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A
FORMAÇÃO DOCENTE E SEUS EFEITOS NA CONSTITUIÇÃO
DO EDUCADOR EM UM PROGRAMA DE EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA.
Lucrécia Stringhetta Mello.- UFMS/CPTL
Programa de Pós-Graduação/Campo Grande/MS
Introdução
A nova ordem mundial marcada pela revolução tecnológica,
avanço científico e cultural trouxe inúmeras modificações
para a sociedade contemporânea. Além de inusitados produtos
e novas tecnologias, eclode a exigência de qualidade que invade
a área de recursos humanos, definindo, por conseguinte, categorias
ocupacionais que apontam para competências fundamentais visando
à participação responsável na vida de uma
sociedade pluralista. Este contexto estabelece novos desafios para a educação.
Assim sendo, são primordiais estudos de caráter qualitativo
que podem contribuir para avaliação dos programas desenvolvidos
pelas agências formadoras no sentido de fomentar discussões
sobre os efeitos dessa formação e seus reflexos na modificação
da prática docente e na da qualidade do ensino.
Esse artigo abarca uma pequena amostra das proposições de
um dos programas acerca da complexa tarefa da requalificação
profissional, àqueles que se envolvem nesse tipo de proposta e,
reflexão sobre sua implementação nas práticas
e fazeres docentes para a construção da identidade do educador.
Para tanto, na introdução expõe-se o panorama das
políticas educacionais voltadas aos Programas de Formação
docente em serviço e uma análise crítica pautada
nos referenciais teóricos que os sustentam.
Dentre os eixos norteadores dos programas de formação contínua,
vários autores são considerados, dentre eles: Perrenoud
(1999/2000), Pimenta (1999), Schön (1995), Nóvoa (1995/1999)
dentre outros. Tecemos as características do Programa de Educação
à Distância (EAD), lócus, onde realizamos a pesquisa
enfocando o perfil identitário dos acadêmicos/professores
dessa modalidade de ensino à distância.
Na interface entre os saberes provenientes da realidade vivenciada pelos
sujeitos que se envolvem nos cursos de formação e o corpo
teórico inerente aos currículos propostos em cada modalidade,
estruturou-se um processo dialético onde a reflexão, se
fez presente em múltiplos espaços e tempos teoricamente
integrados, desencadeando experiências que buscamos nesta oportunidade
socializar.
Ao analisar os Programas de Formação urge a necessidade
de refletir em que medida os mesmos têm contribuído para
o desenvolvimento de competências, a valorização do
magistério, sempre reivindicada pelos docentes e longe de ser alcançada.
Sabemos que vivemos um declínio generalizado de todas as profissões
tradicionais, mas a atividade docente é anunciada como importante
por toda a sociedade, particularmente pelos órgãos responsáveis
pela educação.
Devido a situações sociais e econômicas, inerentes
ao contexto em que vivem, há uma grande chance de os professores
formados ou em formação serem tragados por situações
adversas no trabalho docente e apresentarem resistências aos cursos
de formação, demonstrando com isso que não bastam
medidas políticas impostas e nem justificativas apelativas para
qualificação, pois a educação tem custos na
medida de sua qualidade.
As formações contínuas, independentes das definições
ou modalidades que a caracterizem, devem ser entendidas como um modo de
reconstrução/reapropriação coletiva e solitária
do saber, em que o sentido das experiências vividas torna-se mais
claro para a consciência e a relação com o saber passa
a ser mais importante que o próprio saber em si. Esse movimento
permite que o professor se conscientize de sua condição
de co-autor de seu processo de formação pessoal e profissional
e com isso supere as barreiras que reforçam as resistências
ao novo e motivem-se às propostas de formação.
A formação continuada dos docentes, mais que uma necessidade,
representa uma oportunidade de recriação da prática
docente, pela definição (sempre provisória e permanente)
de objetivos, pela ampliação das aprendizagens individuais
e coletivas e pela afirmação de ações que
potencializam processos de mudança, latentes ou em curso.
Desta feita, muitos têm sido os estudos sobre a formação
de professores no Brasil especialmente na década de 1990, houve
uma expansão das políticas de formação de
professores que visam a continuidade dos estudos devido ao fracasso da
escola, pelas novas exigências do mundo globalizado, e neste contexto
há uma polissemia de definições sobre este processo:
contínua, continuada, formação continuada em serviço,
reciclagem, aperfeiçoamento, qualificação, educação
permanente etc.
Em nosso país, a política de formação contínua
de professores vem acompanhada de regulamentação através
de instrumentos legais: Lei de Diretrizes e Bases da Educação
(1996), Plano Nacional de Educação (1997), o Decreto nº
2.794/98, Sistema de Nacional de Formação Contínua
e Certificação de Professores (SINACE), o Parecer nº115/99
que cria os Institutos Superiores de Educação e, por fim,
o documento “Propostas de diretrizes para formação
inicial de professores da educação básica de nível
superior”, publicado em abril de 2001. Destaque-se aqui que durante
a gestão de Fernando Henrique Cardoso, no período 1996-1998,
foi priorizado o ensino fundamental, tendo a matrícula, em 1998,
atingido 95,8% das crianças e jovens na idade de 7 a 14 anos, nível
próximo à meta de cobertura de 97%, também é
desta ocasião a criação do FUNDEF, a implantação
da TV-Escola, dos Parâmetros Curriculares Nacionais, do Sistema
de Informação e Avaliação e da divulgação
do Censo Escolar e ainda em 1999 houve a implantação dos
Referenciais Curriculares para a Educação Infantil, informações
estas levantadas a partir de documentos oficiais do governo.
