Geralda Macedo – Universidade Federal da
Paraíba - UFPB
Introdução
Memórias de vida professoral apresenta re-memorizações
e discussões sobre a prática social de ensino de professores
em Memoriais Acadêmicos - Trabalhos de Conclusão de Curso
exigidos pelo Curso de Pedagogia, entre os anos de 2001 a 2003, de uma
universidade privada da cidade de Natal (RN), Brasil.
Neste relato discuto informações, impressões e significados
intermediados pelo uso da língua oral e escrita dos protagonistas,
escritores dos memoriais. Vygotsky ao tematizar o recurso da memória
na constituição do psiquismo humano destaca que a verdadeira
essência da memória humana está no fato de os seres
humanos serem capazes de lembrar ativamente com ajuda de signos. (Vygotsky,
1988 p. 58). Essa ajuda no processo de lembrança provocada por
esse instrumento psicológico, os signos lingüísticos,
transformam o comportamento interpretativo dos indivíduos, porque
as atribuições de sentidos e significações
que emergem no percurso de suas lembranças influenciam em modos
de comportamentos de tipos novos. As experiências passadas vividas
pelos sujeitos (no caso os professores) e evocadas no presente, encharcam-se
de re-significações, sobretudo se estes apresentam conhecimentos
e saberes que os subsidiam a enxergarem a re-apresentação
de suas lembranças em uma nova perspectiva.
O estudo dos relatos de memórias humanas tem sido na atualidade
uma temática usualmente explorada por vários autores com
objetivo vários, o de reconstituir memórias históricas
de acontecimentos, elaborar a inteireza de fatos fragmentados, resgatar
histórias de vidas, profissões. Já o contorno deste
trabalho dedica-se a analisar as memórias dos docentes em relatos
de lembranças quando solicitados por uma instituição
de ensino (universidade) para escreverem um memorial relatando suas memórias
docentes.
O estudo das memórias apresentadas neste trabalho está sendo
abordado em uma perspectiva teórica histórica e cultural.
(Luria, 1991 p.39) um dos autores representativo desta perspectiva cunha
o conceito de memória, entendo-a como o registro, a conservação
e a reprodução dos vestígios da experiência
anterior, registro esse que dá ao homem a possibilidade de acumular
informações e operar com vestígios da experiência
anterior após o desaparecimento dos fenômenos que provocaram
tais vestígios. O referido autor ao discutir a modalidade da memória
verbal, memória especificamente humana, apresenta-a como o tipo
de memória mais complexa do homem. A memória verbal sempre
se baseia num complexo processo de recodificação do material
comunicado, processo esse vinculado ao processo de abstração
dos detalhes secundários e dos momentos centrais da informação
(Luria 1991, p. 67).
A recodificação de material (lembranças) re-apresentadas
pelos alunos ao lembrarem de suas experiências de vida pessoal e
docente e manifestados em suas descrições narrativas certamente
emergiram quando estes, apreenderam ou tentaram apreender o sentido do
vivido, e esse sentido do vivido emergiu acredito eu, no contexto da re-elaboração
de novas narrativas, deliberadas intencionalmente para produzirem compreensões,
sistematizações e interpretações para as possíveis
experiências de vida profissional docente do aluno que estava concluindo
o Curso de Pedagogia.
Descrição do cenário
Esta passagem do texto intitulada de descrição
do cenário, indica o lugar discursivo, o desenrolar de linguagens,
onde são re-apresentadas através das memórias remotas
e imediatas cenas experimentadas, vividas e protagonizadas pelos escritores
dos memoriais. Neste cenário se descortinam nas narrativas, de
vida pessoal e profissional suas ações, enredos e relatos,
envoltos de emoções, dramas, ansiedade, conflitos etc...
O texto revela não somente memórias da vida estudantil e
acadêmica dos professores que concluíram o curso de Pedagogia,
nele também está impresso vestígios de minhas memórias,
impressões, lembranças como orientadora destes trabalhos
e certamente minhas interpretações singulares e subjetivas
estarão presentificadas nos instantes em que atuarei como narradora
e interprete dos modos de manifestações das emoções,
conflitos, linguagem, língua dos alunos em suas trajetórias
de elaboração do memorial acadêmico.
