Ana Maria Netto Machado- Universidade do Planalto
Catarinense - UNIPLAC- SC- laborescrita@uol.com.br
Vânia Maria Alves- Centro Universitário Diocesano do Sudoeste
do Paraná –UNICS / Universidade Federal de Santa Catarina
– UFSC - vaniamariaalves@bol.com.br
Introduzindo e contextualizando a reflexão
A produção de conhecimentos é uma
atividade nobre da educação superior e seu contexto privilegiado,
no Brasil, constitui-se nos programas de pós-graduação
stricto sensu. Neste trabalho, focalizaremos mais especificamente o âmbito
da educação. Embora a produção intelectual
passe necessariamente pela escrita e pela autoria, sob uma ou várias
assinaturas, isto é, sujeitos singulares - uma vez que alguém
precisa responsabilizar-se por esses atos - ela é, na atualidade,
fortemente regulada por pressões e influências que extrapolam
a formação, os interesses e a capacidade criativa e de trabalho
do pesquisador, do pesquisador em formação e da figura do
orientador de teses e dissertações.
Couto (2001, p. 67), em artigo intitulado “As mudanças nas
relações sociais de produção intelectual no
século XX” analisa a crescente interferência do Estado
e do mercado na vida acadêmica, valendo-se dos trabalhos de Foucault,
sobre autoria, e Bourdieu sobre capital cultural, entre outras interessantes
referências.
Parte-se da concepção de que estamos vivendo
um novo modo especificamente capitalista de produção cultural
relacionado com a transformação do conhecimento cientifico
e cultural em mercadoria, conforme amplamente indica a literatura (Couto,
p. 76).
Este quadro nem sempre se configurou desta maneira e vem
sofrendo mudanças drásticas, nos últimos anos. Embora
seja um processo que vem se construindo historicamente há mais
tempo, fez-se sentir concretamente, no meio que nos ocupa, a partir de
meados da década de 1990, quando das mudanças irradiadas
pela Capes para todo o sistema de pós-graduação do
país, no sentido de induzir um aumento da produtividade científica
nacional. Esta meta está associada à perspectiva desenvolvimentista,
desejo acalentado há muitas décadas, ou talvez até
séculos, no sentido de conquistar a soberania e a autonomia política
e econômica da nação. Talvez remonte mesmo ao Brasil
Colônia a idéia de que a ciência é central quando
se trata do desenvolvimento econômico de um país. Esta visão
continua presente nos dias de hoje, no próprio discurso, ações
e investimentos do atual governo, repercutindo intensamente no meio acadêmico.
O sistema de Pós-Graduação nacional tem, oficialmente,
quatro décadas. Nos cinco Planos Nacionais de Pós-Graduação,
desde o primeiro, que entrou em vigor em 1975, até o atual, recém
formulado e válido de 2005 a 2010, a concepção de
que a pesquisa é mola do desenvolvimento nacional está fortemente
presente. Essa idéia é confirmada por Kuenzer e Moraes (2005),
quando afirmam que “(...) de fato, em seus mais de quarenta anos,
a pós-graduação brasileira expandiu-se e afirmou-se
alcançando padrões de qualidade e, em várias áreas,
credibilidade internacional. Pode-se afirmar que ela vem contribuindo
significativamente para o desenvolvimento do país”.
Outro ponto insistente nos cinco Planos Nacionais de Pós-Graduação,
presente quando começa a ser pensado o sistema, há mais
de meio século, é a necessidade de diminuir as diferenças
entre as regiões. Talvez seja este o aspecto que mereça
mais atenção na atualidade e provavelmente o mais difícil
de ser superado, considerando-se as proporções continentais
do país e a concentração de Programas de Pós-Graduação
nas regiões Sudeste e Sul. Exemplificando na área de educação:
54 dos 73, ou seja, 74% dos Programas de Pós-Graduação
em Educação recomendados pela Capes estão nestas
duas regiões. Esta constatação nos interessa particularmente,
pois está associada a iniciativas de criação de novos
programas, sobretudo de mestrados, em regiões periféricas,
isto é, afastadas dos grandes centros culturais, em geral em pequenas
IES comunitárias e privadas, já que as públicas,
de modo geral se concentram nas capitais ou aglomerações
urbanas de grande porte. Muitas dessas experiências têm sido
fadadas ao fracasso e não tem conseguido ingressar no sistema regulado
pela Capes, como retomaremos adiante, configurando um problema complexo
e difícil de ser resolvido.
Outro aspecto que articula as políticas nacionais de pós-graduação
às práticas de escrita e autoria de pesquisadores é
a preocupação com a qualificação da produção,
uma vez que quantitativamente, a indução promovida pela
Capes tem tido resultados positivos, mas são muitos os investigadores
de prestígio a denunciar, a partir de estudos, pesquisas e/ou observações,
a precariedade das produções (referimo-nos aqui à
área de Educação). Embora com muitas resistências,
oposição e crítica dos investigadores, passados alguns
anos das novas diretrizes de avaliação de programas empreendidas
pela Capes, é generalizada a idéia de que é preciso
qualificar as produções, uma vez que, quantitativamente
elas deram um salto significativo e satisfatório.
Discutir os efeitos dessas políticas no cotidiano dos pesquisadores
e das instituições de ensino superior, sejam elas públicas,
comunitárias ou privadas, grandes, médias ou pequenas, nos
seus destinos e no próprio exercício da produção
de conhecimentos (escrita e autoria) constitui-se em uma tarefa relevante
para a área e urgente em contextos de mestrados e doutorados em
educação.