A educação no Brasil vem evoluindo segundo o diapasão
de um país em desenvolvimento que se encontra em secular e interminável
processo de desenvolvimento econômico. Como já foi citado,
o país conseguiu alguns avanços na democratização
da escola com a ampliação de vagas bem como a educação
inclusiva, entretanto, há ainda alguns problemas a serem resolvidos.
As diferentes modalidades e Programas de Formação (PROFA,
Parâmetros Curriculares Nacionais, Educação à
Distância) reproduzem a dicotomia característica do sistema
econômico, qual seja, a educação pública destinada
às classes populares e pobres, enquanto que para as classes médias
e altas o estado estimula a educação privada.
O Programa de Formação tomado como objeto de análise
neste artigo em sua propositura, destina-se à formação
inicial e continuada daqueles que atuam com as classes populares e pobres
e recebem a formação em serviço e têm como
mantenedor o próprio sistema público, criados para atender
às características específicas do formador, objetivando
a melhoria do trabalho.
Estudos recentes têm comprovado que o crescimento econômico
e a competitividade das economias mais avançadas dependem primordialmente
da capacidade de inovar, nos produtos e nos processos e que esta capacidade
está baseada num elevado nível de conhecimentos profissionais
dos trabalhadores.
Assim, a Educação à Distância – EAD –
é chamada e instalada pelos próprios governos como a modalidade
que melhor estaria em condições de cumprir esta tarefa de
maneira rápida, atingindo um número expressivo de trabalhadores,
e dentro de uma racionalidade econômica superior às modalidades
presenciais. (PRETI, 2000, p.30)
Os níveis atingidos pela EAD abrangem: educação fundamental,
educação média, educação universitária,
cursos de pós-graduação, formação profissional,
educação permanente/continuada. O Brasil vem desenvolvendo
programas em EAD há décadas, alguns deles conhecidos como;
MEB (1956), Projeto Minera (1970), Logos (1977), Telecurso 2º grau
(1978), Mobral (1979) e, mais recentemente, Um Salto para o Futuro (1991),
Telecurso 2000 (1995), TV Escola (1996) e Proformação (1999).
No Brasil, assim como na América Latina está se tomando
a iniciativa de consolidação e institucionalização
de programas de EAD, a exemplo da Venezuela, Costa Rica, Colômbia
e outros. O fato é que existe hoje, no Brasil o Consórcio
Interuniversitário de Educação Continuada e à
Distância (BRASILEAD), uma iniciativa de reitores das universidades
brasileiras, criado em 1993, e constituído por 54 instituições
públicas de ensino superior e a Universidade Virtual Pública
do Brasil (UNIREDE) que, atualmente, conta com 62 instituições
de ensino superior e pesquisas participantes. (ibidem, p. 32).
Segundo o autor citado, também está sendo criada a primeira
universidade Aberta e à Distância no país. Entretanto,
na sua visão, talvez, não seja o melhor caminho para nosso
país. Mais vantajoso seria a EAD estar associada a uma universidade
ou instituição convencional, pois, as diferenças
culturais, as distâncias e os problemas sociais seriam mais bem
atendidos por iniciativas locais e regionais.
A nova conjuntura econômica associada aos avanços das tecnologias
da comunicação tem pesado para que os gestores das políticas
públicas se inclinassem em direção a EAD. Sobre este
aspecto, parece-nos que se criou em nosso meio um encantamento com essas
tecnologias. Um encantamento positivo, de um lado, quando se visualizam
as possibilidades novas que oferecem no campo educativo, nas capacidades
que têm de modificar os conceitos de tempo e distância, propiciando
uma interação mais intensa entre o real e o virtual. As
redes eletrônicas e o telefone celular exemplificam bem isso, (PRETI,
2000, p.33). Os alunos em formação podem estar em contato
com pessoas, conhecer fatos e lugares, ter acesso a uma biblioteca, fazer
um curso mesmo estando em casa ou no laboratório de informática.
O projeto do curso de pedagogia foi idealizado tendo em vista o modelo
dos cursos presenciais, ou seja, obedece às orientações
emanadas do CNE para formação docente. Difere apenas na
forma de execução, pois nessa modalidade as disciplinas
são modulares. Os professores que atuam no curso são os
mesmos do quadro regular da instituição (UFMS), salvo exceções
em algumas disciplinas. Antunes de Sá falando a respeito da validade
dos cursos distância:
À validade do diploma para os cursos de graduação
à distância, deve-se observar o Decreto Nº 2494/98 e
a Portaria nº 301/98- MEC que balizam e normatizam a oferta, o credenciamento
e avaliação desses cursos. Perante a atual legislação
atual na há diferença entre a qualidade do presencial com
da modalidade à distância (ibidem, p.05)
As pesquisas realizadas, avaliando os grandes programas
em EAD que o MEC desenvolveu ao longo destas décadas, vêm
comprovar a “debilidade” de tais ações centralizadas,
sem uma estrutura de apoio e acompanhamento dos programas in loco.
Se existe fascínio e a sedução por estas tecnologias
(chamadas até “inteligentes”), por outro lado, corremos
o risco da alienação, da crença ilimitada, panacéia,
creditando a elas a capacidade de solucionar os problemas de aprendizagem
e as dificuldades de acesso ao saber.
A experiência em EAD, em processo, que serve de referência
a esse estudo, oferecida pela UFMS, não tem a característica
de consórcio como nos exemplos citados acima. Oferece a formação
em nível superior - Curso de Pedagogia-, através de convênio
com municípios do estado de Mato Grosso do Sul (São Gabriel
do Oeste, Camapuã, Rio Brilhante, Água Clara, Coronel Sapucaia
e Bela Vista).
