Alice Áurea
Penteado Martha (UEM)
Introdução
Passado o vendaval
de críticas e até mesmo de atos públicos de censura
às obras de Joanne Katleen Rowlling, fato comum em acontecimentos
com forte apelo de mercado, ocorre agora fase de certa acomodação
em relação ao assunto, como em camadas de solo estremecidas
por terremotos. Mas, é preciso admitir que o fenômeno Harry
Potter balançou concepções e arrastou legiões
de leitores, crianças e jovens, conquistando tanto admiradores
fiéis quanto ferrenhos (e famosos) detratores. Historiadores, teóricos
e críticos literários, para o bem ou para o mal, precisaram
voltar seus olhares para um gênero cujos elementos não tinham
merecido, até então, um comentário, uma leitura mais
aprofundada, enfim.
Harold Bloom, um dos mais influentes e polêmicos críticos
literários em atividade tem sido um dos mais severos algozes de
Harry Potter. Na entrevista publicada nas Páginas Amarelas, da
Revista Veja (31/01/2001), por exemplo, o crítico pergunta ao repórter:
Você acha realmente que as crianças vão ler coisas
melhores depois de ler Harry Potter? Pergunta que ele mesmo responde:
Eu acho que não. E aponta as razões pelas quais as crianças
não devem ler textos de maior qualidade: A linguagem é um
horror[...] com frases desgastadas, de segunda mão. Apesar de críticas
como a de Bloom e de muitas outras autoridades reconhecidas, desde o primeiro
volume, Harry Potter e a pedra filosofal, a série assumiu o topo
do rol dos best sellers, obrigando, inclusive, veículos da mídia,
jornais e revistas, a incluir obras de literatura infantil em suas colunas
semanais de livros mais vendidos. A cada lançamento, a situação
se repete, e crianças, que jamais haviam lido um livro, entusiasmadas,
enfrentam a maratona de leitura propiciada pelos imensos volumes da série;
adultos, há muito distanciados das lides da leitura, são
vistos deliciando-se com as aventuras do pequeno feiticeiro, ou, pelo
menos, procurando descobrir o que leva a garotada de volta aos meios impressos,
que julgavam em situação de morte iminente. Assim, críticos
e estudiosos de questões sobre a literatura infantil e juvenil
e sobre hábitos de leitores têm buscado respostas para o
impasse: seria tão somente o resultado de força publicitária
ou é possível encontrarmos no texto elementos catalisadores
do interesse dos jovens leitores?
Neste texto, com a intenção de buscar elementos que, no
mundo narrado, possam justificar o interesse de leitores de todas as partes
do globo pela obra de Harry Potter, observaremos o modo de representação
de personagens femininas bem como as funções por elas exercidas,
nesse universo de menino, criado por mãos femininas. O ponto de
partida de nossas indagações é o fato de que as meninas,
dificilmente, têm encarnado personagens independentes, com iniciativa,
capazes de empreender ações centrais nem trama de narrativas
destinadas a grandes públicos.
O texto compõe, portanto, brevíssimo e incompleto olhar
sobre um dos aspectos que reclamam releituras e novas perspectivas também
nos estudos da produção literária destinada a crianças
e jovens: a imagem da personagem feminina na série Harry Potter,
de Joanne K. Rowlling. Além das considerações pessoais
de leitura, procuramos observar, a partir da realização
de entrevistas (Anexo1) com 09 (nove) leitores de idades, sexo e níveis
de escolaridade diferentes (Anexo 2), como eles vêem a construção
das figuras femininas bem como que importância atribuem aos papéis
representados por essas personagens nas narrativas da coleção.
A presença
feminina no mundo de Harry
Harry Potter, o menino
mago mais conhecido e amado dos últimos tempos, não é
exatamente uma personagem privilegiada em seu ambiente familiar. Podemos
dizer, inclusive com o aval de muitos críticos e ressonâncias
de outras vozes, que temos nessa narrativa uma versão masculina
de Cinderela e da Bela adormecida, contos que tratam de mães ausentes,
de madrastas, de bruxas malvadas e de irmãs feias. No caso de Harry,
a resolução dos problemas enfrentados com a tia-madrasta
e com o primo insuportável não se dá com o beijo
de uma princesa, mas pela chegada da carta de aprovação
para o Colégio Hogwarts, uma instituição para aprendizes
de magia e feitiçaria. De modo semelhante à desafortunada
Cinderela, Potter perdeu os pais quando bebê e passou a viver, desde
então, na casa dos tios Vernon e Petúnia Dursley, suportando
toda sorte de desaforos, notadamente, do primo gordo e desajeitado, Dudley.
É no Colégio de formação de bruxos, distante
da família abominável, que ele reconhece, finalmente, seu
lugar no mundo, onde, por um lado, continua enfrentando as forças
do mal, que têm como mentor o terrível Lord Voldermort, mas,
por outro, encontra alguns bruxos que se responsabilizam por seu bem estar.
Além do grandalhão Hagrid e do mago mor, Dumbledore, há
também algumas figuras femininas que, desde as primeiras linhas
da narrativa, atenuam muito sofrimento do menino.
Na leitura da narrativa de Rowlling, dentre as inúmeras figuras
femininas que compõem o mundo mágico de Harry (colegas estudantes,
jogadoras de quadribol, professoras, mães de amigos), duas séries
de imagens de mulher, de certa forma, contraditórias, chamam a
atenção dos leitores. Na primeira, encontramos figuras maternas,
como Petúnia Dursley, a tia-madrasta de Harry e a Sra. Weasley,
representadas por aquilo que o mundo masculino entende por feminilidade,
cujos traços mais notáveis são a passividade, o envolvimento
exclusivo com tarefas domésticas, o evidente descaso pelo exercício
intelectual e cultural, observadas as diferenças entre a atuação
de uma e de outra na estrutura narrativa. Em contrapartida, a segunda
categoria de personagens femininas, presente na obra em questão,
compõe-se de mulheres mais maduras e de adolescentes, cujas atitudes,
de certa forma mais racional, com maior capacidade intelectual, podem
ser observadas, sobretudo, no comportamento de professoras e colegas do
pequeno bruxo, no colégio Hogwarts. Dotadas de inteligência
superior, habilidades esportivas, fortaleza de caráter e conhecimento,
a Professora Minerva, as colegas jogadoras de quadribol e, naturalmente,
Hermione, são as personagens que constituem esse grupo.
