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  MEMÓRIAS DE VIDA PROFESSORAL

Geralda Macedo – Universidade Federal da Paraíba - UFPB

Introdução

Memórias de vida professoral apresenta re-memorizações e discussões sobre a prática social de ensino de professores em Memoriais Acadêmicos - Trabalhos de Conclusão de Curso exigidos pelo Curso de Pedagogia, entre os anos de 2001 a 2003, de uma universidade privada da cidade de Natal (RN), Brasil.
Neste relato discuto informações, impressões e significados intermediados pelo uso da língua oral e escrita dos protagonistas, escritores dos memoriais. Vygotsky ao tematizar o recurso da memória na constituição do psiquismo humano destaca que a verdadeira essência da memória humana está no fato de os seres humanos serem capazes de lembrar ativamente com ajuda de signos. (Vygotsky, 1988 p. 58). Essa ajuda no processo de lembrança provocada por esse instrumento psicológico, os signos lingüísticos, transformam o comportamento interpretativo dos indivíduos, porque as atribuições de sentidos e significações que emergem no percurso de suas lembranças influenciam em modos de comportamentos de tipos novos. As experiências passadas vividas pelos sujeitos (no caso os professores) e evocadas no presente, encharcam-se de re-significações, sobretudo se estes apresentam conhecimentos e saberes que os subsidiam a enxergarem a re-apresentação de suas lembranças em uma nova perspectiva.
O estudo dos relatos de memórias humanas tem sido na atualidade uma temática usualmente explorada por vários autores com objetivo vários, o de reconstituir memórias históricas de acontecimentos, elaborar a inteireza de fatos fragmentados, resgatar histórias de vidas, profissões. Já o contorno deste trabalho dedica-se a analisar as memórias dos docentes em relatos de lembranças quando solicitados por uma instituição de ensino (universidade) para escreverem um memorial relatando suas memórias docentes.
O estudo das memórias apresentadas neste trabalho está sendo abordado em uma perspectiva teórica histórica e cultural. (Luria, 1991 p.39) um dos autores representativo desta perspectiva cunha o conceito de memória, entendo-a como o registro, a conservação e a reprodução dos vestígios da experiência anterior, registro esse que dá ao homem a possibilidade de acumular informações e operar com vestígios da experiência anterior após o desaparecimento dos fenômenos que provocaram tais vestígios. O referido autor ao discutir a modalidade da memória verbal, memória especificamente humana, apresenta-a como o tipo de memória mais complexa do homem. A memória verbal sempre se baseia num complexo processo de recodificação do material comunicado, processo esse vinculado ao processo de abstração dos detalhes secundários e dos momentos centrais da informação (Luria 1991, p. 67).
A recodificação de material (lembranças) re-apresentadas pelos alunos ao lembrarem de suas experiências de vida pessoal e docente e manifestados em suas descrições narrativas certamente emergiram quando estes, apreenderam ou tentaram apreender o sentido do vivido, e esse sentido do vivido emergiu acredito eu, no contexto da re-elaboração de novas narrativas, deliberadas intencionalmente para produzirem compreensões, sistematizações e interpretações para as possíveis experiências de vida profissional docente do aluno que estava concluindo o Curso de Pedagogia.

