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  ALUNO DO PEJ: QUEM É VOCÊ, POR ONDE VOCÊ ANDOU? -PERFIL DE PESSOAS ATRICULADAS NO PEJ E ANÁLISE DE SUAS TRAJETÓRIAS ESCOLARES ANTERIORES

Flora Prata Machado
Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro – SME-RJ

1. Introdução

A chegada no mestrado me forneceu a possibilidade de aprofundar estudos sobre os alunos que freqüentam o Programa de Educação Juvenil – PEJ, oferecido pela Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro (SME-Rio) àqueles jovens e adultos que não conseguiram concluir o ensino fundamental.

Minha experiência com essa modalidade de ensino é mais antiga. Minha relação com os alunos do PEJ está presente no meu cotidiano desde 1985, quando fui professora durante tantos anos, e se aprofunda desde 2001 quando assumi a coordenação do programa na SME. A experiência acumulada como professora de jovens e adultos e minha posição institucional atual no PEJ colocaram-me o desafio de construir meu projeto de pesquisa em torno da realização de um survey, visando a identificar as características sociodemográficas e culturais desses alunos e suas trajetórias escolares.

Propósito grande demais diante do tempo disponível para a conclusão da pesquisa, mas, para o qual, minhas angústias e questionamentos empurravam-me: precisava conhecer um pouco mais sobre os alunos do PEJ, pois, depois de anos de trabalho com eles, continuava incomodada com algumas percepções que vinha tendo sobre os caminhos seguidos pela educação de jovens e adultos.

A partir de minhas observações, vinha levantando hipóteses. Por exemplo, me questionava se essa modalidade de ensino estaria firmando-se, em nossa sociedade, como uma extensão dos anos de escolaridade para pessoas oriundas de grupos socialmente desfavorecidos. Ou seja, se a mesma, em vez de operar na lógica da educação permanente, ideal a ser perseguido, não estaria significando a negação do direito do acesso aos conhecimentos escolares básicos para parte significativa da população que freqüenta a educação de jovens e adultos. Com essas dúvidas na cabeça, resolvi investigar este tema e elaborei meu projeto de pesquisa intitulado Aluno do PEJ: quem é você, por onde você andou?

A proposta de realizar uma pesquisa quantitativa me instigava, embora não viéssemos, no cotidiano da escola, nós professores, nos apropriando dos resultados e subsídios desse tipo de pesquisa. Pelo contrário, o que observava era uma reação adversa aos levantamentos estatísticos, justificada pelo argumento de que os números não poderiam traduzir a realidade. Realmente, uma cifra estatística isolada é como poste com luz queimada: pode servir como apoio, mas sozinha não ilumina nada (Jannuzzi, 2001, p.11). Contudo, também percebia a importância da pesquisa social lançar mão de diferentes métodos para examinar um determinado fenômeno.

No meu caso, tratava-se de buscar regularidades entre as características e trajetórias escolares dos alunos do PEJ, que pudessem representar padrões probabilísticos. A busca dessa perspectiva me auxiliou na definição de minha opção pela pesquisa de survey, enquanto abordagem mais adequada aos objetivos de conhecer quem teve e que experiências escolares anteriores tiveram os alunos que hoje freqüentam o PEJ.

Ao longo do mestrado fui escolhendo o caminho a ser trilhado e me deparando com inúmeras limitações, que, entretanto, não me fizeram desistir de abusar da ousadia de quem tem planos que não se esgotam na dissertação. Assim, a proposta inicial de realização de um survey converteu-se em um estudo-piloto, que garantiu, numa escala mais reduzida, um estudo completo incluindo todas as etapas inerentes a um survey. A realização do estudo-piloto me permitiu testar o questionário, a amostra, os procedimentos para a coleta de dados, a elaboração da base de dados, a variância das respostas e apresentar um relatório preliminar das análises realizadas. Assim, a experiência única vivenciada durante a realização do estudo-piloto me dá condições de buscar os meios necessários ao aperfeiçoamento e continuidade da pesquisa de survey.

