Introdução
Este trabalho,
resultado de pesquisa realizada no curso de Mestrado em Educação
junto ao Programa de Pós-graduação da Universidade
Federal do Paraná. Inicialmente, apresenta a temática de
pesquisa procurando evidenciar a simbiose escola-igreja, no processo escolar
comunitário de imigrantes alemães de Joaçaba no período
de 1917 a 1938. Focaliza a participação do Sínodo
Riograndense (atual IECLB – Igreja Evangélica de Confissão
Luterana no Brasil) nesse processo. Por último, destaca a interferência
do Estado no funcionamento da escola de imigrantes alemães local,
principalmente na década de 30 do século passado, período
histórico em que as escolas étnicas foram transformadas
em escolas públicas quando da nacionalização do nível
de ensino primário no contexto do Estado Novo.
No curso
de Mestrado, a temática de estudo foi a escola de imigrantes alemães
de Joaçaba-SC no período histórico entre 1917 e 1938.
A investigação partiu da tomada de conhecimento da presença
de alemães e descendentes na colonização do município.
Os colonizadores eram oriundos de cidades catarinenses, como Blumenau,
Araranguá e Joinville, e também da Europa. Mas, em sua maioria,
eram “procedentes das mais diversas localidades das antigas colônias
no Rio Grande do Sul” (RAMBO, 2003, p. 133).
Na tomada de conhecimento da presença de alemães e descendentes
na colonização do município de Joaçaba, indaguei
se esta corresponderia à abertura de escolas nas comunidades, tal
como enfatizada por autores que versam sobre a temática. A partir
do momento em que identifiquei que, em âmbito local, havia sido
promovido processo escolar comunitário, passei a perguntar sobre
a dinâmica da cultura escolar da escola de imigrantes alemães
de Joaçaba, o que então norteou o estudo da temática.
O estudo da escola de imigrantes alemães local, inscrito no âmbito
da cultura escolar aqui compreendida “como um conjunto de normas
que definem saberes a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de
práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos
e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas
coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas (finalidades
religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização”
(JULIA, 2001, p. 10). Era de fundamental importância atentar para
a simbiose escola-igreja em Joaçaba.
Dessa forma, a perspectiva de análise no estudo foi relacional,
isto é, analisou-se a escola daquela parcela de população
em relação à própria igreja, observando-se
os nexos da educação na região do Vale do Rio do
Peixe, em Santa Catarina, e envolvendo principalmente a colonização
e a igreja do Rio Grande do Sul nas primeiras décadas do século
XX.
Com a leitura relacional dessa escola étnica com as demais instâncias
– no caso, a igreja –, identifiquei que a sua presença
em Joaçaba entre 1917 e 1938, de maneira geral, não se dava
apenas em função da precariedade do ensino público
ou da motivação familiar. Essa cultura escolar provinha
também de um contexto religioso.
A escola de imigrantes alemães teve como uma de suas características
o vínculo com a igreja, que não é uma característica
exclusiva do Vale do Rio do Peixe de Santa Catarina, se for levada em
consideração a história do processo escolar de imigrantes
alemães, como a do Rio Grande do Sul. Vários estudos apontam
para esse vínculo, principalmente os desenvolvidos por Kreutz.
Conforme o autor:
Através
da liderança das igrejas, os imigrantes alemães criaram
ampla estrutura de apoio ao processo escolar, salientando-se que ambas
as confissões religiosas, luterana e católica, tinham sua
Associação de Professores, seu Jornal/Revista do Professor,
sua Escola Normal para a formação de professores e um Fundo
de Pensão e Aposentadoria para os professores de ambas as confissões.
Realizavam assembléias regionais e locais de professores, semanas
de estudo e promoveram ampla produção de livros escolares
para suas escolas étnicas. [...] Toda esta estrutura de apoio ao
processo escolar teve seu maior centro de concepção e produção
no Rio Grande do Sul, onde estavam localizadas 1041 das 1579 escolas da
imigração no Brasil (KREUTZ, 2005, p.160).
