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MOBILIZAÇÃO
DE SABERES PARA A REALIZAÇÃO DE ESTÁGIO CURRICULAR
NA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES
Lisandra Almeida Lisovski – lisandra@uri.com.br
- Universidade Federal de Santa Maria
Mary Ângela Amorin - Universidade Federal de Santa Maria –
UFSM
Eduardo A. Terrazzan - Universidade Federal de Santa Maria – UFSM
INTRODUÇÃO
Este trabalho faz parte de um projeto de dissertação
que estuda as formas de desenvolvimento do estágio pré-profissional
no Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM) e da Universidade Regional Integrada do
Alto Uruguai e das Missões – URI Campus de Erechim. A pesquisa
objetiva compreender os condicionantes existentes no processo de desenvolvimento
do estágio pré-profissional nos cursos de Licenciatura em
Ciências Biológicas destas Universidades, bem como as contribuições
do estágio pré-profissional na formação inicial
do professor de Ciências Naturais e Biologia.
Convém ressaltar que esta pesquisa de mestrado é um recorte
de uma pesquisa mais ampla denominada “Condicionantes para a tutoria
escolar no estágio curricular supervisionado: articulando formação
inicial e formação continuada de professores”, coordenado
pelo Pof. Dr. Eduardo Terrazzan.
O que nos levou a desenvolver esta investigação são
às inúmeras discussões no cenário nacional
que ocorrem nos encontros, seminários, congressos, e/ou nos departamentos
dos cursos de licenciatura, com relação a formação
inicial de professores. Estas discussões foram intensificadas com
a promulgação da Resolução CNE/CP 2/2002,
que define a duração e a carga horária dos cursos
de licenciatura em no mínimo 2.800 horas. Destas, 400 devem ser
destinadas à prática como componente curricular, vivenciada
ao longo do curso e 400 destinadas à realização do
estágio curricular supervisionado, a partir do início da
segunda metade do curso, que em nosso trabalho será tratado como
estágio pré-profissional.
Como podemos perceber, as orientações do Conselho Nacional
de Educação (CNE) são recentes e com isso muitas
universidades estão reestruturando o currículo dos cursos
de licenciatura. Por este motivo, percebemos a necessidade de estudos
mais específicos em torno desta problemática, que busquem
compreender melhor a contribuição do estágio pré-profissional
para a formação do futuro educador.
Um dos instrumentos de pesquisa utilizado para o levantamento de informações
foi o questionário. Elaboramos e aplicamos 4 questionários
diferentes destes, dois foram aplicados os alunos estagiários do
Curso de Ciências Biológicas da UFSM e da URI –Campus
de Erechim (um antes da realização do estágio pré-profissional
e o outro ao término do mesmo), um aplicado aos professores orientadores
de estágio destas Universidades e o outro aos professores regentes
de turma.
Estes questionários tinham por objetivo realizar o levantamento
das concepções dos sujeitos referente ao estágio
curricular, bem como os principais dilemas/dificuldades encontradas pelos
alunos estagiários durante o desenvolvimento do estágio
pré-profissional. Dente as questões contidas no questionário
aplicado aos professores que compõem as Equipe Diretiva das Escolas
Estaduais de Educação Básica e aos Professores Regente
de turma, destacamos a que diz respeito aos “saberes” e aos
“saberes-fazer” que os alunos estagiários precisam
mobilizar para iniciar o seu estágio.
Portanto, este artigo busca identificar quais são os “saberes”
e aos “saberes-fazer” indicados pelos professores das escolas
como necessários para os alunos iniciarem seu estágio pré-profissional
e confrontar com as tipologias de saberes apresentadas por Gauthier. Dentre
muitos autores que pesquisam sobre os saberes docentes, nos basearemos
em Gauthier porque ele não somente apresenta um repertório
de saberes, mas tenta situá-los no âmbito de uma problemática
teórica mais geral. Baseia-se em sínteses de pesquisas empíricas
e de reflexões filosóficas sobre o ensino.
ESTÁGIO CURRICULAR: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
No Brasil, as discussões sobre o estágio
curricular surgiram no início da década de 60, com a promulgação
do Parecer CFE 292/62 que define pela primeira vez a prática de
ensino como componente do mínimo curricular, na forma de estágio
supervisionado a ser realizado nas escolas de 1º e 2º Graus.
