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REFLEXÕES
A RESPEITO DA LEITURA COMPETENTE DOS BLOGS*
Amarildo
Pinheiro Magalhães - Universidade Estadual de Maringá (UEM)
1 Considerações
Iniciais
Vivemos em
uma sociedade que tem se especializado em aperfeiçoar as tecnologias
de informação e comunicação (TIC´s).
Essa nova realidade, cujos benefícios são indiscutíveis,
é assinalada também pelo forte predomínio da linguagem
escrita e tem instaurado novas posturas entre aqueles que têm feito
uso desses novos recursos.
Interessa-nos, particularmente, nesta reflexão, delinear alguns
dos aspectos que tornam peculiar esse novas forma de interação
entre as pessoas. Embasados em uma concepção interacionista
do processo de leitura, pretendemos, neste trabalho, discutir a postura
do leitor competente frente a essas novas modalidades de leitura cujo
principal veículo de circulação tem sido a internet.
De modo particular, procuraremos aqui delinear algumas características
específicas desse leitor, indispensáveis à produção
de sentido em relação aos textos eletrônicos, principalmente
no que se refere aos blogs.
Entendemos ser relevante essa reflexão pelo fato de que a leitura
competente deve fazer-se presente em todos os tipos de textos, pois consideramos
não haver unidade textual que se encontre desprovida de intencionalidade
do seu produtor. Desvendar essa intencionalidade e a rede argumentativa
que a compõem, conforme procuraremos desenvolver, parece ser a
primeira das habilidades para a leitura competente dos blogs.
Esse trabalho tem, portanto, natureza particularmente teórica e
pretende adentrar, não tão exaustivamente quanto a complexidade
do tema mereceria, a essa nova realidade que desafia os leitores dos nossos
tempos. Enquanto muitos falam na morte do leitor, procuremos evidenciar,
por meio do recurso a trabalhos de estudiosos no assunto, que em termos
de leitura em meio eletrônico, o leitor deve estar mais “vivo”
do que nunca.
2 O leitor
e o processo de leitura: características essenciais
Considerando
a perspectiva interacionista dos estudos da linguagem, entendemos ser
a leitura um processo ativo de interação entre o leitor
e o texto. Sendo um processo ativo, exige diante do texto leitores com
características bastante próprias que, principalmente, não
se submetam à ditadura do texto e do autor, mas que, diante destes,
posicione-se como alguém que vai além da mera decodificação
e, a partir de seu conhecimento de mundo, estabeleça relações
concretas entre o texto e a sua realidade.
No dizer de KLEIMAN (1997b, p. 20):
“na
leitura que considera o texto como depósito ou repositório
de significados, a única leitura possível é essa
atividade de extração de significado, para a partir daí
extrair, desta vez, da soma desses significados, a ‘mensagem’.
O resultado final da recorrência dessa leitura é, como apontamos
anteriormente, a formação de um pseudo-leitor, passivo e
disposto a aceitar a contradição e a incoerência”.c
Como se pode
perceber, a sociedade contemporânea, que assiste, de forma acelerada,
ao desenvolvimento de tecnologias cada vez mais complexas na área
da informação e da comunicação carece de leitores
que em nada se parecem com o “sujeito” resultante do processo
descrito por Kleiman.
Em termos da organização da vida social, fator, acreditamos,
determinante das relações desenvolvidas em todos os setores
da atividade humana, o objetivo da leitura deve ser a de que, conforme
MENEGASSI & MORAIS (2002, p.134):
o leitor,
através da interação com os textos, venha a desenvolver
um visão crítica da realidade, saber os motivos de as coisas
serem como são [...] é preciso que o leitor, ao interagir
com o texto, penetre nos referenciais construídos pelo autor, os
quais são aspectos de uma realidade por ele trabalhada, e desvende-os,
sem perder de vista os problemas e as necessidades de seu contexto.