Descrição do cenário

Esta passagem do texto intitulada de descrição do cenário, indica o lugar discursivo, o desenrolar de linguagens, onde são re-apresentadas através das memórias remotas e imediatas cenas experimentadas, vividas e protagonizadas pelos escritores dos memoriais. Neste cenário se descortinam nas narrativas, de vida pessoal e profissional suas ações, enredos e relatos, envoltos de emoções, dramas, ansiedade, conflitos etc...
O texto revela não somente memórias da vida estudantil e acadêmica dos professores que concluíram o curso de Pedagogia, nele também está impresso vestígios de minhas memórias, impressões, lembranças como orientadora destes trabalhos e certamente minhas interpretações singulares e subjetivas estarão presentificadas nos instantes em que atuarei como narradora e interprete dos modos de manifestações das emoções, conflitos, linguagem, língua dos alunos em suas trajetórias de elaboração do memorial acadêmico.
Ao escrever este texto escavo várias lembranças de minha história como orientadora dos memoriais acadêmicos, evocando passagens, imagens, vestígios registradas no e do processo de convivência com os alunos(as) quando escreviam suas memórias. As memórias de cenas vivas e proeminentes que destaco neste lugar, que ocupei como orientadora são preenchidas com as lembranças dos sentimentos emergentes de ansiedade dos alunos(as) diante da página em branco e as alternativas para superação deste estado de ansiedade. As primeiras atitudes dos alunos que comumente se apresentavam estavam em enunciados expressos através de perguntas. Como iniciar a escrita deste trabalho? o que escrever? como escrever? que recortes de minha história de vida de professor(a) irei revelar? que lembranças ainda guardo? A quem posso recorrer para me ajudar a atualizar as lembranças? A minha primeira professora? A minha mãe? O fato do aluno(a) recorrer a mãe ou a primeira professora adveio porque, regularmente os alunos(as) traziam inicialmente para suas narrativas memorialísticas as primeiras experiências vividas nas séries iniciais, discutindo principalmente o modo como foram alfabetizados(as).
As cenas originadas nas primeiras elaborações de escritura do memorial pelos alunos foram afloradas de angústias, dramas, conflitos, sofrimento. Estes sentimentos tornavam-se dramáticos a medida que os protagonistas resgatavam recortes de memórias de um passado negado de renascimento e pretendido de não ser revivido. Esse passado revirado instigava-os a manter contato com perdas, dores disfarçadas, ressentimentos, histórias de vida ocultadas, que não poderiam ser contadas.
Várias cenas dramáticas que foram vividas e manifestadas pelos alunos durante o percurso de produções das tramas narrativas, como o choro, a inquietação, o entrave não foram registradas em seus textos escritos. Ao reviverem e escreveram suas memórias, se configuraram cenas de sentimentos conflituosos, emoções, sofrimentos que permaneceram somente na periferia, na margem de textos e contextos que não, os escritos. Estas cenas foram compartilhadas e registradas permanecendo na memória de quem assistiu os entrelaçamentos das narrativas de vida dos escritores do memorial. (os orientadores).
Entre quarenta e cinco memoriais orientados, identifico um indício não regular, quando trato do testemunho das emoções que emergiram no processo inicial de escrita do memorial. Somente uma protagonistas faz a declaração através da escrita sobre emoções vivenciadas neste processo revelando-as no texto escrito,

...ao pensar escrevendo sobre minha infância fiquei muito emocionada e, lentamente, no silêncio, foram caindo lágrimas vindas do fundo do coração, por recordar pessoas que contribuíram para minha formação espiritual, profissional e social. (Fonseca, 2001 p. 10). Essa confissão e registro escrito do sentimento que assaltou a autora do memorial, no início da produção foi uma cena rara. Ficou evidenciado pelos menos, nas experiências que vivi como orientadora de memoriais acadêmicos que comumente o resgate das memórias criam uma atmosfera de sofrimento, e muitos não pedem ser revelados. Muitas histórias resgatadas através do relato, até então fragmentadas são revividas, re-elaboradas pelos alunos mas nem todas podem ser contadas. A tese de que é através de relato que o indivíduo passa apreender a significação do drama vivido é defendida por Politzer. O drama representa a trama dos acontecimentos e relações que envolve o indivíduo, suas vivencias pessoais e o relato do drama possibilita ao indivíduo penetrar e atribuir sentido a complicada compreensão das experiências vividas. Para conhecer o sentido do drama é preciso recorrer ao relato do sujeito (Politzer, 2004 p.189). O conteúdo do relato oportuniza a interpretação, dá sentido ao gesto, a linguagem, as vivências humanas sociais e individuais. As teorizações de Politzer, indicam modos de reflexões de que os relatos memorialístico vão adquirindo significações, atribuições de sentidos oportunizando os escritores dos memoriais re-interpretarem as experiências, os dramas vivenciados transformando o sentido do vivido em um sentido vivido apreendido e interpretado e conhecido por eles. Esse acontecimento psicológico possibilita-os fazerem recortes e opções entre o que pode ser dito, para tornar-se conhecimento público e o que não pode ser revelado, tomando o sentido do vivido em conhecimento só para si, para sua vida privada.
Após descrever o cenário onde desenrolaram os atos narrativos de personagens reais, passo a circunscrever em atos, as partes mais expressivas dos textos dos alunos no decurso da escritura de suas memórias de vida professoral.