Nesta época, o estágio era desenvolvido normalmente no último
ano ou semestre dos cursos de licenciatura.
O currículo dos cursos de licenciatura eram constituídos
em sua maioria por disciplinas teóricas com um número expressivo
de horas/aula (como por exemplo, língua portuguesa, matemática,
biologia geral, genética, ecologia, entre outras), enquanto que
era atribuída menor importância para as disciplinas ditas
pedagógicas, o que se refletia em sua menor carga horária.
Dessa forma, podemos perceber que o estágio era considerado apenas
como sendo a parte prática do curso. Durante o desenvolvimento
do estágio, o aluno deveria ser capaz de reproduzir aulas “modelos”,
na qual colocava em prática os conteúdos aprendidos durante
o curso de graduação.
A partir desta Lei as escolas da comunidade tornaram-se oficialmente o
espaço para a realização do estágio, devendo,
portanto, oferecer condições para que o futuro professor
pudesse trazer para discussão a sua própria experiência.
Posteriormente, surgiram outras normativas que buscaram discutir a formação
inicial de professores e o estágio curricular.
Com o passar dos anos, a concepção de estágio curricular
foi sendo discutida e modificada. Na década de 80, o Decreto n°
87.497/82 pode ser considerado uma primeira tentativa de organizar melhor
o estágio curricular. O artigo 2° deste Decreto considera o
estágio como uma as atividades de aprendizagem social, profissional
e cultural, proporcionadas ao estudante pela participação
em situações reais de vida e trabalho de seu meio, sendo
realizada na comunidade em geral ou junto as pessoas jurídicas
de direito público ou provado sob responsabilidade e coordenação
da instituição de ensino.
No final da década de 80, a publicação do Parecer
CFE 630, de 04 de agosto de 1987, reforça o Decreto 87.497/82,
deixando claro que o estágio curricular é um procedimento
didático-pedagógico, de responsabilidade e competência
das instituições de ensino, a quem cabem as decisões
sobre a matéria e a obrigatoriedade pela supervisão de sua
execução, as quais deverão traçar objetivos,
procedimentos de organização, acompanhamento e avaliação
do estágio.
Nos anos 90, a formação de professores voltou a ter destaque
nas discussões nacionais. Os debates se intensificaram após
a promulgação da nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB), Lei
nº 9.394/96. Um dos problemas evidenciados na maioria dos cursos
de licenciatura era a dicotomia existente entre a teoria e a prática,
pois a primeira supervaloriza os conhecimentos teóricos e acadêmicos,
desprezando as práticas como importante fonte de conteúdos
da formação. Já a segunda, supervaloriza o fazer
pedagógico, desprezando as dimensões teóricas dos
conhecimentos, ficando apenas a cargo dos estágios o momento de
unir e colocar esses conhecimentos em prática.
Na tentativa de reverter este problema, o Parecer CNE/CP 09/2001 afirma
que o estágio não pode ser algo fechado em si mesmo e desarticulado
do restante do curso. Isso porque não é possível
deixar ao futuro professor a tarefa de integrar e transpor o conhecimento
sobre ensino e aprendizagem. Dessa forma, estabelece que os estágios
devem ser realizados em escolas de educação básica
e devem ser vivenciados ao longo de todo o curso de formação
e com tempo suficiente para abordar as diferentes dimensões da
atuação profissional. Posteriormente a promulgação
da Resolução do CNE 01/2002, co-responsabiliza as Escolas
de Educação Básica na formação inicial
dos futuros professores e a Resolução CNE 02/2002 regulamenta
a duração e a carga horária dos cursos de licenciatura.
Neste instante, nos propomos a analisar estas duas resoluções
de forma detalhada, pois são elas que atualmente regulamentam a
realização dos estágios supervisionados dos cursos
de licenciatura. Sendo assim, merece destaque o artigo 12, pois ele enfatiza
que:
“Art. 12. Os cursos de formação de
professores em nível superior terão a sua duração
definida pelo Conselho Pleno, em parecer e resolução específica
sobre sua carga horária.
§ 1º A prática, na matriz curricular, não poderá
ficar reduzida a um espaço isolado, que a restrinja ao estágio,
desarticulado do restante do curso.
§ 2º A prática deverá estar presente desde o início
do curso e permear toda a formação do professor.