Essa perspectiva
de leitor anteriormente descrita é indispensável à
superação do conformismo que muitas vezes impera em uma
sociedade dominada pelo sistema capitalista. Isso não se dá
apenas na escola, mas tendo a instituição escolar como um
de seus representantes mais fortes, essa relação se repete,
de maneiras distintas, em várias situações da vida
social cuja principal marca tem sido o apelo ao consumo e ao acúmulo
do capital. O texto eletrônico, como mencionaremos mais adiante,
é bastante impregnado dessa ideologia.
Em termos dos estudos a respeito da leitura, muitos autores têm
se dedicado a elencar algumas características do leitor competente,
isto é, aquele que não vê o texto como algo hermético,
cujos sentidos estão todos explícitos, contentando-se em
apenas decodificar os signos lingüísticos que o constituem.
No que se refere ao sentido, Goulemot (1996, p. 108), afirma: “o
sentido, aquele que se constitui por uma leitura historicamente datada,
empregado por um indivíduo que tem um destino singular, nasce portanto,
do trabalho que esse fora do texto assim definido opera, para além
dos sentidos das palavras, do agrupamento de frases, sobre o texto.”
Entre as características necessárias ao leitor para a construção,
com competência, dos sentidos do texto destacamos:
- a construção da intertextualidade (GOULEMOT, 1996);
- aplicação de estratégias de antecipação
e previsão (BRASIL, 1998)
- recorrência aos textos que circulam socialmente (SOLÉ,
1998)
- acionamento de esquemas de seu conhecimento prévio (MEURER, 1988);
- tem consciência de que a leitura é historicamente datada
(GOULEMOT, 1996);
- mescla idéias do texto às suas (DEL’ISSOLA, 1996);
- considerar marcas de sua individualidade (DEL’ISSOLA, 1996);
- não encontrar somente o sentido desejado pelo autor (GOULEMOT,
1996);
- toma decisões diante do que lê (BRASIL, 1998);
Elemento
importante para o acionamento dessas habilidades na atribuição
de sentido do texto são os conhecimentos prévios do leitor,
pois como assevera Kleiman (1997, p. 13): “A compreensão
de um texto é um processo que se caracteriza pela utilização
do conhecimento prévio: o leitor utiliza na leitura o que ele já
sabe, o conhecimento adquirido ao longo de sua vida. [...] Pode-se dizer
com segurança que sem o engajamento do conhecimento prévio
do leitor não haverá compreensão”.
Após essa apresentação dos elementos essenciais que
envolvem o processo de leitura e o leitor competente, passaremos a falar
do leitor competente e de suas relações com o texto eletrônico,
particularmente em relação aos blogs.
3 Blogueando
3.1 O blog:
uma forma particular de gênero digital
Com relação
aos blogs, repete-se um fato que ocorre com a maioria dos gêneros
digitais: é difícil precisar o momento exato de seu surgimento,
a primeira vez em que, na rede, determinado de texto foi produzido. A
esse respeito, Blood (2004) afirma que o termo weblog cunhado por John
Barger em dezembro de 1997, com a finalidade de nominar um tipo específico
de página da internet que reuniam as características comuns
ao que hoje chamamos de blogs. Estas características, segundo Sartori
Filho apud Marcuschi (2004, p. 60), diriam respeito a sites pessoais que
fossem atualizados freqüentemente e que contivessem comentários
e links”.
O vocábulo weblog, todavia, não foi uma invenção
de Barger. Esse termo já era comum entre os usuários dos
sistemas de informática e é composto pela justaposição
de web (rede) + log (registro). É comum a esses sistemas desenvolver
registros das ações de seus usuários. Isso ocorre
tanto em sistemas que envolvem sigilo e confidencialidade (caso dos sistemas
bancários, em que o log revela em qual chave e, conseqüentemente,
por qual usuário do sistema determinada ação foi
realizada), quando em programas menos comprometedores como aqueles relacionados
ao sistema IRC (Internet Relay Chat), como mIRC, Sccop, entre outros,
nos quais a função do log era registrar as conversas mantidas
entre os usuários em seus chats. Além disso, MARCUSCHI (2004,
p. 61) destaca que, inicialmente, os blogs serviram para registrar as
leituras que as pessoas faziam na internet, um espécie de diário
de bordo.