Retornando ao primeiro conjunto de imagens femininas, observamos que,
mesmo em uma história em cuja estrutura predominam elementos de
magia e encantamento, algumas personagens mantêm hábitos
e características reconhecidas como essencialmente femininas, ou
seja, a preocupação unicamente com as atividades da família
e da casa, os cuidados exagerados com os filhos e a inatividade intelectual.
Nesse grupo, destacamos mulheres que, embora atuem de modo bastante diferente
em relação ao menino, madrasta cruel e mãe abnegada,
constituem faces da mesma moeda. Tal configuração de personagem,
marcada pela duplicidade mãe/madrasta, ainda que secundária
na trama potteriana, reproduz imagens de mulheres que servem de espelho
de uma sociedade tradicional e conservadora e com as quais o protagonista
deve conviver.
Repetindo a fórmula consagrada pelos contos de fada, segundo a
qual “a mãe boa morre no início da história”
(Warner,1999, p.236), em Harry Potter e a pedra filosofal, primeiro livro
da série, o menino criado pelos tios trouxas não tem lembrança
nenhuma do passado de sua pequena existência, sequer uma foto (mesmo
porque eram bruxos...) dos pais, mortos por Voldermort quando era ainda
um bebê. Somente ao encontrar o Espelho de Ojesed, ou do Desejo,
que, segundo Dumbledore, reflete os desejos mais íntimos dos corações,
Harry consegue ver a imagem materna, na verdade, uma projeção
das próprias carências:
Era uma mulher muito bonita. Tinha cabelos acaju e os olhos – os
olhos são iguaizinhos aos meus, Harry pensou, acercando-se um pouco
mais do espelho. Verde-vivo – exatamente do mesmo formato, mas então
reparou que ela estava chorando, sorrindo, mas chorando ao mesmo tempo.
(Vol. 1, p. 180)
Suporte de um simbolismo extremamente rico, o espelho reflete a sensibilidade
e a consciência do menino que, mesmo sem ter nunca manifestado qualquer
sentimento em relação à ausência da mãe,
tem a alma transformada em espelho perfeito, segundo concepções
de Chevalier e Gheerbrant (1988). Para Harry, em razão da simbologia
do objeto que o reflete, a imagem da mãe é a primeira forma
que toma a experiência de reconhecimento do inconsciente:
O espelho não tem como única função refletir
uma imagem; tornando-se a alma um espelho perfeito, ela participa da imagem
e, através dessa participação, passa por uma transformação.
Existe, portanto, uma configuração entre o sujeito contemplado
e o espelho que o contempla. (Chevaleir; Gheerbrant, 1988, p. 396)
A única referência sobre a mãe Harry obtivera dos
parentes que o receberam bebê e sabia apenas que ela morrera em
um acidente automobilístico. Depois, ao completar onze anos e receber
as cartas de admissão ao Colégio, fica sabendo por Hagrid
que os pais haviam sido mortos por Você-sabe-Quem, ou o temível
Voldemort. Nesse momento de revelação, também nós,
leitores, conhecemos um pouquinho da história de Lílian
e Tiago Potter, pela fala de Petúnia, marcada por sentimentos de
raiva e inveja. Confirmando a Harry que a família sabia de sua
condição de bruxo, ela grita:
- Sabia! – guinchou tia Petúnia de repente. – sabia!
Claro que sabíamos! Como poderia não ser, a maldita da minha
irmã sendo o que era? Ah, ela recebeu uma carta igual a essa e
desapareceu, foi para aquela escola – aquela escola – e voltava
para casa nas férias com os bolsos cheios de ovas de sapo, transformando
xícaras em ratos. Eu era a única que via como ela era –
um aborto da natureza! Mas para minha mãe e meu pai, ah não,
Lílian era isso e Lílian era aquilo, tinham orgulho de ter
uma bruxa na família! (Vol. 1, p. 51)
A atuação da tia-madrasta de Harry, em toda primeira parte
da narrativa, pode ser explicada a partir do princípio freudiano
da divisão, pois, como uma das duplas faces de Jano, a da mãe
boa, a figura da madrasta acaba por impedir que o menino sinta a ausência
da mãe morta, em razão dos maus-tratos da tia, a substituta.
Tia Petúnia cumpre, atuando como “estratagema de sobrevivência
psíquica”, função fundamental na formação
de Harry, pois, como observa o psicanalista Bruno Bettelheim:
A fantasia da madrasta malvada não só conserva intacta a
mãe boa, como também impede a pessoa de se sentir culpada
a respeito dos pensamentos e desejos raivosos quanto a ela – uma
culpa que interferiria seriamente na boa relação com a mãe.
