Telmo Marcon
1. Considerações iniciais
As questões que dizem respeito à cultura
vem sendo discutida de forma cada vez mais intensa em escolas, em Universidades,
nos movimentos sociais, na mídia, por governos, etc. As políticas
sociais e educacionais estão incorporando cada vez mais as questões
socioculturais, multiculturais e interculturais . Essas preocupações
ganharam um forte impulso nas últimas décadas do século
XX e tendem a se constituir num dos eixos centrais das políticas
sociais, no sentido amplo, no século XXI. Muitas discussões
e proposições, no entanto, carecem de uma reflexão
contextualizada e crítica e, por isso, não conseguem dar
conta da complexidade que envolve as relações socioculturais.
Por conseguinte, correm o risco de se tornarem improdutivas, reforçarem
preconceitos e não conseguirem contribuir para a emancipação
dos sujeitos e da sociedade. Quando as práticas pedagógicas,
particularmente aquelas construídas no âmbito da escola,
não ajudam a emancipar, reforçam relações
de opressão e acabam legitimando o poder dos grupos e classes sociais
hegemônicas.
A proposição do presente texto é de aprofundar algumas
questões relativas à cultura e de como essas questões,
quando compreendidas criticamente, podem contribuir para uma educação
emancipatória e transformadora das relações socioculturais.
O texto inicia discutindo algumas concepções de cultura
para, então, problematizar aspectos vinculados às práticas
pedagógicas e ao papel da escola.
2. Problematizando concepções de cultura
Os rumos tomados pelas discussões sobre cultura nem sempre avançam
na direção das transformações mais amplas
da sociedade e das relações étnico-culturais. Muitas
vezes há interesses e motivações de grupos, movimentos
e organizações sociais que, mesmo colocando questões
fundamentais, não o fazem dentro de uma perspectiva crítica
e de totalidade sociocultural. Trabalha-se, no presente texto, na perspectiva
de que as práticas socioculturais não se dão de forma
isolada, ou seja, elas mantêm inter-relações, conforme
Hall (2003). A ausência de uma visão crítica faz com
que determinadas propostas formuladas por movimentos e organizações
sociais atendam muito mais demandas pontuais do que se preocupem com processos
mais amplos de emancipação. Em muitos casos, as intervenções
que deveriam promover cidadania e emancipação, acabam fortalecendo
preconceitos e reforçam discriminações. Isso ocorre,
em parte, porque não há um debate mais amplo e minimamente
consensual a respeito do que se entende por cultura e também porque
grupos e movimentos particulares tendem a se apropriar dessas discussões
para defender seus interesses e valores.
Dados os limites do presente texto, não é possível
ampliar muito a discussão a respeito dos diferentes entendimentos
de cultura. Por isso, serão priorizadas três perspectivas:
a romântica que pensa a cultura na linha do folclore, a estruturalista
e a perspectiva que pensa a cultura como modos de vida. É evidente
que existem outras tendências com suas implicações
e compreensões. No entanto, essas três parecem atender, nesse
momento, as preocupações do texto.
a) cultura na perspectiva romântica
Essa perspectiva se aproxima de uma visão folclorista.
O Dicionário Eletrônico Houaiss define folclore, entre outros
sentidos, como um “conjunto de costumes, lendas, provérbios,
manifestações artísticas em geral, preservado, através
da tradição oral, por um povo ou grupo populacional; cultura
popular, populário; ciência das tradições,
dos usos e da arte popular de um país ou região...”.
A perspectiva folclorista, também denominada romântica, conforme
Burke (1995), ganhou um forte impulso na Europa na segunda metade do século
XVIII, no contexto de expansão das cidades e da ameaça de
destruição dos costumes tradicionais. Daí a preocupação
de preservar os elementos do passado, na perspectiva do conceito acima
definido, ameaçados de sucumbirem com a expansão capitalista
no campo. O movimento romântico procurou resgatar e preservar canções,
provérbios, orações e costumes alimentares, etc.