Atualmente, o termo weblog, resumidamente, blog, designa um gênero
digital próprio que tem por correlato o gênero do discurso
denominado diário pessoal. Para MARCUSCHI(2004, p. 29), os blogs
“são diários pessoais na rede, uma escrita autobiográfica
com observações diárias ou não, agendadas,
anotações, em geral muito praticados pelos adolescentes
na forma de diários participativos”. Esses textos apresentam
algumas similaridades com seus equivalentes, aqueles que eram sigilosamente
guardados, marcando-se, porém, por algumas características
bastante peculiares, principalmente em sua relação com o
contexto da comunicação mediada por computador, conforme
procuraremos apontar, a seguir.
Seguindo as categorias propostas pelo autor citado, devemos considerar
os blogs como uma forma de interação multilateral e assíncrona,
isto é, permitem a participação de um grande número
de interlocutores, sem que isso aconteça de forma simultânea.
Os relatos e os comentários podem ser postados por participantes
ilimitados e em momentos diferentes.
Marcuschi (2004, p. 34) aponta ainda características mais detalhadas
para os blogs, a saber:
- Relação temporal: assíncrona;
- Duração: indefinida;
- Extensão do texto: indefinida;
- Formato textual: texto corrido;
- Participantes: múltiplos
- Relação dos participantes: o autor do blog é sempre
conhecido, porém aqueles que escrevem os comentários não
o são obrigatoriamente.
- Funções: interpessoal; lúdica;
- Tema: livre;
- Estilo: informal;
- Canal/ semioses: texto e imagem, com paralinguagem;
- Recuperação de mensagem: por gravação.
Komesu (2004),
por sua vez, destaca a temporalidade como a grande marca dos blogs. Nesse
ambiente comunicativo, o tempo é de suma importância, pois
os relatados referem-se a datas específicas e a grande preocupação
de seus autores é a atualização de suas páginas.
Desse modo, todo relato deve ser, indispensavelmente, datado.
No caso do blog “November Rain” (http://www.november_rain.blogger.com.br),
por exemplo, a data é apresentada na seqüência dia da
semana, dia do mês, mês e ano, na primeira linha do relato.
Ao final do post a autora termina “Direto do túnel do tempo
às [horas:minutos:segundos]. O blog “Serial Kissers”
(http://toxicandys.weblogger.terra.com.br), segue a mesma forma no início
dos relatos. Por se tratar porém de um blog coletivo, isto é,
composto por relatos de membros de um grupo, os “posts” são
assim finalizados: por [nome do membro do grupo que escreveu, às
horas:minutos:segundos.
Comparando os blogs aos diários tradicionais, que não precisavam
de uma marcação temporal tão exata, Komesu (2004,
p. 115) conclui: “a velocidade da comunicação deve
ser justificada e apresentada nos caso em que a produção
textual é vinculada à eficiência desse traço
para o consumo do produto em sua visibilidade mercadológica”.
Podemos, portanto, afirmar que os blogs são gêneros intensamente
afetados pelas realidades da economia globalizada em que a velocidade
da informação, muitas vezes, determina o interesse do leitor
por determinado texto. No dizer da autora, “o importante é
que as histórias circulem e ocupem o espaço da rede”(2004,
p. 118).
É válido também destacar que, ao contrário
do tempo, o espaço não é fator relevante na escrita
dos blogs. Um blog, em princípio, pode ser atualizado de qualquer
computador, o que, de início, descarta a exigência da permanência
física do autor em um ponto geográfico específico
ou a sua menção nos textos, a menos quando o fato relatado
o exige. Komesu (2004, p.117) apresenta a seguinte explicação:
“a ausência dessa referência explícita indica
o momento em que o escrevente “sai” do lugar físico
para constituir-se num outro espaço, na virtualidade do trabalho
da (sua) escrita e na integração com os recursos semiológicos”.
