais
do Ensino Fundamental da Escola Despertar – situada em Feira de
Santana/BA - Brasil - nas diversas áreas de conhecimento que compõem
o currículo (Matemática, Língua Portuguesa, Ciências
Sociais e Naturais), tendo a colaboração dos Coordenadores
Pedagógicos/Formadores Docentes e de professores especialistas
nas áreas trabalhadas.
A proposta de trabalho teve início há seis anos. Os quatro
primeiros anos envolveram a formação de grupos de estudos
voltados para as didáticas específicas. A cada ano, o professor
elegia um eixo dentro da área escolhida, ou mesmo, uma área
a investigar. À medida que foram se apropriando das especificidades
do trabalho, planejaram e desenvolveram projetos didáticos em seus
grupos, atrelados aos seus estudos. As aulas eram registradas e tematizadas,
discutidas e analisadas conjuntamente, contribuindo para o desenvolvimento
da capacidade reflexiva.
No quinto e sexto ano, os estudos e registros dos professores, foram sistematizados
por meio da produção de artigos, tendo apoio de professores
especialistas tanto na revisão teórica, como na revisão
técnica, vislumbrando a elaboração de um livro, que
será lançado brevemente.
Aprendendo a olhar: articulando a prática com a
investigação
As escolas como responsáveis pela formação
dos sujeitos que atuam nesta sociedade precisam modificar-se para contribuir
com a formação “de cidadãos capazes de se informar,
de ampliar esta informação, de situar-se e de mover-se no
mundo do trabalho, dentro de um viver ético, com responsabilidades
partilhadas” (GATTI, 1997, p.90), por isso, considerando que, na
formação dos professores é que está a possibilidade
de se efetivar a sua proposta pedagógica de construir e compartilhar
conhecimento, a Escola Despertar desde 1999, passou a desenvolver junto
ao grupo de formação docente, estudos voltados para as didáticas
específicas (Língua Portuguesa, Matemática, Ciências
Naturais e Sociais). O objetivo da proposta era de que o professor percebesse
suas necessidades, detectasse as “carências do olhar”
e pudesse investigar a área em que encontrasse maiores dificuldades
no desenvolvimento da sua prática: observar, registrar e refletir,
para que pudesse fazer intervenções no trabalho em sala
de aula.
Quando a idéia foi lançada pela primeira vez, o grupo era
pequeno, cerca de quinze professores em toda a Escola. Não se tinha
muito bem a dimensão de como repercutiria esse estudo nos anos
seguintes, mas se sabia que era necessário investir nesse campo
de investigação que é muito complexo, principalmente
quando esta se refere à prática do professor polivalente,
como é o caso daqueles que atuam na Educação Infantil
e Ensino Fundamental. Estudar no espaço de trabalho, não
era novidade para o grupo, essa, já era na época, uma atividade
semanal da qual participavam lendo livros e outros textos que ajudassem
a refletir e encaminhar melhor a ação, com os projetos didáticos
desenvolvidos – modalidade organizativa adotada pela Escola.
Toda essa mobilização em função de melhor
se apropriar das áreas de conhecimento, foi proveniente da aprovação
de dois projetos desenvolvidos na Escola, em um evento no sudeste, que
envolvia escolas de todo o país. Entre inúmeros trabalhos
enviados para a seleção, a Escola pôde fazer o relato
de duas experiências: uma de Língua Portuguesa e outra de
Matemática, com a supervisão de pesquisadores renomados
nas didáticas das respectivas áreas. A repercussão
dos trabalhos foi muito positiva, indicando que a trajetória da
Formação, na Escola, trilhava por caminhos promissores.
Percebeu-se, a partir daí, a necessidade de investir nos estudos,
principalmente nas áreas das Ciências, e o momento era aquele,
em 1999, quando tudo começou.
O grupo assumiu o compromisso de se voltar para as áreas que sentiam
mais dificuldades no desenvolvimento do seu trabalho. Aos poucos os temas/áreas
foram sendo delimitados e os estudos definidos. A proposta consistia em
buscar fundamentos nas didáticas específicas para fazer
a leitura da prática, por isso era extremamente necessário
que os encaminhamentos fossem permanentemente discutidos e refletido por
todos, nas reuniões semanais de estudo. A cada encontro, uma área/tema
era contemplada nas discussões com o grupo e ao final do período/semestre,
cada professor estaria apresentando um relatório, reflexivo e fundamentado,
da sua trajetória.