As considerações que desenvolvemos a seguir tramam fios
de vários trabalhos e não apenas resultam de uma pesquisa
formal. Um dos trabalhos que tomamos como condutor das reflexões
é a dissertação em curso, de Alves, sobre a inserção
dos doutores em Educação formados no estado de Santa Catarina,
sendo a pergunta norteadora ‘qual o destino destes profissionais
formados pela única instituição a manter um doutorado
na área nesse estado (UFSC)? Um outro trabalho de grande fôlego
que subsidia estas reflexões e tem início informal em 1997/1998,
é a parceria entre Bianchetti e Machado em torno do tema da orientação
de teses e dissertações. Esta parceria, que já resultou
em uma série de artigos e uma coletânea de quatrocentas páginas
‘A bússola do escrever‘ (2002), incluindo 20 artigos,
a maioria de pesquisadores seniores de prestígio na área,
começa por um interesse comum de ambos autores pela escrita e a
autoria. Esta temática, quando examinada desde o contexto da pós-graduação,
foi levando os autores a interessar-se pela figura do orientador, como
aquele que se depara com as dificuldades de escrita dos orientandos e
tem de desenvolver estratégias para superá-las. Esta temática,
inicialmente encontrou pouco eco e interesse em outros pesquisadores que
questionavam a sua relevância para a área. Foram, justamente,
as modificações do sistema da CAPES, implantados a partir
de meados dos anos de 1990, reduzindo os prazos para dois e quatro anos
(para mestrado e doutorado), que aumentaram a consciência dos pesquisadores
sobre a importância de nosso trabalho, que foi ganhando legitimidade
ao longo dos anos. Hoje, está entre as estratégias dos Programas,
propor atividades capazes de promover a escrita dos mestrandos, e costuma-se
incluir uma prova escrita de modo a poder avaliar as condições
do candidato para formular idéias por escrito. Muitos orientadores
trazem depoimentos, na pesquisa desenvolvida por Biachetti e Machado (financiada
pelo CNPq) sobre candidatos estudiosos, bons leitores e detentores de
um discurso convincente, que não conseguem escrever uma linha.
Esta trajetória vem sendo adensada e complementada por pesquisas
de orientandos, permitindo abordar temas mais abrangentes e trabalhar
problemas novos que vão se configurando com o avanço paralelo
das diversas pesquisas, que permitem hoje transitar entre questões
conjunturais, como as políticas públicas de pós-graduação,
até temas minuciosos tais como o seu impacto na vida profissional
e pessoal.
A seguir historiamos os principais momentos da pós-graduação
no país, percorrendo um caminho que vai desde as primeiras iniciativas
de pesquisa em órgãos e institutos, até a formalização
desse importante sistema de ensino brasileiro.
Historicizando: Primórdios do sistema de pós-graduação
no Brasil
Certamente podemos afirmar que o sistema de pós-graduação
no Brasil é hoje o principal responsável pela pesquisa,
pela geração de novos conhecimentos, promovendo a escrita
e a autoria, a inovação científica e tecnológica;
contudo, nem sempre foi assim. Vinculada tardiamente à universidade,
a pesquisa não foi precipuamente produzida nesse espaço.
Até os anos de 1920 e 1930 do século XX, a ciência
era feita artesanalmente, por pequenos grupos de líderes intelectuais
fortes e independentes, que desenvolviam o conhecimento em cada área
e, na maioria das vezes, em subáreas específicas, filiando-se
a diferentes correntes teóricas ou metodológicas e engajando-se,
por afinidade ou mimetismo, a uma ou outra linha de pesquisa. De acordo
com Córdova, Gusso e Luna (1986, p. 5),
não obstante estas limitações e dificuldades,
será da evolução destas equipes e organizações
científicas que nascerá a comunidade científica.
E, pois, as bases do primeiro surto de desenvolvimento da ciência
brasileira nos anos 30 e 40. Sem a contínua e persistente formação
de discípulos em duas ou três gerações, não
se teria gerado a massa crítica que permitirá a eclosão
da Pós-graduação mais tarde.
O espaço para o desenvolvimento da pesquisa e para
a formação de pesquisadores, como vimos, não foi
inicialmente o da universidade, mas o dos institutos de pesquisa e outros
órgãos criados desde o início do século XIX.
Uma das instituições-matrizes formadoras de pesquisadores
foi o Instituto Manguinhos, criado no Rio de Janeiro, em 1900, nos moldes
do Instituto Pasteur. É dessa instituição que, desde
o início do século XX e marcadamente, ao longo dos anos
de 1920 e 1930, saiu boa quantidade da produção científica
nas áreas de Ciências Biológicas e Médicas
e a correspondente formação de novas gerações
de professores, laboratoristas e pesquisadores. Muitos deles formaram
as equipes básicas de São Paulo, que atuaram no Instituto
Bacteriológico daquele Estado, mais tarde o núcleo de Butantã
(1901) e no Instituto Ezequiel Dias de Minas Gerais (1907), formado na
tradição do Instituto Manguinhos, onde se desenvolviam importantes
investigações e campanhas de profilaxia, além da
formação de pessoal. Catedráticos de disciplinas
básicas das escolas de Medicina, Farmácia e Odontologia
também receberam formação avançada, participando
das atividades desses institutos.