Ao escrever este texto escavo várias lembranças de minha
história como orientadora dos memoriais acadêmicos, evocando
passagens, imagens, vestígios registradas no e do processo de convivência
com os alunos(as) quando escreviam suas memórias. As memórias
de cenas vivas e proeminentes que destaco neste lugar, que ocupei como
orientadora são preenchidas com as lembranças dos sentimentos
emergentes de ansiedade dos alunos(as) diante da página em branco
e as alternativas para superação deste estado de ansiedade.
As primeiras atitudes dos alunos que comumente se apresentavam estavam
em enunciados expressos através de perguntas. Como iniciar a escrita
deste trabalho? o que escrever? como escrever? que recortes de minha história
de vida de professor(a) irei revelar? que lembranças ainda guardo?
A quem posso recorrer para me ajudar a atualizar as lembranças?
A minha primeira professora? A minha mãe? O fato do aluno(a) recorrer
a mãe ou a primeira professora adveio porque, regularmente os alunos(as)
traziam inicialmente para suas narrativas memorialísticas as primeiras
experiências vividas nas séries iniciais, discutindo principalmente
o modo como foram alfabetizados(as).
As cenas originadas nas primeiras elaborações de escritura
do memorial pelos alunos foram afloradas de angústias, dramas,
conflitos, sofrimento. Estes sentimentos tornavam-se dramáticos
a medida que os protagonistas resgatavam recortes de memórias de
um passado negado de renascimento e pretendido de não ser revivido.
Esse passado revirado instigava-os a manter contato com perdas, dores
disfarçadas, ressentimentos, histórias de vida ocultadas,
que não poderiam ser contadas.
Várias cenas dramáticas que foram vividas e manifestadas
pelos alunos durante o percurso de produções das tramas
narrativas, como o choro, a inquietação, o entrave não
foram registradas em seus textos escritos. Ao reviverem e escreveram suas
memórias, se configuraram cenas de sentimentos conflituosos, emoções,
sofrimentos que permaneceram somente na periferia, na margem de textos
e contextos que não, os escritos. Estas cenas foram compartilhadas
e registradas permanecendo na memória de quem assistiu os entrelaçamentos
das narrativas de vida dos escritores do memorial. (os orientadores).
Entre quarenta e cinco memoriais orientados, identifico um indício
não regular, quando trato do testemunho das emoções
que emergiram no processo inicial de escrita do memorial. Somente uma
protagonistas faz a declaração através da escrita
sobre emoções vivenciadas neste processo revelando-as no
texto escrito,
...ao pensar escrevendo sobre minha infância fiquei
muito emocionada e, lentamente, no silêncio, foram caindo lágrimas
vindas do fundo do coração, por recordar pessoas que contribuíram
para minha formação espiritual, profissional e social. (Fonseca,
2001 p. 10). Essa confissão e registro escrito do sentimento que
assaltou a autora do memorial, no início da produção
foi uma cena rara. Ficou evidenciado pelos menos, nas experiências
que vivi como orientadora de memoriais acadêmicos que comumente
o resgate das memórias criam uma atmosfera de sofrimento, e muitos
não pedem ser revelados. Muitas histórias resgatadas através
do relato, até então fragmentadas são revividas,
re-elaboradas pelos alunos mas nem todas podem ser contadas. A tese de
que é através de relato que o indivíduo passa apreender
a significação do drama vivido é defendida por Politzer.
O drama representa a trama dos acontecimentos e relações
que envolve o indivíduo, suas vivencias pessoais e o relato do
drama possibilita ao indivíduo penetrar e atribuir sentido a complicada
compreensão das experiências vividas. Para conhecer o sentido
do drama é preciso recorrer ao relato do sujeito (Politzer, 2004
p.189). O conteúdo do relato oportuniza a interpretação,
dá sentido ao gesto, a linguagem, as vivências humanas sociais
e individuais. As teorizações de Politzer, indicam modos
de reflexões de que os relatos memorialístico vão
adquirindo significações, atribuições de sentidos
oportunizando os escritores dos memoriais re-interpretarem as experiências,
os dramas vivenciados transformando o sentido do vivido em um sentido
vivido apreendido e interpretado e conhecido por eles. Esse acontecimento
psicológico possibilita-os fazerem recortes e opções
entre o que pode ser dito, para tornar-se conhecimento público
e o que não pode ser revelado, tomando o sentido do vivido em conhecimento
só para si, para sua vida privada.
