Edelvira de Castro Quintanilha Mastroianni
Sílvia Adriana Rodrigues
RESUMO: A formação de professores e demais
profissionais da educação é ainda hoje uma questão
candente, tema sempre presente nas reformas educacionais dos últimos
anos. Neste contexto, o Projeto Institucional Pedagogia Cidadã
é uma iniciativa da UNESP de oferecer aos profissionais da área
da educação uma oportunidade singular de obter formação
universitária. Desta forma, o presente estudo buscou verificar,
a partir de aplicação de questionários e observações
e análise de material didático, se a participação
dos profissionais docentes do ensino fundamental no Programa em questão
acarretou mudanças em sua prática pedagógica. Os
resultados parciais apontam a influência razoavelmente positiva
do projeto, mas também para a insuficiência deste.
Introdução
Acreditamos que a educação é um processo de humanização
e libertação. O homem, sedento de eternidade, sente ao mesmo
tempo sua própria fragilidade e a do sistema de vida que criou,
e busca, incessantemente, retornar aos valores primeiros e fundamentais,
por vezes obstruídos pela poeira do tempo, dos interesses menores,
do desenvolvimento desregrado, da exploração egoísta
da natureza e de seu semelhante, para levá-lo a mudar. Esta mudança
se dá em uma seqüência de desorganização
e reorganização.
Sendo a educação uma tarefa essencial de todos os tempos
e de todas as sociedades, seja qual for a forma que esta possa assumir,
ela proporciona ao homem esta oportunidade? Esta indagação
é a geradora de outros questionamentos: qual é realmente
o papel da educação quando se trata de aquisição
de conhecimento? Conhecimento que julgamos imprescindível para
o crescimento moral, social, psicológico de cada ser que nela participa.
A quem cabe a tarefa primeira de promover a educação?
A escola sendo um ambiente, por excelência, para a prática
educativa, deve fazer frente aos desafios do nosso tempo (a globalização,
a banalização do ensino formal, entre outros) Cabe ao sistema
educativo estar apto a se situar e restituir-se num mundo em mudança
(CARDOSO,1994).
Especificamente no caso dos professores, vislumbra-se a superação
da mera aplicação de técnicas educacionais, o desvinculamento
de uma rotina maçante na sala de aula, levando-o a participar ativamente
do processo educacional, inserindo-o numa visão global do mundo
e dos comportamentos.
Estas são algumas das inquietações que mobilizaram
a realização deste trabalho de pesquisa que, em essência,
buscou verificar se a participação dos professores do Ensino
Fundamental das redes municipais de ensino no Programa Institucional Pedagogia
Cidadã acarretou mudanças em sua prática pedagógica.
O que nos fundamenta...
A idéia de mudança, de transformação, de passagem
de uma situação para outra, permeia a vida de todos os povos
em todas as épocas. Os ritos de passagem dos povos primitivos e
modernos, as mudanças de regimes políticos, as transformações
ideológicas em nossa história, refletem essa necessidade
humana de renovação.
Pensando na transformação como uma necessidade natural do
homem, vemos a necessidade de um processo educacional que nos possibilite
uma maior participação, não só na compreensão,
na transformação do meu “eu”, como também
do outro, da sociedade. “[...] as atitudes dos professores e da
sociedade são fundamentais para realizar as reformas que se projetam.
Na atitude dos professores perante as reformas e no apoio da sociedade
está a chave para as levar a bom termo” (ESTEVE, apud NÓVOA,
1995, p. 96).
O homem é o único ser educável, pois de acordo com
Marin (1998 p. 85), “é um ser cultural por natureza, por
ser natural por cultura”. Assim, a educação deve oportunizá-lo
a possibilidade de “existir”, pois existir significa criar
um sentido, criar a própria vida.
Com essa colocação, deixamos claros que mais e mais atribuímos
à educação, e especificamente à escola, novas
tarefas, além do educar tradicionalmente entendido como “o
ensinar a ler, escrever e contar”. Perrenoud (1993, p. 141), vai
nos dizer que a escola “não lhe cabe ensinar somente a ler,
a escrever e a contar, mas também a tolerar e a respeitar as diferenças,
a coexistir, a raciocinar, a comunicar, a cooperar, a mudar, a agir de
forma eficaz”.