Por meio do ensino semipresencial, o curso, em grande parte, baseia-se
em textos escritos e as aulas presenciais acontecem nas sextas-feiras,
sábados e domingos (quando necessário). Ocorrem nas “Unidades
de Apoio” das cidades onde o curso é oferecido com salas
específicas, para atender o número de alunos matriculados
(média de 80 a 100 alunos por turma). Existem ainda os laboratórios
de informática, biblioteca e mídia para instrumentalização
das aulas e uso dos acadêmicos. O corpo docente é o mesmo
que atua nos cursos presenciais da universidade, sendo assim, pertencem
ao quadro efetivo da instituição.
Perfis históricos identitários e de um programa de formação
à distância: diversidades e adversidades de uma prática
vivida
O projeto pedagógico de um curso de Educação
à Distância, ao estabelecer seus objetivos, suas metas e
a concepção de aprendizagem e de ensino que considera válida,
determina de certo modo, a utilização dos meios tecnológicos
mais adequados ao alcance dessas expectativas.
Cada tecnologia é mais apropriada para um tipo de aprendizagem
e desaconselhável para outros. A escolha de uso de um vídeo,
um CD-rom ou a Internet encaminha o aluno para o alcance de objetivos
diferenciados. Segundo Busato:
“[...] as tecnologias favorecem as coletas de dados
e o acesso aos bancos disponíveis; o audiovisual favorece a apresentação
explicativa e ilustrativa do real; a informática favorece a classificação,
hierarquização dos dados coletados e a criação
de situações de simulação”. (BUSATO,
apud KENSKI, 2004, p. 76).
Existem ainda outros encaminhamentos como, as redes e
a Internet que possibilitam o acesso e a busca de informações,
a interação comunicativa – via chats, e e-mails e
listas de discussão – e o desenvolvimento de projetos e intercâmbios
institucionais.
Em termos de tomada de decisão sobre quais os melhores meios para,
através do projeto pedagógico, levar a efeito uma formação
de qualidade em cursos de EAD, como é o caso do projeto em estudo:
“Curso de Pedagogia”, cabe ao grupo de professores e alunos
a decisão sobre qual o melhor meio tecnológico ou quais
as mídias mais adequadas para desenvolver o ensino.
Para que se realize um projeto de curso de qualidade é necessário
muito mais que a boa vontade ou a submissão dos professores às
instruções dos técnicos que orientam sobre o uso
dos computadores e demais equipamentos. É necessário muito
mais que possuir equipamentos avançados disponíveis aos
alunos. É necessário muito mais do que os breves cursos
de “introdução” aos programas e softwares que
a escola dispõe para uso didático.
Os professores e alunos devem se sentir confortáveis para utilizar
esses novos tipos de auxiliares didáticos. E, estar confortável
significa pensar conhecê-los, dominar os principais procedimentos
técnicos para sua utilização, avaliá-los criticamente
e criar novas possibilidades pedagógicas, partindo da integração
desses meios com o processo de ensino.
Enquanto professora do curso de EAD, entendo que, sem perder o valor essencial
na formação de docentes, através desse tipo de curso,
não podemos deixar de considerar os aspectos pessoais e sociais,
que incidem na aquisição de procedimentos sistemáticos,
co detalhes específicos que devem constituir o currículo
que cada curso almeja.
No imaginário de muitas pessoas, um curso via internet ou multimídia
é a garantia na qualidade e da atualidade daquele curso. O texto
escrito é considerado tecnologia ultrapassada. Ao se elaborar um
curso pensa-se primeiro nas tecnologias a serem usadas do que propriamente
no seu conteúdo, nos objetivos, nos sujeitos a serem atendidos.
Sabe-se que o projeto de curso à distância depende de uma
infra-estrutura de comunicação adequada, de modelos sistêmicos
bem planejados, projeto de curso teoricamente bem formulado, decisões
políticas apropriadas e oportunas e acima de tudo um forte desejo
e capacidade de realização. Entendemos oportuna a pesquisa
que realizamos com a formação de professores e a constituição
das histórias de vida dos acadêmicos engajados nesse projeto.
Com efeito, a experiência de três anos, ministrando disciplinas,
parte presencial e parte à distância, mostra a versatilidade
que esse tipo de trabalho requer, pela necessidade de assegurar o acesso
à informação e à produção do
conhecimento, pelos processos de trabalho coletivo e cooperativo de aprendizagem
em ambientes informatizados e não informatizados. A vivência
suscita questionamentos sobre o projeto de curso, a forma como o currículo
se desenvolve, bem como, a subjetivação dos conhecimentos
frente à construção da história de vida profissional.
O olhar ao curso de pedagogia da Educação à Distância
da UFMS, em várias cidades de Mato Grosso do Sul, se tornou um
percurso de formação, com exigências teóricas
e práticas que se confundem e se alimentam mutuamente. Este é
um processo de conhecimento, de reconhecimento, mas também de desconhecimento
de si próprio que, no movimento, foi gerando uma presença-ausência
– do pesquisador – que traz as marcas das experiências
acumuladas e, sendo um processo interativo, de possibilidades, mas também
de limites, o mais prudente é vê-lo como conflitualidade
de conhecimentos e, nas palavras de Santos (1996, p. 17) “[...]
reconhecer os sujeitos que atuam nessas redes formativas através
das diversas formas rivais de conhecimento”.
Diversos autores como Hernández & Ventura (1998) e Garcia (2003)
têm afirmado que a mudança na escola deve envolver todos
os participantes do processo educativo: alunos, professores, diretores,
especialistas, comunidade de pais; e essa mudança tem que ser vista
como um processo em construção, realizado por todos esses
participantes e contar com apoio de agências (universidades) ou
de especialistas externos para assessoramento e suporte técnico
para o desenvolvimento curricular.