No deslocamento
daquela parcela de população para a nova região de
colonização em Santa Catarina, entre os núcleos mais
significativos, podem-se destacar, dentre outros: Rio do Peixe (Piratuba),
Cruzeiro (Joaçaba), Rio das Antas e Caçador, todos no Vale
do Rio do Peixe, como salienta Heinsfeld (2001, p. 112). Para o Vale,
os imigrantes alemães levaram sua participação no
processo de criação de escolas, inclusive em simbiose com
outras instâncias, principalmente as igrejas católica e luterana.
O Sínodo Riograndense (atual IECLB – Igreja Evangélica
de Confissão Luterana no Brasil), foi uma das organizações
religiosas que promoveram, na nova região de colonização,
o processo escolar. Conforme Spieweck (1962, p. 1), em 3 de dezembro de
1916, deu-se a fundação da comunidade de Bom Retiro, em
Joaçaba, uma comunidade eclesiástico-escolar evangélico-alemã
filiada ao Sínodo Riograndense.
Embora o Sínodo Riograndense tenha apresentado atendimento eclesiástico
irregular e deficiente na nova região de colonização,
especificamente na paróquia de Bom Retiro, citada de forma recorrente
na fonte oral e documental da igreja, é possível destacar
que a escola elementar fazia parte da ação pastoral do Sínodo
Riograndense no período delimitado neste estudo.
Considerando-se a dinâmica a que foi submetida a escola elementar
daquele grupo de imigrantes, a leitura relacional possibilitou identificar
que a escola estava inserida num campo de concorrências intra-religiosas
que envolvia a divisão interna entre os alemães e descendentes,
com uma fração católica e outra protestante, sendo
esta subdividida internamente. Esse fator foi revelador, visto que mostrou
que havia uma finalidade implícita na participação
dos representantes daquela organização religiosa que ultrapassava
simplesmente a própria escola.
Formação
da Sociedade Escolar de Imigrantes Alemães - Joaçaba (1917-1938)
A criação
da escola como elemento fundamental da cultura de imigrantes alemães
partia da organização comunitária em Joaçaba.
No entanto, sua instalação imediata dava-se também
pela iniciativa de organização religiosa – o Sínodo
Riograndense – o que denota nesta iniciativa várias representações.
Para as famílias daquela parcela da população a escola
garantiria o acesso ao conhecimento básico, como demonstra o seguinte
depoimento: “Era escrevê, lê, contas, depois religião,
né...” (Diva, 2001).
Já para os representantes daquela organização religiosa,
como sintetiza Hoppen (1986, p.129): “Esta era considerada como
fundamental para a difusão da doutrina cristã e a sobrevivência
da igreja luterana através da conservação das peculiaridades
étnicas (Volkstum) de seus membros”.
Neste sentido vai ao encontro do que Meyer, destaca em seu estudo que,
muitas foram as representações em torno da escola de imigrantes
alemães. Em destaque: a noção de tradição,
de valor em função da precariedade do sistema educacional
e, da mesma forma, das representações entre nacionalismos
brasileiro e alemão. Sintetiza afirmando que a escola de imigrantes
alemães, “se configurou, literalmente, como um espaço
particularmente importante de embates entre discursos no qual, explicitamente,
se pretendia formar um sujeito cultural específico e não
apenas instruir crianças nos rudimentos de leitura, escrita e cálculo”
(MEYER, 2000, p. 113).
Desta forma dentre as várias representações da escola
de imigrantes alemães, no contexto escolar local, destaca-se a
escola como um espaço de ação pastoral. Dos elementos
que compunham o quadro da cultura escolar, daquela modalidade de escola
e, que indicam imbricações entre a igreja e a escola, na
sua forma organizacional, ou seja, na formação da sociedade
escolar.
A comunidade escolar era um importante órgão, formado pelas
famílias alemãs, a chamada “sociedade escolar”,
composta por uma diretoria e que contava com a participação
dos pastores do Sínodo Riograndense, a qual passa a delegar às
respectivas unidades escolares locais uma conotação confessional,
como poderá ser observado na formação da comunidade
escolar.