Desta forma, cabe dizer que o profissional docente exerce papel determinante
na formação de atitudes dos educandos. À ele cabe
despertar a curiosidade, desenvolver a autonomia, estimular o rigor intelectual
e criar as condições necessárias para o sucesso da
educação formal e o desejo da educação permanente.
No entanto, o que vemos é um momento de crise na educação
escolar, um momento de desencontros, onde se depositam expectativas, as
mais variadas, nas instituições de ensino e em seus profissionais.
Sobre isso Neto (2002, p. 42) nos diz:
O momento que vivemos é um momento de crise para a educação
escolar: os modelos tradicionais da organização da escola
e do currículo não atendem às exigências atuais.
Há insatisfação por parte dos alunos, professores,
pais e comunidade [...] As instituições, desorientadas,
buscam novos modelos para resgatar a competência da escola com a
finalidade de concretizar seus projetos político-pedagógicos.
Esta é uma crise que abala a toda a sociedade,
mas em meio a este fogo cruzado a merecida atenção deve
ser dada ao profissional docente, ao seu papel, à sua formação
inicial e continuada, pois se a ele é atribuído o papel
de panacéia, é nesta direção que devem vir
os primeiros esforços de recuperação. É nesta
perspectiva, que enfatizamos a necessidade de uma formação
de professores calcada nas demandas sociais e educativas atuais. De acordo
com Freitas (1998), sem algumas condições básicas
no processo de formação dos professores, a prática
pedagógica limita-se à reprodução de conhecimentos,
a mera transmissão de informações e ao manuseio de
materiais didáticos.
A formação de professores para educação básica
no Brasil sofreu muitas mudanças e influências ao longo da
história da educação. Nunca houve uma preocupação
significativa em investir-se em educação como meio de transformação
da realidade, e como vemos ainda hoje, estamos longe de ter essa preocupação
como prioridade.
A tarefa de ensinar sempre constituiu em desafio ao profissional responsável
por ela, pois este depara-se, entre outros problemas, com a resistência
do outro em aprender, seja por falta de interesse, de capacidade ou mesmo
de motivação. Exige-se muito esforço, vontade, e
principalmente, muita dedicação para colocar em prática
o “fazer aprender”.
Com fazer aprender, não estamos nos referindo de maneira nenhuma
a capacidades de ordem técnica. Com este termo nos referimos à
capacidade e habilidades que o profissional docente deve desenvolver no
sentido de identificar e de valorizar suas próprias competências,
especificamente no que é exigido para exercício de sua profissão,
bem como no âmbito das mais diversas práticas sociais.
Isso exige uma postura diferenciada com relação à
aquisição e disponibilização do conhecimento,
tanto com relação a si próprio quanto aos outros
(aqui no caso, os alunos), ou seja, o estabelecimento de uma nova relação
com o saber. O exercício de mudar de lugar com o outro, se colocar
no lugar dos alunos, que de uma maneira ou de outra não são
iguais uns aos outros, mostrará ao professor novas formas de aliciar
o interesse dos alunos para os conteúdos a serem desenvolvidos
em sala de aula, modificando assim sua forma de trabalho, vendo os conteúdos
não como algo em si mesmo, mas como ferramentas que possibilitam
ao aluno compreender o mundo e agir sobre ele.
PERRENOUD (2000) nos alerta que o papel do professor está se transformando,
sendo exigido dele novas competências profissionais. O principal
recurso do professor é a postura reflexiva, sua capacidade humana
de observar, de regular, de inovar, de aprender com os outros, com os
alunos, com a experiência. Mas, com certeza, existem capacidades
mais precisas no que diz respeito a ação do professor no
sentido de conceber, organizar, gestar e conduzir as situações
de ensino-aprendizagem.
Em coerência com este pensamento, não é possível
pensar a formação de professores seguindo os moldes do século
passado, com currículos fragmentados em áreas disciplinares,
completamente alienados da relação teoria-prática,
calcados numa racionalidade técnica que ignora a dimensão
ideológica, ética e política do ato educativo. É
preciso também deixar de lado a concepção de que
o exercício do magistério está ligado ao sentimento
de vocação, tão arraigado nos atores educacionais,
dos mais variados níveis.