§ 3º No interior das áreas ou das disciplinas que constituírem
os componentes curriculares de formação, e não apenas
nas disciplinas pedagógicas, todas terão a sua dimensão
prática.” (Resolução CNE/CP 1, de 18/02/2002,
grifo nosso).
O primeiro e o segundo parágrafo, a resolução
explicita que a prática na matriz curricular dos cursos de licenciatura
não poderá ficar reduzida a um espaço isolado, ou
seja, ela deve ocorrer durante todo o processo de formação
docente, abrangendo o curso do início ao fim e não constituir
apenas uma das últimas disciplinas a serem oferecidas pelos cursos,
que dever ser realizado sob pena de não receber o diploma de conclusão
do mesmo.
O terceiro parágrafo deixa clara a importância que todas
as disciplinas da matriz curricular possuírem uma dimensão
prática, ou seja, esta não deve ficar a cargo de disciplinas
específicas, como por exemplo, a didática, a metodologia
do ensino, estrutura e funcionamento da escola, entre outras. Com isso,
quer se evitar que o estágio seja uma disciplina, em que o aluno-estagiário
tenha que articular a teoria e a prática apreendida durante o seu
curso de graduação.
O artigo 13 deste mesmo Parecer enfatiza novamente a dimensão prática,
sendo esta, muito mais ampla do que a empregada no estágio. Neste
artigo a dimensão prática tem caráter interdisciplinar,
ou seja, as disciplinas da matriz curricular precisam estar articuladas
e se complementarem ao longo da duração do curso, para que
o aluno possa compreender o ambiente em que ele se encontra, bem como
as transformações que o rodeiam, possibilitando resolver
os problemas de sua vida cotidiana, indo muito além da teoria.
O primeiro parágrafo deste artigo enfatiza que a prática
deve ser desenvolvida nos procedimentos de observação e
reflexão, com isso, podemos perceber que a prática não
é entendida apenas como uma atividade pontual, mas sim, dentro
de um contexto no qual o aluno está inserido.
E por último, o terceiro parágrafo define que o estágio
supervisionado dever ser realizado em Escolas de Educação
Básica desde o início da segunda metade do curso, o que
normalmente, inicia por volta do 4º ou 5º semestre. Isso significa,
que novamente a legislação reforça novamente que
as Escolas de Educação Básica constituem-se como
campo oficial de atuação dos futuros professores. Outra
determinação importante é que tanto as Instituições
de Ensino Superior, quanto as Escolas de Educação Básica
são responsáveis pelo acompanhamento, orientação
e avaliação do estagiário.
Neste contexto, consideramos fundamental que as escolas estejam cientes
de sua tarefa enquanto instituição formadora e precisa,
acima de tudo, sentir-se como co-responsável neste processo, não
sendo apenas uma instituição que recebe e acolhe estagiários
por uma determinação legal.
“Art. 13. Em tempo e espaço curricular específico,
a coordenação da dimensão prática transcenderá
o estágio e terá como finalidade promover a articulação
das diferentes práticas, numa perspectiva interdisciplinar.
§ 1º A prática será desenvolvida com ênfase
nos procedimentos de observação e reflexão, visando
à atuação em situações contextualizadas,
com o registro dessas observações realizadas e a resolução
de situações-problema.
§ 3º O estágio curricular supervisionado, definido por
lei, a ser realizado em escola de educação básica,
e respeitado o regime de colaboração entre os sistemas de
ensino, deve ser desenvolvido a partir do início da segunda metade
do curso e ser avaliado conjuntamente pela escola formadora e a escola
campo de estágio” (Ibidem, grifo nosso)
Apesar destes dois últimos artigos abordarem muito
sobre “prática”, e enfatizarem a importância
desta no processo de formação inicial do futuro professor,
eles não prestam maiores esclarecimentos, por exemplo, não
apontam formas de como deveria se dar a articulação entre
as diferentes práticas oriundas de diversas disciplinas, ou como
deveria se dar o processo de acompanhamento e avaliação
do estagiário por parte das Escolas de Educação Básica,
entre outras determinações que dão margem a inúmeras
formas de interpretação.