A preocupação em resgatar precisa ser entendida no contexto
das transformações em curso que estariam destruindo a cultura
tradicional das comunidades, especialmente as rurais. O movimento romântico
idealiza determinadas práticas populares vivenciadas no passado,
congelando-as no tempo. Essa intervenção, no entanto, não
se limita a Europa. No século XIX muitos viajantes europeus andaram
pelo mundo, muitos deles vieram ao Brasil, em busca informações
sobre plantas, animais, costumes, hábitos alimentares, etc. As
observações que realizaram e os apontamentos que fizeram
impressiona ainda hoje. Esses registros exerceram e exercem muita influência
no conhecimento histórico e em outras áreas do conhecimento.
A perspectiva romântica trabalha com uma concepção
de cultura, aliada a uma noção de tempo, anacrônica.
Os costumes camponeses foram idealizados como expressão genuína,
natural e autêntica da cultura popular. Os novos valores e práticas
oriundos das transformações decorrentes da industrialização
e da urbanização estariam colidindo com os valores tradicionais.
Nesse contexto, os camponeses, segundo Burke, foram vistos como expressão
do "natural, simples, analfabeto, instintivo, irracional, enraizado
na tradição e no solo da região, sem nenhum sentido
de individualidade..." (1995, p. 37). Os ideais e princípios
do movimento romântico, mesmo tendo surgido no século XVIII,
ainda estão presentes em pesquisas e nas salas de aula, desde a
educação infantil até em cursos universitários.
Marilena Chauí destaca três características principais
do movimento romântico: primitivismo, comunitarismo e purismo. "Afirmando
a liberdade natural e a pureza sentimental do povo anônimo e orgânico,
o romantismo localiza a cultura popular: é guardiã da tradição,
isto é, do passado" (1986, p. 20). Como foi observado na nota
de rodapé, a perspectiva romântica ainda continua presente
na atualidade em várias interpretações, especialmente
em relação a cultura dos grupos populares, de modo especial,
os índios, negros, imigrantes, em certos movimentos ecológicos,
etc. Frente aos problemas atuais, recorre-se a um passado idealizado na
busca de sentido. A idealização se estende para costumes,
rituais, hábitos alimentares, para a concepção de
infância, de educação, etc. Dessa forma, não
se apreendem as diferentes temporalidades e as transformações
socioeconômicas que se processaram. Ainda se continua a trabalhar
em sala de aula questões como se elas não tivessem sofrido
interferências temporais e nem se transformado. Aliás, as
transformações são concebidas de forma negativa e
como destruidoras da cultura.
b) A cultura na perspectiva estruturalista
Dessa perspectiva, serão destacados alguns aspectos
que nos interessa na presente discussão. Pretendo aqui questionar
o enfoque estruturalista, na perspectiva economicista-determinista, na
medida em que não consegue trabalhar com as contradições
presentes nos processos históricos e nas práticas socioculturais.
A cultura é vista, dentro desse horizonte, como determinada pela
estrutura social e pelo poder econômico. Conseqüentemente,
ela passa a ser concebida como reflexo da cultura dos grupos dominantes
que criam mecanismos para difundir seus valores sobre o conjunto da sociedade.
Dessa forma, negam-se as possibilidades de interpretação
propositiva da cultura dos grupos populares e também das contradições
inerentes às práticas sociais.
Ao trabalhar de forma polarizada a cultura dominante e a cultura dominada,
essa perspectiva não consegue avançar no sentido de interpretar
a historicidade das culturas os conflitos e as contradições,
conforme discute Cury (1987, p. 21-85), que lhe são inerentes.
A polarização, além disso, retira dos sujeitos a
capacidade de resistência e de transformação na medida
em que prima pela reprodução e não pelas possibilidades
de transformações socioculturais e econômicas, no
contexto das relações de dominação. O estruturalismo
economicista privilegia a dominação e não consegue
pensar as transformações e as práticas de resistência
exatamente por privilegiar a reprodução social e cultural.
Ao criticar a relação entre superestrutura e infra-estrutura
proposta por Althusser, Mochcovitch (1988, p. 11), faz uma crítica
e diz que ela perde "a dimensão da transformação
da sociedade".
