Terciane Ângela Luchese - UCS- CARVI / UNISINOS?
“Estimadíssimo pai,
Campo dos Bugres, 16 de outubro de 1876.
Sinto-me feliz em poder-lhes comunicar que cheguei com saúde há
85 dias,
junto com minha família e estou de posse de minha colônia,
com a qual muito me alegro,
porque a posição é bela e a terra, muito fértil.”
(Miguel Madalozzo)
Ao pensarmos no fenômeno migratório no século
XIX, torna-se importante apontar as razões determinantes para a
saída dos italianos que aqui chegaram como imigrantes. Foram diversos
motivos - políticos, econômicos e sociais que determinaram
tal processo. As razões da partida tem a ver com as difíceis
condições de vida nos lugarejos onde viviam. Segundo Giron,
"o fenômeno migratório que caracteriza o final do século
XIX e o início do século XX, que vai deslocar apreciável
contingente humano da Europa para a América, não é
um fato isolado. (...)" O emigrante foi a solução de
grandes problemas no Brasil, como na substituição da mão-de-obra
escrava pela livre, mas, também, foi a solução encontrada
para resolver a crise que vivia a Itália naquele momento.
A Itália, durante o século XIX, passou por um processo de
emigração de milhares de camponeses e artífices.
Entre as inúmeras razões apontadas pelos estudiosos para
a saída de grandes massas populacionais deste país para
emigrarem, encontram-se: a miséria e a fome; a falta de oportunidade
para a mão-de-obra em excesso devido ao sistema econômico
vigente. Este era caracterizado pela expansão do capitalismo e
início da industrialização; dificuldades de acesso
a terra - a maioria dos "contadini" eram empregados de grandes
proprietários; excesso de mão-de-obra não especializada
na zona urbana; às guerras e às transformações
políticas decorrentes da Unificação Italiana. Muitos
buscaram na emigração a solução para suas
dificuldades diárias e para a conquista de melhores condições
de sobrevivência.
A entrada de imigrantes no Brasil, durante o século XIX, está
relacionado com o processo de modificação e modernização
das estruturas sociais e econômicas vigentes no período e
a afirmação do capitalismo. Uma estrutura baseada no latifúndio,
na monocultura e na mão-de-obra escrava eram as heranças
de um longo período colonial, baseado na exploração
da colônia brasileira e no Pacto Colonial. Entretanto, transformações
mundiais e mesmo internas anunciavam novas necessidades. Entre elas, a
viabilidade de entrada de estrangeiros europeus e o fim da escravidão.
A vinda de imigrantes para a Província de São Pedro do Rio
Grande do Sul foi incentivada pelo governo imperial e provincial com o
objetivo de povoar as terras devolutas bem como motivar a produtividade
agrícola. Conforme Giron:
"Isolar os belicosos gaúchos da Campanha e
dos Campos de Cima da Serra, aumentar a produção agrícola,
ocupar as terras devolutas que o Império possuía na província,
parecem ter sido os objetivos do Governo Imperial. (...) Insere-se no
contexto maior da mudança da política de terras e da política
de mão-de-obra, que vinham sendo realizadas pelo Império
e que visavam adaptar o Brasil ao desenvolvimento do capitalismo europeu."
A entrada de imigrantes expressava interesses diversos
para a Província. Conforme Pesavento:
"(...) os interesses relacionados com o povoamento
e colonização de áreas ainda virgens e com a possibilidade
de que núcleos de pequenos proprietários agrícolas
pudessem vir a neutralizar, pelo seu peso, o poder da oligarquia regional.
(...) a perspectiva da diversificação da estrutura produtora,
contribuindo para o abastecimento interno do país e amenizando
o desnível da balança comercial causado pelo grande peso
das importações de alimentícios."
Com a progressiva diminuição da entrada
de alemães, passou-se a incentivar a imigração de
italianos que constituíram a maioria no final do século
XIX. Estes, receberam terras na encosta da serra e tiveram como único
auxílio o lote sendo vendido a crédito.
Em 1870, por Ato de 24 de maio, o Presidente da Província, João
Sertório criou as colônias Conde d'Eu e Dona Isabel numa
área de 32 léguas cedidas pelo Governo Imperial. Nesse mesmo
ano, no uso de sua autoridade o Presidente da Província determinava
ao Major Palmeiro a responsabilidade de discriminar e iniciar a medição
e demarcação de lotes nas colônias Dona Isabel e Conde
d'Eu. Em 1875, foi criada a colônia Fundos de Nova Palmira posteriormente
denominada Caxias. Nos anos seguintes, outros núcleos foram criados
pelo Governo Provincial.