Em 1921, ocorreu a formação de uma sociedade escolar e de
uma comunidade eclesiástica em Bom Retiro. Naquela ocasião,
nas dependências físicas da escola/templo, foi eleita sua
diretoria. A reunião foi coordenada pelo pastor Ziech, do Distrito
Sinodal de Marcelino Ramos, e pelo pastor Hansen, da paróquia Rio
do Peixe, que a secretariou. O pastor de Marcelino Ramos propôs
que a comunidade Bom Retiro utilizasse os estatutos da paróquia
Rio do Peixe.
O P. Ziech
– Marcelino Ramos – como representante do Sínodo propõe
deixar de lado os antigos estatutos até a instalação
de um pastor próprio, e, em seu lugar, aceitar por enquanto os
estatutos de Rio do Peixe, que servem melhor para condições
simples. A proposta é aceita por unanimidade. Pede-se ao P. Hansen
que envie em breve uma cópia dos estatutos de Rio do Peixe. Numa
assembléia futura os mesmos deverão ser discutidos (PASTA
SR 72/7).
Depreende-se, desse fragmento de relato, que as comunidades eclesiásticas
não apresentavam diferenças internas tão acentuadas
quanto à organização e que, em âmbito paroquial,
as ações eram articuladas pelo pastor, cada parte dentro
de um todo maior, que precisaria funcionar harmonicamente. Verifica-se
que, ao eleger os membros da diretoria escolar e da comunidade, não
havia justaposição de cargos.
Para a diretoria da comunidade são eleitos: Artur Spier como presidente,
Bernhard Böck como tesoureiro, Emil Loof como primeiro conselheiro,
Julius Stobbe como segundo conselheiro. Decide-se que um membro da diretoria
que falta duas vezes em reuniões sem motivo justo, será
excluído da diretoria. [...] São eleitos para a diretoria
escolar: como presidente Carlos Lichtnow, como tesoureiro Friedrich Riepe.
Assumiram a construção da cozinha e a reforma total da moradia:
Carlos Lichtnow, Freidrich Riepe, August Hackbart, Wilhelm Riepe. Tudo
deverá estar pronto até 15 de novembro. As pessoas citadas
comprometem-se a cumprir esse prazo dentro do possível (PASTA SR
72/7).
Outro detalhe em relação à formação
da sociedade escolar é citado no relatório do pastor Ziech,
em novembro de 1921, referente à mesma reunião, quando informou
aos representantes do Sínodo Riograndense o desempenho e ocorrências
nas comunidades evangélicas luterana da paróquia e sede
distrital:
A sociedade escolar fundada em 30.X.21 garante ao professor um salário
mensal de 120$000 e põe a sua disposição para cultivo
cerca de ¼ de colônia de terra. Mais tarde o número
de alunos deverá crescer pela vinda de novos colonos, e com isso
também o salário subirá. Até lá, porém,
a firma Hacker deveria subvencionar o salário do professor, para
que ali um professor competente pudesse encontrar emprego permanente (PASTA
SR 72/7).
A formação dessa sociedade escolar de Joaçaba em
1921, serve como parâmetro para entender a característica
organizacional da escola de imigrantes alemães local, na qual os
cargos eletivos eram ocupados por exemplo, pelos membros da comunidade
evangélica luterana.
Para exemplificar e compreender os aspectos daquela organização,
toma-se alguns artigos do estatuto da Sociedade Escolar Teuto-Brasileira,
da comunidade de Linha Leãozinho, estrada de São Bento,
fundada em 15 de fevereiro de 1934 e registrada em cartório em
1935. Dentre as atribuições da respectiva comunidade escolar,
consta nos fins do estatuto:
a) A aquisição
e administração de um terreno para escola.
b) A construção e manutenção de uma escola
e construção de uma habitação para professor.
c) A instrução das crianças de acordo com a lei (BRASIL,
1935, p.1).