Já a Resolução CNE/CP 2/2002 regulamentou a duração
e a carga horária dos cursos de licenciatura, de graduação
plena, de formação de professores da Educação
Básica em nível superior. Desta Resolução,
colocamos em evidência os dois primeiros artigos:
“Art. 1º A carga horária dos cursos
de Formação de Professores da Educação Básica,
em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação
plena, será efetivada mediante a integralização de,
no mínimo, 2800 (duas mil e oitocentas) horas, nas quais a articulação
teoria-prática garanta, nos termos dos seus projetos pedagógicos,
as seguintes dimensões dos componentes comuns:
I - 400 (quatrocentas) horas de prática como componente curricular,
vivenciadas ao longo do curso;
II - 400 (quatrocentas) horas de estágio curricular supervisionado
a partir do início da segunda metade do curso;
III - 1800 (mil e oitocentas) horas de aulas para os conteúdos
curriculares de natureza científico-cultural;
IV - 200 (duzentas) horas para outras formas de atividades acadêmico-científico-culturais.
Parágrafo único. Os alunos que exerçam atividade
docente regular na educação básica poderão
ter redução da carga horária do estágio curricular
supervisionado até o máximo de 200 (duzentas) horas.
Art. 2° A duração da carga horária prevista no
Art. 1º desta Resolução, obedecidos os 200 (duzentos)
dias letivos/ano dispostos na LDB, será integralizada em, no mínimo,
3 (três) anos letivos.” (Resolução CNE/CP 2/2002).
Através desta resolução, o CNE estabelece
a duração mínima dos cursos de formação
de professores, assim como, as diretrizes mínimas para organização
da matriz curricular destes cursos a nível nacional.
As determinações e recomendações destas legislações
são ma maioria das vezes confusas, dão margem a várias
interpretações, que podem representar avanços ou
retrocessos. Acreditamos que elas poderiam mais esclarecedores, dar maiores
indicações de como as Instituições de Ensino
poderiam se adequar e implementar as normas estabelecidas, sem ao mesmo
tempo causar um “engessamento” do estágio curricular,
mas pelo contrário, proporcionar maior abertura para a realização
de práticas contextualizadas com a realidade no qual os cursos
de formação de professores, as Universidades, as Escolas
de Educação Básica e os alunos estagiários
estão inseridos.
A partir da nova LDB e das Resoluções citadas anteriormente,
as Universidades que pretendem dar continuidade aos seus Cursos de Licenciatura
precisam observar as diversas recomendações contidas nestes
documentos. Com estes cuidados, os estágios deixarão de
ser disciplinas a serem cumpridas nos últimos semestres dos cursos
de formação de professores, e passarão a estar articulados
com as demais disciplinas que compõem a grade curricular dos mesmos,
ao longo do processo de formação docente. Além disso,
o estágio não ficaria sob a responsabilidade de apenas um
único professor, mas envolveria essencialmente a atuação
coletiva da maioria dos educadores.
Embora todas estas discussões sobre “novas” formas
de pensar e realizar o estágio curricular, percebemos que ainda
os cursos de formação de professores desenvolvem um currículo
formal constituído por atividades e estágios distanciados
da realidade das escolas. Por esta razão, muitos pesquisadores
estão empenhados em ressignificar os processos formativos a partir
da reconsideração dos saberes necessários à
docência. E é sobre saberes docentes que vamos fazer algumas
considerações.
SABERES DOCENTES: ALGUMAS ABORDAGENS
Ao iniciar o curso de licenciatura os alunos trazem consigo
representações do que é “ser professor”.
Estes saberes foram adquiridos ao longo de sua escolaridade, carregando
consigo ideais de “bons” e “maus” professores,
além de percepções externas (desvalorização
profissional, baixa remuneração, entre outros) que possuem
da carreira docente. Dessa forma eles já “configuraram”
que modelo de profissional querem ser.
Com relação ao ofício de professor e a profissionalidade
docente muitas discussões e pesquisas estão sendo realizadas
buscando o estabelecimento de um conjunto de saberes, habilidades, competências,
normas e valores que ganharam espaços nas pesquisas em educação.
A este respeito, muitos pesquisadores dedicam-se aos estudos sobres saberes
docentes. Para basear nossos estudos neste artigo levaremos em consideração
as pesquisas realizadas por Gauthier (1998).
Gauthier (1998), afirma que uma das condições essenciais
a toda profissão é a formalização dos saberes
necessários à execução de tarefas que lhes
são próprias (p. 20). Compartilhando desta mesma idéias,
acreditamos que desde a formação inicial do futuro professor
estes saberes devem ser construídos, possibilitando a sua mobilização
quando necessária.