Em outras áreas como na Química, Mecânica, Minerologia,
Agricultura, dentre outras, também foram criados vários
institutos como, por exemplo, o Instituto Agronômico de Campinas
(SP), no ano de 1887, o Instituto Nacional de Tecnologia, em 1934, os
quais acolheram e formaram inúmeros cientistas brasileiros que,
juntamente com especialistas vindos do exterior, encontraram espaço
para trabalhar e formar novos pesquisadores e professores.
Para Córdova, Gusso e Luna (1986, p. 8), essas movimentações
nas áreas técnico-burocráticas influenciaram as atividades
científicas sediadas nas escolas superiores, somando-se ao impacto
exercido pela criação da Universidade de São Paulo
(USP), em 1934, da Universidade do Distrito Federal (UDF), no ano de 1935,
ao lado da já existente Universidade do Rio de Janeiro que, em
1937, passou a chamar-se Universidade do Brasil, servindo de modelo paras
as novas universidades que viessem a ser criadas posteriormente. Na opinião
dos autores, tanto no Rio como em São Paulo, esses projetos deixaram
um considerável lastro de desenvolvimento pelo fato de haver concentrado
um grande contingente de professores estrangeiros trazidos para apoiar
sua implantação, em um período muito curto de tempo.
Muitos deles permaneceram por longos anos em nosso país, contribuindo
para a mudança no estilo de trabalho, das concepções
metodológicas e dos padrões de engajamento teórico
e científico aqui vigentes, bem como, formando novos talentos e
encaminhando-os posteriormente aos melhores centros de treinamento nos
países centrais.
A criação das instituições isoladas de ensino
superior e, principalmente, das universidades, nos permite compreender
que, aos poucos, a pesquisa ia sendo cada vez mais incorporada ao cotidiano
acadêmico, pelas diferentes áreas do conhecimento, a exemplo
do que já acontecia em outras instituições e órgãos
de pesquisa, conforme nos lembram Córdova, Gusso e Luna (1986,
p. 13):
De seu lado, as escolas superiores, embora muitas delas
ainda empenhadas na manutenção de suas tradições,
não podiam evitar que nos seus cursos e órgãos vingassem
as inovações inoculadas especialmente pelo projeto USP,
UDF. Mesmo na Universidade do Brasil e na USP e nas outras universidades
que se iam criando e onde havia Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras, estas, embora fossem se transformando em novas escolas profissionais
iguais às outras, mantinham bacharelados em Ciências Sociais
e da Natureza, caracteristicamente inovadoras. Pelo menos no sentido de
que ali se criavam novos “refúgios” para os docentes
que desejavam levar adiante a pesquisa e a formação de pesquisadores.
Como visto, a expansão das universidades acontece
bem mais tarde no Brasil, sendo que o principal lócus para a pesquisa,
até então, eram os institutos e outros órgãos.
De acordo com Guterres (2001, p. 158), nos anos de 1940 foram criadas
cinco universidades públicas e três particulares. Entretanto,
na década de 1950, essa realidade inverteu-se, tendo sido criadas
oito universidades particulares e três públicas. Por outro
lado, as instituições isoladas, tiveram um surto impressionante;
só no período de 1930 a 1945, foram criadas 95 instituições,
mais do que no Império e na Velha República, juntos. E,
até o final da década de 1950 foram criadas mais 223 instituições,
somando um total de 404 instituições. No que diz respeito
à expansão das universidades, em 1954 já havia 16
universidades e entre 1955 a 1964 foram criadas mais 21. E é neste
processo de expansão de universidades e das instituições
isoladas que foram sendo criados cursos de pós-graduação,
sem ter, inicialmente, uma regulamentação específica.
Implantação e trajetória da pós-graduação
no Brasil
A primeira tentativa de implantação da pós-graduação
no Brasil foi feita ainda no começo da década de 1930 do
século XX, mais precisamente na proposta do Estatuto das Universidades
Brasileiras, Decreto 19.851, de 11 de abril, de 1931. Nessa Reforma, Francisco
Campos propunha a implantação de uma pós-graduação
seguindo os moldes europeus. Este modelo foi implementado no curso de
Direito da Universidade do Rio de Janeiro, na Faculdade Nacional de Filosofia
e na Universidade de São Paulo.
Ao longo dos anos de 1950 e 1960, a pós-graduação
surge mais concretamente no cenário educacional brasileiro, especialmente
a partir da criação da Capes (1951), tendo Anísio
Teixeira como seu Secretário Geral. De acordo com Mendonça
(2003, p. 294), a atuação desse educador à frente
da Capes até 1964, foi fundamental para dar a esse órgão
a configuração que acabou assumindo, tornando-o de fato
um instrumento de promoção e expansão dos estudos
pós-graduados no país e garantindo, inclusive, que a pesquisa
científica se desenvolvesse entre nós no âmbito da
universidade. Ainda conforme a autora (2003, p. 295), a pós-graduação,
como instrumento de reconstrução da universidade brasileira,
para Anísio Teixeira, se configurava numa dupla direção:
Em primeiro lugar, constituindo-se no lócus, por
excelência, do desenvolvimento da pesquisa científica, no
interior da universidade, a escola pós-graduada se impunha como
requisito para transformar a universidade brasileira numa universidade
de ciência e de pesquisa, que fosse não apenas transmissora
de um conhecimento elaborado, mas criadora de um novo saber, de um novo
conhecimento, que contribuísse para a construção
de uma cultura brasileira e fizesse marchar o conhecimento humano.