I ATO

Primeiras memórias: o drama do vivido

As memórias professorais são iniciadas pelas histórias de vida pessoal. Suas origens sociais. Geralmente filhos de pequenos agricultores e não alfabetizados.
Meu genitor era semi-analfabeto (assinava o nome e detinha pouco conhecimento, era agricultor (vivia do cultivo da terra) Oliveira, 2001 p. 11.
O meu pai, agricultor, analfabeto nem conhecia a letra “o”. Fonseca, 2001 p. 11
O meu pai era agricultor e não teve oportunidade de estudar. Residiu por muito tempo na zona rural. Mesmo sendo analfabeto encaminhou seus filhos a escola. Araújo, 2001 p. 10.
Minha mãe, apesar de pouco estudo, preocupava-se bastante com a educação dos filhos. Tal preocupação foi a mola propulsora para que eu viesse a ser o que hoje sou, pois mesmo que tivéssemos de ajudá-los na agricultura, era-nos reservado o momento dedicado aos estudos. Fernandes, 2001 p. 7.
Nos depoimentos escritos dos alunos havia reconhecimentos explícitos pelos cuidados e esforços paternos e maternos para que freqüentassem a escola. Certamente os pais planejavam ou almejavam um futuro diferente do deles para seus filhos.
Outras memórias impressas nas narrativas escritas dos alunos se referem as lembranças do aprendizado das primeiras letras. Vejam-se algumas passagens
(...) minha avó. Foi ela que também me ensinou a leitura das letra do alfabeto na Carta do ABC. Aos sete anos freqüentei uma escola, no sitio onde nasci...
A minha primeira professora era leiga (tinha apenas o primeiro grau) (...) para eu aprender a ler tive que começar juntando as sílabas e soletrando para depois realizar a leitura da palavra.
Repeti várias vezes a primeira série, por não dominar o processo de leitura e escrita, (Fonseca, 2001 p. 14).
Ao lado das lembranças sobre o processo de alfabetização vivido em suas idades infantis, também foram manifestadas pelos protagonistas do memoriais, lembranças sobre os modos de agir, de ensinar, de se relacionar de suas professoras. Segundo seus relatos as práticas pedagógicas de suas professoras ao ensinarem exerceram relações de cuidados, outras de opressão ou de silenciamento do aluno.
Nas narrativas dos professores localizo depoimentos reveladores de que as atitudes de opressão, de silenciamento experimentadas na escola, marcaram negativamente suas emoções, encolhendo suas capacidades de opinarem, de confrontarem e sobretudo suas manifestações de linguagem. Vejam-se estas passagens.
Ingressei na escola, cheio de entusiasmo, porque a vontade de aprender era grande mas minha professora Isabel Lira, era muito diferente da minha tia . (...) cada vez que errávamos éramos, obrigados a escrever várias vezes a palavra errada e decorar a seqüência do alfabeto e a tabuada, pois o aluno que não conseguisse responder as suas perguntas ficava de castigo e ainda sofria com a palmatória para que aprendesse. (...) Deparei-me com um ensino bastante rigoroso, onde não tínhamos o direito a voz, os professores em sua maioria não davam oportunidades aos alunos de expressarem-se abertamente ou exporem suas idéias. (Oliveira, 2001 p. 18)
Observo que neste relato, entendendo que o relato é uma produção de linguagem, entreposto entre a memória e a lembrança, havia um teor dramático cuja, sentido vivido circunscreve de entusiasmo, vontade sendo substituído por subserviência, castigo, sofrimento e silenciamento. O relato acima apresentado está caracterizado como drama uma vez que as cenas apresentadas permeiam conflito entre a expectativa do protagonista e a realidade adversa que é obrigado a viver. Uma vez que encerra experiências de sofrimento, penosas e desgastante para uma criança de sete anos, esvaziado de elementos que o ajudasse a compreender cenas hostis por parte da professora e principalmente o conflito causado pelo estranhamento originado do distanciamento entre o desejo e expectativa de criança e o que de fato acontecia no cenário escolar.