Foi nestes contextos que estabeleceram-se, a partir de fins de 1875, milhares
de grupos de imigrantes ditos como italianos mas que não podem
ser considerados como um grupo étnico coeso já que a Unificação
política era recente e o sentimento de pertencimento nacional –
inexistente, ao menos até o momento da migração.
Em 1914 ano em que iniciou a Primeira Guerra Mundial, a imigração
italiana para o Rio Grande do Sul praticamente cessou – e foi a
partir deste período que se intensificam os discursos e práticas
de nacionalização preventiva – tendo sido a educação
escolar um dos focos principais para a construção da unidade
nacional.
Nacionalizar... Unificar a nação...
“[...]a unidade nacional [...]que mais que coações
de força,
une os povos e faz as nações:
o sentimento do passado, a possessão em comum de um rico legado
de tradições,
o desejo de viver juntos e a incessante vontade de manter
e continuar a fazer valer indivisa a herança recebida.”
(José Veríssimo)
A Proclamação da República, em 1889,
estabeleceu nova regulamentação constitucional, confirmando
uma república com princípios federativos, presidencialista
e representativa. O sentimento de pertencimento a uma nação
ainda não existia no Brasil no período mesmo que alguns
princípios da identidade nacional já existissem. Com Hobsbawn
, concordo que a perspectiva de entendimento de nação deve
ser considerado como artefato, como invenção ou como Anderson,
como comunidade imaginada. A busca da construção da nação
/ nacionalidade na Primeira República tornou-se tarefa dos intelectuais
– que preconizaram desde o princípio a importância
da escola (a exemplo de Rui Barbosa, José Veríssimo, Olavo
Bilac).
A Constituição Republicana de 1891 quase não mencionou
a questão educacional. Apenas no Artigo 35, inciso 3º. afirmava
ser atribuição do Congresso a ‘criação
de instituições de ensino superior e secundário nos
Estados’ portanto, o ensino primário ficava a encargo dos
Estados e mesmo a questão da gratuidade foi retirada. No Artigo
72 – Declaração dos Direitos, parágrafo 6º
afirmava que seria ‘leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos
públicos’.
No Rio Grande do Sul, a Constituição estadual de 1891, fortemente
pautada no ideário positivista , era centralizadora, autoritária
e dispunha no Título IV, sobre as Garantias Gerais de Ordem e Progresso
no Estado, consignando a liberdade: de associação, profissional,
religiosa, de pensamento e de ensino. Em seu artigo 71, parágrafo
10 afirmava a laicidade, a liberdade e a gratuidade para o ensino primário
ministrado em instituições do Estado.
Na perspectiva do positivismo e pelas políticas públicas
implementadas pelo Rio Grande do Sul ao longo da Velha República
a educação passa a ser vista como a “nova arma para
preparar e viabilizar a reestruturação da sociedade gaúcha”
. Em mensagem à Assembléia dos Representantes, bem expressava
Borges de Medeiros:
“A escola não deve ser apenas o primeiro
foco da educação espiritual. Desenvolvendo as faculdades
físicas e intelectuais do aluno, ela deve ao mesmo tempo ministrar
os conhecimentos rudimentares mais essenciais à aprendizagem de
qualquer profissão técnica ou profissional.” [grifos
meus].
Em 1908, não deixou de reiterar a idéia
que perpassava a política pública empreendida para o setor:
“O melhor de todos os bens é a instrução; aperfeiçoando
o indivíduo física, intelectual e moralmente, não
só o torna apto e disposto às lutas que vida impõe,
como coopera eficazmente para o engrandecimento da Pátria.”
São sucessivos os discursos veiculados que reforçam
a prerrogativa da educação como central para a política
de nacionalização e de instauração da unidade
nacional. Esses discursos, bem como medidas práticas em escolas
são adotadas especialmente após 1915 e repercutem as discussões
que já vinham sendo feitas, destacando-se em especial a questão
da unidade da língua.