Na era da tecnologia o ensino pode ser compreendido de outra maneira.
Por meio da tecnologia temos o recurso que permite que à distância
obtenham-se conhecimentos, ou seja, não existe um lugar específico
para aprendizagem. Exemplo disso são as aulas virtuais que acontecem
nos cursos de E.A.D. É uma oportunidade de levar a educação/formação
àquelas pessoas que não têm onde fazer um curso superior
ou aperfeiçoamento em serviço.
O paradigma da educação tradicional já não
satisfaz os estudantes, um novo tempo, um novo espaço e outras
maneiras de pensar e fazer são exigidos na sociedade moderna. Assim
como existe a divisão do trabalho, em físico e mental e
como conseqüência a exploração do segundo sobre
o primeiro. No ensino também existe essa separação
entre professores e alunos, os que mandam e os que obedecem sem uma interação
entre eles. “O conhecimento compartilhado pela equipe gera um novo
saber que nasce da troca do entrechoque de opiniões”. (KENSKI,
2004 p.59). A partir do momento em que adotamos o uso das tecnologias,
todos os campos educacionais são afetados, necessitando urgentemente
de uma reestruturação não apenas na teoria, mas também
na percepção e ação educativa. E a autora
nos coloca que:
[...] para o desenvolvimento de uma cultura informática
é necessário à reformulação dos programas
pedagógicos, flexibilização nas estruturas do ensino,
interdisciplinaridade dos conteúdos, os relacionamentos com outras
esferas sociais e a comunidade em geral (KENSKI, 2004, p.68).
Hoje, sobretudo a partir da aprovação da Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (LDB), fala-se muito em educação
à distância. O que vem a ser isso? É possível
trabalhar essa objetivação quando o substantivo ainda está
ausente para uma parcela significativa da sociedade? Ou ela ajudaria a
tornar mais substantiva a educação para esta população
excluída? Aqui fazemos referência à população
dos docentes das cidades atendidas pela EAD, locais em que o acesso a
cursos superiores regulares é difícil, uma vez que para
realizá-lo os alunos devem locomover-se para outras cidades, distantes
da localidade onde moram e trabalham.
Sabemos que existem custos e cumplicidade quando aceitamos o currículo
como prescrição, custos que envolvem, principalmente e de
diversas formas, relações de poder. Mas, entendemos que
as pessoas relacionadas no dia-a-dia, com a construção social
do currículo e escolarização – os professores
– podem estar privadas do discurso da escolarização.
(GOODSON, 1995).
Este alerta serve para entender que os cursos de Educação
à Distância, embora diferentes no processo dos cursos presenciais,
tem a mesma estrutura curricular que este, lidam com um tipo especial
de alunos. No entanto, ambos apresentam dois mundos: o da “retórica
prescritiva” e o da “retórica da prática”.
As prescrições curriculares estabelecem certos parâmetros
que podem ser transgredidos e ocasionalmente ultrapassados se houver desafios.
No caso deste estudo muitos são os desafios enfrentados. Desafios
que vão desde a maturidade profissional, até as necessidades
específicas de domínio de várias linguagens disciplinares
postas no currículo prescrito, sem a garantia da constante mediação
do professor como nos moldes do ensino presencial.
O estudo em desenvolvimento acerca das narrativas e história de
vida dos acadêmicos do curso, privilegia a produção
da existência e dos conhecimentos, crenças e valores que
a elas dá sentido e direção, como também o
uso da tecnologia pelos acadêmicos no sentido de desvelar avanços
e dificuldades apresentadas. Procuram-se pistas, marcas e sentidos atribuídos
pelos próprios autores caracterizando a identidade simbólica
que está sendo construída.
Metodologia
O presente trabalho pretende acompanhar a tendência contemporânea
das pesquisas qualitativas e abordar os saberes originados: na história
de vida pessoal dos docentes; decorrentes da formação profissional
para o magistério; dos currículos e matérias circunscritos
ao curso de Pedagogia e os saberes construídos na prática
pedagógica e contexto atual. Essa pesquisa não se constitui
como trabalho solitário: será produzida no interior do “Núcleo
de Estudos Interdisciplinares: a pesquisa como estratégia de formação”.
Estudar acerca das narrativas e história de vida, privilegiando
a produção da existência e dos conhecimentos, crenças
e valores que a elas dão sentido e direção significa
procurar pistas, marcas e sentidos investidos na rede de saberes e fazeres,
a realidade local específica e sua relação com a
totalidade. A pesquisa poderá ampliar estudos e saberes dos professores,
no intuito de melhor compreender a profissão docente bem como avaliar
mudança educativa planejada pelo programa de Educação
a Distância (UFMS).Considera-se o modo complexo e composto dos elementos
que envolvem a mundo-vida dos sujeitos em estudo demarcando os sentidos
e direção.
A vida cotidiana não pode ser traduzida por meio de explicações
gerais a respeito de sua dinâmica e riqueza. Estudos realizados
a partir de múltiplas realidades observadas, muitas vezes repetidos,
provavelmente contribuirão para que alguém escolha e selecione,
similaridades e diferenças, com o objetivo de viabilizar a construção
de uma compreensão mais global do mundo e da estrutura da sociedade
em que vivemos. Porém ao fazer isso, esses estudos abdicaram da
pluralidade e da diversidade, dentre outras especificidades das realidades
concretas e de seus processos reais de construção.