Dessa forma, Anísio Teixeira contribuiu significativamente
no processo de renovação profunda da universidade brasileira,
promovendo avanços para o seu tempo e permanecendo atuais suas
concepções, no que diz respeito ao sistema de pós-graduação
no país, como frisaremos adiante.
A implantação formal dos cursos de pós-graduação
acontece somente em 1965, com o Parecer nº 977/65 do Conselho Federal
de Educação, de autoria de Newton Sucupira. O primeiro Programa
de Pós-graduação em Educação em nível
de Mestrado data desse mesmo, criado na Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ). No final desta mesma década,
em 1969, o conselheiro Newton Sucupira foi novamente o relator do Parecer
nº 77/69, que teve aprovação em 11 de fevereiro de
1969, regulamentando a implantação da pós-graduação
no Brasil. Neste mesmo ano, também foi instituído o Programa
de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Educacional na PUC/SP. A
partir daí, desencadeia-se a fase de implantação
da pós-graduação em educação stricto
sensu no país, fase esta que Saviani (2002, p. 140) denomina de
‘período heróico’ pela necessidade que se teve
de criar as condições praticamente a partir do nada.
Não obstante a criação oficial da pós-graduação
brasileira ter se dado em meados dos anos de 1960, o primeiro Plano Nacional
de Pós-Graduação entrou em vigor somente dez anos
depois, mais precisamente em 1975. Com a finalidade de compreender melhor
as políticas que regeram os estudos pós-graduados no Brasil
apresentamos, brevemente, os objetivos da pós-graduação
contidos nos cinco Planos Nacionais de Pós-Graduação
(PNPGs). No I PNPG (1975-1979) constata-se que o processo de expansão
da pós-graduação havia se dado, até aquele
momento, de forma parcialmente espontânea pressionado por motivos
conjunturais. A partir deste documento, ocorre o primeiro esforço
sistematizado do Governo brasileiro em termos de indução
da pós-graduação, pois a expansão deveria
tornar-se objeto de planejamento estatal, considerando-a como um subsistema
do sistema universitário, devendo, também, estar integrado
às políticas de desenvolvimento social e econômico
existentes naquela época. Além da capacitação
dos docentes que iam atuar nas universidades e a integração
desta modalidade de ensino ao sistema universitário serem os principais
destaques da política de pós-graduação do
I PNPG, percebe-se também a importância dada às ciências
básicas e a necessidade de se evitar as disparidades regionais.
No II PNPG (1982-1985) o objetivo principal continuou sendo a formação
de recursos humanos qualificados para as atividades docentes, de pesquisa
e técnicas com a finalidade de atender os setores público
e privado. Porém, nas suas diretrizes, enfatizou-se a qualidade
do ensino superior e, mais especificamente, da pós-graduação,
sendo necessário, para isso, a institucionalização
e o aperfeiçoamento da avaliação que já existia
embrionariamente desde 1976 com a participação da comunidade
científica. Dessa forma, a questão central do II PNPG não
foi apenas a expansão da capacitação docente, mas
a elevação da sua qualidade, destacando-se, nesse processo,
a importância da avaliação, da participação
da comunidade científica e do desenvolvimento da pesquisa científica
e tecnológica, embora este último aspecto tenha sido mais
enfatizado no III PNPG.
No III PNPG (1986-1989) aparece a idéia da conquista da autonomia
nacional, uma tendência vigente àquela época, que
já se encontrava no segundo plano e que circulou ativamente na
discussão e aprovação da reserva de mercado para
a informática e no período da Constituinte, ocasião
em que se procurou formular uma definição de empresa nacional.
No que diz respeito à pós-graduação, essa
idéia se expressava na afirmação de que não
havia um número de cientistas suficiente para se atingir plena
capacitação científica e tecnológica, tornando-se
importante um progresso da formação de recursos humanos
de alto nível, considerando que a sociedade e o governo pretendiam
a independência econômica, científica e tecnológica
para o Brasil, no século XXI. Dentro dessa perspectiva, o principal
destaque desse plano era o desenvolvimento da pesquisa pela universidade
e a integração da pós-graduação ao
sistema de ciência e tecnologia. Percebe-se, assim, nesse III Plano,
uma maior preocupação com a integração da
ciência, tecnologia e setor produtivo, bem como, com a necessidade
de superação da desigualdade regional, mostrando a necessidade
de que as instituições de ensino e pesquisa da Amazônia
recebessem maior atenção, sobretudo na formação
e fixação de recursos humanos .
No período que abrangeu os anos de 1990 a 2004, não tivemos
propriamente um Plano Nacional de Pós-graduação,
como os demais planos. A partir da realização de um Seminário
Nacional “Discussão da Pós-graduação
Brasileira”, que contou com a presença de pró-reitores,
representantes da comunidade acadêmica, da Associação
Nacional de Pós-Graduandos – ANPG, representantes de órgãos
públicos e agências de fomento, elaborou-se um documento
de caráter indicativo e não normativo. Esta opção
baseava-se na concepção de que as diretrizes sugeridas deveriam
ser transacionadas e adequadas às condições das instituições
dos diferentes Programas de Pós-graduação, às
especificidades das diferentes áreas do conhecimento e adaptadas
às peculiaridades das diversas regiões do país. Várias
recomendações que subsidiaram as discussões foram
implantadas pela Diretoria da CAPES ao longo do período, dentre
elas a expansão do sistema, diversificação do modelo
de pós-graduação, mudanças no processo de
avaliação e inserção internacional da pós-graduação.