Após descrever o cenário onde desenrolaram os atos narrativos
de personagens reais, passo a circunscrever em atos, as partes mais expressivas
dos textos dos alunos no decurso da escritura de suas memórias
de vida professoral.
I ATO
Primeiras memórias: o drama do vivido
As memórias professorais são iniciadas pelas
histórias de vida pessoal. Suas origens sociais. Geralmente filhos
de pequenos agricultores e não alfabetizados.
Meu genitor era semi-analfabeto (assinava o nome e detinha pouco conhecimento,
era agricultor (vivia do cultivo da terra) Oliveira, 2001 p. 11.
O meu pai, agricultor, analfabeto nem conhecia a letra “o”.
Fonseca, 2001 p. 11
O meu pai era agricultor e não teve oportunidade de estudar. Residiu
por muito tempo na zona rural. Mesmo sendo analfabeto encaminhou seus
filhos a escola. Araújo, 2001 p. 10.
Minha mãe, apesar de pouco estudo, preocupava-se bastante com a
educação dos filhos. Tal preocupação foi a
mola propulsora para que eu viesse a ser o que hoje sou, pois mesmo que
tivéssemos de ajudá-los na agricultura, era-nos reservado
o momento dedicado aos estudos. Fernandes, 2001 p. 7.
Nos depoimentos escritos dos alunos havia reconhecimentos explícitos
pelos cuidados e esforços paternos e maternos para que freqüentassem
a escola. Certamente os pais planejavam ou almejavam um futuro diferente
do deles para seus filhos.
Outras memórias impressas nas narrativas escritas dos alunos se
referem as lembranças do aprendizado das primeiras letras. Vejam-se
algumas passagens
(...) minha avó. Foi ela que também me ensinou a leitura
das letra do alfabeto na Carta do ABC. Aos sete anos freqüentei uma
escola, no sitio onde nasci...
A minha primeira professora era leiga (tinha apenas o primeiro grau) (...)
para eu aprender a ler tive que começar juntando as sílabas
e soletrando para depois realizar a leitura da palavra.
Repeti várias vezes a primeira série, por não dominar
o processo de leitura e escrita, (Fonseca, 2001 p. 14).
Ao lado das lembranças sobre o processo de alfabetização
vivido em suas idades infantis, também foram manifestadas pelos
protagonistas do memoriais, lembranças sobre os modos de agir,
de ensinar, de se relacionar de suas professoras. Segundo seus relatos
as práticas pedagógicas de suas professoras ao ensinarem
exerceram relações de cuidados, outras de opressão
ou de silenciamento do aluno.
Nas narrativas dos professores localizo depoimentos reveladores de que
as atitudes de opressão, de silenciamento experimentadas na escola,
marcaram negativamente suas emoções, encolhendo suas capacidades
de opinarem, de confrontarem e sobretudo suas manifestações
de linguagem. Vejam-se estas passagens.
Ingressei na escola, cheio de entusiasmo, porque a vontade de aprender
era grande mas minha professora Isabel Lira, era muito diferente da minha
tia . (...) cada vez que errávamos éramos, obrigados a escrever
várias vezes a palavra errada e decorar a seqüência
do alfabeto e a tabuada, pois o aluno que não conseguisse responder
as suas perguntas ficava de castigo e ainda sofria com a palmatória
para que aprendesse. (...) Deparei-me com um ensino bastante rigoroso,
onde não tínhamos o direito a voz, os professores em sua
maioria não davam oportunidades aos alunos de expressarem-se abertamente
ou exporem suas idéias. (Oliveira, 2001 p. 18)
Observo que neste relato, entendendo que o relato é uma produção
de linguagem, entreposto entre a memória e a lembrança,
havia um teor dramático cuja, sentido vivido circunscreve de entusiasmo,
vontade sendo substituído por subserviência, castigo, sofrimento
e silenciamento. O relato acima apresentado está caracterizado
como drama uma vez que as cenas apresentadas permeiam conflito entre a
expectativa do protagonista e a realidade adversa que é obrigado
a viver. Uma vez que encerra experiências de sofrimento, penosas
e desgastante para uma criança de sete anos, esvaziado de elementos
que o ajudasse a compreender cenas hostis por parte da professora e principalmente
o conflito causado pelo estranhamento originado do distanciamento entre
o desejo e expectativa de criança e o que de fato acontecia no
cenário escolar.