Ao iniciar o tópico ‘Instrução Pública’
todos os presidentes (hoje, governadores) ressaltam, em seus relatórios
anuais, os investimentos que o Estado promovia neste serviço, considerado
de grande prioridade. Informavam que este era o serviço onde o
Estado despendia as maiores somas de seu orçamento: “nenhum
outro serviço tem igual dotação orçamentária,
que excede à quinta parte da receita total” afirmava em 1904,
Borges de Medeiros. Toda a República Velha é perpassada
pela perspectiva nacionalista / cívica. Enunciam-se em todos os
relatórios e ou mensagens:
Nos grupos escolares, nos Colégios Elementares e na Escola Complementar
cuida-se com esmero da educação cívica dos alunos
por meio de preleções, especialmente em dias de festa nacional.
Ainda agora a data comemorativa da Independência do Brasil foi com
grande entusiasmo festejada nesta Capital e em vários pontos do
Estado, entoando os alunos hinos patrióticos.
Interessado intimamente ao futuro de nossa nacionalidade
e à felicidade do homem, o problema da instrução
pública continua a solicitar a máxima atenção
do governo rio-grandense. (...) tem o Estado em mira não só
combater o analfabetismo, como também facultar às densas
populações de origem estrangeira, que entre nós se
fixaram, um mais fácil conhecimento de nosso idioma, sem o qual
é difícil a comunhão de idéias e de sentimentos
e infrutíferas, em regra, quaisquer tentativas de assimilação.
Consoante a sábia sentença latina mens sana in corpore sano,
a educação moral e física acompanha, passo a passo,
a intelectual, sucedendo-se assim, nos estabelecimentos públicos
as palestras instrutivas e as festas cívicas, alternadas com exercícios
metódicos de ginástica e trabalhos manuais.
Sempre que mencionamos as práticas de nacionalização
no Brasil, as principais produções historiográficas
mencionam o período pós-década de 1930, especialmente
no Estado Novo. Entretanto, além dos discursos houve, já
na República Velha, certamente não de forma coercitiva,
práticas efetivas de nacionalização preventiva especialmente
no qüinqüênio de 1915 – 1920, ensejadas no contexto
de Primeira Guerra Mundial – especialmente com relação
à unificação do idioma nacional.
A nacionalização preventiva do ensino entre imigrantes italianos
"Mas há ainda uma razão social e de
Estado
que aconselha a imediata organização do serviço escolar:
é assimilar estes milhares de estrangeiros às nossas instituições
é preciso fazer dos seus filhos brasileiros que amem o seu país,
vemos em São Leopoldo, em cujas linhas vivem
milhares de brasileiros que não falam o idioma do país
e não conhecem nenhuma das nossas leis ou instituições.
Seria uma crueldade e uma imprevidência não atacar o mal
no princípio:
as economias que quiséssemos fazer neste ramo vingar-se-ião
cruelmente mais tarde sem dúvida alguma."
As escolas, no entender de muitos estudiosos e pesquisadores
da imigração italiana no Rio Grande do Sul não se
constituíram em elemento privilegiado para aqueles colonos. As
publicações e discursos naturalizados dão conta de
que o imigrante italiano pouco teria se importado com a instrução
de seus filhos e que, eles próprios em sua maioria, seriam analfabetos.
Entretanto, ao consultar fontes primárias como o primeiro recenseamento
realizado nas Colônias Conde d'Eu e Dona Isabel , no ano de 1883,
percebe-se que especialmente homens, declararam em sua grande maioria
serem alfabetizados, perfazendo uma média de 74% dos homens adultos.
Informa Giron que a partir do levantamento dos Mapas Estatísticos
da Colônia Caxias "63% dos imigrantes de sexo masculino sabiam
ler, enquanto apenas 37% das mulheres eram alfabetizadas." Os dados
levam a crer que o índice de analfabetismo multiplicou-se nas colônias
entre os filhos de imigrantes, que não tinham onde estudar.
Válido lembrar que as colônias da Serra Gaúcha foram
ocupadas por italianos provenientes em sua maioria da regiões do
norte da Itália, onde as políticas públicas desde
muito se preocupavam com o processo de escolarização. Grosselli
informa que na região de Trento, em 1880, as pessoas analfabetas
com mais de 6 anos de idade eram cerca de 14,5% do total da população
sendo 12% entre homens e 16% entre as mulheres. Acrescenta que a obrigação
de frequência escolar dos 6 aos 12 anos estava em vigor desde 1774
e foi estendida a obrigatoriedade até os 14 anos em 1869. Certamente
não migraram para a Região Colonial Italiana apenas trentinos
mas, a situação escolar assemelhava-se nas demais regiões
do norte, em especial aquelas que estiveram sob domínio Austro-Húngaro.