Vejamos outro relato

... Rememorizando o período em que fui alfabetizada, destaco um fato que aconteceu comigo, o qual marcou-me profundamente. No primeiro dia de aula a professora mandou copiar no caderno a seguinte frase: “Gosto de Estudar”. Como ainda não tinha noção de espaço, ao escrever a frase, utilizei toda a folha do caderno. A mesma imediatamente, me chamou a atenção de maneira agressiva e rústica. A partir desse dia tornei-me uma pessoa bastante tímida, fechada. Hoje não gosto de expor minhas idéias, falar o que penso, porque tenho receio de que serei repreendida e prefiro ficar em silêncio mesmo sabendo que não devo ser assim. (Araújo, 2001 p. 11).
Neste re-lembrar, nestas escavações de memória, que o momento de construção do memorial exigiu aconteceu uma intensa aproximação com os vestígios das experiências vividas pela escritora do memorial. Reviver e reavivar este encolhimento afetivo no qual ela se enxerga imersa, entrar em contacto, localizar na memória estas marcas tristes já tão afastados pelo tempo é doloroso para a narradora, mesmo estando em um tempo presente, temporalmente distante do vivenciado regressa a um passado pouco acolhedor e ainda não solucionados afetivamente. Nesta passagem esta instalado o drama vivido pela escritora do relato, uma vez que o lugar de rusticidade e agressividade que entorna o poder de sua professora penalizou-a emocionalmente. A criança por não saber como usar o espaço do caderno e a professora por apresentar uma postura docente incompatível com as intervenções pedagógicas necessárias ao ensino do uso do espaço e da margem do caderno a aluna. A narradora já em sua idade adulta evidencia em seu texto escrito que ainda se reconhece tímida e fechada marcas pessoais que decorreram/decorrem do medo de ser repreendida.

II ATO

Noviciado da prática social docente

O segundo ato reconstitui a história da prática social docente desenvolvidos(as) pelos(as) professores(as) protagonizadores(as) do memoriais acadêmicos. Comumente nos relatos memorialísticos os professores(as) mais velhos(as) lembram que ao concluírem o Curso Ginasial geralmente ingressavam no mercado de trabalho realizando a profissão de professor(a). Os(as) professores(as) mais jovens iniciaram sua vida profissional após concluírem o curso de Magistério.
A carreira profissional dos professores(as) mais velhos(as) iniciou quando ainda eram muito jovens, com baixa escolaridade e carentes de formações voltadas para a prática da profissionalização do ensino. Muitas dificuldades marcaram o noviciado de suas funções docentes.
Vejamos os depoimentos de alguns professores(as)
Iniciei minha carreira de professora aos quatorze anos de idade, administrava aulas de reforço em minha própria casa. ... Quase desprovida de conhecimentos teóricos tinha como referência o senso comum e a intuição de futura educadora... (Martins, 2001, p. 19).
Em seguida a esta experiência a professora relata que alguns anos mais tarde passou a trabalhar em uma escola em uma turma de 4ª série com crianças entre 10 e 15 anos. Sobre este trabalho diz a professora:
Como era principiante, preocupava-me muito com a aprendizagem com a aprendizagem dos alunos... (Martins, 2001, p. 20).
Trabalhava fundamentalmente com livros didáticos; na minha concepção, achava que estava trabalhando de forma correta e ensinava da forma como tinha aprendido através de treino ortográfico, redações, estudos de textos, porém sem qualquer fundamentação teórica. (Martins, 2001, p. 21).
Vejamos o relato de outra professora:
No período em que ingressei no Curso de magistério fui convidada para lecionar numa turma de Educação de Jovens e Adultos.... A referida turma não era alfabetizada... A minha atuação no processo de alfabetização desses alunos refletiu o meu processo de alfabetização: foi a maneira com a qual a minha professora alfabetizou-me ... (Silva, 2002 p. 33).
O depoimento a seguir de uma das professoras escritora dos memoriais não declara em seu texto que repetia as experiências que vivenciara no passado como aluna mas, uma análise mais cuidadosa de sua manifestação textual nos possibilita inferir que a docente repetia o processo de ensino conforme vivenciara no passado.
Foi assumindo, em 1978, uma turma de Educação integrada (supletivo de 1a a 4ª série) ... que ingressei na carreira de Magistério. Nessa época, preocupava-me com a transmissão do conhecimento de forma mecânica, quase não utilizava material didático. Seguia o livro acriticamente, totalmente fora da realidade vivida pelos educandos. Não oportunizava ao aluno expressar suas idéias, exigindo de forma autoritária o silêncio total na sala de aula. (Fernandes, 2001, p. 1)...Confesso que vivi esta prática não só no inicio da minha vida profissional, mas também durante vários anos seguidos. (Fernandes, 2001, p. 13).
A insegurança provocada pela ausência de compreensão sobre como procederem em suas relações com os alunos em sala de aula e pela falta de conhecimento para intervir no processo de ensino escolar inspirava os professores a desenvolverem o ofício com base em suas experiências como estudantes, nas práticas pedagógicas dos mestres que os ensinaram e em como tinham aprendido.
Os professores(as), ao marcarem estas revelações no contexto de suas histórias professorais, revelam a fragilidade da ação docente praticada por eles durante algum tempo. O fato de eles(as) necessitarem desse passado para tornar-se professor provavelmente possibilitaram aos alunos(as) a acumularem prejuízos de aprendizagens, de desenvolvimento intelectual, emocional pois havia um distanciamento temporal, histórico e de espaço entre a época em foram estudantes e o período em que tornaram-se professores. Pois certamente o fato de reproduzirem em suas práticas docentes, as ações experimentadas quando crianças no ambiente escolar, indicam que não só, as experiências positivas mas também as que foram motivos de traumas, de silenciamento, de conflitos passaram a ser re-apresentadas e atualizadas por eles(as), pela função menmônica transformando-se em fonte de referência, de inspiração, tornando-se artifício para preencher a ausência e o vazio da inexistência de formações pedagógicas adequadas uma prática docente, autônoma, de tipo renovado, em uma perspectiva mais atualizada. Que conhecimentos, que formações foram negadas a estes professores(as), uma vez que a ações docentes praticadas e narradas por eles anunciaram que se reportaram as experiências escolares e as funções docentes, que conviveram no passado.