O entendimento dos aspectos singulares e diversos das situações
reais da vida cotidiana requer outros tipos de procedimento de pesquisa,
segundo Certeau (1994, p. 46) “[...] a enquête estatística
só “encontra” o homogêneo. Ela reproduz o sistema
ao qual pertence e deixa fora do seu campo a proliferação
das histórias e operações homogêneas que compõem
os ‘patchworks’ do cotidiano. Nesse trabalho, queremos utilizar
metodologias que permitam uma forma diferente de se organizar e estudar
as informações oriundas da realidade investigada em suas
especificidades e traços característicos, em sua complexidade,
em seus elementos singulares histórica, cultural e socialmente
construído.
Cada experiência particular só pode ser entendida junto ao
conjunto de circunstâncias que a torna possível, a história
de vida dos sujeitos em interação, sua formação
e a realidade local específica, com as experiências e saberes
pregressos de todos, entre outros elementos da vida cotidiana.
Isto significa que compreender concretamente essas múltiplas e
diversas realidades que são nossos professores em serviço,
com problemas reais, nos coloca o desafio de mergulhar nesses cotidianos,
buscando neles mais do que as marcas das regras gerais de organização
social e curricular, outras marcas, da vida cotidiana, dos acasos e situações
que constituem a história de vida dos sujeitos pedagógicos
que, em processos reais de interação, dão vida e
corpo às propostas curriculares.
Outro ponto importante para os estudos da vida cotidiana, envolve a convicção
de que a vida cotidiana não é apenas lugar de repetição
e de reprodução de uma “estrutura social“ abstrata
que, além de explicar toda a realidade, “a determinada”,
como supõem, ainda hoje, alguns. Compreender esses processos específicos
de produção do real para além dos seus elementos
ditos estruturais exige de nós, pesquisadores, uma viagem ao processo
de constituição da ciência moderna e dos limites que
este impôs aos diversos campos de pesquisa. (Ibidem, p. 81).
Para além do que à ciência é permitido organizar
e definir, em função de estruturas que circunscrevem e da
irredutibilidade das realidades cotidianas concretas, existem também
as permanências, operações, atos, usos práticos,
regras e linguagens historicamente constituídas e reconstruídas
de acordo com a lógica da produção de ações
de sujeitos reais, atores e autores de suas vidas. Há “maneiras
de fazer” (caminhar, ler, produzir, falar), “maneiras de utilizar”
que tecem em redes de ações reais, que não são
e não poderiam ser meras repetições de uma ordem
social preestabelecida e explicada no abstrato.
Muitas têm sido as iniciativas que alteram propostas curriculares,
redesenham as relações professor-aluno e enredam valores,
saberes e possibilidades de intervenção, experiências
e criação, potencializando aprendizagens de conteúdos,
comportamentos e valores, para além do previsto e do suposto oficialmente.
Para colocar a questão em termos funcionais e de racionalidade,
entre intenção e estratégia, este trabalho desenvolve-se
através de seminários de estudo com os orientandos, tanto
de iniciação científica, quanto do Mestrado para
discussão teórica da temática dos projetos.
A coleta de dados, especialmente no que diz respeito aos memoriais escritos
pelos acadêmicos do curso de EAD, são elaborados como estratégia
nas ações didáticas que desenvolvo nas aulas da disciplina
de História da educação. Por meio das vivências
interdisciplinares, aprende-se a gerar significados essenciais para compreender
o mundo, sua historicidade, o contexto em que vivemos e a participar dele.
Essa estratégia é uma prática que há muito
venho exercendo em meu fazer pedagógico; estabelecer a relação
com o simbólico na interpretação do universo da existência.
Assim vejamos:
“[...] diante do recurso simbólico, os participantes
são levados a interpretar, a dar um sentido determinado pela história,
pela natureza do fato simbólico, pela linguagem. Para tal, fez-se
necessário um grande desenvolvimento nos métodos de tratamento
do símbolo/metáfora, o que veio tornar mais fácil
a organização do trabalho e o exercício da pesquisa
por meio de oficinas do conhecimento”. (MELLO, 2004, p.43)
Quando os professores são convidados a escrever
suas histórias de vida, há certa estranheza no primeiro
momento, pois este exercício potencializa sua vida e formação
e esta prática não é muito comum devido a desvalorização
social que esta profissão sofre. Descobrir-se autor e construtor
da própria história de vida é interessante e admirável,
podendo dar uma guinada completa em sua profissão tanto quanto
em sua vida pessoal.
Muitas vezes, professores se vêem com dez anos de carreira sem saberem
por que escolheram um curso ligado a educação, ou por que
trabalham desta ou daquela maneira, quais os autores mais lidos em sua
área, ou por que nunca leu nenhum?. Vivem para o trabalho sem conhecê-lo
e sem conhecer a si mesmo. O exercício de memória é
antes de tudo, um encontro consigo mesmo, ou seja, é um processo
de tornar-se, refazer-se a partir de suas práticas.
O processo identitário requer tempo, pois pressupõe investigação
da história pessoal e profissional do professor. Indagações
desde seus prazeres mais simples até suas preferências teóricas
e conceituais, pois segundo Nóvoa, “ser professor obriga
a opções constantes, que cruza a nossa maneira de ser com
a nossa maneira de ensinar, e que desvendam em nossa maneira de ensinar,
a nossa maneira de ser”. (1995, p.22)
As leituras das histórias de vida, contidas nos memoriais (método
autobiográfico), tem sido um grande aliado no desenvolvimento do
trabalho. Segundo Nóvoa (1995), desde a década de 70 os
métodos biográficos e autobiográficos têm sido
fontes valiosas nas investigações educacionais, porém
vitima de muitas críticas, principalmente devido a falta de teoria
sólida que forneça suporte à elaboração
de práticas alternativas.