Nessa medida, o ensino deve ser visto como:
[...] uma situação que apresenta problemas a serem contextualmente
determinados e não tecnicamente resolvidos; que se configura como
singular, conflitiva, dinâmica e em desordem, em oposição
a situações padrão; e que envolve incertezas e riscos”.
E, nessa medida, a formação do professor passa a ser entendida
como reflexão sobre as práticas concretas [... ] (ALMEIDA,
1999, p. 17)
Nesse sentido, o que se espera de um curso de formação
de professores está descrito por Pimenta (1999):
Para além da finalidade de conferir uma habilitação
legal ao exercício profissional da docência, do curso de
formação inicial se espera que se forme o professor. Ou
que colabore para sua formação. Melhor seria dizer que colabore
para o exercício de sua atividade docente,uma vez que professar
não é uma atividade burocrática para a qual se adquire
conhecimentos e habilidades técnico-mecânicas. Dada a natureza
do trabalho docente, que é ensinar como contribuição
ao processo de humanização dos alunos historicamente situados,
espera-se da licenciatura que desenvolva nos alunos conhecimentos e habilidades,
atitudes e valores que lhes possibilitem permanentemente irem construindo
seus saberes-fazeres docentes a partir das necessidades e desafios que
o ensino como prática social lhes coloca no cotidiano. Espera-se,
pois, [...] que desenvolva neles a capacidade de investigar a própria
atividade para, a partir dela, construírem e transformarem os seus
saberes-fazeres docentes, num processo contínuo de construção
de suas identidades como professores. (p. 17-18)
Enfim, pensamos como sendo o ideal, uma formação
profissional docente que caminhe numa tendência reflexiva, amparada
numa política de valorização do desenvolvimento pessoal-profissional
dos professores, que acima de tudo, precisam de condições
de trabalho favoráveis à sua formação contínua.
O contexto da pesquisa
A formação de professores é um dos temas mais polêmicos
e mais presente nas reformas educacionais dos últimos anos. As
novas exigências legais quanto à formação mínima
dos profissionais docentes provocou o surgimentos de inúmeras iniciativas
Dentro deste contexto, a Universidade Estadual Paulista “Julio de
Mesquita Filho” (UNESP) criou o Projeto Pedagogia Cidadã
com o intuito de fornecer formação universitária
em nível superior, através da Licenciatura em Pedagogia,
aos professores e profissionais de educação Infantil e das
séries iniciais do Ensino Fundamental, em serviço, das redes
municipais de ensino do Estado de São Paulo.
O curso foi organizado em 2 grandes eixos: formação de professores
para a Educação Infantil e séries iniciais do Ensino
Fundamental, e; formação de gestores para a unidade escolar.
Neste sentido, o curso tem uma carga horária total de 3.390 horas,
distribuídas em 3 anos de duração do curso. Desenvolve-se
nos ambientes de aprendizagem das prefeituras municipais participantes,
coordenadas academicamente por unidades da UNESP. No plano presencial,
são ministradas 24 horas/aula semanais, baseadas em textos reunidos
em Cadernos de Formação, organizados por tema, disciplinas,
eixos de formação ou ainda por área de conhecimento.
Ainda prevê a realização de atividades à distância,
tratando-se assim de um curso presencial que utiliza recursos tecnológicos
de informação e comunicação (TIC), a saber:
- Teleconferências: geradas para todos os pólos receptores
sob a responsabilidade de professores universitários da própria
UNESP ou por ela convidados;
- Videoconferências: geradas nos estúdios localizados nos
diversos Pólos da UNESP, proferidas por docentes-pesquisadores
desta Universidade ou por educadores de reconhecida competência
sobre o tema a ser trabalhado;
Para o desenvolvimento destas atividades há estúdios geradores
de videoconferências, sediados nos campi da UNESP, e nas salas de
aula equipamento de recepção, cuja instalação
fica sob responsabilidade financeira e técnica das prefeituras,
bem como de laboratórios de informática para utilização
da ferramenta de aprendizagem e biblioteca especializada.