Vejamos outro relato
... Rememorizando o período em que fui alfabetizada,
destaco um fato que aconteceu comigo, o qual marcou-me profundamente.
No primeiro dia de aula a professora mandou copiar no caderno a seguinte
frase: “Gosto de Estudar”. Como ainda não tinha noção
de espaço, ao escrever a frase, utilizei toda a folha do caderno.
A mesma imediatamente, me chamou a atenção de maneira agressiva
e rústica. A partir desse dia tornei-me uma pessoa bastante tímida,
fechada. Hoje não gosto de expor minhas idéias, falar o
que penso, porque tenho receio de que serei repreendida e prefiro ficar
em silêncio mesmo sabendo que não devo ser assim. (Araújo,
2001 p. 11).
Neste re-lembrar, nestas escavações de memória, que
o momento de construção do memorial exigiu aconteceu uma
intensa aproximação com os vestígios das experiências
vividas pela escritora do memorial. Reviver e reavivar este encolhimento
afetivo no qual ela se enxerga imersa, entrar em contacto, localizar na
memória estas marcas tristes já tão afastados pelo
tempo é doloroso para a narradora, mesmo estando em um tempo presente,
temporalmente distante do vivenciado regressa a um passado pouco acolhedor
e ainda não solucionados afetivamente. Nesta passagem esta instalado
o drama vivido pela escritora do relato, uma vez que o lugar de rusticidade
e agressividade que entorna o poder de sua professora penalizou-a emocionalmente.
A criança por não saber como usar o espaço do caderno
e a professora por apresentar uma postura docente incompatível
com as intervenções pedagógicas necessárias
ao ensino do uso do espaço e da margem do caderno a aluna. A narradora
já em sua idade adulta evidencia em seu texto escrito que ainda
se reconhece tímida e fechada marcas pessoais que decorreram/decorrem
do medo de ser repreendida.
II ATO
Noviciado da prática social docente
O segundo ato reconstitui a história da prática
social docente desenvolvidos(as) pelos(as) professores(as) protagonizadores(as)
do memoriais acadêmicos. Comumente nos relatos memorialísticos
os professores(as) mais velhos(as) lembram que ao concluírem o
Curso Ginasial geralmente ingressavam no mercado de trabalho realizando
a profissão de professor(a). Os(as) professores(as) mais jovens
iniciaram sua vida profissional após concluírem o curso
de Magistério.
A carreira profissional dos professores(as) mais velhos(as) iniciou quando
ainda eram muito jovens, com baixa escolaridade e carentes de formações
voltadas para a prática da profissionalização do
ensino. Muitas dificuldades marcaram o noviciado de suas funções
docentes.
Vejamos os depoimentos de alguns professores(as)
Iniciei minha carreira de professora aos quatorze anos de idade, administrava
aulas de reforço em minha própria casa. ... Quase desprovida
de conhecimentos teóricos tinha como referência o senso comum
e a intuição de futura educadora... (Martins, 2001, p. 19).
Em seguida a esta experiência a professora relata que alguns anos
mais tarde passou a trabalhar em uma escola em uma turma de 4ª série
com crianças entre 10 e 15 anos. Sobre este trabalho diz a professora:
Como era principiante, preocupava-me muito com a aprendizagem com a aprendizagem
dos alunos... (Martins, 2001, p. 20).
Trabalhava fundamentalmente com livros didáticos; na minha concepção,
achava que estava trabalhando de forma correta e ensinava da forma como
tinha aprendido através de treino ortográfico, redações,
estudos de textos, porém sem qualquer fundamentação
teórica. (Martins, 2001, p. 21).
Vejamos o relato de outra professora:
No período em que ingressei no Curso de magistério fui convidada
para lecionar numa turma de Educação de Jovens e Adultos....
A referida turma não era alfabetizada... A minha atuação
no processo de alfabetização desses alunos refletiu o meu
processo de alfabetização: foi a maneira com a qual a minha
professora alfabetizou-me ... (Silva, 2002 p. 33).
O depoimento a seguir de uma das professoras escritora dos memoriais não
declara em seu texto que repetia as experiências que vivenciara
no passado como aluna mas, uma análise mais cuidadosa de sua manifestação
textual nos possibilita inferir que a docente repetia o processo de ensino
conforme vivenciara no passado.