Sabemos que os métodos biográficos e/ou autobiográfico,
vem sofrendo críticas, principalmente das correntes psicológicas
e sociológicas, da primeira por dizer que este método tem
uma frágil consistência metodológica e por não
ter validade científica às análises implícitas
nas autobiografias. Da segunda corrente, por recorrer excessivamente aos
aspectos individuais e na incapacidade de colaborar e servir às
mudanças coletivas e sociais. Mas, como Nóvoa coloca, é
preciso assumir toda a complexidade destas abordagens autobiográficas,
pois as mesmas possibilitam um olhar multifacetado sobre o conhecimento,
não reduzindo o método a uma área específica,
mas transitando entre as fronteiras disciplinares.
O reflexo da formação precária dos docentes está
presente no dia-dia de cada sala de aula, pessoas inseguras, insatisfeitas
que muitas vezes limitam-se apenas ao uso dos livros didáticos
oferecidos e desenvolvem uma mecânica típica de um comodismo
que leva uma mudança no processo de construção do
conhecimento.
Segundo Nóvoa (1997), o sistema educacional passa por graves crises,
que estão relacionadas à precária formação
acadêmica dos professores. O conhecimento não significa acumulação
de certificados, projetos e cursos feitos, mas a maneira inteligente como
o profissional age diante das situações. Não basta
tê-lo é preciso saber usá-lo.
No relato das histórias de vidas a linguagem é o mediador
de cultura. A linguagem expressa pelos sujeitos em seus memoriais, mostram
os valores fundamentais de uma dada sociedade e as diferentes formas de
discurso que é produzido no grupo em que se inserem e onde cada
um produz e dá significações aos elementos culturais
que absorveu ao longo de suas relações sociais.
Neste contexto a política de formação contínua
dos professores é um modo de reconstrução e reapropriação
coletiva do saber, que pela troca de experiências vividas torna
a relação pessoal do saber mais importante que o próprio
saber em si. Este processo permite que o professor reflita sua práxis
atuando com maior segurança no desdobramento de novas teorias e
na inserção delas na sua prática educativa. Nóvoa
reforça essa idéia quando diz: “Os professores têm
de assumir como produtores da sua profissão”.(1997, p. 28,
grifo do autor).
Para o autor, são essenciais três critérios como base
na formação de professores: crítica reflexiva, autonomia
e criatividade. A crítica reflexiva deve fazer parte da vida do
professor para que possa estar sempre buscando meios para melhorar sua
prática. A autonomia permite escolher o que é melhor para
sua sala de aula e para seus alunos de acordo com as necessidades apresentadas
e, a criatividade o ajuda a não ficar preso a livros de didáticos,
ir além do que há neles.
O recurso da memória, utilizados nas formas de registro e escrita,
ordenadas em textos descrevem o momento, o espaço geográfico
do grupo pesquisado, onde ficam sinalizadas as histórias pessoais,
os avanços e retrocessos da caminhada de cada participante.
Outras formas de coleta de dados, tais como questionários e entrevistas
são efetivados pelos pesquisadores auxiliares. Os acadêmicos
de iniciação científica devidamente treinados nestas
técnicas de coleta de dados auxiliam neste projeto, com planos
de trabalho próprio com enfoques específicos e complementares
ao projeto maior.
As observações e entrevistas são instrumentos que
têm sido usados simultaneamente, como também considerado
o aspecto da reação dos sujeitos, para melhor compreensão
da expressão não verbalizada. Chama-se: “atenção
flutuante: lugar onde se deve buscar o significado do silêncio,
da hesitação, dos retornos verbais e não verbais,
das entonações”. (Thiollent apud LUDKE e ANDRÉ,
1986, p.36).
A coleta tem sido realizada no decurso do desenvolvimento das disciplinas
por mim ministradas iniciando-se por volta do mês de setembro de
2004, podendo estender-se até o ano de 2006. A análise dos
dados das narrativas e histórias de vida situa-se na perspectiva
qualitativa, segundo a qual o que serve de informação é
a freqüência ou a ausência de uma dada característica
de conteúdo ou de um conjunto de idéias.
Dos memoriais já escritos pelos alunos do curso, bem como os resultados
de questionários que complementam as informações
que necessitávamos obter para enriquecer os dados dos memoriais,
temos um primeiro resultado, com duas cidades: Camapuã e Água
Clara. Os dados e as tabulações e análise foram realizadas
com a colaboração de duas pesquisadoras auxiliares (iniciação
científica - PIBIQ/CNPq).
Mesmo utilizando a pesquisa qualitativa, nesse estudo também recorremos
a dados quantitativos para melhor explicitar e mapear o contexto onde
se dá a investigação. Para realização
da pesquisa estaremos utilizando instrumentos como: leitura das narrativas
de histórias de vida (memoriais), questionários para complementação
dos dados não adquiridos nestes, bem como, entrevistas gravadas
em fitas k7.
A interdisciplinaridade também se faz presente uma vez que recorremos
à parceria que “deriva da afetividade e do respeito, atributos
próprios da interdisciplinaridade, que, por sua vez, implica participação
e colaboração mútua”.(FAZENDA, 1999, p.13 apud
MELLO, 2004).
Por se tratar de um coletivo de sujeitos que interagem no mesmo curso
de formação, também analisamos os atores sociais
coletivos, pelos quais os indivíduos atingem o significado holístico
de sua experiência.
Para a análise das comunicações e obtenção
dos conteúdos das mensagens recorremos a Bardin (1977, p. 42),
adotando procedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição
do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não)
que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições
de produção/recepção (variáveis inferidas)
destas mensagens.
Após a primeira coleta de dados obtida a partir do 2º semestre
de 2004 e 1º de 2005, apresentamos resultados preliminares, com análises
que indicam tendências e padrões relevantes, tornando possível
a formulação de questões analíticas a respeito
de várias categorias que permeiam o tema.