O artigo
segundo deste estatuto dispunha sobre a diretoria escolar, nos seguintes
termos:
A Diretoria será composta de um presidente de um vice-presidente,
de um secretário, e de um tesoureiro.
a) A diretoria será eleita cada ano, numa assemblea geral, sendo
permitido a reeleição;
b) A diretoria representará a Sociedade perante as autoridades
sócios, professores, etc.
c) A directoria só poderá proceder de acordo com os estatutos.
d) Ao vice-presidente compete substituir o presidente na ausencia deste
(BRASIL, 1935, p. 1).
Dentre as deliberações dos respectivos estatutos, ainda
estabelecia-se:
No ultimo Domingo de cada ano realizar-se-á uma assembléa
geral.
a) Nesta assembléa geral o tesoureiro apresentará um balanço
do caixa que será examinado por dois socios designados pela assembléa,
os quaes não poderão ser membros da directoria.
b) Na mesma assembléa geral será dado ao tesoureiro a respectiva
descarga, depois de aprovado o balanço apresentado (Art. 3, p.
1).
As reuniões
serão fixadas pelo presidente e realizar-se-ão depois de
um prazo de convocação de oito dias.
a) A convocação será feita por meio de cartas;
b) As reuniões extraordinarias serão fixadas pela Diretoria
quando esta julgar necessárias, ou quando for convocada pela metade
dos sócios;
c) As assembléas só poderão deliberar com a presença
de metade dos socios registrados;
d) No caso de não se achar presente o numero dos socios exigidos
pelo paragrafo anterior, será convocada uma nova assembléa
para dentro do prazo de oito dias, deliberar, podendo para isso ser qualquer
o numero de socios (Art. 4, p. 1).
Ao secretario compete, fazer toda a correspondencia, a escriptura e os
protocolos (BRASIL, 1935, p. 1, Art. 5).
A respectiva sociedade escolar determinava a necessidade de contribuição
anual extra que se constituía no valor de 6$000 (seis mil réis),
conforme o artigo 17. E, ainda, os sócios da sociedade escolar,
caso não correspondessem às deliberações,
estavam sujeitos à exclusão, nos seguintes termos:
a) quando
trabalharem contra os interesses da sociedade;
b) quando infringirem os estatutos e não obedecerem as resoluções
que forem tomadas nas assembleas (art.14). Ainda no “Art. 15.º
Quando um socio demitir-se ou for excluído perderá todos
os direitos que tinha como sócio (BRASIL, 1935, p. 2).
A sociedade
escolar era um órgão formado restritamente por moradores
alemães ou descendentes, conforme determina o artigo sexto daquele
estatuto escolar: “Todos os socios são, digo, todos os habitantes
deste lugar, de origem allemã, poderão ser socios, desde
que paguem a joia de RS 25$000” (BRASIL, 1935, p.1).
Era, portanto, uma organização étnica, como se pode
observar através dos nomes citados, no registro do respectivo órgão,
efetuado em cartório em 1935, estabelecendo que: “estes estatutos
deverão ser reconhecidos por todos os sócios, por meio de
assinatura própria” (BRASIL, art. 16, 1935, p. 2).
O que não fica explicitado é a extensão do trabalho
educacional organizado pela respectiva sociedade escolar, principalmente
em relação ao prédio escolar, neste sentido, o artigo
nono é elucidativo: “Os moradores deste lugar, que não
forem socios, pagarão o honorario fixado aumentado de uma taxa,
para conservação dos edifícios” (Art 9, 1935,
p. 1).
Segundo os depoimentos de ex-alunos, a clientela das unidades escolares
de maneira geral, era formada por um número significativo de imigrantes
alemães. Na prática, implicaria numa organização
da escola ao menos de turnos específicos para os alunos daquela
parcela de população. Neste sentido, sobretudo, ao observar
a condição contratual do professor: “a sociedade escolherá
um professor e fixar-lhe-á o seu honorário. O professor
será obrigado a ensinar na lingua portugueza e allemã”
(Art. 11, 1935, p. 2).