Outro fator bastante relevante no caso dos blogs é a questão
da interatividade. Para o autor do textos é importante que seu
relato seja comentado, isto é, que o leitor, ao acessar a sua página,
não apenas leia suas confidências, mas registre as suas impressões
a respeito do que leu. No dizer de Komesu (2004, p.117), esse tipo de
texto “coloca em evidência as mais diversas questões
humanas para que sejam lidas e discutidas pelo Outro”.
Vê-se, portanto, que o blog é uma modalidade de texto eletrônico,
carregado de características relacionadas ao hipertexto e aos gêneros
textuais vinculados à Internet, mas também dotado de aspectos
bastante particulares, que exige algumas especialidades por parte do leitor.
É a respeito dessa relação do leitor com o texto
eletrônico, especificamente, com os blogs, que passaremos a tratar.
4 Os blogs
e a interação leitor-texto eletrônico no contexto
da Internet
Com o advento
das formas de comunicação mediada pelo computador, principalmente
após a ampliação do acesso à internet pelos
usuários de microcomputadores, muitas questões têm
surgido a respeito do comportamento do leitor diante de textos que têm
por suporte os ambientes eletrônicos e do futuro dos atuais meios
de publicação de textos. Para alguns, a internet parecia
ameaçar a formação dos leitores e acenar para o fim
dos livros.
O que procuraremos abordar são as mudanças de comportamento
frente a essa nova maneira de ler textos e alguns pressupostos para a
prática da leitura competente na web, principalmente no caso dos
blogs, a partir da situação instaurada pela existência
de leitor navegador que “tem o mundo ao alcance do clique do mouse”
(ALMEIDA, 2003, p.34)
Pensando a questão da leitura em sua perspectiva histórica,
Roger Chartier (2002) nos recorda do papel que o texto escrito tem desempenhando
em nossa sociedade. A atual geração é fruto de uma
cultura que tinha muito clara a imagem do livro enquanto objeto visível:
conjunto de páginas encadernadas, com nome do autor e características
afins. As alterações do comportamento do leitor ocasionadas
pelo texto eletrônico são apontadas pelo autor como sendo
referentes à ordem dos discursos, ordem das razões e à
ordem das propriedades.
Quanto à ordem dos discursos, essas alterações referem-se,
em primeiro lugar, ao suporte dos textos. Se na mídia impressa
tradicional os suportes variavam de acordo com o texto. No âmbito
da mídia impressa, por exemplo, um caderno de receitas, quanto
ao seu aspecto físico, inclusive, diferenciava-se de uma enciclopédia.
Também a revista, o jornal, o panfleto de propaganda podem ser
facilmente diferenciados por sua aparência quando em meio impresso.
Com relação a essas realidades, é tmabém bastante
pertinente o dizer de Kato:
Já em ambiente eletrônico não há como fazer
a diferenciação do tipo de texto por meio do seu suporte.
Como destaca Chartier (2002, p. 22), é “um único aparelho,
o computador, que faz surgir diante do leitor os diversos tipos de textos
tradicionalmente distribuídos em objetos diferentes”.
No caso dos blogs, há uma total ruptura com o objeto físico
que constituía-se o portador dos diários pessoais escritos,
muitas vezes dotados de fecho e chave. Os diários da internet,
por sua vez, encontram-se expostos aos olhos do público, sem chave
ou cadeado. Por outro lado, embora a tela do computador seja a mesma,
as novas tecnologias de construção de páginas na
internet tem permitido ao leitor diferenciar as variedades de textos que
circulam pela internet a partir de suas características visuais.