A grande influência exercida por Althusser, especialmente com o
livro, "Aparelhos ideológicos do Estado", além
de dificultar o avanço de uma perspectiva dialética, contribuiu
para aprofundar uma visão pessimista em relação ao
potencial transformador e emancipatório, especialmente no que diz
respeito às instituições sociais, entre elas, a escola.
Na medida em que as estruturas econômicas são determinantes
da superestrutura ideológica e as organizações e
instituições sociais atuam como aparelhos ideológicos
em defesa dos interesses da classe dominante, mantendo e reproduzindo
o domínio sobre o conjunto da sociedade, pouco ou nada se pode
fazer. Dentro dessa perspectiva, a cultura deixa de ser pensada na sua
concreticidade para ser definida como ideologia, com um sentido negativo
de escamoteamento. Essa perspectiva tem sido duramente questionada, especialmente
por Thompson (1981). A crítica central de Thompson é de
que o determinismo estruturalista althusseriano expulsou o sujeito da
história e, conseqüentemente negou as potencialidades emancipatórias
e transformadoras socioculturais e econômicas da sociedade.
c) cultura como modos de vida
A definição de cultura como modos de vida
tem sua raiz na própria origem do termo que, segundo Bosi (1993)
e Williams (1992), está ligada ao campo e ao cultivo da terra.
Decorrem, dessa definição, duas questões importantes:
a cultura tem uma relação profunda com a materialidade,
ou seja, ela tem uma dimensão concreta ligada ao cotidiano e à
vida e, em segundo lugar, ela é dinâmica como a própria
natureza e as atividades dos camponeses. Essa perspectiva abre caminhos
importantes para se entender a cultura na sua historicidade e nos processos
concretos de sua constituição e transformação.
A definição de cultura como modos de vida foi formulada
de modo mais objetivo no final do século XIX. Segundo Williams,
foi nesse período que o conceito cultura passou a significar “todo
um sistema de vida, no seu aspecto material, intelectual e espiritual”
(1969, p. 18). Essa concepção ganhou força, especialmente
entre autores ingleses, com destaque a Edward Thompson, Stuart Hall, Raymond
Williams, Richard Hoggart e Samuel Raphael.
O que há de novo nessa definição? Um dos elementos
fundamentais é que a cultura é pensada a partir dos contextos
históricos onde diferentes sujeitos constroem suas histórias,
trajetórias e identidades. Esses contextos, bem como as condições
de vida e sobrevivência, não são iguais para todos
na sociedade, ou seja, entender a cultura como modos de vida exige o aprofundamento
de cada contexto particular dentro de um contexto mais amplo de relações
de forças no quadro do modo de produção capitalista.
Segundo Hall (2003, p. 262), “Não existem culturas inteiramente
isoladas e paradigmaticamente fixadas, numa relação de determinismo
histórico, a classes inteiras – embora existam formações
culturais de classe bem distintas e variáveis. As culturas de classe
tendem a se entrecruzar e a se sobrepor num mesmo campo de luta”.
Dentro dessa perspectiva, a cultura não é algo do passado
(como propõem os românticos e folcloristas) e nem descolada
das tensões, práticas e vivências, mas perpassa as
relações sociais, econômicas e políticas. Esta
perspectiva dá condições para apreender a complexidade
das práticas sociais, rompendo com as dicotomias que concebem a
cultura como algo exterior aos sujeitos ou como pura expressão
meramente subjetiva, tendência que parece estar ganhando espaços
demasiados na atualidade. Ao discutir o conceito de cultura, Thompson
estabelece uma aproximação com a noção de
experiência, no sentido de que ela é gerada no interior das
práticas sociais e da vida material. A reintrodução
da noção de experiência é condição,
diz Thompson (1981, p. 182), para que "homens e mulheres também
retornam como sujeitos, dentro deste termo - não como sujeitos
autônomos, indivíduos livres, mas como pessoas que experimentam
suas situações e relações produtivas determinadas
como necessidades e interesses e como antagonismos, e em seguida tratam
essa experiência em sua consciência e sua cultura...".