Desta forma, a formação e organização da sociedade
escolar na comunidade evangélica luterana se constituía
numa das instâncias reguladoras do fazer-se da escola elementar,
principalmente nas questões relacionadas à sua administração
e manutenção, apresentando-se com certa autonomia de ação
em relação à própria igreja, como pode ser
observado nos artigos, particularmente no que diz respeito ao patrimônio
escolar, citados a seguir:
A reforma
destes estatutos só poderá ser feita numa assemblea geral,
em que estiverem presentes dois terços dos sócios registrados.
Decidirá a aprovação a maioria de votos. No caso
de empate decidirá a sorte. As alterações dos presentes
estatutos serão inscritos no protocolo (BRASIL, art. 18, 1935,
p. 2).
A Sociedade
só poderá ser dissolvida quando todos os sócios votarem
para sua dissolução. Depois de resolvida a dissolução
da sociedade todos os bens (edifícios, terras, etz) serão
vendidos pela diretoria e o produto depois de deduzidos as despezas será
repartido igualmente entre os sócios registrados (BRASIL, art.
19, 1935, p. 2).
Embora o
teor do estatuto da sociedade escolar constitua um importante texto normativo
e possibilite, dentre outros aspectos, a identificação da
forma organizacional da escola, regida pela comunidade representada, os
artigos contidos nos estatutos das sociedades escolares se tornam limitados,
principalmente pela ausência de artigos que referenciem a finalidade
educacional. No entanto, como elucidado, sobre as imbricações,
entre a sociedade escolar e a igreja, o acesso à fonte documental
da igreja evidenciou uma prática conjunta e corriqueira de estabelecimentos
de acordos entre os pastores e os membros da respectiva igreja, os cargos
eletivos eram ocupados pelos membros da comunidade evangélica luterana.
A Interrupção
do Processo Educacional de Imigrantes Alemães no Contexto da Institucionalização
da Escola Pública – Joaçaba (1930-1938)
A precariedade
do ensino público brasileiro ao longo do século XIX e primeiras
décadas do século XX possibilitou o desenvolvimento do processo
escolar étnico, como o promovido por imigrantes alemães.
No entanto, o funcionamento dessa modalidade de escola e ensino despertava
estranhamento e preocupação do poder público, principalmente
em relação à aprendizagem da língua nacional.
Em Santa Catarina, foi promovida uma campanha de nacionalização
do ensino, ocorrendo de forma efetiva desde 1911, no governo de Vidal
Ramos, sob a responsabilidade de Orestes Guimarães. Estratégias
foram adotadas para nacionalizar as escolas nas comunidades de imigrantes,
a principal era a “criação de grupos escolares e de
escolas complementares, nos municípios de origem colonial, e pela
imposição do ensino de português nas escolas de imigrantes”
(LUNA, 2000, p. 40).
Na década de 30, a campanha de nacionalização do
ensino tomaria novos rumos. O Estado brasileiro encaminhava-se para a
formação de um Estado autoritário. “O grande
projeto político a ser materializado no Estado Novo, iniciado com
a Revolução de 1930, tinha como núcleo central a
construção da nacionalidade e a valorização
da brasilidade, o que vale dizer, a afirmação da identidade
nacional brasileira” (BOMENY, 1999, p. 151).
Em relação às alterações, a principal
delas referia-se à necessidade de o ensino efetivar-se na língua
portuguesa. Era uma questão primordial e um dos marcos da intervenção
do Estado nas escolas étnicas.
Conforme Luna (2000, p. 50), “após a saída de Orestes
Guimarães da campanha de nacionalização, em 1930,
o sistema escolar do Estado, no tocante ao ensino de português nas
zonas de imigração, começou, aos poucos, a ser guiado
unicamente por dispositivos legais”. Nesse sentido, ainda como informa
o autor, foi aprovado o Decreto no 58, de 28 de janeiro de 1931. Este
determinava que todas as disciplinas, inclusive das escolas particulares
ainda identificadas como estrangeiras, deveriam seguir o programa das
escolas públicas do Estado (Ibid, p. 50).