A dissertação apresenta todas as etapas do processo de pesquisa, das vivências anteriores ao mestrado, que influenciaram a escolha do tema, à análise dos resultados e à sistematização de subsídios para a continuidade do trabalho. Contudo, o foco, específico desse trabalho, será a apresentação de considerações preliminares sobre as dimensões sociodemográfica, socioeconômica e cultural e sobre as trajetórias escolares dos alunos matriculados no programa, a partir da análise dos dados quantitativos coletados.

Para situar o leitor no campo onde a pesquisa foi realizada apresento o Projeto de Educação Juvenil e relato um pouco da sua história e as transformações sofridas ao longo dos seus anos de funcionamento. Também será apresentada uma breve abordagem da metodologia utilizada no desenvolvimento do estudo-piloto.

2. Caminhos na construção do tema da pesquisa


“Sou Professor a favor da boniteza de minha própria prática, boniteza que dela some se não cuido do saber que devo ensinar, se não brigo por este saber”.

(Paulo Freire)

Devido à minha experiência na educação pública, seria possível me inserir em diferentes linhas de pesquisa do Programa de Pós-Graduação da PUC-Rio, mas foi a educação de jovens e adultos que mais me instigou aos estudos, por ser uma área ainda pouco pesquisada no nosso país.

Além disso, as demandas apresentadas na função ora exercida por mim suscitaram muitas idéias e desejos ligados a possíveis temas para minha dissertação, que foram se delineando ao longo do meu primeiro ano no mestrado.

Com os instrumentos e ferramentas dos quais fui me apropriando no primeiro semestre do curso, realizei uma revisão de literatura, que me permitiu o conhecimento dos temas e dos conteúdos das dissertações e teses e a identificação dos principais problemas abordados na área de meu interesse e as suas respectivas conclusões. A partir desses estudos, e recorrendo aos sinais percebidos ao longo de minha trajetória profissional, fui construindo caminhos que delimitaram o tema da pesquisa.

Eu acreditava, preliminarmente, que a escola de ensino fundamental regular produzia alunos para a escola noturna. A aparente inclusão dos alunos na educação de jovens e adultos, demonstrada pelo aumento significativo do número de matrículas, estaria revelando, além de outras coisas, a exclusão promovida pela própria escola. Pretendia trabalhar com pessoas que retornaram à escola pública para se inserir na educação de jovens e adultos e verificar sua inserção em ações escolares anteriores. Assim, uma das principais hipóteses que desejava submeter à verificação empírica era a de que o perfil dos alunos matriculados na educação de jovens e adultos, especificamente no PEJ, nos dias atuais, seria o de jovens que ingressaram na escola regular na idade definida para a escolarização obrigatória, viveram alguns ou muitos anos de escolaridade, mas não obtiveram resultados satisfatórios na aprendizagem escolar. Ou seja, levar em conta essa hipótese tornava necessária a investigação das trajetórias escolares prévias e, também, um conhecimento mais complexo sobre quem são os nossos alunos.

Pretendia que essas informações permitissem não só uma caracterização do público do PEJ, mas também das trajetórias dos alunos que promovem seu retorno à escola.

A revisão da literatura sobre o tema apontou a Sociologia, a Política e a Filosofia da Educação como as abordagens teóricas dominantes nesses estudos, nos quais predominam as pesquisas qualitativas, com ênfase nos estudos de caso, relatos analíticos ou sistematizações de experiências. Algumas das pesquisas analisadas já apontavam para o crescimento do ingresso de mulheres e jovens na Educação de Jovens e Adultos (Haddad, 2002).

“Este nos parece ser um fenômeno importante cujo estudo precisa ser mais aprofundado, principalmente no que se refere às suas relações com os resultados do ensino fundamental e médio do turno diurno, bem como as mudanças no mundo do trabalho e no cotidiano das famílias, principalmente no meio urbano”.(Haddad, 2002, p.18).

2.1. Conhecendo o PEJ

O universo da pesquisa envolveu alunos regularmente matriculados no Projeto de Educação Juvenil - PEJ, uma das ações que compõem a política pública de aumento de escolaridade para jovens e adultos da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro.