Dentre os 3.912 alunos matriculados na primeira turma do projeto Pedagogia
Cidadã, 486 deles estão sob responsabilidade do Pólo
de Presidente Prudente, distribuídos em 09 salas de aula, localizadas
em 4 municípios, e organizadas da seguinte forma:
• Martinópolis – 3 salas de aula
• Paraguaçu Paulista – 2 salas de aula
• Regente Feijó – 2 salas de aula
• Rosana – 2 salas de aula
Cada uma das salas de aula fica sob a responsabilidade de um professor,
que por sua vez encontra-se sob a orientação de um docente
da UNESP, que desenvolve o trabalho de orientação presencial
nas salas de aula numa freqüência semanal.
A realização da pesquisa
O presente trabalho envereda pelo campo qualitativo da pesquisa, e assim
sendo, a coleta de dados e análise se deu por amostragem.
Para a realização deste estudo, além de levantamento
e revisão bibliográfica, foi aplicado junto aos professores-alunos
do projeto que já atuam nas séries iniciais do Ensino Fundamental
dois questionários investigativos, havendo ainda a realização
de observação em salas de aula sob responsabilidade dos
professores-alunos.
A aplicação do primeiro questionário foi realizada
ao final do ano letivo de 2003. O passo seguinte foi sistematizar as categorias
elaboradas para análise, cuja realização se deu de
forma satisfatória após a etapa de observação
das salas, realizada no segundo semestre do ano de 2004.
A etapa de observação em sala de aula se deu a fim de detectar
e constatar a prática docente efetiva dos referidos participantes.
Tendo em vista a amplitude de itens observáveis dentro da categoria
relação teoria/prática, limitamos nosso olhar para
apenas duas das atividades desenvolvidas pelo professor neste sentido:
a seleção de conteúdos e o desenvolvimento coerente
destes em sala de aula, onde buscamos analisar as capacidades do professor
em refletir sobre a epistemologia dos conteúdos trabalhados e de
selecionar estratégias de ensino coerentes com a proposta do conteúdo.
No trabalho de tratamento dos dados, mais especificamente na atividade
de leitura dos questionários aplicados, para complementar e auxiliar
a análise das categorias acima descritas decidimos, também,
verificar outros dois itens: o nível de conhecimentos dos profissionais
acerca do desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem; bem como
em que nível de comprometimento com a profissão em que se
encontram.
A opção por somente analisar os dados obtidos com a aplicação
dos primeiros questionários apenas depois da fase de observação
em sala de aula, se deu, pois, conforme poderá ser verificado na
apresentação dos dados, nem todas as informações
obtidas com a aplicação do questionário poderiam
ser consideradas compatíveis com a realidade da prática
docente em sala. Intentamos com isso, garantir a veracidade na apresentação
e análise dos dados.
Um terceiro momento da pesquisa ocorreu, ao final do mês de março
do corrente ano, com a aplicação do segundo modelo de questionário,
visando obter dados que comprovem a mudança, ou não, da
prática docente dos profissionais que atuam no ensino fundamental
matriculados no Projeto Institucional Pedagogia Cidadã.
Análise parcial dos dados
O objetivo primeiro da pesquisa foi o de verificar se a participação
no Projeto Institucional Pedagogia Cidadã provocaria mudança
na prática pedagógica dos profissionais que já atuavam
no ensino fundamental.
Perguntado aos professores-alunos que atuavam no Ensino Fundamental sobre
a sua formação em nível médio, tivemos 81,2%
dos sujeitos que cursaram o Magistério (sem especificar se HEM
ou CEFAM); nenhum profissional cursou Colegial ou Curso Técnico,
e apenas 18,8% deixou a questão em branco ou não respondeu
corretamente a pergunta.
Examinando os dados sobre a formação em nível médio
dos professores-alunos, verificamos que a grande maioria deles, 95,5%,
concluiu o curso em escolas públicas. Somente 2,9% dos docentes
estudou em escola particular, e 1,6% não respondeu a questão.
Quanto a experiência profissional dos professores alunos, a média
de anos no magistério do ensino fundamental é de 6,3 anos,
sendo que apenas 3 profissionais têm experiência menor que
1 ano, 31 tem experiência abaixo da média e 36 profissionais
(mais de 50%) têm experiência maior que a média. Apenas
2 pessoas não responderam a esta questão.