Dentro desse horizonte a cultura perpassa a vida social e está
permeada por conflitos e contradições, ou como diz Thompson,
a "luta de classe é ao mesmo tempo uma luta acerca de valores"
(1981, p. 190).
A cultura definida como modos de vida nos permite questionar as abordagens
que se preocupam em demasia com os elementos consensuais, ou seja, com
aquilo que é semelhante, bem como com as tendências que privilegiam
as diferenças e a subjetividade. O desafio teórico e metodológico
é pensar as culturas de forma concreta onde se possa destacar os
elementos comuns, mas ao mesmo tempo as diferenças (MARCON, 2003,
p. 49-68). As contradições que se materializam nas práticas
culturais exigem referencias teóricos adequados para serem apreendidas.
A vida dos diferentes grupos sociais se dá num cotidiano de luta
e sofrimento e de dominação, mas também de resistência.
Como diz Benjamin (1994), é fundamental dar voz às experiências
silenciadas, ao sofrimento e às várias formas de luta.
A experiência, enquanto categoria central para a análise
da cultura e das práticas populares, propõe um novo ponto
de partida para a pesquisa e também para a ação e
dá condições para que as práticas dos grupos
populares ganhem significado enquanto parte de uma totalidade social.
Segundo Thompson (1981, p. 189), a cultura e a experiência nos remetem
aos sistemas
densos, complexos e elabo¬rados pelos quais a vida
familiar e social é estruturada e a consciência social encontra
realização e expressão (sistemas que o próprio
rigor da disciplina em Ricardo ou no Marx de O CAPITAL, visa excluir):
parentesco, costumes, as regras visíveis e invisíveis da
regulação social, hegemonia e deferência, formas simbólicas
de dominação e resistência, fé religiosa e
impulsos milenaristas, maneiras, leis, instituições e ideologias
- tudo o que, em sua totalidade, compreende a genética de todo
o processo histórico, sistemas que reúnem todos, num certo
ponto, na experiência humana comum, que exerce ela próprio
(como experiências de classe peculiares) sua expressão sobre
o conjunto.
Uma importante contribuição para esse debate
foi dada por Stuart Hall. Ele aprofunda a cultura na perspectiva das práticas
de luta e resistência das classes populares, ou seja, a cultura
não pode ser isolada dos contextos socioeconômicos e políticos
e das tensões e embates existentes, bem como a disputa por valores,
costumes, hábitos e práticas. Nessa direção,
Hall (2003, p. 263), diz que a “cultura popular é um dos
locais onde a luta a favor ou contra a cultura dos poderosos é
engajada; é também o prêmio a ser conquistado ou perdido
nessa luta. É a arena do consentimento e da resistência...”.
Ao pensar a cultura como modos de vida que se constroem e transformam
historicamente é possível pensar na dimensão ativa
e propositiva dos grupos populares que não são passivos
e meros consumidores dos valores e normas da cultura dominante. A partir
dessa reflexão, pode-se então pensar na escola enquanto
instituição capaz de aprofundar esses elementos e de ajudar
os grupos e classes populares a reafirmarem-se enquanto sujeitos emancipados.
3. Escola e cultura
Nesse terceiro ponto pretende-se discutir alguns aspectos
da relação entre escola e cultura. Quando Saviani (1989,
p. 69-89), propõe que a escola tome a prática social como
ponto de partida para o desenvolvimento de uma prática transformadora,
está apontando para um caminho interessante, mas muito desafiador.
De que forma a escola pode trabalhar com a diversidade de práticas
socioculturais no seu cotidiano?
Em primeiro lugar, é preciso um esforço coletivo no sentido
de investigar as realidades que constituem o contexto escolar; em segundo
lugar, é necessário identificar os problemas, os desafios
e as potencialidades existentes e, em terceiro, a opção
por uma pedagogia capaz de dar conta dos desafios, problemas e proposições
numa perspectiva crítica e emancipatória.
O primeiro ponto nos remete ao contexto econômico e sociocultural.