III ATO

Espaços de confrontos
Denomino o terceiro ato intitulando-o de espaços de confronto. Neste terceiro ato serão destacados confrontos entre idéias, reflexões, ações docentes, etc. são confrontos dramáticos, por que envolve posições inconciliáveis dos protagonistas no desdobramento dos episódio vivenciados durante determinado tempo. Cada episódio está relacionado com outros e o resultado de cada episódio vivenciado dá lugar um novo episódio.
Será destacado a princípio nos episódios vividos pelos docentes o confronto, que realizaram no decurso de seu relato, entre o reconhecimento de que seu saber estava esgotado, já não dava conta, para regular as atividades docentes e a necessidade de inserir-se em novas redes de conhecimentos como perspectiva para compreender a complexidade docente e interagir pedagogicamente, pautados(as) em outros referenciais.
Vejam-se os depoimentos das professoras ao assumir uma classe do ciclo de alfabetização:
“...logo percebi que não sabia mais ensinar, nem mesmo de forma tradicional. Senti uma profunda fragilidade em minha formação de professora, percebendo a necessidade de compreender uma teoria que viesse possibilitar uma prática pedagógica do ensino de leitura e escrita.” (Fernandes, 2001 p. 15).
Vejamos outras reflexões, às quais as professoras manifestam conflitos inconciliáveis.
“...Enfrentei todo o percurso profissional apenas com a formação do curso de magistério e tinha consciência da fragilidade de minha formação. Diversas vezes me defrontei com situações difíceis sem condição de resolvê-la. Refleti e achei que não podia continuar sendo uma professora consciente das lacunas na formação, necessitava tomar uma atitude para reverter a realidade. (Araújo, 2001 p. 23).
“...No entanto, hoje, indago se as crianças de fato aprendiam ou era uma aprendizagem mecânica, na qual só memorizavam, sem oportunidades de construir seus próprios conhecimentos? (Martins, 2001, p 21).
O drama do sentido dos conflitos vividos pelas escritoras denotam que este drama é muito mais amplo para o sujeito, do que, o apresentado pelo seu relato.
Esta inferência que estabeleço decorre ao interpretar que estas professoras sentiram, por um longo e sofrido período de tempo. Conviveram com os conflitos e as contradições, brevemente aqui apresentados, no entanto no memorial não cabe discorrer exaustivamente sobre este sofrimento, nele está apresentado pequenos recortes dos conflitos experimentados na complexa atividade de ensinar.
Na sequência, passo a tecer a re-produção dos vestígios da experiência dos professores(as), quando optam por escrever as relações entre o conhecimento e o saber que regulavam suas ações docentes e as condições do curso de nível superior que contribuíram para melhor interpretar e conhecer os sujeitos e a dimensão do ensino e a aprendizagem, ultrapassando os limites que os impediam de realizar atividades de professor de forma mais aproximados (as) dos processos de compreensões, da complexidade que a atividade docente requer.
As memórias mais remotas ao serem entrelaçadas com os conhecimentos e aprendizagens (memórias mais iminentes) elaborados durante o curso possibilitou aos professores reverem criticamente sua história na condição de alunos e sobre o ofício de professores. Os registros escritos dos autores revelavam outros olhares para a profissionalização do ensino. Novos saberes docentes foram constituídos no decorrer do curso. Em grande parte dos memoriais, os autores realçam que o conhecimento e aprendizagem produzidos no decorrer do curso redefiniria sua prática.