Realizando leituras específicas, os professores faziam análise
de situações didáticas por meio de diversos instrumentos:
pautas de observações, vídeos, relatos, que lhes
permitiam estabelecer relações entre a teoria estudada durante
a formação e os acontecimentos práticos com os quais
se defrontavam na vida cotidiana, no contexto da Escola. Com os registros
produzidos a cada vivência, podiam estar mobilizando novos conhecimentos
e atribuindo sentido a sua ação, por meio da reflexão.
Madalena Freire Weffort, uma das pioneiras no uso de relatos no Brasil,
diz que o registro escrito são tarefas básicas do professor,
porque através deles poderá dar forma, comunicar o que pensa,
para assim refletir, rever, aprofundar, construir o que ainda não
conhece, enfim, o que necessita aprender. Para esta autora, o ato de escrever
materializa o pensamento, torna-o concreto, permitindo que através
dele o autor possa voltar ao passado, ao mesmo tempo em que constrói
o presente. Segundo ela, o registro escrito obriga o exercício
de ações-operações mentais, intelectuais de
classificação, ordenação, análise,
obriga a objetivar e sintetizar, trabalhando a construção
da estrutura do texto, do pensamento. (WEFFORT, 1996, p.41- 43)
Entretanto, como em todo processo de construção do conhecimento,
algumas dificuldades vieram sendo encontradas ao longo desse percurso.
Cerca de dois anos após o início desse trabalho (2001),
o número de professores foi ampliado, chegando a mais de vinte,
muitos iniciantes na docência. A diversidade de professores experientes
com a proposta da Escola e dos que estavam estreando no ofício,
demandavam outras necessidades tão urgentes quanto à de
investigar as áreas de conhecimento com as quais iriam trabalhar.
Considerando que o elemento principal, a matéria-prima para as
reflexões, emanava da própria sala de aula e estas chegavam
até o grupo por meio dos registros, percebeu-se o quanto era importante
investir nesse processo de documentação do trabalho. A necessidade
de intensificar os estudos a fim de preparar as professoras iniciantes
para atuar de acordo com a proposta pedagógica da Instituição,
foi percebida meio aos dilemas com os quais se deparavam na ação,
evidenciando a falta, não só de prática, mas de conhecimentos
pedagógico-metodológicos necessários para assumir
uma classe. Essa situação levou a organização
de um outro grupo de estudo. Então, resolveu-se que os encontros
semanais seriam destinados a dar continuidade às investigações
e que, a cada quinze dias, haveria mais um encontro específico
para abordar outras questões da prática docente.
Com o passar desses anos, percebeu-se que havia uma compreensão
por parte dos professores quanto às propostas de estudo, tanto
quanto, da validade de apropriar-se cada vez mais de conhecimentos que
seriam determinantes na sua sala de aula, como no seu desenvolvimento
profissional, entretanto, a dificuldade em registrar era característica
da formação desse novo grupo de professores.
Ao estimular o professor a registrar, ou relatar o trabalho desenvolvido
junto aos seus alunos, esperava-se que ele fizesse uso sistemático
de sua capacidade de observação, ampliando-a na medida em
que a exercitasse e a melhorasse, com os estudos, teóricos, proporcionados
pelo próprio projeto de formação. Contudo, o limite
do “olhar” estava atrelado ao conhecimento que o professor
tinha sobre o universo ou situação a ser focalizada. Quanto
mais “conhecesse”, mais condição de fazer inferências
teria e, possivelmente, se tornaria mais competente e autônomo na
sua ação.
Já dizia Paulo Freire que o registro da reflexão e sua socialização
num grupo são "fundadores da consciência" e assim
sendo, são também instrumentos para a construção
de conhecimento. O ato de escrever obriga a formulação de
perguntas, levantamento de hipóteses, aonde se vai aprendendo mais
e mais, tanto a formulá-las, quanto a respondê-las. Assim,
o registrar a reflexão cotidiana, significa abrir-se para seu processo
de aprendizagem, pois aquele que ensina, aprende, e é um modelo
para seus alunos, de aprendiz, do seu ensinar.