Os dados apresentados podem ser interpretados como muito positivos, pois
é possível considerar que mais de 50% dos professores-alunos
matriculados no Projeto Institucional Pedagogia Cidadã, encontra-se
praticamente em início de carreira, ou seja, estes profissionais
poderão atuar no trabalho pedagógico em sala de aula de
forma diferenciada após a inserção no projeto, ou
seja, quase que na totalidade de sua trajetória profissional. Não
é exagero dizer que o curso não está somente fornecendo
formação em serviço aos profissionais da educação,
para um número significativo de docentes, trata-se de uma formação
inicial de qualidade superior, pois coincide com a sua inserção
no mercado de trabalho.
Com relação a série do ensino fundamental em que
atuavam no ano de 2003, temos o maior número, 29,1%, na 2ª
série, seguido por 26, 1% na 1ª série, um número
igual de 13,1% na 3ª e 4ª séries e 15,7% como eventual.
Apenas 2,9% não respondeu a questão.
Dados sobre a prática docente dos professores-alunos
A primeira questão aberta do questionário solicitava aos
sujeitos a descrição de um dia de aula com seus alunos.
De acordo com os relatos, 62,3% dos docentes afirmam, ou demonstram na
descrição que adotam uma rotina diária, ou seja a
dinâmica de condução das aulas é sempre a mesma;
apenas 37, 7% dos profissionais mostraram adotar práticas diferenciadas
diariamente.
A rotina do trabalho educativo é algo muito importante na educação
infantil, justificável e até mesmo essencial, pois nesta
fase as crianças devem assimilar a disciplina e adotar comportamentos
básicos necessários à socialização
primária que advém basicamente das rotinas. As rotinas são
importantes também no ensino fundamental, e também para
a vida adulta, isto é inegável. Segundo Rosa (1994):
A rotina, entendida como prática cotidiana de tarefas e/ou procedimentos,
é, sem dúvida, importante à organização
do trabalho do professor. Para os alunos, funciona como referência
necessária à aprendizagem e de como lidar com o tempo escolar
e suas responsabilidades. (p. 60)
No entanto, os dados apresentados nos questionários não
dizem respeito a adoção da rotina como se apresenta acima,
mas como uma adoção desmedida de rotinização
do trabalho em sala de aula, denunciada pela autora acima citada. Ou seja,
há uma repetição da seqüência de tarefas
diárias, que são sempre levadas à risca. Ë necessário
alertar que esta prática transforma as aulas em algo cansativo,
maçante e extremamente desmotivador, sendo que este tipo de iniciativa
apenas reforça um cunho negativo de adestramento no ensino formal.
Ainda nesta questão buscamos identificar se as aulas eram desenvolvidas
com um roteiro definido, sem variações de atividades e ou
assuntos, ou se alteravam conforme o interesse e participação
dos alunos. Verificamos que a grande maioria, 82,6% traz as aulas prontas,
num roteiro rigidamente, seguido à risca, variando apenas ao final,
se o conteúdo definido para a aula for trabalhado antes do período
normal, inserindo atividades como cantos e leituras diversas. Somente
17,4% dos docentes desenvolve as aulas conforme a demanda diária,
com um roteiro pré-definido que se altera, em atividades e assuntos,
conforme o interesse e disposição dos alunos. Estes dados
apenas reforçaram a constatação anterior.
Outra categoria verificada ainda nesta primeira questão foi acerca
da interdisciplinariedade, se os professores-alunos trabalhavam os conteúdos
de forma interdisciplinar cotidianamente, ou se de alguma forma havia
esta preocupação mesmo que esporadicamente, na aplicação
de projetos, por exemplo.
A maioria dos docentes, 87% não demonstrou preocupação
em preparar ou trabalhar os conteúdos de forma interdisciplinar,
as aulas são metódica e cuidadosamente preparada por disciplinas
de forma dividida, independente. Somente 13% procura desenvolver o trabalho
de forma interdisciplinar, buscando co-relacionar os conteúdos,
trabalhando-os de forma integrada às diversas áreas do conhecimento
possíveis.