A Prefeitura implantou essa modalidade de atendimento na Rede Municipal de Ensino em 1985, nos Centros Integrados de Educação Pública – CIEPs, para a população na faixa etária de 14 a 20 anos, em um projeto que privilegiava a alfabetização, denominando-o de Projeto de Educação Juvenil. A partir de 1987, em resposta às reivindicações dos alunos e profissionais que atuavam nesse projeto, o mesmo foi ampliado e passou a garantir a continuidade de estudos dos alunos que venceram o processo inicial de alfabetização no próprio PEJ ou fora dele.

Entretanto, apesar da ampliação no atendimento, o PEJ não podia ainda emitir qualquer documento de certificação oficial para os alunos, pois não possuía o reconhecimento do Conselho Municipal de Educação, o que só veio a acontecer em 1999.

A partir de 1998, a Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro (SME-RJ), em parceria estabelecida por meio de convênio com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, estendeu o ensino do PEJ até a terminalidade do Ensino Fundamental, ficando instituídos o PEJ I (proposta que atende ao 1º segmento do Ensino Fundamental, correspondendo ao período da 1ª à 4ª série) e o PEJ II (proposta que atende ao 2º segmento do Ensino Fundamental, correspondendo ao período da 5ª à 8ª série), seguindo ambos a proposta de um ensino não seriado, em blocos e progressivo.

Desde então, um aspecto observado tem sido a velocidade com que vem se dando a expansão do PEJ. De fato, no período de 1998 a 2003, a matrícula neste programa aumentou cerca de 8,5 vezes, saltando de 2.968 alunos para aproximadamente 26.000.

2.2. Metodologia utilizada

Considerando que, segundo Babbie, o comportamento social humano pode ser submetido a um estudo científico que busque regularidades, que representem padrões probabilísticos, minha opção preliminar foi a de realizar uma pesquisa de survey com vista a produzir informações sobre características da população de jovens que freqüenta o PEJ. Contudo, para fins da elaboração da dissertação, ciente das restrições de tempo e recursos para a pesquisa que pretendia realizar, desenvolvi um estudo intermediário, ou seja, um estudo-piloto que me permitirá dar continuidade à pesquisa de maneira independente, após a conclusão do mestrado, já que os dados úteis a serem obtidos, a partir da realização do estudo, são de meu interesse profissional.

O estudo-piloto diz respeito ao estudo em pequena escala de todo o desenho da pesquisa – é o que Babbie (1999) chama de um survey “em miniatura”. Nesse caso, a coleta de dados foi conduzida como uma versão em menor escala de um estudo completo, buscando atingir o objetivo de testar, adequadamente, os instrumentos, os procedimentos de coleta e a preparação da base de dados.

A pesquisa foi desenvolvida de modo a identificar certas características dos alunos matriculados no programa, tais como: escolaridade anterior, relação com o mercado de trabalho, posição na família, entre outras. Um estudo descritivo sobre o perfil desses alunos torna-se relevante pelo fato de não terem sido identificados trabalhos de pesquisa nessa área.

Considerei que desenvolver uma pesquisa por amostragem seria o mais indicado para o meu trabalho, já que me permitiria um acompanhamento mais completo da pesquisa em todas as suas etapas. Mesmo ciente da dificuldade de determinar a precisão dos resultados, sabemos que amostras bem feitas permitem estimativas bastante precisas da população que retratam (Babbie, 1999, p.14-15).

A fim de captar os padrões de comportamento dos alunos, cuidados foram tomados os cuidados necessários na seleção da amostra, que procurou ser uma boa fotografia da população.

A construção do desenho do questionário recebeu forte influência do conhecimento acumulado que tenho sobre o tema pesquisado, permitido por minha trajetória profissional até o ingresso no mestrado. Contudo, essa etapa não prescindiu da elaboração de um quadro de referência conceitual, construído a partir do diálogo com a literatura relevante nessa área. Foram as referências encontradas em pesquisas similares e a interlocução, principalmente com os estudos de Bourdieu, que deram suporte teórico para a escolha dos construtos a serem investigados na pesquisa. Talvez tenha sido essa uma das etapas onde encontrei maior dificuldade, mas, na medida em que ia me apropriando de algumas referências, pude, com mais tranqüilidade, fazer essas escolhas.