Com a nacionalização progressiva do ensino no decorrer da
década de 30, os vínculos do Estado com a região
Vale do Rio do Peixe intensificaram-se. É importante destacar que
essa região de Santa Catarina estava ligada ao estado “por
frágeis liames políticos” e que as atividades culturais,
recreativas e de âmbito educacional originavam-se principalmente
no Rio Grande do Sul. Com a nacionalização progressiva do
ensino, intensificada no decorrer da década de 30 do século
XX, os vínculos com o estado catarinense aumentaram.
Os documentos e relatos de pastores que atendiam a região dão
conta dessa presença e interferência do Estado. Na fonte
documental da igreja, constata-se que a intervenção do Estado
na escola de imigrantes local se deu no início de 1930. É
elucidativa uma correspondência enviada pelo pastor J. Regling,
em 4 de julho de 1930, à Diretoria do Sínodo Riograndense,
ao seu presidente, pastor Th. Dietschi, em Novo Hamburgo, na qual destaca:
Referindo-me
a minha carta de 13 de junho de 1930 com respeito ao fechamento da escola
evangélica em Ipira, comunico atenciosamente através desta
que a escola foi reaberta e que assim toda a questão está
resolvida para a maior satisfação da comunidade. O intendente
Romão Mariano Pinto foi demitido e já foi substituído
por outra personalidade. Por iniciativa do cônsul alemão
em Florianópolis, ao qual a diretoria escolar se havia dirigido,
o diretor do ensino público, senhor Altino Flores, enviou uma comissão
que procedeu uma análise do caso e que em 21 de junho procedeu
um exame escolar, encontrando tudo na mais perfeita ordem. Com a diretoria
escolar elaborou-se um currículo escolar de acordo com as determinações
legais, segundo as quais diariamente estão reservadas 2:30 h para
o ensino em língua portuguesa, ficando o restante do horário
livre para o ensino em língua alemã. Ao exame escolar seguiu-se
uma festa escolar, que transcorreu harmonicamente e que foi festejada
pelos sócios da comunidade escolar como festa da paz e da alegria.
Em 28 de junho realizou-se uma assembléia geral da comunidade escolar,
na qual foi eleita nova diretoria, que se propôs como meta principal
o registro da comunidade escolar como pessoa jurídica. Continuarei
dando informações sobre o desenvolvimento desse caso. No
fim de junho (1930), o professor Fries foi a Herval, a sede do município,
onde o acordo realizado foi, uma vez mais, confirmado pelas autoridades,
sendo que mais uma vez, como já muitas vezes anteriormente, foi
prometida uma subvenção, assunto que certamente haverá
de demorar (PASTA SR 72/7).
Naquele momento,
foi elaborado um currículo escolar, conforme prescrevia o Estado.
Em relação à língua, ficou garantida a possibilidade
do ensino bilíngüe, ou seja, 2h30 diárias destinadas
para o ensino em língua portuguesa e as demais horas livres para
o ensino em língua alemã.
Depoimentos de alunos que estudaram em escolas de imigrantes alemães
de Joaçaba indicaram que, logo no início da década
de 30 do século XX, ocorreu a inserção de forma mais
efetiva do ensino na língua portuguesa. Assim, uma das ex-alunas
que estudou nos últimos anos da década de 20 e início
da de 30 faz referência a sua alfabetização: “Alemão
primeiro. E depois, anos depois, tudo em brasileiro. Tudo do começo.
De novo a,e,i,o,u em brasileiro. (...). Escrever as letras e depois mais
fazer conta e tabela e tudo essas coisas” (ERNA, 2000).
Um dos indicativos da fiscalização mais efetiva foi a obrigatoriedade
de as escolas particulares regularizarem sua situação jurídica.
Consta, junto ao cartório de Registro de Títulos, Documentos
e Pessoas Jurídicas da Comarca de Joaçaba, o registro de
sociedades escolares e eclesiásticas das comunidades ao longo da
década de 30, aqui exemplificada.