Foi assumindo, em 1978, uma turma de Educação integrada
(supletivo de 1a a 4ª série) ... que ingressei na carreira
de Magistério. Nessa época, preocupava-me com a transmissão
do conhecimento de forma mecânica, quase não utilizava material
didático. Seguia o livro acriticamente, totalmente fora da realidade
vivida pelos educandos. Não oportunizava ao aluno expressar suas
idéias, exigindo de forma autoritária o silêncio total
na sala de aula. (Fernandes, 2001, p. 1)...Confesso que vivi esta prática
não só no inicio da minha vida profissional, mas também
durante vários anos seguidos. (Fernandes, 2001, p. 13).
A insegurança provocada pela ausência de compreensão
sobre como procederem em suas relações com os alunos em
sala de aula e pela falta de conhecimento para intervir no processo de
ensino escolar inspirava os professores a desenvolverem o ofício
com base em suas experiências como estudantes, nas práticas
pedagógicas dos mestres que os ensinaram e em como tinham aprendido.
Os professores(as), ao marcarem estas revelações no contexto
de suas histórias professorais, revelam a fragilidade da ação
docente praticada por eles durante algum tempo. O fato de eles(as) necessitarem
desse passado para tornar-se professor provavelmente possibilitaram aos
alunos(as) a acumularem prejuízos de aprendizagens, de desenvolvimento
intelectual, emocional pois havia um distanciamento temporal, histórico
e de espaço entre a época em foram estudantes e o período
em que tornaram-se professores. Pois certamente o fato de reproduzirem
em suas práticas docentes, as ações experimentadas
quando crianças no ambiente escolar, indicam que não só,
as experiências positivas mas também as que foram motivos
de traumas, de silenciamento, de conflitos passaram a ser re-apresentadas
e atualizadas por eles(as), pela função menmônica
transformando-se em fonte de referência, de inspiração,
tornando-se artifício para preencher a ausência e o vazio
da inexistência de formações pedagógicas adequadas
uma prática docente, autônoma, de tipo renovado, em uma perspectiva
mais atualizada. Que conhecimentos, que formações foram
negadas a estes professores(as), uma vez que a ações docentes
praticadas e narradas por eles anunciaram que se reportaram as experiências
escolares e as funções docentes, que conviveram no passado.
III ATO
Espaços de confrontos
Denomino o terceiro ato intitulando-o de espaços de confronto.
Neste terceiro ato serão destacados confrontos entre idéias,
reflexões, ações docentes, etc. são confrontos
dramáticos, por que envolve posições inconciliáveis
dos protagonistas no desdobramento dos episódio vivenciados durante
determinado tempo. Cada episódio está relacionado com outros
e o resultado de cada episódio vivenciado dá lugar um novo
episódio.
Será destacado a princípio nos episódios vividos
pelos docentes o confronto, que realizaram no decurso de seu relato, entre
o reconhecimento de que seu saber estava esgotado, já não
dava conta, para regular as atividades docentes e a necessidade de inserir-se
em novas redes de conhecimentos como perspectiva para compreender a complexidade
docente e interagir pedagogicamente, pautados(as) em outros referenciais.
Vejam-se os depoimentos das professoras ao assumir uma classe do ciclo
de alfabetização:
“...logo percebi que não sabia mais ensinar, nem mesmo de
forma tradicional. Senti uma profunda fragilidade em minha formação
de professora, percebendo a necessidade de compreender uma teoria que
viesse possibilitar uma prática pedagógica do ensino de
leitura e escrita.” (Fernandes, 2001 p. 15).
Vejamos outras reflexões, às quais as professoras manifestam
conflitos inconciliáveis.
“...Enfrentei todo o percurso profissional apenas com a formação
do curso de magistério e tinha consciência da fragilidade
de minha formação. Diversas vezes me defrontei com situações
difíceis sem condição de resolvê-la. Refleti
e achei que não podia continuar sendo uma professora consciente
das lacunas na formação, necessitava tomar uma atitude para
reverter a realidade. (Araújo, 2001 p. 23).
“...No entanto, hoje, indago se as crianças de fato aprendiam
ou era uma aprendizagem mecânica, na qual só memorizavam,
sem oportunidades de construir seus próprios conhecimentos? (Martins,
2001, p 21).
O drama do sentido dos conflitos vividos pelas escritoras denotam que
este drama é muito mais amplo para o sujeito, do que, o apresentado
pelo seu relato.
Esta inferência que estabeleço decorre ao interpretar que
estas professoras sentiram, por um longo e sofrido período de tempo.