Elaborei os itens do questionário, a partir de construtos relacionados à caracterização sociodemográfica dos alunos, aos três tipos de capital – social, cultural e econômico – e ao acompanhamento da trajetória escolar dos alunos, antes do seu ingresso no PEJ.

3. Pontos provisórios de chegada da pesquisa

O desenvolvimento de estudos-piloto impõe a realização de todas as etapas de um survey: da amostragem ao relatório (Babbie, 1999). Assim, apresento, neste capítulo, análises preliminares dos dados gerados pela pesquisa à luz dos construtos elaborados para referenciar os itens do questionário, buscando estabelecer relações entre diferentes variáveis.

Nas próximas sessões, é realizada a caracterização sociodemográfica da população de alunos matriculados no PEJ e uma apresentação das características dos estudantes, que permite sua classificação em subgrupos e o delineamento do perfil dos alunos matriculados no PEJ. São apresentadas, também, análises sobre os três tipos de capital que dimensionam a posição socioeconômica do aluno, suas práticas culturais e o acompanhamento de suas trajetórias escolares antes do ingresso no PEJ.

O capítulo encerra-se com a apresentação dos resultados da avaliação que os alunos fazem do PEJ, a partir do seu retorno ou ingresso na escola.

As análises que compõem o corpo do trabalho e as principais descobertas aqui apresentadas são o resultado de estimativas pontuais que representam o valor apurado na amostra, utilizando os pesos amostrais e que permitem expandir as análises realizadas para a população do PEJ.

Os dados levantados por intermédio desse estudo-piloto poderão ser comparados com os que serão obtidos no futuro survey.

As descobertas iniciais dessa pesquisa se constituem em informações relevantes, das quais devem se apropriar os profissionais que atuam nas diferentes instâncias da educação de jovens e adultos, pois poderão gerar um maior conhecimento sobre os alunos e subsidiar o desenvolvimento de estratégias de atuação baseadas nesse conhecimento.

Em síntese, a exploração dos dados obtidos no estudo-piloto me permitiram chegar às seguintes considerações:

3.1. Aluno do PEJ, quem é você?

i. O PEJ não tem uma única cara. A marca de sua população é a heterogeneidade. Trata-se, entretanto, de uma heterogeneidade equilibrada, sem predomínio de grupos específicos. Há diferenças de gênero, cores, locais de procedência, idades, religiões, constituições familiares, escolaridade dos pais, diferentes inserções e não-inserções no mercado de trabalho. A variância encontrada em grande parte dos itens relacionados a fatores sociodemográficos e familiares da população ajuda a formar um grande mosaico, que desafia a criação de uma política educacional que atenda às diferentes exigências, necessidades e expectativas do alunado.

ii. Contrariamente, os itens relacionados com fatores econômicos e culturais, tais como: renda familiar, propriedade de pequenos bens e acervos, consumo cultural do aluno, hábitos de leitura e de estudo e os de participação em diferentes grupos sociais unificam a população do PEJ, caracterizando-a como um grupo desfavorecido no que se refere à estrutura e ao volume de capital econômico, cultural e social detido pelos alunos e suas famílias.


iii. A inserção dos alunos do PEJ em diferentes grupos sociais organizados na forma de grêmios, sindicatos, associações de moradores, partidos políticos e grupos culturais é inexpressiva, excetuando-se a participação em grupos religiosos.


iv. A pesquisa aponta a necessidade de se investigar o grau de influência da igreja na vida dos alunos – nos seus hábitos e características culturais, pois comentários complementares a algumas respostas, realizados pelos respondentes do PEJ I, indicam que há uma presença significativa da religião na vida dos alunos, em seus hábitos de estudo, na sua seleção de leituras, na participação em grupos organizados, nos motivos que os fazem retornar à escola, nos espaços culturais que freqüentam e em torno a outros aspectos sociodemográficos e culturais.