Fazer um diagnóstico dessa natureza não é tarefa
difícil. O problema se complexifica quando adentramos para o campo
dos valores, dos costumes e das tradições, elementos constitutivos
da cultura. Em pesquisas que realizamos com diferentes grupos étnico-culturais
pudemos avaliar o quanto é difícil adentrar para o campo
da cultura e compreender as relações entre as práticas
sociais, o espaço, o mundo do trabalho, etc. No entanto, aprofundar
essas questões é imprescindível para qualquer processo
pedagógico emancipatório capaz de superar preconceitos e
discriminações.
Nas pesquisas que realizamos nos surpreende, também, como na maioria
das escolas sequer se fazem os questionamentos elementares em relação
a cultura, preconceitos e discriminações socioculturais.
Essa parece ser uma tendência que se observa desde a educação
infantil até o ensino superior. São poucas as experiências
onde os problemas de natureza sociocultural e dos contextos onde vivem
os alunos são analisados e aprofundados coletivamente, visando
à transformação dos mesmos.
O trabalho de contextualização exige um empenho coletivo
e um esforço teórico e metodológico. Apreender a
realidade, especialmente as questões que envolvem a cultura exige
o domínio de referenciais teóricos adequados. A percepção
de determinados aspectos da realidade sociocultural exige um esforço
muito grande. Paulo Freire, entre outros educadores, há décadas
chamam atenção para essas questões. Compreender esses
mecanismos se fazem presente no cotidiano das pessoas não é
tarefa fácil, mas necessária para o desenvolvimento de processos
pedagógicos emancipatórios.
Com base nas contribuições de Freire (1981; 2000) e de Hurtado
(1993), entre outros, apontam-se os grandes desafios de uma educação
que se proponha emancipatória. A prática social, ou seja,
a cultura entendida na sua concreticidade, precisa permear qualquer proposta
pedagógica. O conhecimento sistematizado não pode se constituir
num processo estranho aos sujeitos ou, como diz Freire, numa educação
bancária para a qual a realidade se torna algo estranho e indiferente.
O confronto (ou diálogo no sentido freireano) entre saberes é
imprescindível para qualquer projeto pedagógico emancipatório.
Diante dessa questão são dois grandes desafios que se colocam:
como conhecer a realidade, ou seja, como conhecer os modos de vida dos
sujeitos, e como efetivamente incorporar uma pedagogia capaz de criar
as condições para a emancipação. Segundo Freire
(1981, p. 57), “os oprimidos, nos vários momentos da sua
libertação, precisam reconhecer-se como homens, na sua vocação
ontológica e histórica de ser mais. A reflexão e
a ação se impõem, quando não se pretende,
erroneamente, dicotomizar o conteúdo da forma histórica”.
A questão é de como assegurar que alunos e professores,
nos diversos níveis de formação, sejam reconhecidos
e se assumam como sujeitos, conforme as palavras de Freire. O modo de
ser livre e os compromissos de assumir-se de forma emancipada exigem de
cada sujeito individual e do coletivo, posturas ético-políticas
e acadêmicas adequadas. Reconhecer-se sujeito histórico e
contingente que precisa permanentemente repensar a prática, na
perspectiva proposta por Hurtado (1993), exige um profundo ato de humildade
e um espírito de busca.
A emancipação ocorrerá na medida em que houver um
assumir da escola numa perspectiva de totalidade e de práxis. Segundo
Freire (1981, p. 32), a libertação não vem por acaso,
mas “pela práxis de sua busca; pelo conhecimento e reconhecimento
de lutar por ela”. Esse mesmo caminho é apontado por Hurtado
quando diz que a práxis é uma concepção que
“integra em uma unidade dinâmica e dialética a prática
social e sua pertinente análise e compreensão teórica...”
(1993, p. 45).
4. Considerações finais
São vários os desafios que se colocam quando
nos propomos a desenvolver um trabalho pedagógico numa perspectiva
emancipatória. A escola é permanentemente desafiada a pensar
nas práticas que desenvolvem no seu interior, dentro de um contexto
de relações sociopolíticas e econômicas mais
amplas. Em que contextos os alunos vivem e de que forma o cotidiano intervém
nos processos de ensino-aprendizagem e nos problemas vividos pelas escolas?