As categorias teóricas específicas vêm sendo delineadas
mais claramente depois da inserção do pesquisador no campo
de ação. Na descrição e análise de
dados, observam-se relações possíveis com o quadro
teórico inicial sendo constituída uma perspectiva teórica
nova e particular, buscando acrescentar algo novo ao que já se
conhece do tema.
A pedagogia não está relacionada apenas em organização
e avaliação do conhecimento, mas com a linguagem, modo de
agir, ver e sentir de cada professor. Para que possa haver melhoras na
atuação dos professores não basta mudar apenas a
forma como estão atuando, é necessário mudar também
o sistema ao qual estão inseridos.
O perfil dos acadêmicos/professores do curso de
pedagogia e a interação com a tecnologia
Os dados analisados na cidade de Água Clara indicam
que a escolarização da maioria (40) que antecede o curso
superior ocorreu na própria cidade e, em escolas públicas.
Grande parte também menciona que o curso de magistério,
que também coincide com o tempo em que lecionam foi fito há
muito tempo. Indicador de afastamento da escola por longo tempo. Dentre
esses alunos, um número significativo freqüentou escolas rurais
e só depois de muito tempo, por exigência de estudos (magistério)
mudaram-se para a cidade. Há casos em que só a partir da
matrícula no Curso de Pedagogia (EAD) transferiram-se para a cidade
registrando que lecionavam até então na zona rural. Dos
que freqüentam o curso temos um total de cinco que permanecem morando
na zona rural e lecionam em escolas de fazenda. Só vêm à
cidade nos fins de semana para as aulas presenciais.
A leitura dos memoriais, onde os alunos escrevem livremente, observam-se
dificuldades em expressar as idéias sendo visível erros
com a ortografia e concordância verbal. Buscando maiores informações
sobre sua formação escolar, averiguamos que esses alunos
estudaram as primeiras séries do Ensino Fundamental (1ª a
4ª) na fazenda e alguns deste ficaram muito tempo sem estudar até
poder chegar à cidade para concluir o restante do Ensino fundamental
(5ª a 8ª).
Dos que estudaram as séries iniciais na fazenda, alguns fizeram
o restante do Ensino Fundamental e o Ensino Médio em escolas Públicas
(4), há os que fizeram EJA (Educação de Jovens e
Adultos) (2), e que fizeram Magistério (9).
Todo este trajeto precário de escolarização prejudica
o desenvolvimento dos alunos da Educação a Distância,
pois para que o curso seja bem sucedido se faz necessário grande
empenho e colaboração por parte dos alunos. O perfil dos
acadêmicos deve ser de autonomia, curiosidade, plenos de vontade,
pois a maior parte do tempo a construção do conhecimento
se dá pelo estudo isolado. Porém, observa-se que nem todos
estão cientes de sua parcela de colaboração, não
entendem que se matricularam em curso de Educação a Distância
semipresencial e, portanto, não podem esperar somente a aprendizagem
nos momentos em que os professores estão presentes.
Observa-se que o grupo, fora algumas exceções, ainda se
encontra acomodado. Não encontram mecanismos de escape da acomodação
que a escola secular criou neles durante os anos escolares. Apresentam
ainda os que se enquadram no perfil educativo citado e que ainda têm
dificuldades para caminharem sozinhos.
Os próprios alunos reconhecem que sua má formação
anterior prejudica seu desenvolvimento intelectual, o acompanhamento das
aulas e a interpretação dos textos, como comentam:
“[...] também tenho um pouco de dificuldade
em estar lendo textos, não tenho habito de ler – problema
que começou desde o início do meu processo de formação
escolar. Na época eu não gostava de ler e ninguém
nunca me cobrou por isso”. (Aluna A).
“Essas
dificuldades em ler e interpretar vem de uma formação inadequada
na escola de 1º e 2º grau, devido ao fato de que meus professores
não tinham a formação adequada para ministrar as
disciplinas de forma que as tornassem mais didáticas e prazerosas”.
(Aluna F)
As dificuldades
da turma em geral, são muito próximas, dependem muito da
qualidade da escola pública em nosso país. Ao entrarem nas
universidades, percebem que lhes faltam suporte para entender os conteúdos
e a dinâmica no processo de conhecimento. Porém, isto não
é motivo para os fazerem desistir, sua força de vontade
e ânimo em sala de aula, são exemplos de coragem e de vontade
de mudar de vida.
Os alunos se reúnem em grupos menores durante a semana no período
noturno para discutirem os textos, são estes momentos de troca
(são as chamadas atividades não presenciais), que enriquecem
o conhecimento de cada um.
Há uma média de 22 alunos que compõe uma faixa etária
entre 19 a 29 anos que encontram maior clareza e facilidade no desdobramento
das aulas, apesar de, alguns não terem a prática de sala
de aula. Neste grupo, há também 4 alunos que não
concluíram, por diversos motivos, outro curso de nível superior
na UFMS e na UCDB em Campo Grande/MS.
Como em Água Clara ainda há biblioteca e nem laboratório
de informática, os poucos alunos que tem Internet em casa se correspondem
com os professores via e-mail e se encarregam de transmitir as orientações
aos outros colegas.
Este projeto de curso (EAD) supõe uma monitora permanente para
auxiliar os alunos em suas tarefas acadêmicas, porém fica
a cargo da prefeitura do município eleger a monitora e nem sempre,
estas correspondem qualitativamente com as tarefas a serem desempenhadas.
É unânime a necessidade revelada nos memoriais para a aquisição
de uma biblioteca, como relatam:
“Um
de nossos problemas é de fazer nossa pesquisa por falta de livros”.
(aluna C).