v. Em relação à hipótese subjacente a esse estudo, segundo a qual estaria se efetivando, no PEJ, um processo de juvenilização dos alunos, foi verificado que a média de idade dos alunos matriculados é de 28,5 anos, o que não confirma a presença maciça de jovens no programa. Contudo, a freqüência maior de alunos em algumas faixas de idade mais baixas, percebida pela identificação da moda da idade de 16 anos, pode estar sinalizando um ingresso crescente de jovens no programa. A pesquisa aponta, assim, para a necessidade de se fazer o acompanhamento da idade dos alunos, a fim de observar se essa tendência se confirma ou não.


vi. A análise estratificada da variável idade identificou, no PEJ II, o predomínio da matrícula de alunos mais jovens e, no PEJ I, de alunos com mais idade.


vii. Verificou-se o ingresso precoce no mercado de trabalho em 49% da população de alunos do PEJ.


viii. Mulheres, jovens e negros matriculados no PEJ constituem os grupos mais prejudicados pela seletividade do mercado de trabalho: representam o maior percentual de pessoas que não têm carteira assinada e que estão alocadas na menor faixa de renda salarial. Mulheres e jovens também são os que estão fora, com maior freqüência, do mercado de trabalho.

3.2. Aluno do PEJ, por onde você andou?

i. Os alunos do PEJ têm, em sua maioria (92%), uma trajetória escolar anterior ao ingresso no PEJ. Confirma-se, assim, a hipótese de que o PEJ é um programa voltado para atender as pessoas com experiência prévia de exclusão escolar.

ii. A maioria dos alunos que relataram a existência de uma trajetória escolar anterior à matrícula no PEJ estudou em escolas públicas.

iii. O ingresso na escola ocorreu, com freqüência bastante significativa, na idade de escolaridade obrigatória e, em muitos casos, na Educação Infantil: 67% dos alunos do PEJ ingressaram na escola até os 8 anos de idade e 40% na Educação Infantil.

iv. Foi verificado que a idade com a qual os alunos da população pesquisada ingressaram na escola foi influenciada, entre as variáveis analisadas, pelo estado de procedência e pela escolaridade dos pais: entre os que entraram tardiamente na escola, há uma maior freqüência de alunos que não são naturais do Rio de Janeiro; entre os fluminenses, foi verificado um percentual maior de alunos que ingressaram na escola a partir da Educação Infantil.

v. A escolaridade dos pais explica a idade de ingresso dos alunos na escola regular. Foi verificado que quanto maior a escolaridade dos pais, menor a faixa etária dos filhos no primeiro ano de vida escolar. Contudo, não foi observado, nesta pesquisa, o mesmo fenômeno quando a escolaridade dos pais ultrapassa o ensino fundamental.


vi. A existência de reprovações marca a vida escolar de parcela significativa da população e é influenciada por outras variáveis: 67% dos respondentes relataram reprovações ao longo de sua trajetória escolar; a freqüência de experiências de reprovações foi verificada com maior intensidade entre os alunos mais jovens.


vii. Uma marca na população pesquisada é a evasão escolar dos alunos, identificada com base nas interrupções que aconteceram ao longo de sua vida escolar: 83% deles declararam ter parado de estudar uma ou mais vezes durante a freqüência à escola regular.

viii. Considerando que todos os alunos matriculados no PEJ não conseguiram concluir o ensino fundamental e têm 14 anos ou mais de idade, no caso da população investigada, a evasão escolar interferiu mais na trajetória escolar dos alunos do que a reprovação, já que 29% dos alunos declararam não ter experiência prévia de reprovação escolar, embora não tenham conseguido concluir o ensino fundamental.