As iniciativas para o desenvolvimento da instituição escolar
precisam ser compreendidas dentro do contexto histórico e cultural
em que se processou a ocupação daquelas regiões.
É necessário recordar ainda que a educação
dos indivíduos era concebida como responsabilidade e ação
dos princípios familiares, religiosos bem como os escolares.
Observando a legislação que orientou a ocupação
das colônias temos o Regulamento de 1867 como normatizador. Este
regulamento determinava, como função pública, a criação
de escolas nos núcleos coloniais. Entretanto, por inúmeros
motivos, as crianças e os jovens, quase em sua totalidade, foram
privados durante longo tempo do acesso à escrita e à leitura.
As poucas escolas criadas nas colônias atendiam apenas às
crianças que viviam nas proximidades. As demais cresciam em plena
"ignorância da arte escrita", como relatavam as autoridades.
Entre as diferentes iniciativas para promover a escolarização
cabe lembrar que existiram as escolas comunitárias étnicas
(criadas pelas Sociedades de Mútuo Socorro ou pelas próprias
comunidades), as escolas públicas e as escolas confessionais.
Quanto às iniciativas públicas empreendidas a nível
local, foram muito importantes os intendentes municipais que agiram em
consonância com as orientações políticas emanadas
da esfera estadual e mesmo federal. Também são ricos os
relatórios daquelas autoridades municipais no sentido de permitirem
compreender as construções discursivas nacionalistas que,
também, como a nível estadual, intensificam-se no período
de 1915 a 1920.
Em Caxias do Sul, o Intendente Coronel José Penna de Moraes, republicano
positivista, mencionava em 1914 que era o ensino público que, entre
os demais serviços, maior solicitude reclamava por parte dos poderes
locais. “Elevar o nível intelectual destas populações,
dando-lhes não só os conhecimentos indispensáveis
da língua vernácula como o ensino cívico que todo
o cidadão não pode prescindir se me afigura um dever de
ordem pública iniludível e inadiável.” Mencionava
ainda que fizera distribuir a todas as escolas escudos com as armas nacionais.
Além disto, adotara como prática a subvenção
de algumas escolas particulares (eram 11 em 1914) que recebiam auxílio
financeiro da Intendência para ministrarem o ensino em língua
portuguesa.
No ano seguinte, o vice-intendente de Caxias, Major José Baptista
considerava:
Instrução pública – este importante
ramo da administração muito merece e para ele tenho sempre
a minha atenção voltada, porque penso que um povo culto
compreende bem seus grandes deveres e as suas obrigações.
Instruir, elevando o nível moral da comunhão é sem
dúvida o mais palpitante cuidado que deve ter o administrador.
Difundir o ensino da língua pátria, dando lições
e exemplos de civismo, deve ser a preocupação constante
de quem educa, de quem ensina.
Certamente entre as enunciações discursivas mais relevantes
está a perspectiva da difusão do idioma nacional –
português. Em 1916 o intendente municipal de Garibaldi, Affonso
Aurélio Porto , tendo como lema “não devemos ter vergonha
de sermos brasileiros” expôs que os fundamentos básicos
de seu governo eram: 1 - Nacionalização do meio –
escolas; 2 - Desdobramento da viação; 3 -Reforma do sistema
tributário.
Entre os próprios grupos de imigrantes italianos, parece não
ter havido resistências já que as escolas públicas
eram requisitadas e consideradas necessárias. Os motivos eram diversos:
a gratuidade de ensino, a viabilização do domínio
da língua portuguesa – facilitando trocas comerciais e negócios
em geral. Em Garibaldi, encontramos documento enviado ao Secretário
do Estado que versava sobre esta requisição:
Exmo. Sr. Dr. Protásio Alves, D.D. Secretário
do Estado dos Negócios do Interior e Exterior N. 3.
Conselho Escolar do Município de Garibaldi, 13 de novembro de 1917.
Garibaldi, de pequena extensão territorial tem uma das populações
mais densas do Estado, composta em sua maioria de estrangeiros que procuram
dar educação brasileira a seus filhos aqui nascidos.
Penso ser também de necessidade e de grande utilidade a criação
nesta vila de um grupo escolar, sendo como são deficientes e de
relativamente pouco proveito as duas aulas existentes (uma a cargo de
um Irmão Marista que funciona anexa ao Colégio da Ordem
e outra de uma senhora idosa e cansada, cuja única ambição
é de aposentar) devido a disjunção de esforços
de programas e métodos.