(Bettelheim, 1980, p.86)
Ainda que receba, a partir de sua chegada em Hogwarts, proteção
de figuras femininas, Harry só entenderá o significado da
expressão “cuidados maternos”, ao ser resgatado, no
início da segunda narrativa da série, Harry Potter e a câmara
secreta, pelos irmãos Weasley, Fred, Jorge e Rony, da casa dos
Dursley, e permanecer todo o final do período de férias
na Toca, a residência da família Weasley. Ali, o menino recebe
todo tipo de atenção materna, desde a inspeção
do estado do vestuário até a preocupação com
a quantidade de alimentos ingeridos em cada refeição e,
não sem razão, lamenta a necessidade de retornar ao Colégio:
O fim das férias de verão chegou muito depressa para o gosto
de Harry. Ele estava ansioso para regressar a Hogwarts, mas aquele mês
na Toca fora o mais feliz de sua vida. Era difícil não ter
inveja de Rony quando pensava nos Dursley e no tipo de boas-vindas que
poderia esperar na próxima vez que aparecesse na rua doas Alfeneiros.
(Vol. 2, p.61)
A própria Sra. Weasley vai assumindo, cada vez mais, o papel de
mãe, ainda que por pequenos períodos, de Harry Potter. Como
em todas as narrativas da série, de uma forma ou de outra, depois
de passar pelo círculo de proteção do juramento de
sangue, que deve ser cumprido uma vez por ano com a estada do menino na
casa de Tia Petúnia, ele vai para a casa dos Weasley, ou mantém
um contato mais longo com a mãe de seus amigos. Esse relacionamento
constante acaba por exacerbar os sentimentos maternos em Mooly Weasley,
como percebemos em sua discussão com Sirus Black sobre o quê
e quem era melhor para Harry, em Harry Potter e a Ordem da Fênix:
- Bom – começou ela, dando um longo suspiro e olhando ao
redor à procura de um apoio que não veio – bom...
estou vendo que vou perder. Mas vou dizer só uma coisa: Dumbledore
deve ter tido suas razões para não querer que Harry soubesse
demais, e falando como alguém que quer o melhor para Harry...
- Ele não é seu filho – disse Sirius em voz baixa.
- É como se fosse – respondeu ela ferozmente.
– Quem mais ele tem?
- Tem a mim! [disse Sirius]. (Vol. 5, p. 78)
Na construção das duas figuras de mãe, Tia Petúnia
e Sra Weasley, podemos apontar uma divertida inversão de papéis:
a verdadeira bruxa, Srª Weasley, desempenha o papel de mãe
abnegada, que sacrifica sua vida em prol da família; a outra, mãe
extremada de uma família “normal”, ou de “trouxas”,
no jargão do mundo potteriano, atua como feiticeira de narrativas
de fadas tradicionais, transformando a vida de Harry em um conto de horror.
A voz do narrador parece também sempre muito empenhada em apontar
traços desagradáveis em Tia Petúnia; para tanto,
vale-se de seu próprio olhar, focalizando-a tanto em seus aspectos
físicos como psicológicos e comportamentais como quando
narra a visão que o menino tem da tia:
Tia Petúnia, que era ossuda e tinha cara de cavalo, virou-se depressa
e espiou com atenção pela janela da cozinha. Harry sabia
que a tia simplesmente adoraria poder ligar para o telefone do plantão
de emergência. Era a mulher mais bisbilhoteira do mundo e passava
a maior parte da vida espionando os vizinhos sem graça, que nunca
faziam nada de errado. (Vol.3, p.20)
Entretanto, a ambigüidade
do papel desempenhado por Tia Petúnia é compreendida somente
no Volume 5, A Ordem da Fênix, no momento em que Dumbledore, finalmente,
desvenda para Harry o mistério sobre as razões pelas quais,
durante anos, o menino permaneceu na casa dos parentes “trouxas”,
sofrendo toda sorte de maus-tratos, ainda que, nos últimos tempos,
tenha conseguido aprontar boas traquinagens com os tios e alguns de seus
convidados. Durante a leitura dos cinco volumes da série, nos perguntamos
por que o garoto voltava a cada final de ano para a Rua dos Alfeneiros
e a resposta parece nos confirmar a função dupla da madrasta
na estrutura narrativa. No acerto de contas entre Harry e Dumbledore,
depois da morte de Sirius Black, o velho Diretor de Hogwarts confessa
que manteve o menino sob os cuidados de Petúnia em razão
de uma magia muito antiga, que tem seu início com o fato que a
mãe morreu para salvá-lo. Esse gesto, segundo Dumbledore,
conferiu ao menino uma proteção duradoura, que se materializa
no sangue materno que corre em suas veias. E, justamente, para manter
essa proteção, entregou-o à tia, única irmã
viva da mãe, selando com ela um pacto de sangue. É o que
Dumbledore explica a Harry:
Enquanto você ainda puder chamar de sua a casa em que vive o sangue
de sua mãe, ali você não pode ser tocado nem ferido
por Voldemort. Lílian derramou seu sangue, mas ele continua vivo
em você e em sua tia. O sangue dela tornou o seu refúgio.
Você precisa voltar lá apenas uma vez por ano, mas enquanto
puder chamar aquela casa de sua, enquanto estiver lá, ele não
poderá atingi-lo. Sua tia sabe disso. Expliquei-lhe o que tinha
feito na carta que deixei com voc~e na porta dela. Ela sabe que ao acolher
você ela talvez o tenha mantido vivo nos últimos quinze anos.
(Vol. 5, p. 675-6)
Embora contra sua vontade, Petúnia, ao participar do juramento
de sangue imposto por Dumbledore, compôs, com outras personagens,
um escudo de proteção que se formou em torno do menino e
que tinha como mentor o velho diretor de Hogwarts, sempre atento aos mínimos
sinais de ruptura do pacto, por parte da tia de Harry. A importância
desse tipo de aliança e do testemunho de Dumbledore, bem como da
natureza do envolvimento da tia, para a manutenção da vida
do garoto pode ser atestada pela simbologia do ato:
No fundo, o juramento [de sangue] se revela uma aliança cósmica
à qual a testemunha recorre para garantir a sua palavra. Ao fazer
um juramento, ele a está inscrevendo numa ordem que ultrapassa
a sua pessoa e se responsabilizando pela ruptura dessa ordem caso o juramento
seja violado. (Chevalier; Gheerbrant, p. 526)
Entre outras tias rabugentas, uma merecedora de pequena citação
é Tia Guida, irmã de Tio Valter, não só por
sua implicância com Harry, fazendo jus ao tipo, mas, especialmente
porque o menino consegue vingar-se de todas as maldades cometidas por
ela contra ele. A imagem de Guida, elaborada pela voz narrativa, também
não é das mais animadoras: “Era muito parecida com
o Tio Valter; corpulenta, alta, socada, a cara púrpura, tinha até
bigode, embora não tão peludo quanto o do irmão”.