ix. A escolaridade obtida até a saída definitiva do ensino regular pode ser explicada pelo impacto de diferentes aspectos relacionados ao aluno, tais como a cor, o gênero, o estado de procedência, a relação entre a idade do aluno, a série de início da escolaridade e as interrupções na vida escolar: foi verificada uma discreta desvantagem para as mulheres em relação aos homens quando medida a série final de estudo antes do ingresso no PEJ; evidenciou-se, também, uma desvantagem para os declarantes de cor negra, já que 65% dos negros pararam de estudar na 4ª série, ou antes, sendo este percentual superior ao dos que se autodeclararam brancos ou pardos e que avançaram mais na escolaridade; a 5ª série é a última série cursada no ensino regular pela maioria dos homens matriculados no PEJ; os alunos naturais do Estado do Rio de Janeiro ultrapassaram a 4ª série, antes de abandonar a escola, com maior freqüência do que os alunos oriundos de outros estados; entre os alunos que pararam de estudar uma vez, 49% não ultrapassaram a 4ªsérie; entre os alunos que pararam de estudar mais de uma vez, 59% não ultrapassaram a 4ª série.

x. O fato de iniciar a escolaridade na Educação Infantil afeta significativamente a série de terminalidade dos alunos: os declarantes que iniciaram seus estudos na Educação Infantil apresentaram certa vantagem em relação àqueles que iniciaram seus estudos posteriormente; todos os alunos que chegaram até a 8ª série, antes de ingressar no PEJ, freqüentaram a Educação Infantil; apenas 8% dos alunos que freqüentaram a Educação Infantil não ultrapassaram a 1ª série da escola regular. Esses resultados demandam outras pesquisas que introduzam novas variáveis de modo a refinar a compreensão da associação positiva entre freqüência à Educação Infantil e permanência na escola.

xi. Na população do PEJ, encontramos 16,5% de alunos oriundos de projetos de correção do fluxo escolar, tais como Aceleração da Aprendizagem e Progressão. Esses alunos se encontram matriculados majoritariamente no PEJ II. Considerando que esses projetos estão relacionados às séries iniciais do Ensino Fundamental, e que o PEJ II trabalha com conteúdos equivalentes às séries finais, podemos concluir que o ingresso desses alunos não está, aparentemente, apontando o fracasso dos referidos programas. Esta hipótese mereceria uma pesquisa específica, já que o estudo desenvolvido não teve o objetivo de realizar uma avaliação dos programas, mas tão somente de identificar a freqüência de alunos que passaram por eles e que estão matriculados atualmente no PEJ.


xii. A pequena parcela da população que não estudou antes de ingressar no PEJ (8%), apresenta as seguintes características gerais: percentual maior de mulheres; percentual maior de pessoas mais velhas; filhos de pais que, como eles, não tiveram oportunidade de estudar; entre os homens, o principal motivo alegado para não ter estudado foi o ingresso no mercado de trabalho, já para as mulheres foram outros os motivos, ligados às funções tradicionais da mulher na família/casa; entre os respondentes naturais do Estado do Rio de Janeiro, a entrada no mercado de trabalho os afastou da escola. Por sua vez, entre os nascidos em outros estados, foi a inexistência de escola ou vagas que apareceu como um dos motivos que explicam a falta de freqüência à escola.

3.3. Por que você voltou para a escola

i. Os objetivos que trazem os alunos de volta à escola variam de acordo com o gênero e a faixa etária. Os homens e as pessoas mais jovens vêem a escola como um meio de conseguir um trabalho ou de ascender no emprego; as mulheres e as pessoas com mais idade demonstram mais vontade de aprender a ler e a escrever.

ii. A maior parte da população afirmou o desejo de continuar os estudos (93%) e muitos afirmaram que pretendem chegar à universidade.

iii. O conhecimento adquirido, para um percentual bastante expressivo da população, é o ponto forte do PEJ. Entre os alunos do PEJ I, a figura do professor se destaca como aquilo que a escola tem de melhor.

iv. Os resultados da pesquisa apontam que, ao retomarem suas trajetórias escolares, matriculando-se no PEJ, os alunos não mais interromperam seus estudos. Contudo, não foram investigados alunos que abandonaram a escola antes do momento da pesquisa, pois esta envolveu apenas os alunos que chegaram até o final do ano letivo. Torna-se necessária a realização de um novo estudo que investigue quantos e quais são os alunos que se reintegram à vida escolar e depois a abandonam novamente, bem como os motivos que os fazem tomar essa decisão.