Sobre as estratégias de ensino-aprendizagem adotadas pelos professores-alunos,
temos 40,6% dos docentes considerando a aula diversificada como melhor
forma de trabalho, 20,3% acredita que as aulas expositivas ainda são
o meio mais eficaz de proporcionar a aquisição do conhecimento
aos alunos. Dado interessante, como também preocupante é
a porcentagem de 39,1% responder esta questão de forma “copista”,
ou seja, transcreveram no questionário frases feitas e jargões
da área da educação, como por exemplo: “aulas
dialógicas” e “aulas que levam em conta a realidade
do aluno”, sem nenhuma inferência à sua realidade.
Esta categoria foi aberta nesta e em outras questões tendo em vista
a natureza contraditória das respostas, se em uma questão
a professora se mostrava aberta a novas propostas de conduzir a aula,
em outra denotava a natureza tradicional e ortodoxa de sua prática
cotidiana. Essa contradição, muitas vezes, apareceu na resposta
para uma única pergunta.
Com relação ao processo de avaliação da aprendizagem
dos alunos, buscamos identificar se os docentes elegem como objetivos
deste processo a verificação e acompanhamento do desenvolvimento
do aluno de forma global, ou se para esse fim examinam apenas o desempenho
dos alunos. Os dados obtidos foram de apenas 11,6% de docentes detém
o olhar para o desenvolvimento dos alunos nos vários aspectos da
aprendizagem (motor, cognitivo, etc), 88,4% dos professores-alunos compreendem
como item verificável na aprendizagem apenas o desempenho imediato
dos alunos.
Estes dados são um tanto quanto preocupantes, mas nem tanto surpreendentes.
É comum entre os profissionais docentes inferir a ocorrência
da aprendizagem a partir de comportamentos apresentados pelo aprendiz.
Ou seja, deduz-se que a criança aprendeu a ler e a escrever quando
se tornou capaz de emitir determinadas respostas diante de um texto impresso,
ou a partir do momento que se torna capaz de reproduzir um determinado
número de palavras seguindo o código formal da língua
escrita (FERREIRO; TEBEROSKY, 1999),
Apesar da aprendizagem poder ser inferida através do desempenho,
este não é o único determinante de comprovação
da aprendizagem a longo tempo, temos outras variáveis não
tão fáceis de observáveis mas que também são
marcantes como por exemplo o raciocínio, a criatividade, etc. (WITTER;
LOMÔNACO, 1984).
Representação dos sujeitos sobre a profissão
docente e o processo de ensino-aprendizagem
Para verificar as representações dos professores-alunos
acerca do papel do profissional docente e sobre o desenvolvimento do processo
ensino-aprendizagem, analisamos de forma integral 4 questões que
indagavam o professor acerca dos papéis do professor e do aluno
na sala de aula, como o aluno aprende, as causas da não aprendizagem,
e ainda houve a solicitação de uma descrição
de um caso problemático de aprendizagem.
Com relação a descrição dos casos problemáticos,
nesta questão, ao professor-aluno era solicitado também
a descrição dos aspectos que considerava fundamental para
o desenvolvimento da criança. Apenas 29% dos docentes respondeu
a esta questão descrevendo as atividades e demonstrando compreensão
sobre alguma teoria do desenvolvimento/aprendizagem e como devem proceder
no acompanhamento de crianças com problemas e/ou defasagem de aprendizagem;
71% dos professores alunos, apenas “contou a história”
do aluno que considerava problemático; em alguns casos, o obstáculo
para o professor era apenas o comportamento indisciplinado. Deste percentual,
quase a totalidade explica a “melhora” no desenvolvimento
do aluno de forma holística ou como algo divino, sem nenhum fundamento
teórico ou prático.
No que diz respeito ao nível de conhecimento do professor-aluno
sobre o desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem, buscamos verificar
em que ponto estavam os conhecimentos dos docentes para viabilizar a verificação
de alguma mudança significativa neste sentido ao final do curso.