(Vol.3, p.25) Se a madrasta procura subjugar o enteado para proteger a
prole, negando-lhe carinho e infringindo-lhe castigos corporais e psicológicos,
a tia-madrasta, no caso Guida, sem filhos e com muitos cães de
estimação, evidentemente, o faz para valorizar Duda, o sobrinho:
Tia Guida, [...], queria Harry debaixo dos seus olhos o tempo todo, para
poder fazer, com aquele vozeirão, sugestões para melhora-lo.
Adorava comparar Harry a Duda, e tinha o maior prazer de comprar presentes
caros para Duda enquanto olhava feio para Harry, como se o desafiasse
a perguntar por que não recebera um presente também. (Vol.3,
p. 27)
Mas, se Harry consegue conter-se quando os maus tratos são contra
ele, não admite referências negativas à família.
E Tia Guida parece ter um prazer imenso em atacar a linhagem familiar
do garoto, denominando-a de “sangue ruim” e chamando seu pai
de “parasita, preguiçoso, imprestável, sem eira nem
beira”. (Vol.3, p.30) A esse ataque Harry não consegue deixar
de revidar e o estrago na figura de Guida, depois do feitiço do
menino, é enorme: “Estava completamente redonda agora, como
uma enorme bóia com olhinhos porcinos, e as mão e os pés
se projetaram estranhamento do corpo que flutuava no ar, dando estalinhos
apopléticos.” (Vol.3, p.30)
No questionário elaborado para os leitores (Anexo 1), anteriormente
mencionado, duas perguntas visavam à verificação
da recepção da imagem materna, uma sobre a atuação
da tia-madrasta e outra sobre a mãe de Harry Potter. Questionados
sobre o que pensavam das atitudes de Petúnia, os leitores tiveram
reações diferentes, mas em todas as respostas pudemos perceber
a valorização da função, para o bem ou para
o mal, da tia do menino mago. P.P.B., garoto de 13 anos, que estuda na
8ª série do Ensino Fundamental, observa que Petúnia
“apesar de ser chata e ranzinza, [...] sem ela Harry não
iria ser do jeito que é (sic)”. Semelhante visão parece
revelar certa compreensão sobre a função da personagem
feminina, no caso, a tia madrasta, como suporte para a construção
e atuação de Harry no mundo narrado, inclusive, o papel
protetor que Petúnia acaba desempenhando na formação
do escudo de proteção montado por Dumbledore para livrar
o menino dos ataques de Voldemort. As meninas, ambas de 11 anos, amigas
que cursam a sexta série do Ensino Fundamental, afirmam que, no
fundo, Tia Petúnia ama Harry; B.P.B. acredita que “ela protege
muito o Duda e despreza o Harry, mas, no fundo ela gosta dele (sic)”
e detecta traços psico-emocionais no comportamento da personagem,
ressaltando o protecionismo maternal, que seria inerente à mulher:
“Eu acho que ela protege muito o Duda e despreza o Harry”.
L.R. crê que Tia Petúnia, ao “judiar de Harry”,
“foi influenciada pelo marido”. Para M.I.F.P., também
de 11 anos e cursando a sexta série do Ensino Fundamental, a tia
de Harry “é uma doida varrida (sic)”. Já M.L.B.,
garoto de 16 anos, estudante do 3º ano do Ensino Médio, tendendo
a uma leitura de natureza psicanalítica, considera que Petúnia
“é uma mulher que desconta a raiva que tinha de sua irmã,
e tem dos bruxos, em Harry” e revela uma visão mais ampla
da estrutura narrativa, no que se refere às relações
entre personagens, já que procura compreender o relacionamento
entre as irmãs para explicar as reações da tia em
relação a Harry. Do mesmo modo, G.G.R.S., menina de 13 anos,
da 8ª série do Ensino Fundamental, acredita que a personagem
“é reprimida por não ser bruxa como a irmã
da qual tinha muita inveja e raiva e transferiu esse sentimento para o
seu sobrinho Harry” (sic).
No que se refere à importância da figura materna e aos sentimentos
de Harry pela morte da mãe, os entrevistados não mostram
substanciais diferenças em suas respostas, revelando semelhanças
com a imagem veiculada e perpetuada pelo senso comum. Para as garotas,
B.P.B., L.R. e T.S.S. (garota de 12 anos; 5ª série do Ensino
Fundamental), a ausência da mãe provoca carência, dor
e falta de apoio, pois, para a primeira, o garoto “sentia falta
[da mãe], que ele se sentia um pouco carente, pois tem coisas que
só a mãe pode fazer (sic)”; já a segunda observa
que o garoto sentia “dor, era maltratado e não tinha ninguém
para defendê-lo (sic)”; a terceira ressalta que Harry “sentia
muito mal, porque não tinha a sua mãe para ajudar e apoiar
na escola” (sic). Em todas as respostas, a valorização
da figura materna como protetora e detentora de sentimentos únicos
em relação à prole e mantenedora da instituição
familiar, como aponta G.G.R.S., garota de 13 anos, estudante da 8ª
série do Ensino Fundamental: “Se sentia triste por não
tê-la e por nunca ter partilhado o calor de uma família”
(sic).