Uma outra questão relativa à ordem dos discursos diz respeito
à percepção da unidade semântica e temática
da obra. A tela do computador, permite a leitura de forma fragmentada,
a partir do mapeamento das unidades temáticas e das palavras chaves,
de acordo com o interesse do leitor. Isso faz com que o mundo digital,
por vezes, funcione como “um banco de dados que procuram fragmentos
cuja leitura absolutamente não supõe a compreensão
ou percepção das obras em sua identidade singular”
(Chartier, 2002, p. 22). Entretanto, é preciso que se destaque
que essa seletividade em procurar no interior da unidade textual o fragmento
que atenda aos objetivos daquele momento de leitura, pode acontecer também
com o texto impresso, dependendo, principalmente, da maturidade do leitor.
Isto é, um leitor competente, conforme os objetivos que estejam
motivando a sua leitura, não está obrigado a ler a obra
em sua totalidade, podendo percorrer as páginas com os olhos, em
busca da seção em que se encontre o fragmento que lhe atenda
as necessidades imediatas.
Chartier (2002) sintetiza os aspectos pertinentes à ordem dos discursos,
afirmando que essa nova realidade de leitura constitui-se como parte de
uma tríplice revolução que envolve a modalidade técnica
de produção do escrito, a percepção das unidades
textuais e as estruturas e formas dos suportes da cultura escrita. Tais
revoluções, como não poderia deixar de ser, inquietam
e angustiam alguns leitores, pois lhes impõem também certas
exigências derivadas de uma mudança da forma de manejar e
descrever as categorias que, ao longo da história, consagraram-se
como referências da cultura escrita.
No que concerne à ordem das razões, o mesmo autor as concebe
como sendo “as modalidades da argumentação e os critérios
ou recursos que o leitor pode mobilizar para aceita-las ou rechaça-las”
(2002, p. 24). Entre os aspectos envolvidos nessa questão está
o rompimento com lógica linear e dedutiva. O hipertexto em sua
multiplicidade de links permite criar outras lógicas igualmente
claras, porém abertas e não-lineares como ocorria com o
texto escrito. Outra consideração relevante refere-se às
provas que atestam as condições de verdade de uma determinada
argumentação. Na Internet, qualquer demonstração
pode ser verificada a partir do recurso aos diversos conteúdos
digitalizados que circulam na rede. Para Chartier (2002, p. 25) ocorre,
portanto, “uma mutação epistemológica que transforma
as modalidades de construção e créditos dos discursos
do saber”. Tal fato exige, por conseguinte, um leitor que não
se constitua como mero receptáculo das informações
veiculadas pelo texto eletrônico, mas que questione o texto, a si
próprio e realidade que o cerca e, de forma seletiva, angarie elementos
que lhe permitam julgar a validade e adequação dos conteúdos
que irá consumir.
Já quanto à ordem das propriedades, Chartier refere-se a
um sentindo jurídico, que remete a questões ligadas à
propriedade intelectual e a um sentido textual, referente à manutenção
das características originais do texto, já que o texto da
internet é uma produção aberta, sujeito a mecanismos
que permitem mover, recortar, colar e alterar um texto que circule nessa
grande teia mundial. Como solução a esse embate que envolve
não só questões financeiras referentes aos direitos
proprietários de autores e editores, mas também a manutenção
da identidade dos textos e os direitos morais de quem o escreveu, o autor
menciona a possibilidade da definição de dois aparelhos
como suporte de textos. Ao computador para os textos abertos, maleáveis,
gratuitos e o e-book para aquelas obras resultantes de um trabalho editorial
e, por isso, fechados.
Centrando um pouco mais nosso foco nos procedimentos do leitor, devemos
considerar que o texto eletrônico não apenas encontra-se
em um suporte particular, mas também, constitui-se pela conjugação
de formas de linguagem interferem no sentido a ser atribuído pelo
leitor ao objeto lido. A esse respeito afirma Xavier (2004, p. 117) “vemos
emergir uma nova tecnologia de linguagem cujo espaço de apreensão
de sentido não é apenas composto por palavras, mas junto
com elas, encontramos sons gráficos e diagramas, todos lançados
sob uma mesma superfície perceptual, amalgamados uns sobre os outros
formando um todo significativo e onde os sentidos são complexamente
disponibilizados aos navegantes do oceano digital”.