O V PNPG (2005-2010) foi elaborado depois de um longo período de
quinze anos de ausência de um Plano Nacional de Pós-Gradução
propriamente dito, o que parece ser um indicativo de que as mudanças
paradigmáticas são lentas e revelam o quanto a superação
dos modelos requer tempo. De acordo com este plano (p. 55), atualmente
em vigor “o objetivo principal do PNPG é o crescimento equânime
do sistema nacional de Pós-graduação, com o propósito
de atender, com qualidade, as diversas demandas da sociedade, visando
o desenvolvimento científico, tecnológico, econômico
e social do país”. Além disso, esse Plano tem ainda
como objetivo subsidiar a formulação e a implementação
de políticas públicas voltadas para as áreas de educação,
ciência e tecnologia. Consta dos objetivos da pós-graduação
para os próximos anos: o fortalecimento das bases científica,
tecnológica e de inovação; a formação
de docentes para todos os níveis de ensino; a formação
de quadros para mercados não acadêmicos . A exemplo dos planos
anteriores, outro objetivo destacado nesse Plano é a necessidade
primordial de se buscar o equilíbrio no desenvolvimento acadêmico
em todas as regiões do país. Contudo, chama a atenção
para o fato de que as metas deste projeto de expansão e equilíbrio
necessitam se ancorar na qualidade, estabilidade e pertinência.
Nesse sentido, queremos enfatizar que nos cinco PNPGs estão presentes
alguns problemas que permanecem ao longo desses 40 anos de existência
do sistema de pós-graduação e pesquisa no Brasil:
entre eles estão a preocupação com as fortes diferenças
regionais a serem superadas, com a flexibilização do modelo
de pós-graduação e com a busca de autonomia no desenvolvimento
científico e tecnológico do país. Trata-se de concepções
e metas “persistentes”, que estão presentes desde o
início da história da pós-graduação
brasileira, mas que ainda não foram devidamente superadas, solucionadas
e alcançadas.
A “virada” de meados de 1990: produtividade
induzida e repercussões na escrita e autoria dos pesquisadores
Embora o III PNPG já tenha assinalado para a necessidade
de substituir o modelo de pós-graduação centrado
na preparação de docentes para o ensino superior pela centralidade
da pesquisa, essa mudança vai ocorrer apenas em meados dos anos
de 1990, quando a CAPES modificou profundamente as políticas de
pós-graduação, implantando um novo paradigma de avaliação.
A partir de então, os Programas de pós-graduação
não mais recebem conceitos de “A” a “E”,
mas notas distribuídas entre “1” e “7”.
O nível “5” passa a ser aplicado aos Programas organizados
em cursos de mestrado e doutorado, que possuem qualificação
correspondente ao anteriormente estabelecido como “perfil de curso
A”; os níveis “6” e “7” indicariam
aqueles Programas com condições de serem alçados,
a partir de critérios referenciados em padrões internacionais
de excelência, apresentando, entre outros, desempenho diferençado
no que diz respeito à produção científica,
cultural, artística ou tecnológica.
A partir daí, temos o que podemos chamar de um novo paradigma na
pós-graduação brasileira, induzido pelo sistema de
avaliação, centrado na produtividade. De um lado, como afirmam
Kuenzer e Moraes ( 2005, p. 8), pode-se reconhecer o caráter positivo
dessa indução que, centralizando a pós-graduação
na pesquisa, ressalta o seu caráter de cientificidade. De outro
lado, porém, temos uma exacerbação quantativista,
que seguindo os modelos econométricos, só avalia o que pode
ser mensurado. Além disso, conforme as autoras (p. 8), “as
exigências relativas à produção acadêmica
geraram o seu contrário: um verdadeiro surto produtivista em que
o que conta é publicar, não importa qual versão requentada
de um produto ou várias versões maquiadas de um produto
novo”. Dessa forma, esse novo modelo que induz a produtividade pode,
e vem comprometendo a qualidade da escrita e da autoria dos pesquisadores,
especialmente dos pesquisadores em formação. Dentro dos
eventos, e o Cole não é exceção na sua versão
2005, temos uma verdadeira “passarela de trabalhos”, como
afirma um dos entrevistados da pesquisa desenvolvida por Machado e Bianchetti,
uma passagem fugaz, com 10 minutos de apresentação e sem
tempo para debate, cujo intuito de trabalho intelectual fica descaracterizado,
valendo apenas para obter o certificado (quem escreveu e enviou trabalho,
mas não “bateu ponto” nesses 10 minutos não
recebe o certificado). A produção que mais do que nada é
escrita não é reconhecida, mas sim o fazer-se presente,
que faria sentido cultural e científico se, de fato, promovesse
interações e debates. Mas, aqueles que participamos desses
eventos sabemos quão reduzido fica esse desejável efeito,
quando os trabalhos se atropelam em mesas cujo único público
são meia dúzia de colegas que também apresentam,
e só permanecem nessa sala esperando sua vez para não constranger
os colegas. Vemos claramente que a finalidade dos colóquios está,
nessa lógica, comprometida. Outro fator a assinalar é o
fato de que a organização das mesas em congressos é
tarefa difícil de ser estruturada para promover intercâmbios
interessantes. Muitas vezes, o apresentador se surpreende de encontrar
a mil km de distância de sua IES os vizinhos de sala da sua própria
universidade. Nesses casos, o que justifica tanto investimento, inclusive
financeiro? Estes questionamentos são apenas alguns dentre tantos
outros que podem ser levantados, para evidenciar que a era de produtivismo
que ora vivemos no meio da pós-graduação requer muito
aprimoramento.