Os rapazes também enfatizam a incondicionalidade do amor materno
e acreditam que Harry sentia-se mal com a ausência da Sra Potter,
pois, segundo P.P.B., “por causa da morte da mãe, ele nunca
teve alguém que o amasse”. Para esse entrevistado, “Harry
sente até culpa pela morte da mãe”, tendendo ele também
a uma leitura psicanalítica, como já o fizera M.L.B.; já
M.I.F.P., o mais jovem dos garotos, enfatiza a solidão do menino:
“Vendo os amigos dele com suas mães, ele se sentia solitário
por não tê-la (sic)”.
A importância da figura materna é ressaltada ainda quando
os entrevistados apontam a mãe de Harry Potter, entre as personagens
mulheres mais velhas, como a que desempenha papel mais importante na narrativa,
embora ela em nenhum momento atuasse no mundo narrado, pois desde o início
da série ela está morta, como o fazem M.I.F.P. - “por
ter se sacrificado pelo filho (sic)” e M.L.B., fazendo ressoar em
sua resposta a compreensão do juramento de sangue explicado por
Dumbledore, aponta a Tia Petúnia, “pois é uma mulher
marcante na vida de Harry.”. Outros entrevistados também
levaram em conta o sentimento maternal da Srª Weasley para indicá-la
como uma das personagens adultas mais importantes:
B.P.B.- A Srª Weasley porque ela é como uma mãe para
o Harry.
G.G.R.S. - A Srª Molly representa tudo de bom e faz com que Harry
sinta o que é ter o carinho de uma família.
D.G.R.S. (16 anos; 2ª série do Ensino Médio) –
Em 1º a Sra Weasley, pelo fato do Harry ser órfão,
ela tem o papel de ser uma mãe para o Harry (sic).
Tais impressões de leitura podem ser confirmadas pelas atitudes
da personagem para agradar o menino, facilmente encontradas em todas as
narrativas da série. Entre tantos momentos selecionamos:
Na última noite de férias, a Srª Weasley fez aparecer
um jantar suntuoso que incluiu todos os pratos favoritos de Harry, terminando
com um pudim caramelado de dar água na boca. (Vol. 2, p. 61)
Entretanto, se não contou com a presença amorosa e protetora
da mãe, na infância, a força da mulher na vida de
Harry Potter pode ser atestada já no início da adolescência,
com a figura forte da Profª Minerva que, tomando a forma de um felino,
guarda a casa em que o menino viverá por algum tempo, antes de
sua iniciação no mundo da magia. A relação
da professora de Hogwarts com o mito da deusa da sabedoria é bastante
evidente, como podemos observar, com a descrição da personagem
de Rowlling, no momento em que o gato aparece a Dumbledore como mulher:
E virou-se [Dumbledore] para sorrir para o gato, mas este desaparecera.
Ao invés dele, viu-se sorrindo para uma mulher de aspecto severo
que usava óculos de lentes quadradas exatamente do formato das
marcas que o gato tinha em volta dos olhos. (Vol. 1, p.14)
Tanto o nome como a imagem da Profª Mc Gonagall remetem facilmente
à figura mitológica, já que não podemos deixar
de estabelecer ligações entre a professora e Minerva, ou
Palas Atena, a deusa da sabedoria, da guerra e das artes. Filha de Júpiter,
admitida na assembléia dos deuses, tem como pássaro favorito
a coruja, cujo olhar rompe trevas, como a inteligência penetra a
obscuridade. Extremamente inteligente, Minerva é, ambiguamente,
a deusa da guerra e da paz, já que uma assegura a outra. A função
da personagem na vida de Harry é exatamente protegê-lo na
guerra que Voldemort trava com o garoto desde seu nascimento, ainda que
ele ignorasse isso. Esse objetivo pode justificar, inclusive, a aparição
da professora em forma de gato, quando Harry foi deixado, pequenino, na
casa dos tios “touxas”, pois esse animal pode simbolizar a
força e a agilidade do felino, a serviço do homem por uma
deusa tutelar, Minerva, no caso, a fim de ajudá-lo a triunfar sobre
seus inimigos ocultos. (Chevalier; Gheerbrant, 1988)
Depois, já no colégio, Minerva, diretora de Grifinória,
casa de Harry e seus amigos em Hogwarts, dá continuidade a sua
tarefa de proteção, sem deixar de ser severa e extremamente
diligente no que se refere às regras do Colégio. E a primeira
imagem que o garoto tem dela, ao chegar ao colégio, é marcada
pela de severidade:
A porta abriu-se de chofre. E apareceu uma bruxa alta de cabelos negros
e vestes verde-esmeralda. Tinha o rosto muito severo e o primeiro pensamento
de Harry foi que era uma pessoa a quem não se devia aborrecer (Vol.
1, p. 101).
A partir desse momento, e confirmando a primeira impressão de Harry,
Minerva mantém-se atenta aos acontecimentos em torno do pequeno
mago, cuidando para que ele tenha sempre possibilidades justas de desenvolver-se
no mundo mágico onde foi lançado. Mas ela não o protege
simplesmente; dá armas e condições ao menino para
encontrar seu lugar e fazer sua história no reino de Dumbledore,
quando, por exemplo, no primeiro volume da série, o presenteia
com uma Nimbus 2000, vassoura de última geração,
para que ele possa desenvolver suas habilidades no quadribol, jogo que
é uma espécie de batalha entre as diferentes casas de Hogawarts.
Depois, nos volumes seguintes da série, a atuação
da professora é sempre destacada quando a questão é
a segurança de Harry. Podemos dizer, inclusive, que Minerva é
a face feminina do poder, que tem em Dumbledore o lado masculino no mundo
mágico das narrativas de Rowlling.