QUADRO 1
- REGISTRO DOS ESTATUTOS DAS SOCIEDADES ESCOLARES
SOCIEDADES ESCOLARES LOCAL ANO DE REGISTRO
Sociedade Escolar SCHULVEREIN DO SUL Cruzeiro do Sul 1937
Sociedade Escolar Teuto-Brasileira Linha Leãozinho Linha Leãozinho
Estrada São Bento 1935
Sociedade Escolar Teuto-Brasileira das Veadas Veadas 1932
Communidade (sic) Escolar Catholica da Linha
Germano Linha Germano 1935
FONTE: Cartório de Ofício de Registro de Títulos,
Documentos e Pessoas Jurídicas da Comarca de Joaçaba-SC
Foi possível
identificar, tanto na fonte documental da igreja quanto na oral, que havia
pressão do Estado para que o ensino nas escolas de imigrantes alemães
do Vale do Rio do Peixe em Santa Catarina fosse em língua portuguesa.
A intervenção do governo estadual em relação
à língua marcou a trajetória das escolas na comunidade
evangélica luterana local.
A fonte documental da igreja deixa claro que a campanha de nacionalização
do ensino, ao infringir os direitos lingüísticos das escolas
de imigrantes alemães, atingia a própria igreja. Particularmente
entre os evangélicos luteranos,
a escolaridade era fundamental para a sobrevivência da confessionalidade,
razão pela qual se verificava intenso esforço dos pastores
luteranos em prol da escola, mesmo que não fosse denominacional.
Estimulando e fortalecendo a escola, dois objetivos estariam sendo atingidos:
a manutenção da germanidade (Deutschtum) e da confessionalidade
luterana” (KLUG, 1997, p. 7).
Desse modo,
a permanência do ensino também em língua alemã
na escola elementar em Joaçaba ao longo da década de 30
do século passado justificava-se pela primazia do uso do idioma
alemão no lar, na comunidade, na escola e na igreja e, sobretudo,
pela permanência do professor do mesmo meio sociocultural nas escolas
das comunidades. No entanto, com a Constituição de 1937
e instalação do Estado Novo, a condição do
funcionamento de escolas étnicas, como, por exemplo, a dos imigrantes
alemães de Joaçaba, foi alterada através de vários
dispositivos legais, efetivando-se assim a nacionalização
do ensino.
Considerações
finais
Este trabalho
tratou da escola de imigrantes alemães de Joaçaba no período
entre 1917 e 1938, o intento foi deixar visibilizado que a abertura e
presença de escolas nas comunidades de imigrantes alemães,
não seria uma iniciativa apenas das circunstâncias –
a falta de escola pública. Embora esse fator contribuísse,
havia, acima de tudo, o interesse da igreja em articular a escola elementar
ao trabalho eclesiástico como espaço de ação
pastoral.
Procurou-se destacar entre as igrejas presentes na nova região
de colonização em Santa Catarina, a participação
do Sínodo Riograndense no processo escolar comunitário local.
Entre as características daquela modalidade de escola, vinculada
de maneira geral a uma finalidade religiosa, a escola e a igreja necessitavam,
afora o alicerce que representava a associação entre família,
escola e igreja, da unidade do idioma alemão, além de outros
elementos que compunham o quadro de sua cultura escolar.
Cabe ainda destacar que, com a nacionalização progressiva
do ensino no decorrer da década de 30, paulatinamente a escola
de imigrantes alemães local foi sofrendo alterações
no quadro de sua cultura escolar, tais como o idioma em que o alunado
era alfabetizado. Naquele período, houve a proibição
do uso do idioma materno nas escolas, afastamento temporário de
alguns professores germânicos do magistério e afastamento
de igrejas do processo escolar comunitário, como o Sínodo
Rio-Grandense. Isso culminou na interrupção do funcionamento
daquela modalidade de escola local a partir de 1938 com a nacionalização
do ensino de nível primário e a institucionalização
da escola pública.
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