Para ser professor não basta apenas conhecer o conteúdo,
não basta apenas ter talento ou bom senso, não basta apenas
seguir a intuição ou ter experiência, e ainda, não
basta ter apenas ter cultura, pois caso contrário teremos apenas
um “ofício sem saberes” como afirma o autor. Ele nos
mostra que o ofício de ser professor deve ser constituído
de saberes. Dentre os saberes elencados como necessário para a
profissão encontram-se os saberes disciplinares; os saberes curriculares,
os saberes das ciências da educação; os saberes da
tradição pedagógica; os saberes da experiência
e os saberes da ação pedagogia que serão descritos
a seguir.
O saber disciplinar se refere aos saberes produzidos pelos pesquisadores
e cientistas nas diversas disciplinas científicas, ao conhecimento
por eles produzidos a respeito do mundo. Sendo assim, ensinar exige um
conhecimento do conteúdo a ser transmitido.
O saber curricular constitui-se de inúmeras transformações
pelo qual passa a disciplina até se tornar um programa de ensino.
Infelizmente, estes programas nem sempre são produzidos pelos professores
que desenvolvem o currículo. Normalmente ele é pensado por
especialistas, editoras, entre outras.
O saber das ciências da educação que são aqueles
conhecimentos profissionais adquiridos pelo docente durante o período
de formação ou de desenvolvimento de seu trabalho, que não
está diretamente relacionado com a ação pedagógica,
mas serve de pano de fundo.
O saber da tradição pedagógica pode ser referenciado
como o saber dar aula. Ele será adaptado ou não pelo saber
experiencial, e, principalmente, validado ou não pelo saber da
ação pedagógica.
O saber experiencial é formado principalmente de pressupostos e
de argumentos que não são verificados por meio de métodos
científicos. Esta experiência normalmente fica confinadas
ao segredo da sala de aula.
O saber da ação pedagógica é o saber experiencial
dos professores a partir do momento em que se torna público e que
é testado através de pesquisas realizadas em sala de aula.
Convém ressaltar que este saber legitimados pelas pesquisas são
atualmente o tipo de saber menos desenvolvido no reservatório de
saberes do professor, porém, considerado o mais necessário
à profissionalização do ensino.
Estes saberes devem ser construídos e mobilizados durante o processo
de formação inicial do futuro professor. Uma forma de mobilizar
estes saberes é através do desenvolvimento do estágio
pré-profissional ao longo do curso de licenciatura. Pimenta em
seus estudos salienta que
um curso de formação inicial poderá
contribuir não apenas colocando a disposição dos
alunos as pesquisas sobre a atividade docente escolar (configurando a
pesquisa como princípio cognitivo de compreensão da realidade),
mas procurando desenvolver com eles pesquisas da realidade escolar com
o objetivo de instrumentalizá-los para a atitude de pesquisar suas
atividades docentes. Ou seja, trabalhando a pesquisa como princípio
formativo da docência. (PIMENTA, 2002. p. 28).
Dessa forma é essencial antecipar o contato dos
alunos com as escolas campo de estágio, para que o estagiário
possa conhecer a realidade escolar, o sistema de ensino da escola, seu
projeto político-pedagógico, propor e desenvolver projetos
e observar como se dá o andamento dos trabalhos dentro da escola
(sua rotina), realizando um olhar não mais como aluno, mas sim
como de futuros professores, pois o futuro profissional não pode
constituir seu saber-fazer senão a partir de seu próprio
fazer. Ou seja, é na prática que nos constituímos
como docentes.
Durante o curso de licenciatura podemos construir, dominar e até
mesmo mobilizar os saberes disciplinares, os saberes curriculares, os
saberes das ciências da educação e os saberes da tradição
pedagógica, mas os saberes da experiência e os saberes da
ação pedagogia somente se construirão no cotidiano
de seu trabalho, fundamentando assim a ação docente.
METODOLOGIA UTILIZADA
Neste artigo, trabalhamos com as informações
coletadas através de 2 questionários elaborados e aplicados
aos Professores Regentes de turma de biologia e ciências naturais,
que costumam receber estagiários, bem como aos membros das Equipes
Diretivas das Escolas Estaduais de Educação Básica
de Erechim (diretores, vice-diretores e coordenação pedagógica).
A princípio nossa intenção era trabalhar também
com os professores das Escolas Estaduais de Educação Básica
de Santa Maria, mas até o momento não conseguimos aplicar
os questionários para os mesmos.