Em resposta à questão que solicitava “quais das mulheres
mais velhas desempenham papéis importantes na narrativa”,
os garotos P.P.B. e M.L.B. apontaram a figura da Profª Minerva, ressaltando
exatamente a função protetora da personagem. O primeiro
acredita que por ser a “diretora da Grifinória, ela muda,
algumas vezes, a história do livro”, numa alusão à
força que a professora possui na estrutura da narrativa como um
todo; o segundo justifica sua escolha tendo em vista a atuação
estratégica de Minerva, pois, segundo ele, ela é “quem
ajuda a apóia Harry na escola”.
T.S.S.- A professora Minerva, porque ela entende Harry Potter e dá
uma força para ele (sic).
R.C.F. (garota de 16 anos, estudante do 2º ano do Ensino Médio)–
Não me lembro dos nomes. No entanto, havia uma das bruxas-chefe
da escola Hogriwarts que gostei muito dela por ser sábia, justa
e transmitir uma mensagem madura, sensata e responsável (sic).
D.G.R.S. – Em 2º a professora Minerva Mc Gomgal, por ser amiga,
diretora da casa da Grifinória e membro da Ordem Fênix, ela
auxilia o Harry nos momentos mais difíceis (sic).
Quanto às meninas, além das companheiras do time de quadribol,
de Gina, a irmã dos amigos Weasley, bem como outras figuras episódicas
que surgem nas narrativas, destacamos a figura de Cho Chang, a jogadora
de quadribol da casa Corvinal. Gina, sempre ruborizada quando encontra
Harry, tende a ser uma bruxa como a mãe; Cho Chang enquadra-se
no segundo tipo de representação feminina, anteriormente
explicitado, o das mulheres independentes, e desperta no menino, então
com 13 anos, estranhas sensações, compreensíveis
quando consideramos que se trata de sua primeira garota, já que
Hermione apresenta-se, até o quinto volume, como a grande companheira
de Harry na luta contra Voaldemort:
A apanhadora, Cho Chang, era a única menina da equipe [do time
Corvinal]. Era mais baixa do que Harry quase uma cabeça, e, por
mais nervoso que estivesse, ele não pode deixar de reparar que
era uma garota muito bonita. Cho sorriu para ele quando os times ficaram
frente a frente, atrás dos capitães, e o garoto sentiu uma
ligeira pulsação na região do baixo ventre que ele
achou que não tinha relação alguma com o seu nervosismo.
(Vol.3, p. 211)
Essa ligação sentimental, iniciada em Harry Potter e o prisioneiro
de Azkaban, chega ao final, sem maiores problemas, no quinto volume da
série, Harry Potter e a Ordem da Fênix, como podemos observar
quando Hermione conta a Harry que ouvira dizer que Cho Chang estava saindo
com alguém, mas, estranhamente, o menino constata que a informação
não o incomoda: “Harry ficou surpreso ao descobrir que a
informação não o magoava. A vontade de impressionar
Cho parecia pertencer a um passado que já não tinha muita
ligação como ele [...].” (Vol. 5, p. 698)
A fugacidade do interesse de Harry pela jogadora da Corvinal parece atender
às expectativas dos leitores entrevistados, pois apenas L.R. cita
a garota em suas respostas sobre figuras femininas da série, afirmando
que, entre as personagens adolescentes, considera Cho Chang a mais interessante
“porque ela fazia suspense com Harry era legal. (sic)”. Seria
esse desinteresse o prenúncio de um possível romance com
a companheira de tantas aventuras, passível de concretizar-se no
sexto volume da série, já anunciado? Mas essa também
não parece ser uma questão premente para os leitores, pois
apenas uma garota, novamente L.R., menciona um provável sentimento
amoroso de Hermione por Harry, que teria terminado, inclusive, já
que ela acredita que, o papel da menina sofreu alterações
à medida que os livros foram sendo publicados: “Claro [que
Hermione mudou], porque ela foi se interessando por outras pessoas e não
ficou “apaixonada” pelo Harry como era antes (sic)”.
Ainda assim, o vocábulo apaixonado, usado com aspas, pode não
significar, necessariamente, sentimento amoroso.