Causa inquietação verificar que apenas 36% dos profissionais
matriculados no curso, e que já atuam no ensino fundamental, têm
uma clara concepção de como ocorre o processo de ensino-aprendizem,
em outros termos, consideram todas as variáveis que envolvem o
processo, externa e internamente à escola. A inquietação
aumenta quando temos 44% dos professores-alunos reproduzindo respostas
de livros didáticos para explicar o que acontece com seus alunos
em sala de aula. Acreditamos que este tipo de ação denota
insegurança do professor acerca de seus conhecimentos, bem como
de suas práticas educativas cotidianas.
Sobre o nível de comprometimento dos professores alunos com a profissão
docente, cabe esclarecer que com o termo comprometimento, queremos abranger
a identificação do profissional com a profissão que
exerce e a clareza sobre o papel do profissional docente na sala de aula.
43,5% dos profissionais que responderam ao questionário o fizeram
de forma inadequada, pois reproduziram jargões que são utilizados
à exaustão, e que se transformaram numa linguagem viciada
sem o devido conhecimento de sua natureza. São exemplos: professor
crítico-reflexivo, professor pesquisador, professor mediador, entre
outros.
Na prática, ou melhor, na leitura dos questionários, fica
claro que estas definições foram retiradas de algum texto
simplesmente para ilustrar o questionário, pois os professores
não se sentem seguros para demonstrar claramente como é
de fato sua prática em sala de aula. Cerca de 36% dos docentes
se mostram coerentes ao escrever sobre as obrigações do
professor em sala de aula, atribuindo para si a tarefa de ensinar de forma
sistematizada, bem como controlar o andamento deste processo, reconhecendo
a necessidade de participação dos pais; 20,3% são
considerados regulares, pois ora acreditam que eles são os maiores
responsáveis pelo processo educativo formal, ora atribuem esta
tarefa aos alunos ou aos pais.
Sobre as observações em sala de aula, durante o desenvolvimento
do estudo, percebemos a necessidade de realizar observações
referentes às práticas pedagógicas dos professores-alunos
matriculados. Ao iniciar o tratamento dos dados com os questionários
esta necessidade ficou mais clara, tendo em vista o caráter inverossímil
das respostas obtidas aos questionamentos lançados. Desta forma,
as observações foram realizadas com intuito de obter mais
e melhores subsídios para a de análise dos dados já
obtidos, e encontrar indicadores que facilitassem a análise final
proposta neste trabalho de investigação.
Algumas considerações...
Da leitura e análise dos primeiros questionários notamos
a confirmação do quadro de crise educacional apontado por
Neto (2002, p.42), , ou seja, um momento onde as pessoas envolvidas com
a educação percebem que modelos tradicionais de organização
e condução do trabalho escolar já não atendem
à demanda social. Em contrapartida, a busca de novos modelos se
faz de forma desorientada e muitas vezes isolada.
Com relação à identidade profissional dos professores
o quadro não é diferente, percebe-se o mesmo conflito. Uma
grande insegurança no momento de decidir que rumo dar ao trabalho,
que “modelo” seguir. Em nossa análise isto fica claro
quando os professores recorrem a transcrição de materiais
didáticos para responder a questões referentes ao seu cotidiano
de trabalho.
Os dados também apontam para o despreparo do professor com relação
ao planejamento de suas ações. Notadamente, há uma
preocupação muito grande em organizar conteúdos a
serem ministrados nas aulas, mas não há um planejamento,
uma seleção intencional, um trabalho mais elaborado que
envolve objetivos amplos, como por exemplo, a formação de
atitudes.
Nas respostas da maioria dos professores percebe-se que não há
intenção profissional e programada na seleção
de conteúdos, o que há é um planejamento de como
trabalhar os conteúdos obrigatórios da grade curricular
no tempo determinado para este fim. Os planos de aula são elaborados
sob forma de roteiro de atividades, inexistem discussões e reflexões
aprofundadas. Quando questionados sobre os objetivos de determinada proposta
eles se restringem ao desempenho que o aluno deverá apresentar.