No final de 2002, o grupo estava mais coeso, já tinha vivenciado
momentos de partilha das dificuldades encontradas na trajetória
de cada um dentro da Escola e por isso, também, estava mais consciente
das suas necessidades e abertos para novos encaminhamentos que possibilitassem
o seu desenvolvimento profissional. Era este o momento de dar continuidade
a experiência, de desenvolver um processo investigativo sobre as
didáticas específicas nas áreas de conhecimento trabalhadas,
visando a formação de sujeitos reflexivos e críticos,
com atitude investigativa, percebendo-se sujeito, e, ao mesmo tempo, sua
prática, como objeto dessa investigação, capaz de
trabalhar e interagir na coletividade, expressando-se oralmente e por
escrito, enfim, produtor de conhecimento.
A escrita: materializando, pelo pensamento, a prática
Cabe à escrita do registro reflexivo, um papel de destaque na formação
contínua de professores, pois propicia a articulação
entre o fazer pedagógico e a reflexão – o pensar sobre
a própria prática, possibilitando aos indivíduos
envolvidos no processo de ensino - aprendizagem o confronto com os problemas
reais do cotidiano, a conquista progressiva da autonomia, descoberta das
próprias potencialidades e a criação de articulações
entre teoria e prática passíveis de (trans) formação.
De acordo com Zabalza (1994, p. 95) “a linguagem escrita representa
um novo e poderoso instrumento de pensamento”. A escrita é
um momento em que se analisa e reflete sobre o próprio processo
de aprender, constituindo-se em metacognição. Para Gunstone
& Northfield (apud LEVY, 2004), a metacognição refere-se
à compreensão e controle da própria aprendizagem.
Trata-se de uma abordagem informada e auto-dirigida para reconhecer, avaliar
e decidir, reconstruir, ou não, idéias e crenças
já existentes. Os autores defendem que metacognição
e mudança conceitual são dois aspectos interligados. Defendem
ainda que escrever sobre alguma coisa provoca melhor aprendizagem daquilo
que se está escrevendo.
Respaldando-se nessas concepções, no segundo semestre de
2003, o grupo de professores dividiu-se por área e passou a se
dedicar, de forma sistemática, à documentação
do seu trabalho considerando o foco de investigação. Para
cada área, foi escolhido um orientador e como este precisaria ter
um tempo maior de estudo sobre o tema para dar suporte ao professor, cada
coordenador pedagógico – todos com vivência enquanto
professor na Instituição – assumiu esse papel. Além
disso, foram convidados especialistas – biólogo, historiador,
lingüista, matemático – ou seja, aquele com um conhecimento
mais específico sobre a área, para que, em encontros esporádicos,
pudessem analisar e discutir os escritos dos professores e apoiar na revisão
teórica dessas produções.
Como bem ressalta Warschauer (2001, p.198) uma prática reflexiva
envolve a participação do professor em discussões
acerca dos fins da educação e das questões o que
ensinar, a quem e por que, por isso, para um melhor encaminhamento das
análises do trabalho, as atividades de registro e reflexão
aconteciam em três fases. Na fase pré-ativa as aulas e atividades
eram pensadas e planejadas pelo professor e discutidas com o orientador/coordenador
pedagógico. Já em classe, na fase ativa, o professor registrava
suas intervenções e dos elementos importantes que destacava
na fala dos alunos, assim como recolhia as representações
dos mesmos sobre a atividade proposta (textos e desenhos), fazendo as
suas inferências sobre a situação vivenciada:
“(...) Para as tarefas em grupo/equipes, foi preciso
conversarmos muito sobre as atitudes para a realização de
um bom trabalho, ou seja, a convivência (combinados). Conflitos
aconteceram, outras equipes se entrosaram mais, organizando registros
coletivos muito interessantes. Contudo, trabalhar em grupo, também,
é um exercício de construção de procedimentos
e atitudes (...)”
“(...) Não me pareceu estar claro para as crianças,
e os desenhos retrataram muito bem, a TEMPORALIDADE x CAUSALIDADE. É
como se a escravização fosse fato contínuo numa sociedade
de negros e brancos. (...)”
(Caderno de registro da Profª Adriana Correia
3ª série – Área de investigação:
Ciências Sociais)
O uso de vídeos (em VHS) com as gravações
das aulas auxiliava também na discussão dos encaminhamentos
didáticos, principalmente quando o professor tinha de tomar atitudes
e rever estratégias diante dos dilemas vivenciados nesse momento.