Já Hermione, por sua vez, é, ao lado da Profª Minerva,
uma personagem feminina fundamental da série narrativa, situação
compreendida e apontada por oito dos nove participantes da pesquisa, na
resposta à questão seis que indagava sobre a “menina
mais interessante”. Sua representação também
se faz a partir de indícios dos mitos gregos, pois, como sabemos,
Hermíone (Harmiona ou Harmonia) era o nome da filha de Menelau
e de Helena (Spalding, 1965, p.123), ambos mortais, vivendo em um mundo
de deuses, o que é bastante semelhante ao fato da melhor amiga
de Harry ser filha de “trouxas”, sem qualquer poder de magia,
o que a torna uma “sangue ruim” no mundo dos bruxos. Ela mesma
explica sua condição, quando, pela primeira vez, encontra
os meninos com quem viveria, daí em diante, aventuras fantásticas,
sendo, inclusive, muitas vezes, responsável pelo sucesso na resolução
dos inúmeros problemas enfrentados por eles:
Ninguém na minha família é bruxo [diz Hermione],
foi uma surpresa enorme quando recebi a carta, mas fiquei tão contente,
é claro, quero dizer, é a melhor escola de bruxaria que
existe, me disseram. Já sei de cor todos os livros que nos mandaram
comprar, é claro, só espero que seja suficiente; aliás,
sou Hermione Granger, e vocês quem são? (Vol. 1, p. 94)
Se Harry e os demais estudantes de Howgarts têm a seu favor o “genoma
da bruxaria”, Hermione não. É preciso, então,
superar tal carência. A ausência da herança genética
e a conseqüente impossibilidade de dom natural para a magia, impelem
a garota a mostrar a que veio nesse mundo mágico. E seus grandes
trunfos – perspicácia, conhecimento, equilíbrio, audácia,
raciocínio lógico – requisitos que a habilitam para
o enfrentamento e solução de praticamente todos os problemas
vividos pela turma, ela encontrará nos livros. A leitura será
sua varinha mágica, turbinada pela extrema curiosidade e um desejo
de saber insaciável. Ao ser apresentada a Harry, ela afirma que
já o conhecia, pois havia lido História da magia moderna,
Ascensão e queda das artes nas trevas e Grandes acontecimentos
mágicos do século XX, livros que traziam informações
sobre a vida de Potter. Depois, na sessão de abertura do ano letivo,
cochicha aos meninos que o teto aveludado e negro, salpicado de estrelas,
do Grande Salão de cerimônias do colégio: “-
É enfeitiçado para parecer o céu lá fora,
li em Howgarts, uma história. (Vol.1, p. 104)
Ainda que seja uma adolescente, como os demais estudantes de Howgarts,
Hermione ganha a confiança da Profª Minerva e, especialmente,
de Alvo Dumbledore. Em Harry Potter e o prisioneiro de Azkaban, por exemplo,
a atuação dela é fundamental para a sobrevivência
dos heróis masculinos. Em razão de seu interesse desmesurado
por leituras e pelo desejo de freqüentar disciplinas diversas, Hermione
ganha de Minerva um “vira-tempo”, ampulheta mágica
que lhe permite retornar no tempo e reviver os fatos, podendo, inclusive,
modificá-los. E é com o poder desse objeto mágico,
recebido como prêmio por ser “uma aluna modelo”, que
ela recebe de Dumbledore a incumbência de restaurar os acontecimentos
em favor de Sirius Black, Lupin e do próprio Harry: “Srta.
Granger, a senhorita conhece as leis, sabe o que está em jogo.
Vocês – nã-o - podem – ser vistos.” (Vol.3,
p. 316)
Poderíamos apontar inúmeras passagens e situações
que comprovam a atuação decisiva de Hermione no desenrolar
dos eventos narrados em todos os livros da série, mas o recurso
mostra-se repetitivo e desnecessário. O que nos parece importante
ressaltar é que, mesmo com todas esses traços positivos
em sua construção, Hermione, como todas as demais personagens
de Rowlling, sejam elas femininas ou não, é um estereótipo.
Ocorre que, como personagem tipo, marcada por emblemas como vivacidade,
coragem, conhecimento, gosto por leituras, decisão, cumplicidade
e companheirismo, a menina, por intermédio de um narrador tendencioso,
ganha espaço cada vez maior no deciframento de enigmas e no desfacelamento
de situações perigosas para Harry Potter.
Nas respostas à questão dez, que indagava sobre a importância
de Hermione para o desenvolvimento das ações nas narrativas,
os leitores, sem exceção, demonstraram reconhecer a função
importante desempenhada pela menina e destacaram, além da inteligência
e sagacidade da personagem, a amizade, o sentimento de grupo, tão
caro aos adolescentes:
M.L.B. – Ela é a mais inteligente do grupo e sempre desempenha
papéis muito importantes nos enredos de todos os livros (sic)
P.P.B. – Acho que ela é o crânio do grupo. Apesar de
Harry ter um dom para a mágica, Hermione mostra o caminho que Harry
deve tomar (sic).
D.G.R.S. – É importante, pois com seus conhecimentos ela
torna as aventuras mais emocionantes (sic).
M.I.F.P. – Ela descobre todos os enigmas das histórias (sic).
B.P.B. – Ela é importante, pois é ela que resolve
os mistérios, ela ajuda o Harry a resolver situações
de perigo (sic).
L.R. – Importante, principalmente por causa do Vira-tempo. Aquela
obsessão dela pelos estudos acabou ajudando o Sírio e o
desenrolar da história (sic).
G.G.R.S. – É uma personagem muito importante pois está
sempre presente aconselhando, estimulando e ajudando Harry nas suas aventuras
(sic).
F.C.F. – Hermione tinha grande importância para Harry, primeiro
por ser muito esperta e ser “dona” de muitos conhecimentos
que ajudariam o mesmo, e segundo: amizade nunca é demais, Hermione
também era uma grande amiga de Harry (sic).
T.S.S. – A Hermione é inteligente, esperta e muito amiga
de Harry e Rony, ajuda os amigos a sair de enrascadas (sic).
Já, com o enunciado da questão seguinte, a de número
doze, procurávamos verificar se os leitores acreditam que o papel
de Hermione sofre alterações no decorrer da série,
com o objetivo de levantar hipóteses sobre uma possível
transformação da personagem, de coadjuvante a personagem
principal. Três deles, G.G.R.S., D.G.R.S e T.S.S., acreditam que
Hermione não mudou em nada; os demais consideram as transformações
da menina, a partir de perspectivas diferenciadas. De um lado, vêem
o crescimento físico da garota, que se transforma em adolescente,
como alteração e, por outro, enfatizam o acirramento de
seus caracteres iniciais; por fim, apenas dois indicam a transformação
em seu estatuto literário, ou seja, criatura ficcional que, de
personagem secundária, passa a principal:
P.P.B. – Sim, ela ganhou cada vez mais importância e foi se
tornando uma amiga mais íntima de Harry (sic).
M.I.F.P. – Sim, porque no começo ela era rabugenta com os
seus amigos, depois foi ficando mais legal (sic).
B.P.B. – Sim, ela foi ganhando mais destaque, tornou-se mais íntima
de Harry. Foi mostrando cada vez mais sua inteligência e mostrando
também ela crescendo, se transformando em moça, pois mostrou
suas paixões e pensamentos (sic).