Sendo assim, os questionário foram aplicados à 11 professores
de ciências naturais e biologia e a 24 professores que compõem
a equipe diretiva de 6 Escolas Estaduais de Ensino Médio de Erechim
que recebem estagiários do Curso de Licenciatura em Ciências
Biológicas da URI – Campus de Erechim. Até o momento
foram recolhidos e tabulados 5 questionários aplicados aos professores
de ciências naturais e biologia, regente de turma e 9 aplicados
aos professores que compõem a equipe diretiva das Escolas, conforme
mostra o quadro a seguir. A coleta de informações continua
em andamento, pois ainda estamos recebendo questionários.
Quadro 1 – Sujeitos investigados e número de questionários
Sujeitos
investigados |
Nº questionários
entregues |
Nº de questionários
recolhidos |
Equipe Diretiva |
24 |
9 |
Professores regentes |
11 |
5 |
TOTAL |
35 |
14 |
Os questionários
são compostos por 10 questões cada, mas para este trabalho
foi analisada apenas a questão número 2, referente aos saberes
e aos saberes-fazer que devem ser mobilizados pelos alunos aos iniciar
seu estágio pré-profissional. A questão utilizada
para a realização deste trabalho é a seguinte:
Em sua opinião,
para que o estágio curricular alcance seus objetivos o que o aluno
estagiário, ao iniciá-lo deveria:
a) saber?
b) saber-fazer?
Para a organização
das informações obtidas com os questionários elaboramos
uma tabela, na qual foram registradas todas as respostas dadas, segundo
os procedimentos a seguir:
1. Digitação
da identificação dos sujeitos questionados (através
de uma seqüência alfabética e numérica, respeitando
as letras iniciais correspondente a função exercida na escola,
a saber: Diretor - D, Vice-diretor - VD, Coordenador Pedagógico
- CP e Professor Regente PR), na primeira coluna;
2. Leitura
das respostas para extrair a(s) idéia(s) central(is) expressa(s)
na resposta;
3. Identificação
e redação, da(s) idéia(s) central(is) expressa(s)
na resposta;
O quadro a seguir mostra a organização das informações:
Quadro 2
– Organização da informações e respostas
obtidas na questão.
Cod |
Em sua opinião, para que o estágio curricular alcance seus objetivos
o que o aluno estagiário, ao iniciá-lo deveria:
a) saber?
b) saber-fazer? |
Idéia (s) Central(is) |
CP1 |
a) estar preparado para
enfrentar todos os tipos de alunos.
b) - |
a) enfrentar todos os tipos
de alunos.
b) não respondeu |
PR1 |
a) o conteúdo
b) novas estratégias de
passar o conteúdo |
a) domínio do conteúdo
b) metodologias de trabalho |
VD1 |
a) ter confiança no conteúdo
que vai desenvolvê-lo, ou melhor, segurança para, ao ser questionado,
responder claramente.
b) um bom planejamento. |
a) metodologias de trabalho
b) planejamento |
VD2 |
a) ter definido o que quer
b) atividades de sala de
aula com domínio de conteúdo e segurança. |
a) planejamento
b) domínio do conteúdo e
segurança para ensinar
|
PR2 |
a) -
b) - |
a) não respondeu
b) não respondeu |
PR3 |
a) Dominar os conteúdos
e ter domínio de classe; saber dialogar com os alunos.
b) projetos; aulas práticas |
a) Domínio do conteúdo e
domínio de classe
b) metodologias de trabalho |
CP2 |
a) ter embasamento teórico
necessário conhecer o conteúdo.
b) dominar o conteúdo, prever
questionamentos, segurança, adaptação. |
a) domínio do conteúdo
b) domínio do conteúdo e
segurança para ensinar |
PR4 |
a) -
b) - |
a) não respondeu
b) não respondeu |
PR5 |
a) O conteúdo e tec. p/
relacionar-se com alunos.
b) - |
a) domínio do conteúdo
b) não respondeu |
D1 |
a) conhecer a turma e dominar
os conteúdos.
b) trazer metodologias interessantes
e impor limites. |
a) domínio do conteúdo
b) metodologias de trabalho |
VD3 |
a) conhecimentos básicos
do seu conteúdo a ser trabalhado; conhecimento sobre a estrutura
e funcionamento da escola.