Em um momento posterior a toda essa ação, fase pós-ativa,
o professor fazia individualmente, sua reflexão, levava suas impressões
e observações para a discussão com o orientador da
área/coordenador pedagógico e também as compartilhava
com o grupo de professores por meio de apresentação dos
registros e vídeos, colocando sua vivência para discussão
coletiva nos encontros de estudo - tematização da prática:
“(...) este foi um encontro de troca e as colegas
compartilharam conosco experiências importantes que puderam ser
olhadas por ângulos diversos, às vezes contemplando, discordando,
complementando e aprimorando aquilo que foi pensado.”
“No trabalho realizado por Sheila (algoritmo da adição)
muitas de suas angústias, foram, no decorrer da troca de experiências,
sendo nossas também. (...) foi possível perceber o quanto
tínhamos dúvidas em relação ao processo de
metacognição (...)”
(Trecho do caderno de registro do Grupo de Formação Docente,
relatando a apresentação de uma situação da
prática por uma das professoras)
Essa possibilidade de socializar e discutir as experiências
na troca com seus pares, é um aspecto fundamental no processo de
formação dos professores, pois, como cita Regina Scarpa:
Através da tematização de situações
práticas os professores desenvolvem o pensamento prático
– reflexivo e produzem conhecimento pedagógico; quando investigam,
vêem as coisas sob diferentes prismas, problematizam, levantam hipóteses,
identificam e nomeiam dificuldades para buscar alternativas de ação,
elaboram propostas de intervenção didática, refletem
e discutem a adequação das mesmas. (SCARPA, 1998, p.7)
Vale ressaltar que sentimentos como, receio de encarar
limitações, dúvidas e erros ou sensação
de perda de controle sobre uma situação, foram percebidos
ou manifestados em alguns momentos, mas no decorrer do trabalho, essas
dificuldades foram superadas à medida que se tomava consciência
de que estas eram manifestações normais dentro do processo.
Com esse trabalho, entender a lógica subjacente a uma pergunta
ou resposta do aluno passou a ser ainda mais importante, constituindo-se
numa atividade investigativa, altamente formativa para todos:
“Nada melhor do que partir de como eles pensam para
avançar sobre o objetivo que, naquele momento, era a representação
escrita do real e dos centavos, além da composição
desses valores e do uso da estimativa para ajudar no cálculo. Na
representação de R$0,50 uma criança escreveu R$50,00
e outra R$0,50. Ao questionar a primeira criança, percebi que ela
não sabia por que o fez daquela forma (...) resolvi selecionar
algumas estratégias, para análise e discussão (...)"
(Caderno de registro da Profª Paula Lima
1ª série – Área de investigação:
Matemática)
De acordo com Schön (1992, p. 78) um professor reflexivo
deve permitir-se ser surpreendido pelo que o aluno faz, para que possa
refletir sobre esse fato, ou seja, pensar sobre aquilo que o aluno disse
ou fez e, simultaneamente, procurar compreender a razão por que
foi compreendido. Ainda nesse processo, precisa reformular o problema
suscitado pela situação e efetuar uma experiência
para testar a sua nova tarefa e a hipótese que formulou.
A proposta de formação continuada de professores, no interior
da escola, não deve ser dirigida apenas ao conhecimento de teorias,
métodos e práticas pedagógicas, mas deve levar o
educador ao auto-conhecimento e produzir relações reflexivas,
pois a ação humana de atribuir sentido ao vivido, se dá
por meio de um processo narrativo, através do qual cada um se constitui
enquanto sujeitos de possibilidades e de conhecimentos. A reflexão
é hoje um dos conceitos mais utilizados por investigadores, formadores
de professores e educadores em geral, para se referirem às novas
tendências da formação de professores. Contudo, Donald
Schön, em seu texto "Formar professores como profissionais reflexivos",
ressalta que a via possível para que os professores aprimorem a
sua prática e desenvolvam a capacidade reflexiva, está em
utilizarem no contexto da sala de aula, os conhecimentos pedagógicos
construídos nos encontros de formação que ocorrem
no interior deste mesmo espaço: a escola (SCHÖN, 1992, p.
78).