Desse modo, conforme temos ressaltado, o navegante depara-se, nesse oceano,
com textos de naturezas diversas cujos sentidos devem ser atribuídos.
Da mesma forma que na leitura impressa, ler na tela implica em mobilizar
habilidades diferentes para os vários tipos de discurso da qual
ela é suporte, situação que não é diferente
com os blogs.
Por sua modalidade supostamente subjetiva, os blogs podem, muitas vezes,
passar por textos fúteis e ingênuos aos quais não
se dá muita importância. Entretanto, enquanto modalidade
textual do mundo digital e produto da interação entre os
seres humanos, também a leitura dos blogs carece do olhar atento
de um leitor competente. O que passamos a fazer, a partir deste ponto,
é procurar relacionar algumas características do leitor
competente à construção de sentidos nos blogs. Como
se poderá perceber, não se trata de habilidades novas, visto
que as mesmas fazem-se necessárias à leitura de outras modalidades
de texto eletrônico, bem como à quase totalidade dos textos
impressos.
Principiando pelos conhecimentos prévios, esses são essenciais
à leitura de blog. O leitor da internet, ao deparar-se com blog,
deve conhecer o uso específico da linguagem que é praticado
no ambiente virtual, uso ao qual adere a maioria dos adolescentes. Nessa
forma de linguagem, há um rompimento com os preceitos da gramática
normativa, tanto no que se refere à sintaxe quanto à grafia
das palavras. Esse fato precisa ser entendido pelo leitor não como
um desvio por ignorância da norma padrão, mas como uma forma
de manter a identidade com um determinado grupo que na internet escreve
dessa forma. Vejamos alguns exemplos:
segunda-feira, 30 de agosto
de 2004 |
FaLa
feRas! aNos seM posTar néaM? xD normaLx!
entOOn! eo viM boTa umas fOta pra aLegra iSso! HOISUhoISUhsoiuh!
aLtas foTos ki nÓis tiRo por eSsis dias aeh okaY?
aS pRemeras saOm do xuRRas di niVer du Don, du Felipe i desPediDa
do gabRiel!
foi beM lekaOoo! xDDDDDD
eO + viH |
(http://toxicandys.weblogger.terra.com.br/)
sexta-feira, 30 de julho
de 2004 |
Ahhhh...foi uma das ferias mais paradas q eu
jah tive...
d boa...num foi boa nem um poko....
tenho q me acostumah ...
loanda eh uma bosta msm...
oIUXSHoIUHXS....
hj eu fui no rotary...vixi...moh comehdia....
imagina soh neh...eu a aline o bruno e a juliana....foi soh pra
dah risada....
ah mais entaum eh isso galera...
um abraçaum... |
(http://hellmessenger.weblogger.terra.com.br/index.htm)
Os exemplos
anteriores atestam a ruptura que mencionamos com a sintaxe a ortografia
em favor de um sistema próprio que caracteriza, principalmente,
a produção dos adolescentes e que exige do leitor uma competência
diferenciada quanto ao funcionamento da linguagem. Sem essa familiaridade
com a peculiaridade da escrita, torna-se impossível a primeira
das etapas do processo de leitura, a decodificação, sem
a qual não se pode chegar à interpretação.
Quanto ao conhecimento textual, o leitor competente precisa ter noções
do funcionamento de um diário tradicional enquanto registro das
atividades desenvolvidas em um dado período de tempo, em uma estrtutura
tipicamente narrativa, sem, contudo, esperar que a modalidade eletrônica
contenha relatos de foro um tanto mais íntimo do autor. Esse tipo
de confidência aparece com pouco freqüência nos blogs,
que se resumem basicamente ao relato de fatos corriqueiros e, raramente,
algumas situações um pouco mais complexas, referentes aos
sentimentos de seu autor. Além disso, da mesmo forma que o autor
dos blogs não se mantém fiel às regras do sistema
lingüístico, o leitor não deve esperar o respeito aos
detalhes mais complexos à estrutura da narrativa, principalmente
no que se refere ao uso mais especializado dos conectivos que assinalam
a progressão do texto.