L.R. – Claro, porque ela foi se interessando por outras pessoas
e não ficou “apaixonada” por Harry como era antes (sic).
M.L.B. – Sim, ela foi se tornando menos “certinha” (sic).
F.C.F. – Acho que sim. Me parece que em alguns “pontos”
ela foi evoluindo e se tornando foco principal da história, juntamente
por Harry. Deixando de ser uma personagem secundária (sic).
Considerações
finais
O processo de recepção,
como sabemos, configura-se pelas possibilidades de atualização
das obras literárias e pode variar conforme as vivências
e experiências dos receptores. No caso dos leitores da série
Harry Potter, podemos considerar o êxito desse processo, em vista
da aceitação maciça das obras pelos entrevistados,
já que todos os respondentes do questionário leram todos
os livros da série e, por razões diversas, apontaram os
dois últimos volumes, Harry Potter e o Cálice de Fogo e
Harry Potter e a Ordem da Fênix, com ligeira vantagem para o primeiro,
como os de que mais gostaram. No caso da escolha do quarto volume, a razão
foi, naturalmente, o retorno de Voldemort e a retomada do eterno combate
entre Harry e seu maior inimigo; já as justificativas para a preferência
pela quinta narrativa, Harry Potter e a Ordem da Fênix, são
mais diversificadas, mas a ênfase recai sobre a transformação
das personagens, que têm por volta de dezesseis anos.
A última questão confirma a acertada decisão de Rowlling
em coincidir o crescimento de suas personagens, acompanhando, cronologicamente,
no mundo narrado, o processo de adolescência de seus leitores. Harry
Potter, Hermione e Rony, principalmente, têm, assim, uma função
especular. Os leitores, respondendo, maciçamente, que gostam mais
das personagens hoje, por “mostrarem mais suas personalidades”,
porque “são mais maduros”, “porque estão
mais velhos e inteligentes”, revelam, na verdade, que reconhecem,
aceitam e valorizam as transformações que eles mesmos vivem
ou já viveram no rito de passagem da meninice à adolescência.
Sob esse aspecto é que podemos entender o sucesso da série
entre seus leitores. E o caminho não deve ser, obviamente, o da
qualidade estética, para desespero de muitos especialistas e teóricos
da literatura. Aceitar o fenômeno Harry Potter significa compreender
que as convenções que constituem o horizonte da obra são
as mesmas que moldam o horizonte de expectativas de seus leitores, a começar
pelas de ordem social, já que, adolescentes, vêem refletidas,
na estrutura narrativa, todas as questões que recobrem o lugar
ocupado por essa faixa etária na sociedade. É por essa razão
que apontam Hermione e Cho Chang, principalmente, como as garotas de cuja
atuação mais gostaram.
Outra convenção igualmente importante é a de natureza
ideológica, uma vez que concepções veiculadas pelo
texto (o papel da mãe, o da madrasta e o da professora), respeitado
o recorte da recepção da imagem feminina estabelecido para
este texto, coincidem com as dos leitores, como pudemos observar nas respostas
ao questionário.
Concluindo, enfatizamos o papel desempenhado pelas bruxas, figuras femininas
cujas imagens são fundamentais na composição e sedimentação
do imaginário dos leitores, em narrativas, como as da série
em questão, que se valem da tradição literária
para a infância e a juventude.
Referências
Bibliográficas
BETTELHEIM, Bruno.
A psicanálise dos contos de fadas. Trad. Arlene Caetano. 3.ed.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.
CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos.
Trad. Vera Costa [et al.]. Rio de Janeiro: José Olympio, 1988.
ROWLLING, Joanne K. Harry Potter e a pedra filosofal. Trad. Lia Wyler.
Rio de Janeiro: Rocco, 2000.
__________. Harry Potter e a câmara secreta. Trad. Lia Wyler. Rio
de Janeiro: Rocco, 2000.
__________. Harry Potter e o prisioneiro de Azkaban. Trad. Lia Wyler.
Rio de Janeiro: Rocco, 2000.
__________. Harry Potter e o cálice de fogo. Trad. de Lia Wyler.
Rio de Janeiro: Rocco, 2001.
__________. Harry Potter e a Ordem da Fênix. Trad. Lia Wyler. Rio
de Janeiro: Rocco, 2003.
SPALDING, Tassilo Orpheu. Dicionário de mitologia greco-latina.
Belo Horizonte: Itatiaia, 1965.
WARNER, Marina. Da fera à loira. Sobre contos de fadas e seus narradores.
Trad. Thelma Médici Nóbrega. São Paulo: Companhia
das Letras, 1999.
ANEXO 1
LEITURAS DE HARRY POTTER
QUESTÕES
Nome:
Idade:
Nível de escolaridade:
1- Você leu os livros que contam a história de Harry Potter?
Quais livros você leu e em que ordem?
2- Que idade você tinha quando leu o primeiro volume? Quem lhe indicou
a leitura?
3- De qual deles você mais gosta? Por quê?
4- Que personagem-criança (ou adolescente) prefere nas narrativas
de Harry Potter? E adulto?
5- Entre as meninas das narrativas, qual delas você considera mais
interessante? Por quê?
6- Quais as mulheres mais velhas que, sob seu ponto de vista, desempenham
papéis importantes nas narrativas? Por quê?
7- O que você acha da tia Petúnia?
8- Como você acha que Harry Potter se sentia em relação
à ausência da mãe? Por quê?
9- Qual é, para você, a importância de Hermione para
o desenvolvimento dos acontecimentos nas narrativas de Harry Potter?
10- Você diria que o papel Hermione sofreu alteração
à medida que os livros foram sendo publicados? De que tipo?
11- Você gosta mais das personagens hoje, no último livro,
ou gostava mais delas nas primeiras histórias? Por quê?
ANEXO 2
LEITORES DE HARRY POTTER -