Como possibilidade de proporcionar um maior conhecimento sobre a própria
escrita e a partir daí poder atribuí-la uma maior qualidade,
no ano de 2004, os professores tiveram aulas de redação
com um professor especialista, para se apropriarem dos procedimentos que
envolviam uma produção textual, tendo como foco a narrativa,
com intuito de favorecer a ampliação da competência
escritora – nos registros, relatos, etc. A principal motivação
para a produção nestes encontros foi a proposta de socializar
as experiências, vivências e saberes produzidos, por meio
da produção de artigos, com a finalidade de organizar um
livro que retratasse o que, de fato, significou toda essa caminhada do
projeto de formação na vida de cada um, durante esses anos.
Este foi um ano de trabalho intenso. Registrando, escrevendo, revisando,
reescrevendo e levando em consideração, que acima de tudo,
fundamental nesse processo é que o professor precisa escrever sobre
o seu trabalho, tornar públicos suas experiências e saberes.
Os artigos produzidos, sob forma de relatos de experiências, trazem
a trajetória do professor, suas propostas, ações
e reflexões na área de conhecimento que optou por trabalhar,
investigando e analisando a contribuição das didáticas
específicas para o processo de aprendizagem dos seus alunos.
A percepção dos limites e possibilidades da ação
docente, também vão se constituindo internamente e é
possível perceber isso por meio dos textos, nos quais encontramos
as marcas do que significou esse processo, para cada uma:
“Ao concluir este estudo (...) compreendo como o
ato de educar está muito além de informar as crianças
sobre um tema ou questão. A educação se constrói
na mudança de idéia e de postura. Nossas crianças
tiveram diversos momentos de dúvidas e incertezas e elas não
foram todas sanadas na escola. Na área de Ciências Naturais
perguntar e ter dúvidas, é fundamental para a construção
de um ser inventivo, criativo e cidadão (...) o trabalho com as
representações e experimentações (...) em
Ciências Naturais favorece um repensar para a criança, mas
também para o professor que consegue acompanhar a trajetória
do pensamento de seus alunos e dar-lhes assistência na aproximação
desses conceitos, bem como perceber-se como mediador dessa ação,
fugindo do papel do detentor do saber. Ensinar é mais que informar,
é possibilitar um novo pensar!”
(trecho do artigo Experimentos e representações das crianças
em Ciências Naturais
Profª. Neyla Reis – 3ªsérie – Área
de investigação: Ciências Naturais)
Entender a lógica subjacente às perguntas
e respostas dos alunos é o caminho para possibilitar a aprendizagem,
por isso, a descoberta de que são os dilemas e desafios vivenciados
no cotidiano da sala de aula e nas relações estabelecidas
com as crianças, que transformam o ato de ensinar em algo instigante:
“Surpreendentemente, desde a etapa inicial, o grupo
deu respostas significativas em relação à leitura.
Crianças que já liam convencionalmente começaram
a produzir divulgações dos livros que liam em casa e as
que ainda não liam demonstraram um grande interesse, recorrendo
aos livros da sala de aula e da biblioteca da escola pelo simples prazer
de ler, sem preocupar-se em fazê-lo de forma convencional. (...)
Fica a certeza de que um bom trabalho é aquele em que os resultados
se eternizam: fazer de cada aprendizagem um momento único de prazer
e de paixão, ajudar na transformação do conhecimento,
vendo cada avanço, cada conquista das crianças, vendo-as
crescer, amadurecer, florescer. Essa é a maior recompensa que um
professor pode esperar.”
(Trecho do artigo Leitura: entre a descoberta e o fascínio
Profª Raphaela Dany – G6 – Área de investigação:
Língua Portuguesa)
Cada professora, na medida em que foi se percebendo como
conhecedora de novos saberes começou a se sentir mais segura em
suas ações. E essa satisfação em saber que
sabe mais, que está diferente, que pode trabalhar melhor e gostar
do que está fazendo, é uma das características do
professor reflexivo e implicam na “ponderação cuidadosa
das conseqüências de uma determinada ação”
(ZEICHNER, 1993, p. 19). Segundo este autor, “o professor reflexivo
avalia o seu ensino por meio da pergunta ‘Gosto dos resultados’?
E não simplesmente ‘Atingi meus objetivos? ’”
(ZEICHNER, 1993, p. 19).