Também faz parte dessa modalidade de conhecimento prévio
a noção das possibilidades de leitura propiciadas pelo hipertexto.
O leitor competente deve saber que não é obrigado a ler
linearmente o texto do blog. Ao contrário, por meios dos links
que vão aparecendo ao longo do texto, o sujeito em questão
tem a possibilidade de ir e vir dentro do texto escrito, construindo sua
própria seqüência de leitura e, a partir da organização
lógica dessas interrelações, construir os sentidos
do texto mencionado.
O conhecimento lingüístico necessário à compreensão
do blog extrapola os limites do verbal. O leitor deve também conhecer
elementos não-verbais que se fazem presentes nesses textos e que
interferem em sua compreensão, como por exemplo os emoticons .
A presença de um emoticom após o relato de um determinado
fato, por exemplo, pode determinar o significado que tal acontecimento
assumiu para o autor do relato. A esse respeito, é válida
a posição de ARAÚJO (2004, p. 106): “o uso
da imagem, complementando ou não a mensagem escrita, está
sempre associado à negociação do sentido”.
No que concerne ao conhecimento de mundo, o leitor deve servir de um repertório
dos gostos e preferências dos adolescentes e das relações
identitárias constituídas entre os diversos grupos. Isso
implica, entre outras coisas, no conhecimento de alguns termos, marcas
e personalidades vinculados à mídia, principalmente às
produções vinculadas a esse público e que, muitas
vezes, são mencionados em seu texto. Decorre desse fato a necessidade
de o leitor estar sempre atualizado quanto aos textos que circulam socialmente.
Esse mesmo leitor precisa também do domínio do conhecimento
de mundo do tipo enciclopédico a respeito do funcionamento dos
aplicativos que dão a acesso à internet (Internet Explorer,
Netscape Navigator, Mozzila, Firefox,entre outros) e das possibilidades
de navegação que cada um permite, a fim de facilitar a sua
navegação pelo texto, permitindo explora-lo melhor.
Há, portanto, uma complexa variedade de formas particulares do
conhecimento prévio que acionadas conjuntamente levam à
compreensão mais ampla dos sentidos do texto. Entretanto, em se
tratando do leitor competente, é preciso deixar claro que, mesmo
sem dominar tais conteúdos, o mesmo pode, através de inferências,
antecipações e previsões, dar continuidade ao processamento
do texto, desde que procure, conforme o lê, verificar a adequação
de suas antecipações e deduções aos sentidos
possíveis do texto.
O leitor competente deve também saber reconhecer a argumentatividade
que permeia tais relatos. Um dos desejos de quem constrói um blog
é de que ele seja bastante visitado e que os usuários postem
seus comentários. Sendo assim, há necessidade por parte
dos autores de parecerem convincentes aos olhos do leitor e, assim, induzi-lo
a continuar lendo, cotidianamente, os relatos que escreve em seu blog.
O leitor competente precisa reconhecer nesses textos a marca da sociedade
de consumo e, assim, distinguir até que ponto os fatos relatados
estão funcionando como chamariz de futuros acessos. Da mesma forma,
as chamadas para inserção de comentários, devem ser
vistas por esse leitor como uma forma de seduzi-lo a escrever. A competência
leitora, manifesta-se quando o leitor pára e analisa esses aspectos,
antes de ir, aleatoriamente, deixando-se seduzir por tal argumentatividade,
pois a leitura crítica pressupõe a liberdade de aderir ou
não à vontade daqueles que tentam, por meio da linguagem,
agir sobre o seu comportamento.
Essa avidez em cativar o leitor é também fruto do caráter
capitalista que permeia as condições de escrita dos blogs.