b) saber relacionar-se,
ser criativo na resolução de problemas em sala de aula; saber perguntar
quando necessário. |
a) domínio do conteúdo,
conhecer a estrutura e o funcionamento da escola
b) domínio de classe |
CP3 |
a) ter domínio de conteúdo
de sua disciplina, regras de funcionamento da escola e noções básicas
de psicologia para saber lidar com crianças e adolescentes.
b) ser dinâmico, criativo
e ter bom relacionamento com colegas professores e alunos. |
a) domínio do conteúdo,
conhecer a estrutura e o funcionamento da escola.
b) metodologias de trabalho |
VD4 |
a) -
b) - |
a) não respondeu
b) não respondeu |
CP4 |
a)didática e como é a dinâmica
de uma sala de aula.
b) ter domínio sobre a turma
(disciplina) e de conteúdo |
a) metodologias de trabalho
b) domínio do conteúdo e
domínio de classe
|
Cada bloco
da questão foi tabulado separadamente, de acordo com seu foco específico.
A partir da tabulação das informações, passamos
a procurar por categorias nas idéias centrais identificadas nas
respostas, agrupando as semelhantes.
Dessa forma, quando questionados sobre o que os alunos estagiários
deverias “saber” para iniciar seu estágio pré-profissional,
identificamos 6 categorias, a saber: 1 professor respondeu que o estagiário
deveria saber enfrentar todos os tipos de alunos; 7 indicaram que os estagiários
deveriam saber o conteúdo a ser ensinado; 2 mencionaram que eles
deveria saber diferentes metodologias de trabalho; 1 professor citou que
o estagiário deveria saber realizar o planejamento das aulas, para
assim definir as atividades e as forma de conduzir as aulas; 1 docente
que expôs que o estagiário deveria saber dominar a classe;
e por fim, 2 docentes disseram que os estagiários deveriam saber
a estrutura e o funcionamento da escola. Convém destacar, que dos
14 questionários tabulados 3 professores não responderam
sobre o que estagiário deveria “saber” ao iniciar seu
estágio pré-profissional.
Quando os sujeitos foram questionados sobre o que os alunos estagiários
deveriam “saber-fazer” ao iniciar seu estágio pré-profissional,
conseguimos elencar 5 categorias, dentre elas: 4 docentes citaram metodologias
de trabalho; 1 mencionou o planejamento; 3 responderam o domínio
do conteúdo; 2 citaram a segurança para ensinar; 2 responderam
domínio de classe. Destacamos que dos 14 questionários tabulados,
5 docentes não responderam a pergunta referente ao que os estagiários
deveriam “saber-fazer” ao iniciar seu estágio pré-profissional.
A análise dos dados obtidos nos possibilitou realizar um confronto
entre as categorias extraídas das respostas dadas pelos professores
e o repertório de saberes, que segundo Gauthier são necessários
para a profissionalização do professor.
Sendo assim, podemos dizer que quando os professores mencionaram que o
estagiário deveria ter domínio de conteúdo, ele deveria
segundo Gauthier (1998) possuir o saber disciplinar, ou seja, o futuro
professor deveria ser capaz de transmitir os conhecimentos disciplinares
produzidos pelos pesquisadores e cientistas a respeito do mundo.
Quando os docentes referem-se que o estagiário deveria executar
metodologias de trabalho diferenciadas, podemos relacionar com o saber
das ciências da educação mencionado por Gauthier (1998),
pois a partir deste saber o futuro professor definirá de que forma
eles irá organizar a transposição didática,
enquanto que o planejamento das aulas que serão desenvolvidas durante
a realização do estágio pré-profissional pode
estar relacionado com os saberes curriculares, pois ao planejar as aulas
o estagiário estará recortando de uma gama maior de conteúdos
os assuntos que seus alunos deverão aprender.
Já o domínio de classe, o conhecimento da estrutura e funcionamento
da escola, a segurança em transmitir o conteúdo e responder
as perguntas dos alunos, assim como a capacidade de enfrentar todos os
tipos de discentes citado como sendo um “saber” e um “saber-fazer”
fundamental a ser mobilizado pelo futuro professor ao iniciar seu estágio
pré-profissional está diretamente relacionado com o saber
da tradição pedagógica e o saber experiencial, pois
somente com o passar do tempo, em sua prática cotidiana o estagiário
vai adquirindo mais confiança de destreza perante seus alunos.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Em nosso
entendimento, a “falas” dos sujeitos questionados, sugerem
que os estagiários devam chegar às escolas, com saberes
iguais ou superiores aos seus, dado o grau de exigência feito quando
se referem as prática e aos saberes mobilizados por estes estagiários.