Todo e qualquer projeto político-pedagógico que efetivamente
se proponha a partir da realidade e das práticas sociais necessita
uma análise séria e profunda. Esse trabalho não se
faz de improviso. Ele necessita um espírito de investigação
dos vários sujeitos que constituem a escola. Sem essa análise
crítica, qualquer articulação e desdobramentos posterior
tenderá a não avançar de forma coerente e nem a transformar
a realidade dentro de um horizonte emancipatório.
A perspectiva emancipatória se coloca como condição
para a superação do senso comum que norteia interpretações
e práticas desenvolvidas no âmbito da escola. Na prática
cotidiana social e escolar emitimos inúmeros conceitos, juízos
e valores e fazemos múltiplas análises sobre os problemas.
Que elementos são destacados nessas análises e quais os
valores que se colocam como referenciais nessas mesmas análises?
Tomar a prática social como ponto de partida implica o aprofundamento
de um conjunto de questões que se explicitam no interior da escola
que têm suas raízes no contexto sociocultural e econômico.
Na medida em que conseguirmos compreender os valores que sustentam e dão
significado às práticas sociais e como se desdobram em comportamentos
que se estendem para o interior das salas de aula, temos mais condições
de trabalhar a realidade dos sujeitos numa perspectiva emancipadora.
Com base nessas rápidas reflexões, pode-se concluir que
as relações de dominação passam pela cultura
e que os processos emancipatórios também deverão
passar por ela. Construir uma perspectiva crítica de cultura, não
como algo congelado do passado (visão romântica) e nem como
mero reflexo da cultura dominante, se coloca como condição
para uma pedagogia emancipatória. Compreender a cultura como modos
de vida se apresenta, nesse sentido, como uma caminho instigante para
a escolar trabalhar com a realidade e com as práticas sociais.
Sem desconsiderar a dimensão de dominação que existe
na sociedade, captam-se as contradições e as potencialidades
de transformação e emancipação.
5. Bibliografia
ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos do Estado:
nota sobre os aparelhos ideológicos do Estado. 4. ed., Rio de Janeiro:
Graal, 1985.
BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. 2.ed. São
Paulo: Companhia das Letras, 1993.
BURKE, Peter. Cultura popular na idade moderna. 2.ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 1995.
CAUNDAU, Vera Maria. Sociedade, educação e culturas: questões
e propostas. Petrópolis: Vozes, 2002.
CHAUI, Marilena. Conformismo e resistência: aspectos da cultura
popular no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1986
CURY, Carlos Roberto Jamil. Educação e contradição.
3. ed. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1987.
Dicionário Eletrônico Houaiss, 2003.
FLEURI, Reinaldo M (Org.). Intercultura e Movimentos Sociais. Florianópolis:
Mover/NUP, 1998.
FLEURI, Reinaldo Matias. Educação intercultural: a construção
da identidade e da diferença nos movimentos sociais. Perspectiva.
Revista do CED. Florianópolis: EdUfsc, jul./dez. 2002, v. 20, n.
2, p. 405-423.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à
prática educativa. 14.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 9.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1981.
HURTADO, Carlos Nuñez. Educar para transformar, transformar para
educar. Petrópolis: Vozes, 1993.
KINCHELOE, Joe L.; STEIMBERG, Shirley R. Repensar o multiculturalismo.
Barcelona: Octeadro, 1999.
MARCON, Telmo. Desafios da educação intercultural. In: MARCON,
Telmo (Org.). Dossiê Educação intercultural. Chapecó:
Argos, 2003, p. 49-68.
MARCON, Telmo (Org.). Dossiê Educação intercultural.
Chapecó: Argos, 2003.
MOCHCOVITCH, Luna Galano. Gramsci e a escola. São Paulo: Ática,
1988.
SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. 22.ed. São Paulo: Cortez/Autores
Associados, 1989.
THOMPSON, E. P. A miséria da teoria ou um planetário de
erros: uma crítica ao pensamento de Althusser. Rio de Janeiro:
Zahar Editores, 1981.
WILLIAMS, Raymond. Cultura e sociedade 1780 - 1950. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1969.
WILLIAMS, Raymond. Cultura. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.