Esta cultura que vem se instalando no sistema de pós-graduação
nacional rasura, em muitos momentos, a ética, como bem sugere a
declaração de Kuenzer e Moraes. Ao valorizar a quantidade,
muitas estratégias trapaceiras vão sendo praticadas pelos
próprios investigadores. Estas estratégias se concretizam
nas modalidades de práticas de escrita e autoria, passando pela
diversidade da noção de coautoria, por exemplo.
É polêmica a aceitação, por exemplo, das produções
coletivas resultantes de grupos de pesquisa ou das publicações
assinadas por orientadores e orientandos. A tradição da
multiautoria é antiga nas áreas ditas duras, onde o trabalho
experimental exige grandes equipes e divisão de tarefas muito pontuais.
Porém, nas áreas humanísticas essa prática
vem sendo induzida e ganhou adoção (mais do que aceitação)
em função da sua praticidade, no sentido de aumentar o número
de artigos publicados para cada pesquisador. Em uma espécie de
acordo de cavalheiros, práticas do tipo “eu incluo teu nome,
e tu incluis o meu”, “eu te cito, tu me citas, nós
nos citamos” vêm sendo adotadas, muitas vezes de maneira inescrupulosa.
Diversos depoimentos da pesquisa de Machado e Bianchetti denunciam este
tipo de prática e comparam o adensamento das produções
de décadas anteriores, com o que denominam “ligeireza”
da produção atual.
A coautoria, que pode se constituir em uma prática rica e criativa,
muitas vezes não passa de uma espécie de carimbo, aplicado
sobre o trabalho de outrem, no caso de alguns orientadores que consideram
praxe assinar seus nomes junto aos orientandos em todos os trabalhos que
apresentam enquanto estão sob a sua tutela. Nem sempre a assinatura
corresponde a um trabalho compartilhado, com discussões e elaborações
de ambos autores.
Por outro lado, concepções como a de Saviani, de que as
dissertações deveriam ser monografias de base, que mapeassem
realidades ou fizessem estados da arte de determinadas questões,
resultando em trabalhos úteis para se pensar adiante, isto é,
que pesquisadores mais maduros poderiam aproveitar para realizar reflexões
mais ousadas, poderia constituir uma forma de coautoria bastante produtiva,
pois cumulativa e relevante. Porém, tal prática não
se disseminou como poderia nem fez todos os efeitos de que é promissora.
Ainda explorando algumas das que poderíamos chamar de conseqüências
perversas das políticas de produtividade, estão as desavergonhadas
vendas de trabalhos prontos, nas quais a idéia de educação
como mercadoria atinge o grau de contravenção e crime. Evidentemente,
não é de responsabilidade dos mentores de tais políticas
esse efeito. Porém, cedendo à penetração da
lógica que vigora no mundo globalizado no qual vivemos e trabalhamos
hoje, ditada pela hegemonia econômica do capitalismo, deu-se lugar
para a comercialização dos conhecimentos, materializados
em produções comercializáveis. São conhecidos
os sites como www.zemoleza.com.br ou www.trabalhosprontos.com.br.
Outra iniciativa com efeitos construtivos, mas acompanhada de conseqüências
menos apreciáveis foi a implementação do sistema
Qualis de avaliação de periódicos. Em um enorme esforço
de várias instituições como CAPES, ANPED, Fórum
de Coordenadores de Programas e outras, empreendeu-se a avaliação
dos periódicos da área de Educação e de outras
áreas (muitas já contam com o sistema). Alguns padrões
de qualidade passaram a ser descritos e disponibilizados, com detalhes
instrutivos que logo foram sendo seguidos por editores de periódicos,
resultando em certa padronização de procedimentos e configuração.
Porém, o sentido original dos periódicos, que seria o de
veiculação de saberes e conhecimentos em construção,
como bem mostra Uhle, em um colóquio realizado na USP, em 2000,
dedicado a discutir sobre as políticas de publicação
na área de educação, foi extraviado.
Uhle vai buscar na obra de Meadows, de 1999, o que seria a gênese
dos periódicos científicos tal como os conhecemos hoje,
trazendo em seguida o exemplo de Comenius. "O surgimento da revista
científica, apontado por Meadows, data do século XVII e
tem sua origem na correspondência, na literatura privada. Revistas
científicas aparecem juntamente com as Academias e Sociedades Científicas".
E continua Uhle (2002, p. 11):
... os traços mais visíveis das origens
da produção educacional em periódicos são
encontrados num gênero literário singular, a literatura epistolar.
[...] Vivendo em Praga, no século XVII, Comenius estabeleceu contato
com sábios ingleses, em Oxford, para onde despachava seus escritos,
que passavam depois por Paris, Toulouse e voltavam anotados e comentados.
O fruto desse debate foi o conjunto de novas elaborações
produzidas pelo autor. A obra ia, aos pedaços, sendo discutida
e ampliada como uma longa carta por muito tempo inacabada.