“Uma
de nossas principais dificuldades é a falta de livros”.(Aluna
D):
“O
curso de Pedagogia a Distância está se tornando cada dia
mais difícil, principalmente porque não temos uma biblioteca
à altura para pesquisar e menos ainda um orientador para fazer
os trabalhos solicitados”. (Aluna E)
Alguns alunos
voltaram a estudar já com a idade avançada, em decorrência
de anos longe da escola sentem-se desatualizados. O que mais os motiva
é o desejo de melhorar de vida pela segurança financeira
que o curso superior pode trazer, como relata:
“Estou
nesta luta, diante de minhas dificuldades, mas com o intuito transparente,
de vencer na vida através desse curso de pedagogia”. ( Aluno
G).
“Espero
ter uma qualidade (financeira) de vida melhor”. (Aluna H).
A maior dificuldade
revelada por quase todos os alunos é quanto à interpretação
de textos e a escrita. Esta preocupação atinge tanto os
mais jovens que estão no seu primeiro curso universitário
quanto os que ficaram muitos anos longe dos bancos escolares.
Estes problemas surgem, principalmente, devido a falta de leitura em seu
dia a dia e como acrescenta Marques “[...] não só
das dos livros, também das do mundo, das da vida, de nossas conversas
de uns com outros, de nossas prévias experiências, isto é,
de nossa capacidade de dizer a outrem o que aprendemos.” (MARQUES,
1997, p.112).
Alguns admitem nos seus escritos que não tem o hábito de
leitura e, outros comentam que o curso lhe mostrou a importância
do ato de ler e hoje percebem o quanto mudaram sua prática na escola
onde atuam como professores.
“As
dificuldades que encontro no curso de Pedagogia, primeiramente vem da
leitura e interpretação de textos, pois eu não tinha
o hábito da leitura”. (Aluna I)
:
“Quero adquirir o hábito de ler e aprender os conhecimentos
necessários para transmitir aos alunos contribuindo com uma cidadania
digna”. (Aluna M).
Sendo que
39 dos 75 alunos de Água Clara/MS, se preocupam com sua qualificação
profissional, relatam o medo que sentem de não sair do curso capacitados
para exercer a profissão e assumir uma sala de aula. Eles têm
procurado participar de cursos de capacitação e palestras
ligados a sua área profissional. Têm procurado participar
de eventos promovido pela UFMS como a “Semana Pedagógica
de 2004 em Três Lagoas/MS” e a “Semana Pedagógica
de 2004 em Camapuã/MS”, ambas, segundo a turma, “um
sucesso”.
O desejo de ampliar os conhecimentos, de investigar e conhecer, tem sido
trabalhado pela maioria dos professores que ministram aulas na EAD e baseando-me
nas leituras dos memoriais posso afirmar que os alunos (maioria) têm
se transformado visivelmente e compreendido o caminho dos conhecimentos.
A fala abaixo confirma os dizeres acima:
“No
início do curso fiquei muito assustado, pois mudou totalmente a
forma de se estudar, pois vindo recentemente de um terceiro colegial com
métodos e regras ultrapassadas, foi uma grande transformação.
Na escola tinha que decorar quase tudo e aqui não, temos realmente
que aprender”.(Aluno O)
Diante dos relatos acima é possível apostar em uma boa formação
para os alunos, desde que, as estruturas governamentais e as parecerias
estabelecidas, concedam as condições prévias para
bom funcionamento do programa como: biblioteca, laboratório de
informática, instrutor para este laboratório e tutoria especializada.
Acrescente-se ainda, a necessária consciência, por parte
dos alunos, da plena consciência do seu papel de co-autor, tanto
em sua formação profissional como pessoal, pois depreendemos
das análises dos memoriais, que o conhecimento só passou
a habitar e fazer morada nos alunos quando sua atitude frente a produção
do conhecimento mudou, acrescentando novos hábitos promovidos pela
visão de mundo e de vida proporcionadas pelo curso
Um outro enfoque, proporcionado pela pesquisa de campo está direcionada
ao impacto frente ao uso da tecnologia, afeta ao próprio processo
que o curso requer dos acadêmicos. Nesse sentido a análise
a seguir baseou-se na tabulação preliminar de um questionário
aplicado a uma das turmas do curso de EAD. Nesse momento temos os indicadores
da cidade de Camapuã, que mostram ser este um ponto nodal para
o bom desempenho dos acadêmicos.
Camapuã, como as demais cidades, apresenta em sua quase maioria
uma população acadêmica de mulheres. Poucos são
aqueles(as) que fazem uso constante das tecnologias.São muitas
as razões apontadas. Dentre elas podemos destacar: não possuem
o computador em suas casas, acham difícil locomover-se para o laboratório
de informática (Em Camapuã existem 12 máquinas disponíveis),
não têm facilidade no uso do computador até mesmo
para digitar o próprio texto. Para alguns, reconhecem que a tecnologia
é imprescindível para a educação, tanto que
já usam para pesquisa, estudos etc.
Através do convívio e conversas informais, percebe-se que
a tecnologia ainda é um tabu, que os mecanismos da tecnologia ainda
não fazem parte da realidade de muitos acadêmicos.
O que levamos para reflexão nessa etapa da pesquisa é apenas
a certeza de que, embora as dificuldades de se trabalhar com a educação
à distância sejam muitas, ainda é um meio de se levar
a formação a sujeitos que não têm acesso ao
saber a não ser por este meio. O que procuramos fazer é
explorar o máximo o tempo que dispomos nas aulas presenciais e
respeitar a realidade contida nas histórias narradas através
do registro nos memoriais. Diante disso, procurar alavancar a produção
de conhecimento necessário a qualificação em serviço,
o gosto pelo estudo e, se possível proporcionar mudanças
que possam refletir em um ensino sério e rigoroso.
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