v. A demanda apontada pela pesquisa da realização de estudos visando identificar a evasão e a baixa freqüência às aulas dos alunos matriculados no PEJ, foi ratificada pelo levantamento realizado no estudo-piloto junto à amostra de alunos: entre os alunos sorteados para compor a amostra da pesquisa, 52% não estavam presentes na escola no dia da aplicação do questionário. Considerando que, nas análises preliminares feitas no estudo-piloto, a evasão foi o fenômeno que marcou mais fortemente a trajetória prévia desses alunos, antes do seu ingresso no PEJ, podemos levantar a hipótese de que a história, mais uma vez, pode estar se repetindo. Caso essa hipótese seja confirmada, os profissionais que atuam nas diferentes instâncias do PEJ precisarão rever o compromisso político do programa, sua proposta pedagógica, a prática docente e a articulação com outras políticas públicas municipais, para que, efetivamente, atendam às necessidades e expectativas dos jovens e adultos das camadas populares, de modo que eles não desistam, mais uma vez, da escola.

4. Considerações finais

Apesar da universalização e democratização do ensino fundamental, existe ainda, no Brasil, uma parcela bastante significativa de alunos com experiências de reprovação, prática escolar responsável pela distorção idade-série e por levar os alunos ao abandono temporário ou definitivo da escola.

Pude comprovar essa realidade na pesquisa realizada: os dados coletados ratificam que a trajetória escolar do aluno matriculado no PEJ traz as marcas e experiências de uma história de ex-aluno do ensino regular.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a EJA estabelecem três funções para a educação de jovens e adultos:

função reparadora, que se refere ao ingresso no circuito dos direitos civis, pela restauração de um direito negado; a função equalizadora, que propõe garantir uma redistribuição e alocação em vista de mais igualdade, de modo a proporcionar maiores oportunidades de acesso e permanência na escola aos que até então foram mais desfavorecidos; por último, a função por excelência da EJA, permanente, descrita no documento como a função qualificadora. (Soares, 2002, p. 13).

A função da educação de jovens e adultos, que garante o atendimento às necessidades contínuas de aprendizagem e atualização, inerentes à vida do homem nos tempos atuais, ou seja, a chamada educação durante toda a vida , ainda não é exercida efetivamente pela EJA, que está voltada, prioritariamente, para as outras duas funções que buscam resgatar ao cidadão o direito à escolaridade básica.

Evidencia-se que o PEJ é um programa voltado para atender pessoas que viveram o chamado fracasso escolar e buscam a oportunidade de concluir o ensino fundamental.

A literatura aponta que a relação entre as classes populares e a escola é contraditória, marcada tanto por atitudes de rejeição quanto pelo desejo e luta para não perder o direito à instrução. O acesso aos saberes construídos e valorizados pela sociedade e a obtenção do certificado escolar que legitima esse saber e sustenta expectativas em relação a situações menos adversas de vida pela qualificação profissional, são metas para as famílias de baixa renda que buscam conquistar uma situação de vida melhor por intermédio da escola. Isso nos ajuda a compreender por que 92% dos alunos matriculados no PEJ já estudaram quando crianças e persistem agora na luta por completar o ensino fundamental.

Cabe destacar que a EJA tem sido uma área marcada por muitos programas e campanhas, em nosso país. Urge a construção de uma política para a educação de jovens e adultos. Nessa construção, cabe também à universidade um papel muito importante: incluir o tema no rol dos estudos emergentes, garantindo-lhe o espaço devido como fomento aos projetos de pesquisa na área.

Chegando ao final desse trabalho, verifico que as descobertas iniciais desta pesquisa podem se transformar em instrumentos de trabalho para tantos outros que, como eu, atuam na educação de jovens e adultos.

Considerando que um único estudo não prova coisa alguma, e somente uma série de estudos pode começar a faze-lo (Babbie, 1999), convido a outros tantos professores que têm compromisso com a escola pública e, em especial, com a educação de jovens e adultos, a sonharem, ousarem e realizarem estudos que possam nos ajudar a melhorar nosso ofício de professor.

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