Cobram-lhes saberes que só poderão ser aprendidos no convívio
direto com o ambiente de trabalho. Como podemos observar nas falas a seguir:
“Dominar
os conteúdos e ter domínio de classe; saber dialogar com
os alunos”( PR3, Quest. Prof.)
“Estar
preparado para enfrentar todos os tipos de alunos”.( CP1, Quest,
Eq. Dir)
Percebemos
ainda uma valorização freqüente aos conteúdos
específicos da área, sinalizando o predomínio da
crença de que a formação inicial tem seu início,
meio e fim dentro das Universidades, sendo a escola um lugar onde o estagiário
apenas faz uma verificação daquilo que foi ou não
aprendido em sua licenciatura.
Através das respostas obtidas percebemos ainda, que existem muitas
falhas não só na compreensão do estágio pré-profissional
por parte dos professores das Escolas, mas também a organização
e orientação dos estágios por parte da Universidade.
As Instituições de Ensino Superior devem estimular e proporcionar
condições para que os estagiários possam estar mais
familiarizados com o espaço escolar em que vão atuar, para
que possam ainda estar mais envolvidos com atividades que ocorrem nas
escolas, extrapolando o simples dar aula, mas que ele possa participar,
por exemplo, de reuniões pedagógicas, conselhos de classe,
dias de formação, palestras, festas, gincanas, entre outras
atividades ocorrentes na escola.
Devemos lembrar que a função do estágio é
justamente inserir o futuro professor em sua profissão, sendo extremamente
normal ele não possuir o “domínio de turma”,
pois na maioria das vezes é a primeira vez que ele está
na condição de professor e está ministrando aulas.
Por este mesmo motivo também é normal eles não possuir
segurança ao transmitir seus conhecimentos e conduzir suas aulas.
Dessa forma nos questionamos, em como queremos que os estagiários
tenham experiência em sala de aula se na maioria das vezes é
a primeira vez que ele se encontra na figura de um professor. E, é
somente exercendo a profissão de professor que ele vai adquirindo
o saber experiencial e o saber da ação pedagógica
mencionados por Gauthier (1998).
REFERÊNCIAS
BRASIL: (1962).
Ministério da Educação. Parecer CFE 292, de 14 de
novembro de 1962. Brasília: Conselho Federal de Educação.
Documenta. nº 10 p. 95-101. dez.1962.
______: (1982). Ministério da Educação. Decreto nº
87.497 de 18 de Agosto de 1982. Disponível em: <http://www.unic.br/ciee/files/Decreto%2087497-82.pdf>
Acesso em: 16 out. 2004.
______: (1987). Ministério da Educação. Parecer 630,
de 04 de agosto de 1987. Brasília: Conselho Federal de Educação.
Documenta. nº 320. p. 221. ago.1987.
E stágio. Brasília, 1977.
______: (1996). Ministério da Educação. Lei nº
9,394, de 20 de Dezembro de 1996. Disponível em: <http:// www.mec.gov.br/legis/pdf/LDB.pdf>
Acesso em: 16 out. 2004.
______: (2001). Ministério da Educação. Parecer CNE/CP
nº 9/2001. Disponível em: <http:// www.mec.gov.br/cne/pdf/027.pdf>
Acesso em: 16 out. 2004.
______: (2002). Ministério da Educação. Resolução
CNE/CP nº 1, de 18 de fevereiro de 2002. Disponível em: <http://
www.mec.gov.br/cne/pdf/cp012002.pdf> Acesso em: 16 out. 2004.
______: (2002). Ministério da Educação. Resolução
CNE/CP nº 2, de 19 de fevereiro de 2002. Disponível em: <http://
www.mec.gov.br/cne/pdf/cp022002.pdf> Acesso em: 16 out. 2004.
GAUTHIER, Clermont: (1998). Por uma teoria da pedagogia: pesquisas contemporâneas
sobre o saber docente. Ijuí: Unijuí.
PIMENTA, Selma Garrido (org): (2002). Saberes pedagógicos e atividade
docente. 3. ed. São Paulo: Cortez.
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