Considerações Finais
Zeichner (1993, p.17) diz que, “reconhecendo a riqueza
da experiência que reside na prática, o processo de compreensão
e de melhoria do ensino deve começar pela reflexão sobre
a própria experiência”, escrever, isto é, por
no papel os fatos e, frente a eles, as reflexões e dilemas, não
é tarefa fácil. Contudo, foi possível perceber que
a escrita ajuda a organizar as idéias, o pensamento e a produzir
estranhamento e distanciamento do que foi realizado, promovendo novas
reflexões e compreensões sobre a prática vivida.
A prática com a experiência de escrita não foi tão
simples assim, muito pelo contrário, evidenciou quantas dificuldades
estão no entorno da vida de cada um, seja de falar e/ou escrever
sobre o vivido. Certamente, fruto do percurso de formação
pessoal, visto que a própria trajetória cultural da escola
é bloqueadora desta habilidade. Além disso, a construção
da idéia, durante anos, de que o saber cotidiano distanciava-se
do conhecimento científico, também acaba por ser responsável
pela não exploração desta histórica forma
de construir informações, nos processos de escrita pessoal.
De acordo com Larrosa (1995, p.35) “a teoria é um gênero
de pensamento e de escrita que pretende questionar e reorientar as formas
dominantes de pensar e de escrever em um campo determinado”.
Neste trabalho, o importante foi a preocupação em favorecer
um clima receptivo e de confiança para que cada professor passasse
da maneira tímida e temerosa de registrar, a compartilhar sua prática
com outras pessoas, no sentido de adquirir confiança em sua capacidade,
passando a sentir cada vez mais, a capacidade de produzir conhecimentos.
Ressalta-se que o empreendimento desse Projeto de Formação
Docente se constituiu na produção, por cada um dos professores,
de um artigo, sistematizando os estudos desenvolvidos nas áreas
de investigação e que estão em fase de revisão
técnica. Para a consolidação desse produto, foi necessário
o desenvolvimento contínuo de registros escritos, pois estes ajudaram
na sistematização do pensamento e se constituíram
em meio para a reflexão sobre a própria ação,
estabelecendo conexão entre a teoria e a prática.
Os resultados obtidos são evidências de que a pesquisa ou
o trabalho coletivo é uma estratégia poderosa de desenvolvimento
profissional e de mudança do ensino nas escolas. Um aspecto interessante
do trabalho realizado pelo grupo foi a valorização às
produções, assim como o reconhecimento da capacidade de
produzir saberes profissionais importantes para o trabalho docente e,
sobretudo, participar do debate público sobre as inovações
curriculares. As produções mostram que é possível
o professor constituir-se também em pesquisador e escritor.
São muito importantes as estratégias de formação
de professores respaldadas neste posicionamento teórico-prático,
as quais intensificam um modo de fomentar junto aos professores, percepções
formativas, re-orientadoras da ação e que fazem emergir
procedimentos de registro. Sabe-se que ao recorrer à escrita de
impressões, intuições ou observações
e a sua discussão, há um impulso para produzirem renovados
e inesperados olhares, que permitem estranhá-las, ou resgatá-las
em seus acertos.
A realização desta atividade teve efeito significativo,
dentre os professores, que não apenas compuseram expressivos textos,
mas também manifestavam um intenso comprometimento profissional
motivado pela experiência de resgate de suas vivências docentes.
O processo de investigação e escrita do professor aumentou
a qualidade de suas reflexões e representou um modo fecundo deste
produzir, sistematizar e divulgar saberes práticos, constituindo-se,
assim, em sujeito de conhecimentos, com autonomia para promover seu próprio
desenvolvimento profissional e as inovações curriculares
na escola.
Ao produzirem os artigos, que estarão compondo o livro “Construindo
e Compartilhando Conhecimentos” os professores produziram, também,
um distanciamento, que não somente valorizou acertos de suas ações,
mas trouxe, especialmente, uma possibilidade de se auto-avaliar, avaliar
o trabalho desenvolvido e atribuir sentido e significado à sua
prática.
A contribuição principal desse trabalho foi abrir um espaço
de reflexão e permitir a compreensão por todos os envolvidos
no processo de que, só haverá uma mudança de postura
da ação e do conhecimento que a sustenta se houver inquietação,
questionamento, indagação e para isso o educador precisa
ir a busca da teoria para investigar a prática e vice-versa. É
preciso refletir sobre o significado e a importância de se construir
uma postura investigativa e de dialogar com os saberes construídos
no cotidiano das práticas pedagógicas, por isso, é
preciso atribuir valor ao registro como fonte para essa reflexão.
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