No segundo momento de investigação, em torno de 6 meses
após aplicação do do questionário, com a coleta
de dados a partir de observação, e tendo como base as categorias
levantadas com o questionário temos a ponderar o seguinte:
Com relação a postura profissional: as professoras-alunas
observadas em todo momento buscaram abordar os alunos de forma questionadora,
mas sempre direcionam as questões e respostas aos pontos de maior
interesse e/ou domínio pessoal. Preocupam-se em dar ênfase,
na maioria das vezes, nas respostas convergentes descartando, algumas
vezes, as que faziam parte do tema, mas divergiam do enfoque proposto
para a aula. Isto nos leva a acreditar na hipótese que o professor
mesmo tendo a oportunidade de oferecer um ensino de caráter mais
amplo, ainda não consegue trabalhar a sua prática no que
diz respeito a utilização de estratégias para passarem
de “objeto” a “sujeito” de suas práticas.
Aqui cabe ao professor, segundo Alarcão (1996), reelaborar os saberes
iniciais em confronto com suas experiências práticas, buscando
a delimitação de diretrizes em busca da superação
das dificuldades.
Considerando a seleção de atividades, foi possível
notar que a preocupação central ainda é “vencer”
os conteúdos que estão programados para o ano letivo, no
entanto, a preocupação em relacionar os aspectos pedagógicos
aos sociais, começa a permear a prática dos docentes. Percebe-se
uma busca no sentido de promover ao aluno condições favoráveis
de entendimento do conteúdo desenvolvido, e conseqüentemente
uma maneira mais sóbria e concreta de ver o mundo.
Ainda que não a contento, a interdisciplinaridade vem sendo buscada.
Notou-se que há uma intenção em organizar as aulas
desta forma, mas ainda barra-se no despreparo técnico para efetivar
a prática.
Sobre o processo de avaliação, é notável a
valorização desta como processo nos planos de aula. No entanto,
esta mesma valorização não ocorre na prática.
Assim como os objetivos do processo de ensino-aprendizagem, a preocupação
premente ainda se encontra em termos de desempenho apresentado pelos alunos.
Ainda falta a visão mais apurada, e a compreensão de que
aprendizagem não é sinônimo de desempenho, permanece
ainda a preocupação de oferecer uma grande quantidade de
conteúdos, esperando como resultados que o aluno cumpra plenamente
todas as tarefas e apreenda o maior número de conceitos.
Em contrapartida a esta constatação é possível
notar uma maior valorização do aluno em relação
ao conteúdo desenvolvido, há uma certa preocupação
do professor em oferecer aos alunos a oportunidade elaborar e socializar
a sua produção, em melhorar seu auto-conceito.
Podemos dizer que até o momento, de acordo com os dados levantados
a apresentados, que o projeto o vem promovendo certas mudanças
na clientela, mudanças estas ainda um tanto quanto sutis. Percebe-se
ainda uma dificuldade dos profissionais docentes em trazer para sua prática
cotidiana os conteúdos ditos teóricos que lhe são
oferecidos nas diversas instâncias de formação profissional
(capacitações, cursos, etc.). O obstáculo que se
propõe aos professores é a incapacidade de refletir sua
prática em termos teóricos, de reelaborar crenças
e abandonar as práticas técnico-mecânicas de conduzir
o processo de ensino-aprendizagem.
Antevendo alguns resultados, admitimos a possibilidade de um impacto positivo
do Projeto Pedagogia Cidadã na vida profissional dos professores-alunos
em termos de aproveitamento dos conteúdos. No entanto a maior transformação,
a esperada, e a almejada, e esta não é possível considerar,
é a modificação da postura do professor com relação
à sua profissionalização, sua capacitação,
sua formação continuada realizada de forma consciente. Esperamos
que ao final do projeto os profissionais que dele fizeram parte como alunos
possam se conscientizar, ao menos minimamente, que deles, e somente deles,
depende a qualidade de sua formação, e que esta só
poderá ser alcançada quando assumirem para si a tarefa de
lutar pela melhora da qualidade do ensino, com a valorização
de sua profissão tanto em termos de condição de trabalho
quanto de identidade profissional.
Com esta colocação não estamos eximindo a responsabilidade
das instâncias formadoras, e no que diz respeito ao projeto em questão,
apesar de a proposta e a oportunidade de formação serem
louváveis, a forma de organização, o material didático
e a condução do processo de formação estão
muito aquém do desejado. O que postulamos aqui é a necessidade
de o profissional docente tomar as rédeas de sua formação
de profissional e reivindicar, ou melhor, exigir que esta seja de qualidade...
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