Há um ponto muito interessante que merece destaque
na relação entre periódicos e cartas, tão
oportunamente trazida à tona por Uhle. Trata-se da característica
do saber inacabado, do conhecimento em construção. Associado
a essas dimensões está também o caráter de
interlocução/debate, que é por sinal salientado por
Rosa Fischer (2002, p. 77), em Qualidade editorial: por uma política
de excelência acadêmica e de respeito às diferenças,
trabalho apresentado em um seminário organizado por Belo. Trata-se
de um debate muito conhecido, no início da década de 1990,
acontecido entre Fernando Becker e Thomaz Tadeu da Silva (ambos docentes
da UFRGS), na revista Educação & Realidade. Em várias
edições, os dois autores mantiveram uma espécie de
correspondência aberta, pois publicada, praticando o que vemos agora
como sentido original dos periódicos, e que parece ter se perdido
na atual roda-viva acadêmica, em que a produtividade frenética
impera. A respeito da importância do outro e da interlocução
informal (via correspondência) na construção de conhecimentos
é interessante o artigo de Vera Colucci Impulsão para a
escrita: o que Freud nos ensina sobre fazer uma tese... (In: Bianchetti;
Machado, 2002, p 383-408), bem como seu projeto de doutorado em curso
no IEL-Unicamp: O outro na escrita de uma tese.
Poucas vezes temos oportunidade de acompanhar um debate intelectual que
mostre como vão sendo construídas as teorias ou, então,
como elas são desbancadas por novas descobertas. Este sentido fundante
dos periódicos não tem vindo à tona a partir do sistema
Qualis, que apenas estabelece orientações a serem seguidas
e classifica os periódicos conferindo-lhes notas e categorias (local,
nacional, internacional).
Também é interessante observar uma certa tendência,
bastante disseminada em nosso meio universitário a seguir normatizações
sem perguntar-se pelo seu sentido e finalidade. Por que um periódico
deve ter um conselho editorial? Por que ele deve ter inscrição
na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro (ISSN)? Por que ou para que na
primeira página de cada artigo é aconselhável constar,
no pé de página, todos os dados que permitem referenciar
o escrito? Respondemos a esta última pergunta só a título
de exemplificação. Porque não podemos comprar todos
os periódicos e é freqüente fazermos fotocópia
apenas de um artigo de nosso interesse. Se os dados de referência
do artigo estiverem na primeira página do artigo, não haverá
risco de esquecermos de copiar a referência e, depois, na hora de
citar o artigo, não passaremos pela dificuldade de não saber
onde encontrar tais dados, mesmo que não tenhamos a publicação
completa (não há risco de esquecer). Quantas vezes professores
de educação superior fornecem cópias de partes de
livros sem incluir a referência? Com esta orientação
para as editoras (se ela é obedecida) esse risco passa a não
existir. É uma orientação útil, prática
e inteligente. Porém, é interessante que os pesquisadores
e investigadores em formação conheçam os fundamentos
das regras que obedecem, o que, de fato, não costuma acontecer.
Nesse sentido, a opção indutiva da Capes, embora tenha atingido
bons resultados do ponto de vista do aumento da quantidade de artigos
publicados nacional e internacionalmente, situando o Brasil entre os dez
primeiros países do mundo em termos de produção científica
, o rigor científico atingido por nossas produções
talvez sejam ainda muito cosmético, como denunciam Kuenzer e Moraes.
Os trabalhos são apresentados obedecendo às regras estipuladas
pelas autoridades em questão, mas até que ponto há
efetivos e relevantes avanços, esta parece ser outra questão.
Ao menos na área da Educação os questionamentos são
consideráveis e vindos de pesquisadores com credibilidade como
Gatti (2001) e Warde (2002).
O fato é que a ingerência destas políticas na produção
afetou o cotidiano dos pesquisadores, especialmente obrigou-os a escrever
e publicar, o que tem o seu aspecto positivo, uma vez que a nossa tradição
era de grandes mestres, uma cultura da transmissão oral, que ainda
predomina no ensino. Tais políticas geraram um impacto no sentido
de valorizar a escrita, que antes passava desapercebida, e também
de perceber o quanto as disciplinas de língua portuguesa deixam
a desejar, uma vez que depois de estudar até 13 anos dessa disciplina,
os mestrandos apresentam dificuldades profundas de escrita. Um dos resultados
surpreendentes da pesquisa de Machado e Bianchetti é que, na experiência
dos orientadores, os mestrandos começam sem saber escrever, com
raras exceções, mas no final se verifica que aprendem ou
melhoram muito a sua escrita. Consideram alguns orientadores que o mestrado
pode não gerar conhecimentos novos, mas que gera um aprimoramento
na escrita é constatação da maioria. Esta consciência
vem à tona justamente a partir do encurtamento de prazos estabelecido
pela CAPES, pois é nesse momento que os orientadores tem que assumir
uma responsabilidade maior junto aos orientandos, pois os fracassos dos
primeiros recaem sobre os segundos, e sobre os seus programas, transformando-se
em notas baixas para o coletivo.