Criado o grupo escolar nesta sede a exemplo do que se dá em Bento
Gonçalves e outras localidades, teria grande incremento a instrução
e constituiria uma força cujas conseqüências benéficas
serão inegáveis em meio como este ainda não nacionalizado.
São as propostas e considerações, Exmo. Dr. Secretário
que me ocorrem e que estou certo calarão no espírito patriótico
e altamente esclarecido de V. Ex.. Saúde e Fraternidade. João
Carlos Rodrigues da Cunha. Presidente do Conselho Escolar.” [grifos
meus].
O próprio intendente de Garibaldi reforçara
o pedido enviando outro ofício, desta vez para o presidente do
Rio Grande do Sul em que afirmava, entre outros argumentos apresentados,
que o município “comportaria a criação de um
grupo escolar, onde o grande número de crianças de ambos
os sexos, pertencentes a famílias sem os recursos necessários
para as matricularem em colégios particulares, com o acréscimo
dispendioso de aquisição do material escolar, poderiam haurir
a instrução que lhes falta, contribuindo ainda esse gesto
de V. Ex. para a difusão, entre os nossos filhos, da língua
nacional, desejo de todos nós.”
A condição anunciada - maioria de estrangeiros ainda não
nacionalizados e que procuram a educação pública
é uma constante nos relatórios, mensagens e ofícios
expedidos pelas autoridades locais daquelas regiões ocupadas por
imigrantes italianos e seus descendentes no Rio Grande do Sul, especialmente
nos municípios de Bento Gonçalves, Garibaldi e Caxias do
Sul, foco deste artigo. Considerava o intendente Carvalho Júnior:
A instrução pública deve ser a preocupação
constante das administrações, pela difusão de ensino
à juventude, sobretudo nos núcleos coloniais, onde a língua
vernácula é pouco assimilada, trazendo dificuldades insanáveis
nos filhos dos estrangeiros nascidos no país, visto que só
falam a língua de seus pais, não sendo possível a
sua rápida nacionalização; assim é, que todo
o incremento torna-se necessário para um tão almejado desideratum.
Criando-se aulas em grande número é um rigoroso dever de
altruísmo e de patriotismo. [grifos meus].
Reiterava em 1919:
É esse o ramo de minha administração que maior preocupação
dispenso, fazendo todo o empenho para o fim de divulgar a instrução
pública neste meio estimulando o gosto e despertando no animo do
filho do laborioso colono a necessidade da aprendizagem da língua
vernácula, e portanto no intuito de facilitar a sua nacionalização
e assimilação aos nossos hábitos. [grifos meus].
Concordo com Kreutz quando escreve que “diferentes
discursos sobre a concepção de nacionalidade foram se constituindo,
a quem e o que projetaram como expressão autorizada de povo brasileiro.”
E foi nesse sentido que muitos apagamentos de diferenças étnicas
aconteceram.
Junto as constantes enunciações podemos perceber diversas
iniciativas para concretizar e ou viabilizar tais intuitos de difusão
patriótica ou mesmo do idioma nacional. Em 1917, segundo o relatório
do intendente de Garibaldi, Manoel Marques Da Silva Acauãn a municipalidade,
como em anos anteriores, havia adquirido grande cópia de livros
didáticos ou de leitura patrióticas. Citava, entre as aquisições
os livros “Culto Cívico” do professor J. R. Moreira
Gomes; “Homens Ilustres” e “Vultos e Fatos”, ambos
do provecto educador Achylles Porto Alegre.
Para percebermos outras práticas no âmbito escolar de nacionalização
preventiva, são ricos os relatos de exames finais produzidos pelos
próprios professores e ou inspetores de ensino. Em fins de 1917,
relatava o presidente do Conselho Escolar, João Carlos Rodrigues
Cunha, procedera-se aos exames nas escolas, “ficando as respectivas
comissões muito satisfeitas com o adiantamento que notaram dos
alunos, ainda mais pela educação cívica que o professorado
tem dado aos alunos, com cantos patrióticos, recitativos e discursos
análogos a fatos e datas e biografias dos nossos homens políticos
e militares, o que muito agradou as comissões. Salientaram-se as
matérias de ensino e educação cívica (...).”
A remessa dos símbolos nacionais e livros didáticos para
as escolas, as mudanças no próprio currículo, o incentivo
/ cobrança para que os docentes ensinassem hinos, poesias e incentivassem
os alunos para a aprendizagem de conteúdos cívicos bem como
a difusão da língua nacional.