Conviveram com os conflitos e as contradições, brevemente
aqui apresentados, no entanto no memorial não cabe discorrer exaustivamente
sobre este sofrimento, nele está apresentado pequenos recortes
dos conflitos experimentados na complexa atividade de ensinar.
Na sequência, passo a tecer a re-produção dos vestígios
da experiência dos professores(as), quando optam por escrever as
relações entre o conhecimento e o saber que regulavam suas
ações docentes e as condições do curso de
nível superior que contribuíram para melhor interpretar
e conhecer os sujeitos e a dimensão do ensino e a aprendizagem,
ultrapassando os limites que os impediam de realizar atividades de professor
de forma mais aproximados (as) dos processos de compreensões, da
complexidade que a atividade docente requer.
As memórias mais remotas ao serem entrelaçadas com os conhecimentos
e aprendizagens (memórias mais iminentes) elaborados durante o
curso possibilitou aos professores reverem criticamente sua história
na condição de alunos e sobre o ofício de professores.
Os registros escritos dos autores revelavam outros olhares para a profissionalização
do ensino. Novos saberes docentes foram constituídos no decorrer
do curso. Em grande parte dos memoriais, os autores realçam que
o conhecimento e aprendizagem produzidos no decorrer do curso redefiniria
sua prática.
Vejam-se os relatos dos professores ao se referirem as contribuições
do curso de pedagogia no processo de reelaboração de suas
atividades docentes.
“...Hoje conhecendo algumas idéias de Piaget e Freinet vejo
como deixei escapar situações e processo de aprendizagem
normal; Poderiam ter outro tratamento.” (Martins, 2001; p. 21).
Esse fator foi primordial para o aprimoramento de nossas idéias
e dos conceitos que conhecíamos, pois, estávamos saindo
do senso comum para o conhecimento científico, despertando em nós
a capacidade investigativa e os pesquisadores que estavam em nós,
adormecidos.” (Silva, 2003; p. 26)
“...durante toda trajetória do curso de pedagogia dispus-me
a construir uma ponte entre o meu fazer profissional e o fazer acadêmico,
buscando ter uma postura mais flexível, aberta, dando margem a
uma prática pedagógica mais dinâmica, significativa
que proporcionasse prazer, alegria e curiosidade aos alunos.”(Cavalcante,
2003; p. 27)
Os acontecimentos vivenciados no curso proporcionam-me maior experiência
no tocante ao viver diferente, levando-me a desenvolver o senso crítico.”
(Oliveira, 2001; p. 35)
Hoje, depois das inúmeras leituras e reflexões realizadas
durante o curso de pedagogia percebo que o MOBRAL foi um movimento que
tinha interesses políticos muito claros: ensinar os analfabetos
a aprenderem o nome para poder votar. Não foi um movimento de alfabetização
e sim de mecanização da escrita do nome próprio.
Sinto-me um pouco triste ao perceber que a função que desempenhei
no passado e que muito me orgulhou, hoje me causa um certo constrangimento...”
(Araújo, 2001; p. 15)
As lembranças que os professores trazem sobre as contribuições
do curso de pedagogia, como uma alternativa de preenchimento, para as
lacunas existentes na profissão para redefinição
da prática pedagógica, para propiciar um olhar crítico
é recorrente no contexto narrativo dos professores(as). Quando
as professoras se referem as contribuições do curso no processo
de formação docente, transparece ter resolvido os conflitos
pontuados e as confrontações vivenciadas. Enfim, a impressão
que se dá é que o universo conturbado da profissão
de professor foi restabelecido, os problemas, as lacunas e as faltas apontadas
desapareceram.
A conclusão aqui apresentada é temporária, como enfocamos
anteriormente, o resultado de cada episódio, provoca outros episódios
e não será diferente, creio eu, com os professores.
Se os conflitos e as contradições foram resolvidos para
os professores segundo suas últimas exposições, eles
o serão restabelecidos temporariamente, porque outras contradições
certamente irão emergir, e novamente os professores experimentarão
novos desafios, conflitos, confrontos, uma vez que se encontram imersos
na complexa atividade da ação docente.
No final do último ato, quero prestar minha reverência aos
docentes, protagonistas deste drama, pelas suas histórias e pela
labuta que realizaram na superação dos confrontos e contradições
que vivenciaram.
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