Vejam-se os relatos dos professores ao se referirem as contribuições do curso de pedagogia no processo de reelaboração de suas atividades docentes.
“...Hoje conhecendo algumas idéias de Piaget e Freinet vejo como deixei escapar situações e processo de aprendizagem normal; Poderiam ter outro tratamento.” (Martins, 2001; p. 21).
Esse fator foi primordial para o aprimoramento de nossas idéias e dos conceitos que conhecíamos, pois, estávamos saindo do senso comum para o conhecimento científico, despertando em nós a capacidade investigativa e os pesquisadores que estavam em nós, adormecidos.” (Silva, 2003; p. 26)
“...durante toda trajetória do curso de pedagogia dispus-me a construir uma ponte entre o meu fazer profissional e o fazer acadêmico, buscando ter uma postura mais flexível, aberta, dando margem a uma prática pedagógica mais dinâmica, significativa que proporcionasse prazer, alegria e curiosidade aos alunos.”(Cavalcante, 2003; p. 27)
Os acontecimentos vivenciados no curso proporcionam-me maior experiência no tocante ao viver diferente, levando-me a desenvolver o senso crítico.” (Oliveira, 2001; p. 35)
Hoje, depois das inúmeras leituras e reflexões realizadas durante o curso de pedagogia percebo que o MOBRAL foi um movimento que tinha interesses políticos muito claros: ensinar os analfabetos a aprenderem o nome para poder votar. Não foi um movimento de alfabetização e sim de mecanização da escrita do nome próprio. Sinto-me um pouco triste ao perceber que a função que desempenhei no passado e que muito me orgulhou, hoje me causa um certo constrangimento...” (Araújo, 2001; p. 15)
As lembranças que os professores trazem sobre as contribuições do curso de pedagogia, como uma alternativa de preenchimento, para as lacunas existentes na profissão para redefinição da prática pedagógica, para propiciar um olhar crítico é recorrente no contexto narrativo dos professores(as). Quando as professoras se referem as contribuições do curso no processo de formação docente, transparece ter resolvido os conflitos pontuados e as confrontações vivenciadas. Enfim, a impressão que se dá é que o universo conturbado da profissão de professor foi restabelecido, os problemas, as lacunas e as faltas apontadas desapareceram.
A conclusão aqui apresentada é temporária, como enfocamos anteriormente, o resultado de cada episódio, provoca outros episódios e não será diferente, creio eu, com os professores.
Se os conflitos e as contradições foram resolvidos para os professores segundo suas últimas exposições, eles o serão restabelecidos temporariamente, porque outras contradições certamente irão emergir, e novamente os professores experimentarão novos desafios, conflitos, confrontos, uma vez que se encontram imersos na complexa atividade da ação docente.
No final do último ato, quero prestar minha reverência aos docentes, protagonistas deste drama, pelas suas histórias e pela labuta que realizaram na superação dos confrontos e contradições que vivenciaram.

Referência Bibliográfica

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