Para a efetivação das utopias políticas gaúchas
e nacionais que naquele período histórico determinavam o
que identificava a ‘nação brasileira’ é
preciso considerar as estreitas relações entre a república
positivista e os métodos de ensino, as seleções e
aquisições de livros didáticos determinados, portanto,
o que estava autorizado para difundir-se como a ‘cultura nacional’.
Para os grupos de imigrantes italianos parece não ter havido grandes
dificuldades para conciliar e de certa forma aceitar a aculturação,
ao menos é o que transparece em todos os documentos que discursivamente
reforçam tal condição. Em agosto de 1918, recebendo
a visita do embaixador italiano Vitor Luciani, assim afirmara o intendente
municipal de Garibaldi, Manoel Acauan:
(...) Exmo. Sr. Embaixador. Podeis ver, e eu desejaria
que a vossa retina gravasse indelevelmente, o efeito maravilhoso das duas
bandeiras, em nossa frente entrelaçadas, mas irmanadas por uma
cor comum, a verde, de modo que se não sabe onde uma começa
nem onda a outra termina. É o que se dá entre nós.
É a fusão que o grande laboratório do tempo vem operando.
Olhai esta assistência, atentai para os que vos circundam, e em
verdade vos digo, não sabereis distinguir aqui quem é o
brasileiro e não sabereis distinguir quem é o italiano.
E por que isto? Por que as duas raças se entrelaçam, compreendem
a força que lhes advêm uma da outra, e mais que tudo, aprenderam
a se amarem e a se respeitarem. O italiano nato, aqui chegado há
mitos anos, ama a sua Pátria que não mais viu, mas sabe
também amar a Pátria de seus filhos. Estes, por sua, amam
intensamente a Terra Brasileira, que lhes foi berço, a Terra Mater,
mas amam também a Pátria de seus maiores. O que devemos
ou podemos esperar deste entrelaçamento de sentimentos? Uma raça
forte e nobre, trabalhada pelo caldeamento, não só de tradições
como as do próprio sangue.(...). [grifos meus].
Não cabe, no espaço de um artigo a possibilidade,
ricamente enunciada, de discutir os processos de negociações
estabelecidos entre aqueles grupos humanos no processo de construção
de suas identidades. Apenas considerar que o processo de expansão
do ensino público tornou-se efetivo especialmente a partir deste
período. Em 1922, Borges de Medeiros informava que os municípios
em que proporcionalmente havia maior matrícula escolar comparativamente
com o total de habitantes eram:
Os municípios de Garibaldi, Ijuí, Caxias,
Antônio Prado, Estrela, Montenegro, Alfredo Chaves, São Leopoldo,
Lajeado, Jaguarão, Santa Cruz, Bento Gonçalves e Pelotas
são os que apresentam mais elevado coeficiente de matrículas
relativamente à população geral, com mais de 100
até 150 alunos por mil habitantes. [grifos meus]
Se observarmos os municípios grifados e considerarmos
que formaram-se a partir do estabelecimento de grupos de imigrantes italianos,
teremos um bom parâmetro para considerar o ‘avanço’
obtido na escolarização daqueles locais. Ainda em 1923,
o município com o mais alto coeficiente de alunos matriculados
por cada mil habitantes era São Leopoldo como 189 e o que investia
maior verba era o de Caxias “(...) a verba para esse serviço
representa 17,5% da sua arrecadação geral. É esse
o município que da sua receita retira para a instrução
mais alta percentagem.” No entender do administrador maior do Estado
gaúcho, em 1927, Borges de Medeiros, as condições
educacionais que vinham alcançando “bons resultados”
tinham uma explicação:
Esse fato significa, em parte, que a população
compreende a necessidade da escola e a procura espontaneamente, justificando
o acerto da Constituição quando estatuiu o ensino livre,
leigo e gratuito, por outra parte é inegável que ele está
na razão direta das aulas acrescidas e mais bem distribuídas
anualmente.
O ensino livre, leigo e gratuito – pressupostos da escola gaúcha
com orientações, enquanto política pública,
do positivismo, precisa ser considerada no tensionamento e na negociação
das diferenças étnico-culturais dos grupos marcados pela
diferença. Por meio de discursos e práticas diversas, buscou-se,
preventivamente, defender a unidade da língua como forma de garantir
também a unidade nacional.