No contexto específico da internet brasileira, tais diários
são armazenados de forma gratuita por provedores de internet que
adicionam ao redor desses textos barras verticais, horizontais e pop-ups
com propagandas de seus patrocinadores. Seguindo a lógica imposta
pelo mercado de que é necessário dar visualidade máxima
a uma marca a fim de que o produto seja consumido, os blogs com poucos
acessos estão, indubitavelmente, fadados a perderem seu espaço
na rede, já que não estão cumprindo a sua parte no
negócio que é justamente e de atrair os olhos do leitor
para os reclames do patrocinador.
Antes de passarmos à suposta conclusão deste trabalho, cabe-nos
ainda destacar uma questão muito discutida quando se trata do hipertexto
e dos gêneros textuais que dele derivam. Trata-se da questão
da liberdade do leitor.
Sendo o hipertexto essencialmente não-linear e tendendo a possibilidade
da existência dos links a quantidades infinitas, pode-se correr
o risco de pensar na existência de um leitor onipotente que, valendo-se
dos links do hipertexto, produza sua leitura sem limitar-se a limites
impostos pelo autor na escrita do texto.
Mais do que isso, essa liberdade infinita do leitor, faria dele um novo
autor, visto que ele construiria para si, a medida em que fosso navegando,
um novo texto. A esse respeito somos favoráveis ao que afirma Possenti
(2002, p.220): “supor que o hipertexto é o reino do leitor,
é supor que no livro o autor decide tudo”. Sendo assim, o
leitor competente, deve perceber que não é totalmente livre
ao construir as trilhas de sua leitura do hipertexto, mas encontra-se
limitado aos links estabelecidos pelo autor, cabendo ao leitor, inclusive,
questionar-se a respeito das intenções do autor ao selecionar
os links que criou.
5 Considerações
Finais
Ao longo
destre trabalho procuramos evidenciar a importância da leitura e
dos leitores competentes para a interpretação e organização
da vida social, principalmente para uma sociedade que tem assistido à
proliferação de inúmeras tecnologias que ampliam
e facilitam os mecanismos de informação e comunicação.
Essa realidade das novas tecnologias que tem o computador e a internet
como ícones máximos, conforme apresentamos, não subverte
totalmente os conceitos de leitura, texto e leitor competente, mas confere
características peculiares derivadas das especificidades do ambiente
eletrônico,
A leitura continua sendo prática social de atribuição
de sentidos pelo um leitor a partir das marcas lingüísticas
do texto e do seu conhecimento prévio. O texto a ser lido porém
não é mais linear e nele não se encontram apenas
elementos verbais, mas uma multiplicidade de semioses tais como sons e
imagens. Por sua vez, o leitor precisa ampliar as suas competências
e adapta-las à realidade do texto eletrônico em suas especificidades.
Sendo assim, sem ousar afirmar que nada há de inédito na
leitura do texto eletrônico, mas sem também vislumbrar a
total reformulação dos conceitos, somos levados a falar
em uma ampliação das competências do leitor. Isto
é, o leitor do texto eletrônico deve adaptar e, em alguns
casos, especializar as competências que já dispunha para
leitura do texto impresso às exigências que demandam a leitura
da tela, mantendo, para isso, o princípio básico da leitura
competente que é a criticidade.
Portanto, mesmo em se tratando dos blogs, modalidade textual por muitos
tida como ingênua, a presença de um leitor competente, munido
das especializações que o texto exige, ressignifica esse
horizonte de sentidos a serem atribuídos, desvendando, entre outras
coisas, a presença de um ideologia capitalista, que leva os indivíduos
a, muitas vezes, fazer do consumo imediato, contabilizado a partir do
número de acessos, a única razão para a publicação
de seus textos na internet.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
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R. Q. O leitor navegador (I). In: SILVA, E. T et al. A Leitura nos Oceanos
da Internet. São Paulo: Cortez, 2003. p. 32-38.
ARAÚJO, J. C. A conversa na web: o estudo da transmutação
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