A inclusão dos pequenos programas de mestrado em
Educação do interior dos estados ou afastados dos grandes
pólos culturais é um problema de política pública
Por último, incursionar nestas temáticas,
tentando articular extremos que vão, desde a subjetividade de um
pesquisador posta na sua produção escrita, bem como os obstáculos
de diversa ordem que encontra a barrar-lhe o caminho da autoria (entendida
aqui como uma escrita que circula publicamente, isto é, publicada)
com as políticas nacionais de produção científica,
foi levando as autoras a vislumbrar algumas barreiras pouco visíveis
tanto por aqueles que se dedicam exclusivamente a um ou a outro dos dois
pólos aqui contrapostos e articulados.
Também uma certa perspectiva que adotamos em vários estudos
e pesquisas, que envolvem mapeamentos, foi deixando nítida uma
tensão presente no campo que estudamos, entre duas necessidades
imperiosas de nosso país. Por um lado, para desenvolver-no no mundo
globalizadamente competitivo do século XXI, ele precisa inserir-se
no cenário internacional. Para isso, o país precisa conhecer
e obedecer a padrões praticados nos países dominantes, e
é isto que a Capes conseguiu construir nos últimos anos.
Por outro lado, para desenvolver-se o país precisa diminuir as
diferenças regionais, o que significa a necessidade de interiorizar
a pós-graduação stricto sensu. Esta interiorização,
induzida pela própria legislação (LDBEN) que exige
formação continuada e titulação mínima
para os vários níveis de formação veio ao
encontro da expansão de pequenas faculdades isoladas, universidades
comunitárias ou nitidamente privadas, que começam a abrir
mestrados, atendendo às demandas regionais. Especialmente no caso
da educação, a demanda por mestrados é significativa,
uma vez que os professores compõem uma das categorias profissionais
mais numerosas e presentes em todo pequeno município do território
nacional.
Com uma vaga idéia do que seja o universo da pesquisa, muitíssimas
IES contrataram doutores no intuito de estruturar mestrados. Porém,
pouco informados e com escassa visão do que envolve essa passagem,
de uma IES de ensino à uma IES com pesquisa, seus investimentos
têm, com freqüência resultado em catástrofes,
uma vez que não conseguem recomendação da Capes,
terminam por fechar o curso e ver-se com inúmeros processos promovidos
por alunos que se consideram lesados, em função da não
aceitação de seus títulos, muitas vezes buscados
para melhoria salarial apenas.
Até pouco tempo, esta realidade vinha sido denunciada, sobretudo
por pesquisadores lotados em universidades públicas, estabelecendo
uma espécie de divisor de águas: existem as universidades
que entendem a educação como um bem público (essas
são as públicas) e existem as IES que consideram a educação
como mercadoria (são as que não são públicas).
Nos últimos anos, a voz de pequenas universidades comunitárias
e de grandes universidades confessionais começou a reivindicar
reconhecimento de uma terceira categoria de IES, que cumpre uma função
social importante, atendendo a demanda que as universidades públicas
não conseguem satisfazer de pós-graduação,
especialmente em termos de pós-graduação stricto
sensu.
Ocorre que as populações, no caso mais específico
de nosso interesse, os professores de pequenos municípios não
conseguem migrar para grandes centros, porque não podem abandonar
seus empregos e família, e sua formação, em geral
precária, não lhes permite competir por um vaga com candidatos
das capitais. Ao contrário, assistimos ao movimento de candidatos
das capitais dos estados migrarem para o interior em busca de seleções
mais brandas, o que resulta na ocupação das vagas nos programas
de mestrado do interior, por parte de candidatos de outros municípios
maiores. O resultado é uma exclusão em cascata.
Nesse sentido, queremos levantar a seguinte formulação:
um programa voltado para o desenvolvimento dos pequenos programas do interior
dos estados, prestando-lhes orientação adequada para que
se desenvolvam a partir da condição em que estão
não é apenas necessário, para superar as diferenças
regionais e promover um desenvolvimento mais harmônico no país,
como este é um problema de política pública para
a pós-graduação.
A situação atual é multi-excludente, tanto para os
cidadãos do interior dos estados como para as IES do interior dos
estados, que são castigadas porque são ingênuas, porque
não são informadas, porque não conhecem as regras
do jogo, porque desconhecem as regras internacionais.
Evidentemente, o tratamento destes graves problemas requer muito mais
aprofundamento. E estamos tratando desse aprofundamento em várias
vertentes simultâneas. Uma delas, com a qual queremos finalizar
esta exposição, é, justamente, a pesquisa de mestrado
de Alves, que está em fase de verificar, junto aos doutores egressos
da UFSC, os seus destinos em termos de carreira de pesquisa, escrita e
autoria. Quarenta e oito doutores formou a UFSC desde 1994. Onde estão
inseridos tais doutores? Até que ponto o investimento público
em formação de doutores está tendo o resultado esperado?
Os oito mil doutores que o governo Lula está empenhado em formar
por ano, onde irão inserir-se? Certamente não há
vagas para absorvê-los nas universidades federais e tampouco nas
estaduais. Logo, o governo está investindo em doutores que irão
atuar nas IES privadas ou comunitárias. Por essa razão,
o que acontece nestas universidades e faculdades isoladas é um
problema de política pública e requer uma condução
mais eficaz do que atualmente praticada, que ainda é predominantemente
punitiva. Um programa de assessoramento ou formação para
aquelas IES que querem iniciar o seu processo de verticalização
institucional precisa ser implementado, para tentar atingir a meta que
Anísio Teixeira já traçara na metade do século
passado: diminuir as diferenças regionais.
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